26 outubro 2006

Prefácio à Teologia Sistemática de Robert L. Dabney

Robert L. Dabney foi um presbiteriano sulista, que viveu durante o século dezenove. Archibald Alexander, o fundador do Princeton Seminary, disse que ele foi “o melhor professor de teologia dos Estados Unidos, se não no mundo.” Seu biógrafo, Thomas Carey Johnson, disse a seu respeito em The Life and Letters of Robert Lewis Dabney (1903), que ele foi o primeiro a receber o título de como sendo “o primeiro entre os pensadores escritores teológicos do seu século.”

Como um homem que desfrutava de tal reputação entre os seus próprios contemporâneos, não é de se admirar que Dabney foi considerado o mais influente homem da Southern Presbyterian Church durante o auge de seu ministério, entre 1865 à 1895.

Dabney era natural da Virginia, nascido no condado de Louisa, em 1820. Era descendente de ingleses e huguenotes franceses. Foi educado em Hampden Sydney College, Virginia, na University of Virginia, e no Union Theological Seminary, em Hampden Sydney; foi ordenado ao ministério da Igreja Presbiteriana em 1847. Exerceu os seus primeiros anos de sua vida ministerial na histórica Tinkling Springs Church no vale da Virginia. Em 1853 foi convidado para lecionar na cadeira de História e Política Eclesiástica no Union Seminary. Em 1859 foi transferido para o Departamento de Teologia Sistemática. Em 1860 recebeu um convite para juntar-se à faculdade do Princeton Theological Seminary. Mas, devido à sua fidelidade ao Sul, preferiu não ir para o Norte dos EUA naquele período. Durante a Guerra Civil entre os Estados, serviu por um período como capelão do exército Confederado, e depois como chefe de assistência ao General T.J. (Stonewall) Jackson, com o posto de major. Serviu com Jackson durante a rigorosa campanha do vale em 1862. Jackson disse a seu respeito que ele foi o mais eficiente oficial que ele havia conhecido. Depois da morte do General Jackson, em Maio de 1863, Dabney foi solicitado pela sra. Jackson para preparar uma biografia do General. Esta foi publicada em 1866 sob o título de The Life and Campaigns of Lieutenant General Thomas J. Jackson (Stonewall Jackson). Esta obra foi considerada como a melhor biografia do General Jackson, e permanece como uma das maiores produções literárias de Robert L. Dabney.

Terminada a guerra, Dabney retornou ao Union Seminary e continuou ensinando na área de Teologia Sistemática até 1883. então, ele se mudou para o Texas, onde se tornou professor na faculdade da recém University of Texas, na cadeira de Filosofia Mental e Moral e Economia Política. Ensinou nesta universidade de 1883 à 1894. Durante este mesmo período, em campanha com o Rev. Robert K. Smoot, organizaram a Austin School of Theology, a qual tornou-se posteriormente a Austin Presbyterian Theological Seminary. Morreu em Victoria, Texas, em 3 de Janeiro de 1898, e foi sepultado em Hampden Sydney, Virginia.

Dabney foi antes de tudo um mestre. A sua principal realização foi em sala de aula, onde sempre afirmou, com intensidade e vigor, os princípios da fé reformada. Também foi um fértil escritor, produzindo inúmeros artigos em várias publicações. Em acréscimo à vida de Jackson, escreveu A Defense of Virginia (and through her of the South) in the recent and pending contests against the sectional party (1967). Em 1870, produziu um livro sobre pregação com o título de Sacred Rhetoric. A presente obra foi inicialmente publicada pelos alunos de Dabney sob o título de Syllabus and Notes of the Course of Systematic and Polemic Theology conforme ensinado no Union Theological Seminary, Virginia (1878). Esta obra foi revisada pelo autor e reimpresso em 1878. Ela envolveu seis edições sendo a última em 1927. Escreveu também dois volumes na área de Filosofia, The Sensualistic Philosophy of the Nineteenth Century (1875), e Practical Philosophy (1896).

O presente volume foi inicialmente publicado pelos alunos, com a sua autorização. Posteriormente, ele a revisou e levou-a sua presente forma. Este volume reflete o seu melhor estilo de ensinar teologia. Thomas Carey Johnson, o seu biógrafo, descreve-o assim: "duas classes eram dedicadas à cada tópico, separadas pelo intervalo de dois dias. No término da segunda reunião, a classe colocava no quadro-negro um programa dos próximos tópicos para que fosse entregue. A condução dos pontos no tópico eram expostos em forma de perguntas, e quais autores tratavam daquele ponto específico. A referência mais importante era escrito primeiro, o seguinte mais importante, e etc., e os estudantes eram obrigados à ler tanto quanto eles conseguissem. O livro-texto usado era o Turrentin em latim [1]. Na reunião seguinte, ele prosseguia com uma recitação de Turrentin, abrangendo cerca de dez ou doze páginas. Os alunos eram obrigados, durante o segundo intervalo de dois dias, à escrever cada uma, de suas próprias teses sobre o tópico. No segundo momento da reunião, ele se detinha em entregar à classe a sua própria preleção sobre o mesmo tópico. Este programa e preleções compunham a principal parte de sua obra teológica" (p. 196).

Na nota original aos leitores sobre a obra foi aludido que as preleções assumiam “como um postulado determinado por outro departamento no Seminário, a inspiração e infalibilidade das Escrituras.” A seqüência geral de toda a matéria é aquela da Confissão de Fé de Westminster. É lamentável que não tenhamos do próprio Dabney, o desenvolvimento da doutrina da inspiração da Escritura. Mas, encontramos na página 144, a sua posição declarada de modo inequívoco “eu defendo que as Escrituras são, em todas as suas partes, plenamente inspiradas... isto tem está determinado, e podemos assumi-la como inspirada e infalível.”

Esta obra foi mantida como livro-texto de Teologia Sistemática no Union Seminary na Virginia até 1930. Ela é uma vigorosa e didática exposição da fé reformada. O leitor não encontrará simplesmente a reafirmação de antigas verdades, mas a ampliação dos problemas que algumas vezes percebem aquelas verdades. Esta obra é digna de ser estudada por todos os que desejam entender o Evangelho e suas implicações mais plenas.

A influência de Dabney foi fortemente percebida no meio dos presbiterianos sulistas. Este volume, como já observamos, tornou-se o livro-texto de Teologia Sistemática nos Seminários do Sul. Ele foi considerado por Auguste Lecerf da França em sua Introduction to Reformed Dogmatics, e por Herman Bavink dos Países Baixos, em sua Gereformeerde Dogmatiek como estando entre os excelentes teólogos da América.

Num período em que a igreja certamente precisa de uma voz tão clara acerca de sua teologia, creio que não há obra melhor do que a de Robert L. Dabney, a ser reproduzida e entregue à nossa geração. Desejo que esta republicação da Teologia Sistemática de Dabney seja apresentada com renovado interesse no estudo e propagação da fé reformada.

Dr. Morton H. Smith
Professor de Teologia Sistemática
Reformed Theological Seminary
Jackson, Mississippi
20 de Julho de 1971.

Nota:
[1] Francis Turrentin, Instituto theologiae elenticae (1675). vide* http://www.christianbook.com/Christian/Books/product?item_no=4524&netp_id=198405&event=ESRCN&item_code=WW

Extraído de Robert L. Dabney, Lectures in Systematic Theology (Grand Rapids, Zondervan Publishing House, 1980), in: Preface to 1972 Edition.

Traduzido por:
Rev. Ewerton B. Tokashiki

25 outubro 2006

Breve análise exegética de Ef 5.18-21

Considerações Gerais

Nas considerações gerais pretende-se, antes de se analisar Efésios 5.18-21, citar duas passagens do Novo Testamento que tratam do termo encher do Espírito, aí então entraremos no texto. Dessa forma, teremos uma visão mais ampla quando tratarmos especificamente do texto de Efésios.

Quando Jesus fala sobre ser cheio do Espírito[1] há uma ênfase de sua parte de uma apropriação contínua. Isso quer dizer que aquele que é cheio do Espírito Santo deve, continuamente, ir ao Senhor Jesus.

Vemos, ainda, Paulo[2] falando sobre o estar cheio do Espírito. É interessante notar que os cristãos de Corinto tinham muitos dons do Espírito e eles achavam que estavam plenos do Espírito por causa disso, mas Paulo, sarcasticamente, lhes diz: “Já estais fartos”(4.8), mostrando que, se realmente estivessem fartos (cheios) evidenciaram em suas vidas atitudes morais encontradas no fruto do Espírito, como por exemplo, o amor. Assim, o ato de estar cheio deve ser sempre buscado em Jesus e não envolve, propriamente, a manifestação de dons, mas a evidência moral do fruto do Espírito na vida do cristão.

O texto que passamos a examinar em Efésios começa com um contraste: “não vos embriagueis... mas enchei-vos...”. Na verdade não é uma comparação, ou seja, um crente cheio do Espírito é, da mesma forma que o ébrio, controlado de forma a não responder por si. Trata-se, na verdade, de contraste.[3] O crente cheio do Espírito deve ser o oposto da pessoa controlada pelo vinho.

Enquanto um é caracterizado pela falta de domínio, tanto de seu corpo como de seus atos, pois a embriagues é associada à dissolução, o outro é caracterizado pelo domínio próprio, que é associado ao fruto do Espírito.

Essa oposição marcada pelo estar cheio, trás conseqüências, que são demonstradas nos versículos subseqüentes (19-21). Mas, antes de falarmos sobre as conseqüências da plenitude do Espírito, iremos, primeiro, falar sobre o verbo “enchei-vos” (plêrousthe).

Na verdade, as conseqüências dependem desse verbo. Vemos, primeiramente, que este verbo está no imperativo, não sendo, portanto, um conselho, uma opção ou uma recomendação, mas uma ordem direta e enfática.

Mas, em segundo lugar, ele está na forma plural. Isso traz a implicação de que todos na comunidade devem ser cheios. A plenitude não é uma recomendação isolada para um indivíduo ou um grupo seleto, mas para a comunidade dos discípulos de Cristo.

Também vemos, em terceiro lugar, que essa ordem de Paulo é feita na voz passiva, que poderia ser traduzido por “sede enchidos” ou “deixai-vos encher”. Isso não quer dizer que o crente é um agente passivo no processo, pois, como vimos acima, devemos ir continuamente a Jesus para sermos cheios. Significa, sim, que o crente deve se entregar sem reservas ao Espírito Santo para que possamos desfrutar da plenitude.

Finalmente, em quarto lugar, o verbo se encontra no tempo presente. O tempo presente indica uma ação contínua, diferente do aoristo que é uma ação única. É uma apropriação contínua do encher do Espírito.

Agora voltaremos às conseqüências, ou resultados da plenitude na vida do cristão, descritas por Paulo. Lembrando que essas conseqüências são benéficas, em oposição às conseqüências do embriagar-se, que são maléficas.

Os quatro verbos ligados ao enchei-vos, que denotam resultado,[4] estão no particípio.
O primeiro verbo é “falando” (lalountes – v.19). O versículo não dá a idéia de falar qualquer coisa, mas conversas espirituais.[5] É uma comunhão espiritual, gerada pelo amor, que é o fruto de uma vida plena do Espírito.

O segundo verbo é “entoando e louvando” (adontes – psallontes - v.19). O crente pleno do Espírito é impulsionado pelo mesmo Espírito a glorificar o nome de Jesus. A adoração comunitária, que é a idéia do texto, se torna viva e contagiante quando é impulsionada pelo Espírito através de pessoas que manifestam a adoração de todo coração.

O terceiro verbo é “dando sempre graças” (eukharistountes – v.20). O dar graças não é uma condicional se as coisas estão dando certo, mas um estado normal na vida do crente pleno do Espírito que vê em todas as circunstâncias, positivas ou negativas, motivos para agradecer a Deus; e isso em nome do Senhor Jesus.

O quarto verbo é “sujeitando-vos” (potassomenoi – v.21). A sujeição não é específica (filhos aos pais, empregados a patrões, etc.), mas geral. Numa comunidade onde os seus membros são plenos do Espírito há uma atitude de humilde submissão uns aos outros. Stott irá dizer que “a marca registrada no cristão cheio do Espírito não é a auto-afirmação, mas a auto-submissão”.[6]

O Grande Contraste: Plenitude X Batismo com o Espírito Santo

Vejamos a diferença entre batismo com o Espírito Santo e enchimento, ou plenitude, do Espírito Santo. O que aconteceu no dia de pentecostes foi que Jesus derramou o Espírito do céu e, assim, batizou com o Espírito, primeiro, os cento e vinte e, depois, os quase três mil (ver Atos 2).

A conseqüência do batismo com o Espírito Santo foi que eles todos ficaram cheios do Espírito. O batismo foi o que Jesus fez e está fazendo a todos os convertidos. O enchimento foi o que eles receberam. O batismo foi e é uma experiência inicial única; o enchimento Deus quer que seja contínuo, como um resultado permanente, como uma norma para a vida do cristão.[7] Como acontecimento inicial, o batismo não pode ser repetido nem pode ser perdido, mas o ato de ser cheio pode e deve ser repetido e, no mínimo, precisa ser conservado.

Quando o enchimento não é conservado, ele se perde. Se foi perdido, pode e deve ser recuperado. O Espírito Santo é entristecido pelo pecado, e existe uma ordem do apóstolo Paulo para não entristece-lo (Ef 4.30). Nesse caso, ele deixa de operar na vida do cristão.

Mas o único meio de recuperar o enchimento é o arrependimento. Mesmo em casos em que não há indícios de que o enchimento foi perdido por causa de algum pecado, lemos que algumas pessoas foram novamente preenchidas, mostrando que uma crise ou um desafio requer um novo revestimento do poder do Espírito.

O “estar cheio do Espírito” como um estado normal do crente

A plenitude ou o estar cheio do Espírito deve ser o estado normal do crente; mas nem sempre encontramos pessoas na igreja cheias do Espírito. Os crentes têm se afastado do Senhor, o culto de oração é sustentado por um grupo mínimo, as orações são feitas sem um sentido real. Partindo da alma? Não.

O que está acontecendo é um esfriamento total dos crentes e isto não é normal e, sim, anormal. A igreja quando orava o Espírito agia, o local onde eles estavam reunidos tremeu e todos ficaram cheios do Espírito (At 4.31).

Jesus batiza o crente e vai inundando-o com o Espírito Santo desde sua conversão. Foi o caso de Saulo de tarso quando ele se “rendeu” ao Senhor (At 9-17). Os discípulos também estavam cheios de alegria e do Espírito Santo (At 13.52).

É, pois errado considerar a plenitude como um caso excepcional; essa idéia provém de nos termos habituados à mediocridade. A ausência da plenitude é que constitui um estado anormal, que não glorifica ao Senhor, não edifica a igreja e não atrai a Jesus os não convertidos.

A igreja neo testamentária sabia reconhecer homens cheios do Espírito Santo e os considerava capazes de desencumbirem-se de qualquer função, humilde ou destacada. É o que se vê no caso dos diáconos (At 6.3, 5), e também de Barnabé, em Antioquia (At 11.24).

Aqui, aliás, a plenitude se exprime mais por um caráter espiritual e moral, fruto do Espírito, que por uma revelação de poder no serviço ou no testemunho, no sofrimento, como aparece nestes textos (At 4.8; 7.55; 13.9).

As Implicações do texto de Efésios 5.18-21

O enchimento do Espírito Santo não é uma sugestão que pode ser tentada, uma recomendação branda, uma advertência educada. É uma coisa que Cristo nos deu, com toda autoridade de um dos apóstolos que ele mesmo escolheu.[8]

Não temos nem um pouco mais de liberdade para escapar desta obrigação. Temos que usar sempre a verdade, trabalhar honestamente, ser gentil e perdoar uns aos outros, viver em pureza e amor.

A plenitude do Espírito não é um privilégio reservado para alguns, mas uma obrigação de todos. Assim como a exigência de sobriedade e domínio próprio, a ordem de buscar o enchimento do Espírito é dirigida a todo o povo de Deus, sem exceção.

Uma condição importante para gozar da plenitude do Espírito Santo é entregar-se a ele sem reservas. Mesmo assim, não devemos pensar que somos apenas agentes passivos ao recebermos a plenitude do Espírito. Assim como alguém fica bêbado bebendo, o cristão fica cheio do Espírito buscando o enchimento através de uma vida na presença de Deus.

Notas:
[1] João 7.37-39
[2] 1Coríntios 3.1-4
[3] LOPES, Augustus Nicodemus, Cheios do Espírito, São Paulo: Mundo Cristão e Puritanos,1998, p.17
[4] LOPES, Op. Cit., p. 42. Nicodemus irá dizer que esses verbos denotam modos e resultados do encher do Espírito.
[5] Efésios 4.29
[6] STOTT, John R.W. Batismo e Plenitude no Espírito Santo, p.43
[7] Planejando Para o Ano 2000. Op. Cit., pp. 46, 47
[8] LOPES, Op. Cit, p.45

Rev. Baltazar L. Fernandes

24 outubro 2006

As características da ética cristã

A ética cristã é revelada

Deus se deu a conhecer e revelou proposicionalmente a sua vontade inspirando homens escolhidos para este fim. A revelação verbal de Deus é o fundamento epistemológico para a ética cristã. Não significa que a Escritura Sagrada seja um livro com um completo código ético com todas as decisões divinas prescritas para cada questão, mas, ela contém suficientemente todas as premissas e princípios necessários para a formulação de uma cosmovisão que orientará na estrutura da ética cristã.

A ética cristã parte do pressuposto de que o Deus que se revela nas Escrituras Sagradas é o único Deus verdadeiro e que, sendo o criador do mundo e da humanidade, deve ser reconhecido, crido e obedecido como tal, e a sua vontade é expressa nas leis de princípios morais. Deus revelou-se proposicionalmente à humanidade. Esta pressuposição é fundamental para a ética cristã, pois é dessa revelação verbal que ela tira os seus conceitos acerca do mundo, da humanidade e de como definir o que é certo e errado. Francis A. Schaeffer nos chama a atenção de que “não há padrão no universo que dê um sentido final a palavras como certo e errado. Se partirmos do impessoal, o universo torna-se totalmente silencioso, em relação a qualquer uma destas palavras.”[1] É precisamente por basear-se na revelação que o Criador concedeu um padrão ético que se estende a todas as dimensões da realidade. A ética cristã pronuncia-se sobre questões individuais, sociais, políticas, ecológicas, econômicas, culturais e espirituais, porque Deus exerce a sua autoridade sobre todas as áreas e esferas da existência humana.

A ética cristã é absoluta

A ética envolve a adoção de um padrão absoluto de autoridade. A ética cristã é teocêntrica e oposta à ética secular, que na maioria das vezes é antropocêntrica. R.C. Sproul observa que “para o humanista, o homem é a norma, o último padrão de comportamento. Os cristãos, contudo, asseveram que Deus é o centro de todas as coisas e que seu caráter é o padrão absoluto pelo qual as questões de certo e errado são determinadas”.[2] Mais enfático afirma James Orr que “o ideal ético, se quiser assegurar o seu caráter absoluto, indica para uma base eterna no Ser absoluto. Levando-nos para a concepção de Deus como um ser eticamente perfeito, fonte e origem da verdade moral, fonte da lei moral, que como vimos está comprometida com o cristianismo.”[3]

A lei de Deus, que é expressa no Antigo e Novo Testamento, é a norma para a vida moral do cristão. Existem três tipos de lei no Antigo Testamento: civil, cerimonial e moral. Tanto a lei civil como a cerimonial foram especificamente e intencionalmente limitadas à antiga Aliança, para estabelecer a teocracia sobre Israel, e foram cumpridas na obra real e sacerdotal de Cristo. A lei moral expressa em essência a vontade moral de Deus, e não teve a sua limitação nas cerimônias da antiga Aliança. A lei de Deus revela a sua perfeição para os homens.

Os Dez Mandamentos é o resumo toda a lei moral de Deus. Temos o resumo da ética do Reino de Deus exposta nele. A Confissão de Fé de Westminster declara "a lei moral obriga para sempre a todos a prestar-lhe obediência, tanto as pessoas justificadas como as outras, e isto não somente quanto à matéria nela contida, mas também pelo respeito à autoridade de Deus, o Criador, que a deu. Cristo, no Evangelho, não desfaz de modo algum esta obrigação, antes a confirma."[4]

Um dos usos da lei é o normativo. O terceiro uso da Lei é normativo para a vida cristã. A vontade moral de Deus está revelada na Escritura, e não elimina o uso de discernimento para interpretar corretamente e aplicar a vontade moral revelada para a vida cristã e civil. John Murray observa que “visto que Deus não muda, e visto que a obrigação a Deus não pode ser abrogada, qualquer alteração radical na ética imperativa é algo simplesmente inconcebível.”[5]

A ética cristã é objetiva

Por causa da sua soberania Deus tem o direito de emitir ordenanças, de impor obrigações e quando necessário intervir na consciência dos homens. Deus nos deu além da consciência, a Escritura Sagrada para regular e estimular o nosso comportamento. Norman Geisler conclui que se Deus não existisse “e as únicas leis objetivas do universo fossem as leis da física e da química, os julgamentos morais seriam absurdos. Não estamos dizendo que os ateus e naturalistas não possam fazer julgamento moral; o que estamos dizendo é que eles não têm base real para os seus julgamentos”.[6]

A ética cristã é prescritiva

A ética não se propõe apenas a descrever, mas também prescrever o que é certo ou errado. C. Stephen Evans define como sendo o “ramo da filosofia que lida com as questões de certo e errado, bem e mal, virtude e defeito.”[7] Nesta definição Evans não declara se a ética é apenas descritiva, ou se preceptiva. Todavia, se a ética cristã pressupõe a fé cristã, isto envolve necessariamente o compromisso de coerente submissão e obediência a Palavra de Deus. Quanto ao caráter preceptivo da ética, John Murray conclui que “se Jesus deu-nos um exemplo que devemos seguir os seus passos, e, se a ética cristã é deste modo definida, então a maior necessidade característica do modo de vida e conduta cristã é obedecer aos mandamentos de Deus.”[8] Quanto a isto o Catecismo Maior de Westminster declara que “que onde um dever é prescrito, o pecado contrário é proibido; e onde o pecado é proibido, o dever contrário é prescrito; assim, onde uma promessa está anexa, a ameaça contrária está inclusa; e onde uma ameaça está anexa a promessa contrária está inclusa.”[9]

Notas:
[1] Francis A. Schaeffer, O Deus que se revela (São Paulo, Editora Cultura Cristã, 2004), p. 62
[2] R.C. Sproul, Discípulos Hoje (São Paulo, Editora Cultura Cristã, 1998), p. 221
[3] James Orr, Concepción Cristiana de Dios y el Mundo (Terrassa, CLIE, 1992), p. 139
[4] Confissão de Fé de Westminster (São Paulo, Editora Cultura Cristã, 2ªed., 2003), XIX.5
[5] John Murray, ética bíblica in: O Novo Dicionário da Bíblia (São Paulo, Edições Vida Nova, 1998), p. 560
[6] Norman Geisler & Peter Bocchino, Fundamentos Inabaláveis (São Paulo, Editora Vida, 2003), p. 333-334
[7] C. Stephen Evans, Dicionário de Apologética e Filosofia da Religião (São Paulo, Editora Vida, 2004), p. 52
[8] John Murray, The Claims of Truth in: Collected Writings of John Murray (Edinburgh, The Banner of Truth Trust, 1989), vol. 1, p. 181
[9] Catecismo Maior de Westminster (São Paulo, Editora Cultura Cristã, 2002), pergunta e resposta 99, p. 122

Rev. Ewerton B. Tokashiki

21 outubro 2006

O Jansenismo

O movimento católico Jansenista tentou reavivar a soteriologia Agostiniana. As suas ênfases teológicas se concentravam nas doutrinas da graça buscando uma coerência maior do que os jesuítas em seu Semipelagianismo tinha alcançado ao fundir as doutrinas de Agostinho e Pelágio. Todavia, os jansenistas não obtiveram resultados expressivos e permanentes dentro da Igreja Católica Romana.

Cornelius Otto Jansenius (1585-1638 d.C.), bispo de Ypres, de origem holandesa, morreu em 1638, deixando um legado teológico de grande importância. A sua obra histórico-teológica Agustinus que somente foi publicada em 1640, e estudada em Port Royal por Antoine Arnauld, Le Maistre e Blaise Pascal trouxe um importante impacto na vida destes pensadores. N.V. Hope observa que "Jansen já se interessava pelo pensamento religioso de Agostinho, desde seus dias de estudante. No início da década de 1620, vindo a crer que a teologia agostiniana da graça predestinadora eficaz estava sendo ameaçada pelas tendências humanistas dos teólogos jesuítas da Contra-Reforma, lançou-se a um estudo intensivo das obras de Agostinho, principalmente seus escritos antipelagianos."[1]


O livro Agustinus sofreu forte perseguição. A Inquisição proibiu a leitura desta obra em 1641, e o papa Urbano VIII, em 1643, condenou o livro Agustinus em sua bula In eminenti. Mas a sua leitura continuou mesmo nas universidades católicas, tendo muitos simpatizantes.

Os jesuítas acusaram os jansenistas de adotarem uma forma de Calvinismo.[2] A acusação formal baseou-se nos escritos de Arnauld[3], que era discípulo de Jansênio. Destes escritos os jesuítas extraíram cinco proposições teológicas. As chamadas Cinco Proposições do Jansenismo são:[4]
1. Alguns mandamentos de Deus aos homens, que querem e se esforçam para ser justos, são impossíveis para as forças presentes que possuem e falta-lhes a graça pela qual se tornariam possíveis.
2. A graça interior não pode ser resistida no estado da natureza caída.
3. Para o mérito e o demérito no estado da natureza caída não se requer a liberdade de necessidade, mas somente a liberdade de coação.
4. Os semipelagianos admitem a graça interior preveniente para todos os atos individuais, mesmo para o começo da fé; nisto eles são hereges porque querem que a graça seja de modo a que a vontade humana lhe possa resistir ou obedecer.
5. É semipelagiano dizer que Cristo morreu e derramou seu sangue por todos os homens.

Estas cinco proposições foram condenadas pelo papa Inocêncio X, em 1653, na bula Cum Occasione. Em 1709 o convento Port Royal foi fechado e seus ocupantes dispersos.

O papa Clemente XI, em 1713, na bula Unigenitis Dei Filius, condenou 101 das sentenças dos escritos dos teólogos jansenistas. Muitos monges jansenistas foram condenados à morte e outros fugiram para os Países Baixos por encontrarem ali liberdade para expressarem seus pensamentos.[5] Os jansenistas na Holanda nomearam um arcebispo cismático, em 1723, na cidade de Utrecht. Este grupo existe até os dias de hoje, tornando-se parte da Igreja Católica Antiga na metade do século XIX.

Notas:
[1] N.V. Hope, Janse, Cornelius Otto, in: Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã (São Paulo, Ed. Vida Nova, 1992), vol. 2, p. 358
[2] Justo L. Gonzalez, Uma História do Pensamento Cristão – Da Reforma Protestante ao Século 20 (São Paulo, Editora Cultura Cristã, 2004), vol. 3, p. 238
[3] Arnauld era irmão de Mère Angelique, superiora do convento de Port Royal.
[4] Henry Bettenson, Documentos da Igreja Cristã (São Paulo, ASTE, 2001), p. 375
[5] Paul K. Jewett, Elección y Predestinacción (Jenison, TELL, 1992), p. 28

Rev. Ewerton B. Tokashiki

19 outubro 2006

A prolegômena à Teologia Sistemática

O termo prolegômena basicamente significa coisas que devem ser ditas antecipadamente. Uma definição mais precisa pode ser a exposição preliminar dos princípios gerais de uma ciência ou arte. É nesta matéria introdutória à teologia que colocaremos as nossas armas de combate à mesa. Um navio sem um leme, por mais valioso e imponente que seja, será inútil, e até perigoso, por causa de sua desorientação.

A nossa teologia necessariamente possuí uma orientação confessional. Por isso, ao estudarmos a Teologia Reformada sejamos honestos em reconhecer esta premissa e procuremos ser coerentes, em sistematizar toda a nossa teologia partir dos fundamentos do Calvinismo.

A premissa de que toda verdade é verdade de Deus, toda ela se complementa e não se contradiz demonstra como a teologia e filosofia andam de mãos dadas. Gordon J. Spykman adverte-nos ao mencionar que “a dogmática é de demasiada importância para ser confiada a teólogos inseguros de sua orientação filosófica. Sem a filosofia, a teologia se converte numa empreita restrita, superficial e vazia.”[1]

A teologia não pode ser construida arbitrariamente, mas deve seguir uma metodologia clara pela necessidade da sua natureza. Spykman comentando da natureza metodológica da Prolegômena declara que ela "é realmente introdutória, mas não no sentido de que se possa passar por ela e logo abandona-la deixando-a atrás. Não é uma subestrutura racionalmente argumentada que sustém a superestrutura teológica qualificada pela fé. Sua tarefa não é justificar a dogmática aos de fora, mas iniciar uma explicação a partir da sua própria tradição. Por isso, a prolegômena é parte integral do resto da dogmática ao considerar que uma resposta crente à Palavra de Deus é seu contínuo ponto de partida. Ela também está arraigada numa cosmovisão bíblica. Quando submetem-na a um desenvolvimento teórico maior adquire o contorno e a forma de uma filosofia cristã. A teologia necessita dessa classe de marco de referência teórico, e a tarefa da filosofia cristã é, precisamente, oferecer esse tipo de quadro total. Por isso, ao avançar, vou delinear os contornos básicos desta filosofia cristã, como porta teórica e como a perspectiva de contexto para entrar e fazer dogmática reformada. Neste sentido a tarefa é por fundamentos. A filosofia cristã serve para clarificar as pressuposições subjacentes à dogmática, seu paradigma aceito da realidade criada, seu método teológico e sua hermenêutica, seus pontos de referência normativos, e seus conceitos básicos. Proponho que este é o serviço mais autêntico, positivo e útil que uma prolegômena pode prestar."[2]

Divisões gerais da teologia
A teologia é um vasto campo de estudo. Algumas das distinções que darei certamente serão muito úteis para aqueles que, às vezes, se perdem em meio a tantas “teologias”. Podem ser catalogadas dos seguintes modos:

Classificação histórica
1. Teologia Patrística
2. Teologia Escolástica/Medieval
3. Teologia da Reforma
4. Teologia Contemporânea

5. Teologia Pós-moderna

Classificação por áreas de estudo
1. Teologia Bíblica
2. Teologia Filosófica

3. Teologia Histórica
4. Teologia do Antigo testamento
5. Teologia do Novo Testamento
6. Teologia Apologética
7. Teologia Moral
8. Teologia Pastoral
9. Teologia Sistemática (dogmática)

Classificação por concepções confessionais
1. Teologia Católica (Semipelagiana)
2. Teologia Ortodoxa/Oriental
3. Teologia Luterana
4. Teologia Reformada/Calvinista

5. Teologia Arminiana
6. Teologia Pentecostal/Carismática

Classificação por concepções filosóficas
1. Teologia Liberal
2. Teologia Neo-Ortodoxa
3. Teologia Fundamentalista
4. Teologia da Libertação

5. Teologia do Processo
6. Teologia da Esperança
7. Teologia Existencial/Crise
8. Teologia Secular

9. Teologia Feminista
10. Teologia Relacional [teísmo aberto]
11. Teologia Conservadora


A Teologia Sistemática é o centro de convergência onde todas as matérias teológicas se encontram para compartilhar as suas conquistas! A coerência construtiva entre as ciências teológicas, como a exegese, a filosofia, a história, e os padrões confessionais, são organizados num sistema de coerência. Neste sentido ela é uma teologia sistemática.

Notas:
[1] Gordon J. Spykman, Teologia Reformacional (Jenison, TELL, 1994), p. 8
[2] Gordon J. Spykman, op. cit., p. 41

Rev. Ewerton B. Tokashiki

18 outubro 2006

A participação indigna da Ceia [4]

Encerrando esta série de artigos sobre a participação indigna da Ceia pode-se concluir que o participante deve ter uma conduta em conformidade ao momento, às exigências, ao relacionamento mútuo, e ao significado da Ceia do Senhor. Ele precisa discernir o ato da celebração como sendo singular. Reconhecer que a Ceia não é uma refeição ordinária, mas que representa a morte expiatória de Cristo, precisamente por ser ela o sinal da nova Aliança. Todo participante deve possuir uma conduta ética com os demais membros de acordo com aquilo que a Mesa do Senhor exige. James D.G. Dunn corretamente expressa que “a preocupação de Paulo estava concentrada no pão e no cálice como expressões primárias da unidade da congregação e como meio dessa unidade quando corretamente celebrados”.[1] Herman Ridderbos também contribui dizendo que “quando a igreja celebra a Ceia, ela ‘anuncia’ verbalmente numa auto-descrição o que ela significa.”[2] Pesa sobre o participante a responsabilidade de exercer um auto-exame da qualidade dos seus relacionamentos com os demais participantes. A Ceia também representa a comunhão do Corpo, isto é, da Igreja de Cristo. Novamente, Dunn conclui que “uma Ceia do Senhor que não era uma ceia compartilhada, que não era um participar de um só pão e de um só cálice, não era efetivamente a Ceia do Senhor.”[3]

Nada pode diluir a comunhão espiritual que há entre os cristãos. Pois, nada pode separar a Igreja da sua comunhão espiritual com Cristo. Uma vez salvos em Cristo, os cristãos tornam-se membros do mesmo Corpo. Entretanto, a prática da mutualidade pode ser corrompida e afetada. Se houver uma reunião onde não há a recíproca prática da comunhão, não há a Ceia do Senhor. A mesa da comunhão celebrada de modo pecaminoso, com sectarismos, é uma contradição de termos. Esta foi a avaliação de Paulo “quando, pois, vos reunis no mesmo lugar, não é a ceia do Senhor que comeis” (11:20). Eles tornavam a sua reunião indigna, isto é, imprópria para realmente celebrarem a Ceia do Senhor, por causa do modo como se relacionavam. Dunn observa que a mesa do Senhor “não podia ser um negócio particular em que cada qual fizesse o que quisesse. A Ceia do Senhor não era a Ceia do Senhor, se não unia a comunidade participante em mútua responsabilidade de uns com os outros.”
[4]

A recomendação paulina exige não apenas a comunhão que os cristãos devem exercer entre si, mas de torná-la manifesta pela mutualidade. Os cismas dentro da igreja de Corinto prejudicavam essencialmente a celebração da Ceia. Em meio às disputas, os seus relacionamentos deixavam de estar em conformidade com aquilo que eles eram em Cristo. Conseqüentemente, a igreja de Corinto realizava uma ceia que era propriamente sua, mas não do Senhor. Não é de se estranhar que após uma esclarecedora observação acerca dos juízos que estavam disciplinando aquela comunidade, o apóstolo termine com esta conclusão “assim, pois, irmãos meus, quando vos reunis para comer, esperai uns pelos outros” (vs. 33, grifos meus). A participação da reunião para a Ceia não estava de acordo com o seu valor, assim, poderia ser considerada indigna.

Notas:
[1] James D.G. Dunn, A Teologia do Apóstolo Paulo, p. 694.
[2] Herman Ridderbos, El Pensamiento del Apóstol Pablo, p. 548.
[3] James D.G. Dunn, A Teologia do Apóstolo Paulo, p. 696.
[4] James D.G. Dunn, op.cit., p. 702.

Rev. Ewerton B. Tokashiki

A participação indigna da Ceia [3]

A igreja de Corinto estava quebrando uma solene tradição cristã. No início de 1 Co 11 Paulo louva os coríntios por estarem fielmente guardando “as tradições assim como vo-las entreguei (vs. 2).” Porém, encontramos o contraste no verso 22 quando num triste e enfático tom Paulo declara que “certamente, não vos louvo”. Não era apenas uma questão de usos, ou costumes, mas uma cerimônia que celebrava a Aliança com o próprio Senhor Jesus, e necessitava ser preservada diligentemente. F.F. Bruce explica que a Ceia foi algo que Paulo “o recebeu ‘do Senhor’, no sentido de que toda tradição cristã tem sua fonte no Senhor crucificado e exaltado, assim como nele, ela é validada para sempre.”[1] A citação de Kistemaker pode reforçar esta idéia quando diz “Paulo revela que a comunhão também é o ato repetido de se receber e entregar o sacramento até que o Senhor volte (vs. 26).”[2]

A participação indigna consiste em desprezar a mútua comunhão que Cristo pelo seu sacrifício expiatório une a Sua Igreja. Os coríntios estavam numa reunião que deveria ter o propósito de celebrar a unidade do Corpo do Senhor.[3] Entretanto, usavam daquele momento para desprezar uns aos outros. Gordon Fee observa que “tal conduta é indigna da Mesa onde está sendo proclamada a morte de Jesus até que ele venha.”[4] F.F. Bruce sumariza todo o problema ao dizer que "quando eles partiam o pão que era o símbolo do corpo de Cristo, eles relembravam seu auto-sacrifício na cruz, mas também declaravam participar todos juntos do seu corpo coletivo. Por isso, se eles, na prática, negavam a unidade que professavam simbolicamente na Ceia, estavam comendo e bebendo de modo indigno, profanando, assim, o corpo e o sangue do Senhor; se eles comiam e bebiam 'sem discernir o corpo', estavam comendo e bebendo condenação para si mesmos. Comer e beber “sem discernir o corpo” significa simplesmente tomar o pão e o cálice, ao mesmo tempo que tratavam seus irmãos cristãos sem amor, em pensamento ou ação."[5]

Nos escritos paulinos o conceito de “estar em Cristo” não admite uma comunhão que não seja recíproca com os que são salvos por Ele. A ênfase na koinonia é perene nos escritos do apóstolo. F.F. Bruce observa que “a contribuição diferente que Paulo faz à doutrina eucarística está em sua ênfase na refeição como uma ocasião de comunhão (koinonia) e em sua interpretação da palavra pão, ‘este o meu corpo’, fazendo-a englobar o corpo coletivo de Cristo.”[6] Esta comunhão é apenas um reflexo da relação que o Corpo tem com a Cabeça (1 Co 10:16-17; Cl 1:18-20; Jo 17:20-26).

A santidade da comunhão deveria ser manifesta na Ceia da Comunhão. Herman Ridderbos comenta que "a palavra ‘indignamente’ a duras penas reproduz o sentido da expressão; porque se deve excluir toda idéia que insinue que por mérito pessoal, ou algum reclamo legal alguém possa fazer-se ‘digno’. A imagem é melhor se expressa em comer e beber de um modo inadequado, impróprio e incoerente com o seu significado. É uma questão de respeito pelo verdadeiro caráter do que aqui se chama o pão e o cálice do Senhor; isto é, respeito pela santidade desta comunhão (cf. 1 Co 10:21)."[7]

A participação da Ceia envolvia a responsabilidade de avaliar o que era aquele singular momento. As pessoas envolvidas deveriam ter consciência da seriedade daquela cerimônia. O que era representado nos elementos. A espécie de relacionamento que ela estabelecia tanto com Cristo, o seu anfitrião, quanto com os demais membros participantes da Igreja do Senhor. Kistemaker comenta que “os coríntios devem saber que não podem participar da Comunhão com o coração cheio de desprezo nem de frivolidade. Depois do devido auto-exame, devem se aproximar da mesa do Senhor com amor genuíno para com seu Senhor e para com o seu próximo.”
[8] A ordenança ao exame pessoal é o remédio contra a indignidade. Não era para julgarem uns aos outros. Mas cada um a si mesmos sobre o modo de como estavam se portando na Ceia. Gordon Fee sugere que "provavelmente isto não seja tanto uma ameaça quanto um chamado a uma conduta verdadeiramente cristã na Ceia. Neste sentido exorta os coríntios a examinarem-se. Sua conduta desmente o evangelho ao qual asseguram compromisso. Antes de participar no banquete, devem examinar-se acerca de suas atitudes para com o corpo, como estão tratando aos demais, sendo que o próprio banquete é um lugar de proclamação do evangelho."[9]

Parte da celebração apropriada da Ceia envolvia o discernir o que significava o “corpo”(vs. 29). Algumas sugestões tem sido dadas para interpretar o que Paulo quis realmente dizer com “discernir o corpo”. Leon Morris afirma que se refere a “distinguir a ceia do Senhor de outras refeições, isto é, não considerá-la como qualquer outra refeição.”[10] Kistemaker segue o mesmo raciocínio dizendo que “os participantes devem fazer uma distinção clara entre o pão que eles comem na festa da fraternidade para o nutrimento do corpo físico e o pão da Ceia do Senhor em benefício do corpo de crentes.”[11] Uma segunda opinião sugerida por alguns intérpretes seria de que os coríntios não refletiam sobre o significado expiatório da Ceia. Isto é, que a ceia representa a satisfação vicária de Cristo oferecida ao Pai.

Todavia, uma terceira opinião parece merecer crédito: o conceito de que “corpo” refere-se à comunhão da Igreja de Cristo.[12] Algumas evidências favorecem esta última interpretação. Primeiro, é ilusório pensar que os versos 27 e 29 são paralelos. O verso 29 não contém no original a variante “indignamente”. Segundo, Paulo já havia fornecido uma definição do que ele entendia por “corpo” em 10:16-17. Neste caso o verso 27 seria uma das comuns digressões do apóstolo. Gordon Fee observa que “o ‘significado’ desse ‘corpo’ nesta Mesa é aqueles que comem do único pão que são eles mesmos o único corpo.”[13] Terceiro, deve ser observado a ênfase da palavra sinercomai (reunir, vs. 17, 18, 33, 34). Quarto, Paulo mantém na perícope seguinte (12:1-31) o uso do termo “corpo” para referir-se a unidade da Igreja, e não para o pão da Ceia. Então, “discernir o corpo” presume uma exigência de participar da Ceia entendendo a comunhão, uns com os outros, forjada na união com Cristo.

A declaração do apóstolo no verso 30 não se trata de uma ameaça, mas de uma constatação. Gordon Fee comenta que “isto não é uma exortação nem uma advertência; é uma reflexão ad hoc sobre a situação deles.”[14] Os que estão em Cristo não precisam temer o juízo condenatório (Rm 8:1). Todavia, estes tristes efeitos dos abusos cometidos pelos cristãos coríntios testemunhavam do seu comportamento impróprio uns com os outros na Ceia do Senhor. Na Bíblia de Estudo de Genebra encontra-se o seguinte comentário “visto que alguns dos crentes de Corinto estavam celebrando a Ceia de uma maneira que destruía a unidade que ela representa, Deus tinha imposto julgamentos contra a comunidade. O propósito de Deus ao julgar aqueles crentes, porém, era de impedi-los de serem ‘condenados com o mundo’ (vs.32).”[15]

Paulo considera necessário informar aos cristãos coríntios que o sofrimento estava relacionado com a observância inapropriada da Ceia do Senhor. A menção das enfermidades e morte é no seu sentido literal. Charles Hodge afirma que “visto que não há nada no contexto que indique que estes termos devem ser usados no sentido figurado de enfermidades morais e decadência espiritual, devem ser tomadas em seu sentido literal.”[16] G.G. Findlay sugere que “a mera coincidência de tais aflições com a profanação da Eucaristia poderia não justificar Paulo em fazer tal declaração; necessitaria estar consciente de alguma revelação específica para esta conseqüência.”[17] Paulo não justifica a fonte da sua afirmação. Não é possível saber se ele diagnostica a situação dos cristãos coríntios pela informação vinda alguém da própria igreja, ou por uma revelação especial vinda do próprio juiz, o Senhor Jesus.

Notas:
[1] F.F. Bruce, Paulo o Apóstolo da Graça (São Paulo, Shedd Publicações, 2003), p. 275.
[2] Simon Kistemaker, 1 Coríntios (São Paulo, Editora Cultura Cristã, 2004), p. 547.
[3] Raymond Bryan Brown, Comentário Bíblico Broadman Atos-1 Coríntios (Rio de Janeiro, JUERP, 1984), vol. 10. Brown adota uma definição mais ampla “a pessoa come de maneira indigna quando não age por amor, em favor da comunhão da igreja, e também quando é insensível para com a presença de Cristo, ingrata para com a sua morte sacrificial, e irresponsável quanto ao significado de sua redenção”p. 419.
[4] Gordon Fee, Primera Epistola a los Corintios (Bueno Aires, Nueva Creación, 1994), p. 634.
[5] F.F. Bruce, Paulo o Apóstolo da Graça, pp. 276-277.
[6] F.F. Bruce, Paulo o Apóstolo da Graça, pp. 276.
[7] Herman Ridderbos, El Pensamiento del Apóstol Pablo (Grand Rapids, Libros Desafío, 2000), pp. 552-553.
[8] Simon Kistemaker, 1 Coríntios, p. 558.
[9] Gordon Fee, Primera Epistola a los Corintios, p. 636.
[10] Leon Morris, 1 Coríntios Introdução e Comentário (São Paulo, Edições Vida Nova, 1991), p. 131.
[11] Simon Kistemaker, 1 Coríntios, pp. 559-560.
[12] Gordon Fee, Primera Epistola a los Corintios, p. 637.
[13] Gordon Fee, op.cit., p. 638.
[14] Gordon Fee, op.cit., p. 639.
[15] R.C. Sproul, ed., Bíblia de Estudo de Genebra (São Paulo, Ed. Cultura Cristã, 1999), p.1359.
[16] Charles Hodge, Comentário de 1 Coríntios (Edinburgh, El Estandarte de la Verdad, 1996), p. 215.
[17] G.G. Findlay, St. Paul’s First Epistle to the Corinthians in:The Expositor’s Greek Testament (Grand Rapids, Wm. B. Eerdmans Publishing Company, 1961), vol. 2, p. 883.

Rev. Ewerton B. Tokashiki

A participação indigna da Ceia [2]

A constatação do apóstolo de que os coríntios participavam da Ceia do Senhor de maneira indigna tem trazido divergência de interpretação quanto ao seu exato significado. Algumas dessas interpretações serão expostas a seguir.

Thomas C. Oden prefere uma interpretação moral para indignamente. Em vez de recorrer a palavra grega original, ou, ao contexto próximo da passagem, ele busca uma relação com a desqualificação moral do caráter de alguns cristãos coríntios. Citando alguns versículos Oden concebe a seguinte ponte “aqueles que tem um procedimento desordenado são admoestados (2 Ts 3:6-15). Alguns ‘devem examinar a si mesmos antes de comer do pão e beber do cálice. Pois o que come e bebe sem discernir o corpo do Senhor, come e bebe juízo para si’ (1 Co 11:28-29). Paulo especificamente instrui os coríntios que ele não deveriam comer ‘com alguém que chamasse a si mesmo de irmão, mas que era sexualmente imoral ou ganancioso, um idólatra ou um caluniador, beberrão ou mentiroso’ (1 Co 5:11).” [1] Entretanto, o advérbio indignamente refere-se ao modo da ação, não especificamente ao caráter do agente.

Leon Morris sugere que a participação digna da Ceia deve ser com fé. Ele declara que “mas noutro sentido podemos vir dignamente, isto é, com fé, e com a devida realização de tudo que é pertinente a tão solene rito. Negligenciar nisto é vir indignamente no sentido aqui censurado.”[2] Todavia, os que participavam da Ceia não estavam sendo reprovados por sua falta de fé. Nem por permitirem a participação de incrédulos. A sua reprovação era por desprezar o cerimonial da Ceia e a comunhão dos irmãos.

O teólogo da antiga Princeton Charles Hodge defende que a participação indigna significa participar com espírito negligente e irreverente. Ele diz que “se a Ceia do Senhor é em sua própria natureza uma proclamação da morte de Cristo, conseqüentemente que os que participam dela como se fosse uma comida ordinária, ou de maneira irreverente, ou com qualquer outro propósito que o moveu a realizá-la, são culpados do corpo e do sangue do Senhor.”[3] Em seguida define dizendo que “comer ou beber indignamente é, em geral, vir a mesa do Senhor com espírito negligente e irreverente; sem intenção nem desejo de comemorar a morte de Cristo como sacrifício por nossos pecados, e sem o propósito de cumprir as obrigações que com ela contraímos.”[4] Hodge se limita a interpretar a participação indigna como sendo um problema meramente subjetivo.

O comentarista F.W. Grosheide relaciona o significado da indignidade ao errôneo uso da Ceia. Ele argumenta que “indignamente: isto implica que uma certa dignidade, ou valor está relacionado com o pão e o cálice. Aquele que os utiliza sem levar em conta o seu valor, os usa de um modo indigno, ou seja, não está de acordo com o seu valor. Um tão indigno uso os coríntios fizeram da Comunhão quando serviram-na, seguida duma festa do amor unida pela discórdia.”[5] Embora Grosheide capte o significado original da palavra indignamente, ele o erra em sua aplicação. Defende que o erro dos coríntios era ter a Ceia do Senhor como sendo de inferior valor, por realizá-la após uma festa. Deve-se notar que ele pressupõe um modelo de ceia greco-romana. A igreja de Corinto teria apenas feito uma ligeira adaptação para celebrar a Ceia do Senhor após a refeição principal. Como nas refeições greco-romanas, a principal e mais importante era a primeira refeição, servida para a nutrição, a que era servido em seguida objetivava encerrar o jantar, mas não tinha valor nutritivo. Esta concepção torna-se insustentável pelo fato, que não é provável que a Igreja Primitiva tenha mudado a sua prática litúrgica tão cedo, abandonando o modelo da ceia pascal judaica, pela ceia greco-romana. A história aponta para a preservação da tradição original, pelo menos nos primeiros dois séculos.[6]

C.K. Barret interpreta que o indignamente é posicionar-se com hostilidade aos irmãos durante a Ceia. Barret declara “o que Paulo entende por indignamente é explicado pelos versos 21 em diante; ele pensa das falhas morais de partidarismo e ganância que marcavam a reunião dos coríntios.”[7] Continua esclarecendo que “comer e beber indignamente (no sentido indicado acima) é contradizer tanto o propósito da auto-entrega de Cristo, e o espírito no qual foi feito, e situar-se entre aqueles que foram responsáveis pela crucificação, e não entre aqueles que pela fé receberam o seu fruto.”[8] A segunda citação possuí uma implicação lógica que é verdadeira. Mas, ela não se encontra de modo objetivo na passagem (11:17-34). Logo, não é possível incluí-la como um aspecto da indignidade que Paulo estava reprovando.

John F. MacArthur Jr. sustenta que a indignidade refere-se a uma depreciação da cerimônia. Comenta que “vir indignamente à Comunhão é uma simples desonra a cerimônia; é uma desonra Àquele a quem a honra é celebrada. Tornamo-nos culpados de desonrar o seu corpo e sangue, que representam a Sua obra e completa graça por nós, Seu sofrimento e morte em nosso favor.”[9] A interpretação de MacArthur é parcial. Ao expor que os coríntios estavam desonrando a cerimônia, omite os abusos cometidos entre os cristãos coríntios (cf. vs. 17-22, 33-34).

Simon Kistemaker prefere uma interpretação inclusiva. Reconhece que há uma variada gama de definições acerca do significado da maneira indigna que a Ceia foi realizada. Simplesmente prefere assumir que "talvez Paulo tenha pretendido que o advérbio indignamente fosse interpretado de modo mais amplo possível. É verdade que alguns dos coríntios mostravam falta de amor, enquanto outros deixaram de distinguir entre a festa de fraternidade e a observância da Santa Ceia. Ambos estavam errados, e Paulo os confronta. Mas o texto tem uma mensagem para a Igreja universal, também. Os cristãos nunca devem considerar a celebração um mero ritual. Ao contrário, os crentes sinceros devem aguardar com alegria a Ceia do Senhor. Os cristãos devem confessar não serem dignos por causa do pecado, mas terem sua posição de dignidade por causa de Cristo. Paulo não está exigindo perfeição antes que se permita aos crentes virem à mesa da comunhão. Ele defende um estilo de vida governado pelas reivindicações do evangelho de Cristo, e que tribute o mais alto louvor a Deus."[10]

É possível que Kistemaker tenha razão. Mas, parece que a passagem trata de um problema bem específico. Entretanto, pelo fato do apóstolo exigir um auto-exame, e indicar a ocorrência de disciplinas distintas, e por fim fazer uma recomendação dirigida a mutualidade (esperai uns pelos outros, vs. 33), é mais sensato pensar que a participação indigna na Ceia poderia ser um problema específico.

Notas:
[1] Thomas C. Oden, Life in the Spirit: Systematic Theology (Peabody, Prince Press, 2001), vol. 3, p. 326.
[2] Leon Morris, 1 Coríntios Introdução e Comentário (São Paulo, Ed. Vida Nova e Mundo Cristão, 1988), p. 131.
[3] Charles Hodge, Comentário de 1 Corintios (Edinburg, El Estandarte de la Verdad, 1996), p. 212.
[4] Charles Hodge, Comentário de 1 Corintios, p. 213.
[5] F.W. Grosheide, Commentary on the First Epistle to the Corinthians (Grand Rapids, Wm. B. Eerdmans Publishing Company, 1953), pp. 273-274.
[6] Justino (100-165 d.C) descreve a celebração da Ceia da seguinte forma “depois àquele que preside aos irmãos é oferecido pão e uma vasilha com água e vinho; pegando-os, ele louva e glorifica ao Pai do universo através do nome do Filho e do Espírito Santo (...) depois que o presidente deu ação de graças e todo o povo aclamou, os que entre nós se chamam ministros ou diáconos dão a cada um dos presentes parte do pão e do vinho e da água sobre os quais se pronunciou a ação de graças e os levam aos ausentes.”Justino de Roma, 1 Apologia in: Patrística (São Paulo, Ed. Paulus, 1995), pp. 81-82.
[7] C.K. Barret, The First Epistle to the Corinthians (Peabody, Hendrickson Publishers, 1996), p. 272.
[8] C.K. Barret, The First Epistle to the Corinthians, p. 273.
[9] John F. MacArthur, Jr., The MacArthur New Testament Commentary1 Corinthians (Chicago, Mood Press, 1984), p. 274.
[10] Simon Kistemaker, 1 Coríntios (São Paulo, Editora Cultura Cristã, 2004), p. 557.

Rev. Ewerton B. Tokashiki

17 outubro 2006

A participação indigna da Ceia [1]

Corinto: uma igreja problemática

Paulo escreve 1 Coríntios corrigindo várias distorções cometidas pelos coríntios em seu convívio diário.[1] O apóstolo reprova as divisões (1:10-4:20); o vergonhoso e público caso de incesto de um de seus membros (5:1-13); disputas legais entre cristãos (6:1-11); casos de membros da igreja local envolvidos com prostitutas (6:12-20); desentendimentos quanto ao valor do casamento (7:1-40); a participação de festividades pagãs e comidas oferecidas a ídolos (8:1-11:1). Mas, os últimos três problemas seguintes estão relacionados com as reuniões públicas dos cristãos na igreja de Corinto: primeiro, a explicação da autoridade entre homens e mulheres na igreja (11:2-16); segundo, relata as distorções da Ceia do Senhor (11:17-34); e por último, analisa a problemática do culto na igreja de Corinto envolvendo a má compreensão da distribuição, importância e usos dos dons (12:1-14:40). Em seguida, Paulo fornece um esclarecimento da veracidade da ressurreição de Cristo, e a certeza da ressurreição futura dos crentes (15:1-58). Solicita como a igreja deve proceder para a coleta (16:1-11) e menciona a ida de Apolo (16:12).

O problema da Ceia não era generalizado, mas era perceptível. Não é possível sustentar que toda a igreja de Corinto se encontrava reprovada por Paulo. Ele mesmo diz que “porque importa que haja partidos entre vós, para que também os aprovados se tornem conhecidos em vosso meio” (vs. 19).

É necessário observar que os abusos da Ceia em Corinto envolviam apenas os cristãos. Não há indícios de que nesta perícope Paulo esteja preocupado em restringir a Ceia. Os coríntios não estavam sendo acusados de permitir a participação de incrédulos na Mesa do Senhor. Não eram os incrédulos que estavam profanando a Ceia, mas as atitudes ímpias dos cristãos coríntios.

A reconstrução histórica da Ceia em Corinto

Há dois modos de reconstruir a reunião da Ceia da igreja Corinto. O primeiro modelo sugere que a Ceia seguia o padrão de um jantar comum. Isto pressupõe uma refeição extraída da cultura greco-romana. Conforme este modelo a Ceia da igreja de Corinto possuía duas fases. A primeira desenrolava-se numa refeição comum, com o propósito de nutrição. Logo em seguida, viria uma segunda parte, com a celebração solene da Ceia do Senhor. Esta interpretação explica que durante a primeira fase da refeição os crentes de Corinto cometiam sérios abusos, tais como egoísmo, bebedeira, glutonaria e desprezo pelos irmãos pobres. Sendo que a Ceia do Senhor que viria em seguida já não teria importância, para os que se atrasaram e não participaram da primeira refeição, estando ainda com fome e gerando um descontentamento entre os cristãos coríntios. James D.G. Dunn está correto ao discordar desta reconstrução histórica, pois entende que “o problema neste caso é que Paulo parece ter em mente só uma única refeição comum (a Ceia do Senhor). A prática que ele reprova não é a de uma refeição separada (precedente) da Ceia do Senhor, mas o abuso de uma única refeição (a Ceia do Senhor) que começava com o único pão e terminava com o cálice ‘após a ceia’ (11,25).”[2]

A segunda reconstrução histórica interpreta a Ceia do Senhor como sendo uma única refeição numa reunião com o propósito solene de celebrar a comunhão da Igreja de Cristo. Seguindo o padrão da ceia Pascal, então, a interpretação toma outro rumo. Primeiro, pressupõe-se que a Ceia do Senhor, em alguma medida, possuía continuidade com a refeição da antiga Aliança. Segundo, a Ceia era uma refeição litúrgica (Mt 26:30), seguindo os moldes da tradição apostólica (com a sentença: eu recebi do Senhor o que também vos entreguei, vs. 23), não meramente uma reunião de confraternização. Em terceiro lugar, Paulo usa uma palavra grega muito específica para a “ceia”, que se refere ao “principal alimento recebido à noite”
[3] e não a uma refeição secundária.

A Ceia do Senhor representa, entre outras concepções, a comunhão da Igreja de Cristo (10:17). O comportamento partidário e egoísta contradizia abertamente o sentido da cerimônia. Tal era a distorção das reuniões dos coríntios, que descaracterizavam a Ceia, tornando o ambiente impróprio de celebrar a comunhão do Corpo de Cristo (vs. 20).

Não se deve admitir que as divisões dentro da igreja de Corinto ocorriam somente por problemas sociais. James D.G. Dunn interpreta, erroneamente, que “é particularmente evidente que a tensão era basicamente entre cristãos ricos e cristãos pobres, isto é, entre os que tinham comida e bebida suficiente e suas próprias casas (11,21-22) e ‘os que nada têm’ (11,22)”.[4] Percebe-se que o principal problema que afetava a celebração da Ceia da igreja de Corinto eram os partidarismos relacionados a uma má compreensão de quem eram os seus líderes. Dentro da igreja havia discórdia e competição, pois “cada grupo se jactava da sabedoria superior de seu escolhido (1:10-17).”[5] O problema não era apenas uma luta de classes sociais. O texto refere-se a “divisões” (vs. 18) e a “partidos” (vs. 19). Não eram apenas dois grupos em desentendimento, mas várias facções, acerca de diversos assuntos (cf. 3:4, 22; 8:7, 9, 13; 9:2; 11:22).

Notas:
[1] D.A. Carson, et.al., Introdução ao Novo Testamento (São Paulo, Ed. Vida Nova, 1997), pp. 287-289.
[2] James D.G. Dunn, A Teologia do Apóstolo Paulo (São Paulo, Ed. Paulus, 2003), pp. 688-689.
[3] William D. Mounce, The Analytical Lexicon to the Greek New Testament (Grand Rapids, Zondervan Publishing Books, 1992), p. 133.
[4] James D.G. Dunn, op.cit., p. 687. Embora sendo cuidadoso com a sua análise contextual, Dunn não evita a sua tendência em defender que “a análise sociológica sugere que o assunto tratado em 1 Co 10-11 era primariamente a união social e não tanto uma disputa teológica” p. 689. É aceito que Paulo não estava discutindo com os coríntios acerca da presença de Cristo na Ceia. Mas ao instruir-lhes acerca da natureza da Ceia do Senhor (11:23-26) certamente o apóstolo releva-lhes à memória a gravidade da confusão e profanação da Ceia, a ponto de acusá-los de descaracterizá-la, e dizer-lhes que aquilo que eles faziam “não é a ceia do Senhor que comeis” (11:20).
[5] D.A. Carson, et.al., Introdução ao Novo Testamento, p. 287.

Rev. Ewerton B. Tokashiki

16 outubro 2006

Cosmovisão e ética

O cristianismo é uma religião em que a ética exerce uma função essencial. O trino Deus é santo, e exige um relacionamento santo, a sua verdade é absoluta, e a justiça é um elemento permanente em seu reino. Não existem decisões e relacionamentos em que não se apliquem preceitos éticos, e que não tenham motivações e implicações morais. Aceitando esta premissa podemos pensar que o cristianismo é mais do que discipulado, mais do que acreditar em um sistema de doutrinas sobre Deus. O Cristianismo genuíno "é uma maneira de ver e compreender toda a realidade. É uma cosmovisão, uma visão de mundo. [...] em toda área da vida, conhecimento genuíno significa discernir as leis e ordenanças pelas quais Deus estabeleceu a criação, e então permitir que essas leis modelem a maneira pela qual devemos viver."[1]

Toda ética é orientada por uma cosmovisão. As nossas crenças ditam o nosso comportamento, porque as idéias têm conseqüências. Em toda ação moral há uma teoria definida ou não. Uma das características exclusivas dos seres humanos é que não podem fazer nada sem um tipo de orientação ou condução que uma cosmovisão dá. Necessitam ser guiados porque são inescapavelmente criaturas com responsabilidade, que por natureza são incapazes de sustentar opiniões puramente arbitrárias ou fazer decisões inteiramente sem princípios. Por isso, é necessário escolher conscientemente uma específica cosmovisão cristã. Sem uma cosmovisão a possibilidade da incoerência é presente, tornando fragilizada qualquer postura ética que for adotada. Por isso, James W. Sire comenta que comprometer-se com uma cosmovisão “na verdade, é um passo significativo na direção da auto-conscientização, do auto-conhecimento e do auto-entendimento.”[2]

Cosmovisão é o conjunto de premissas que orientam a interpretação de toda a experiência com Deus, comigo e com o próximo. Norman Geisler observa que a cosmovisão “é um sistema filosófico que procura explicar como os fatos da realidade se relacionam e se ajustam um ao outro.”[3] Existem basicamente três provas que formam a estrutura de uma cosmovisão.[4] Primeiro, a suficiência dos pressupostos. Para o desenvolvimento de uma lógica válida, que conduzirá a um resultado que expressa a verdade, é necessário reter-se pressupostos não somente verdadeiros, mas também suficientes. Qualquer informação que falte, propiciará para um possível desvio da verdade. A cosmovisão que não tem respostas a perguntas cruciais não pode ser verdadeira.

Segundo, a consistência interna. A contradição é um caos mental. O uso da lei da não-contradição é necessário para a formação de qualquer cosmovisão. Esta lei da lógica declara que duas declarações não podem possuir sentido contrário, ao mesmo tempo e no mesmo contexto. A contradição é inerente e absurdamente incompreensível. A consistência elimina os elementos e as categorias contraditórias. A essência da verdade é a coerência, pois os fatos são complementares entre si.

Terceiro, a coerência com a experiência externa. Devemos perguntar se a cosmovisão ajusta-se aos fatos. A aplicabilidade existencial de uma cosmovisão é crucial para comprovar a sua veracidade. É necessário questionar se esta percepção da realidade é construtiva? Quais são as conseqüências práticas de se crer assim? Estas conclusões não abrirão portas para um comportamento bizarro, ou destrutivo?É importante notar que as cosmovisões têm a ver com crenças básicas sobre as coisas. As crenças básicas que uma determinada pessoa sustenta, tendem a formar uma estrutura ou padrão. Eis a razão por que os humanistas freqüentemente falam de um "sistema de valores". Todas as pessoas reconhecem, em algum grau pelo menos, que devem ser consistentes em suas concepções, se quiserem tomá-las com seriedade; de modo responsável, não adotam uma posição arbitrária de crenças básicas que não possuam coerência. A cosmovisão forma, num grau significativo, a maneira pela qual avaliamos os eventos, assuntos e estruturas de nossa civilização e da nossa época. A cosmovisão bíblica é simplesmente um apelo para que o crente leve a sério a Bíblia e o seu ensino para a totalidade da civilização, e que não a relegue a alguma área opcional chamada "religião".

Notas:
[1] Charles Colson & Nancy Pearcey, E Agora Como Viveremos? (Rio de Janeiro, CPAD, 2000), p. 33.
[2] James W. Sire, O Universo ao Lado (São Paulo, Editora Hagnos, 2004), p. 21.
[3] Norman Geisler, & Peter Bocchino, Fundamentos Inabaláveis (São Paulo, Editora Vida, 2003), p. 53.
[4] Alan Myatt, Apostila de Teologia Sistemática (texto não publicado do Seminário Teológico Batista do Sul, Rio de Janeiro, 1999), p. 2.

Rev. Ewerton B. Tokashiki

12 outubro 2006

A relação entre teologia e ética

Até o fim do século XVII os teólogos da Reforma não separaram a teologia da ética, antes os tratavam em suas dogmáticas como sendo um só corpo. Todavia, alguns deles iniciaram a estudá-las como disciplinas separadas, embora os catecismos e confissões continuassem a expor doutrina e ética como sendo complementares, especialmente pelos comentários feitos ao Decálogo. Mas, sob a influência da filosofia do século XVIII a ética cristã gradualmente foi despojada de seu caráter religioso. Louis Berkhof observa que “nos escritos de autores como Scheleiermacher, Ritschl, Rothe, Herrmann e Troeltsch a moralidade ficou divorciada da religião e adquire um caráter autônomo.”[1] Todavia, alguns teólogos como Dorner, Wuttke, Luthardt retornaram a estudá-la mantendo uma relação com as suas dogmáticas, mas não obtiveram sucesso. Embora os teólogos considerassem íntima a relação da credenda e facienda (do latim: crer e fazer), e que ambas disciplinas estivessem necessariamente dependentes, consideraram desejável trata-las separadamente. Alberto Fernando Roldán esclarece que "a quase totalidade dos temas teológicos se relacionam de forma direta e indireta com a ética, principalmente as doutrinas de Deus, do ser humano, da salvação e da escatologia. Dito em outros termos, nosso modo de entender Deus como santo, nossa concepção do ser humano como portador da imagem de Deus, nosso conceito da salvação por graça e por fé, e, finalmente, o chamado ‘motivo escatológico’ constituem os pilares teológicos sobre os quais se erige nossa ética cristã."[2]

As conseqüências de se fazer uma dicotomia entre teologia e ética são inevitavelmente ruins. A verdade revelada demanda uma vida que se harmonize com toda a Escritura. Robert Banks observa que “essa lacuna entre doutrina e ética é uma das razões de termos falhado em desenvolver uma teologia satisfatória da vida cotidiana. Todas as principais doutrinas têm sua dimensão prática exatamente como todas as questões práticas têm seu aspecto doutrinal.”[3] Quando ocorre o divórcio entre a teologia e ética, a primeira sofre o perigo de tornar-se uma ciência meramente abstrata e especulativa sem resultados práticos, e a segunda transforma-se em filosofia relativista, ou subjetivismo antropocêntrico.

Embora exista uma estreita relação da dogmática com a ética, não podemos concluir que seja uma relação de dependência recíproca. Hendrikus Berkhof observa que “dogmática não é dependente dos resultados da ética do mesmo modo que é dependente dos resultados daqueles outros dois campos de estudo [estudos do Antigo e Novo Testamento, e história da igreja]. Todavia, o contrário é verdadeiro: o exame da ação da fé é dependente dos resultados da pesquisa do conteúdo da fé.”[4]

Notas:
[1] Louis Berkhof, Introducción a la Teologia Sistemática (Grand Rapids, Libros Desafio, 2002), p. 45.
[2] Alberto Fernando Roldán, Para Que Serve a Teologia? (Curitiba, Descoberta Editora Ltda., 2000), p. 76.
[3] Robert Banks, A teologia nossa de cada dia (São Paulo, Editora Vida, 2004), p. 180.
[4] Hendrikus Berkhof, Introduction to the Study of Dogmatics (Grand Rapids, Wm. B. Eerdmans Publishing Co., 1985), p. 50.

Rev. Ewerton B. Tokashiki

04 outubro 2006

Deus não precisa de advogados

As tragédias que afetam o mundo levantam antigos questionamentos acerca da Providência de Deus. Inclusive a fatídica questão se Deus é poderoso e bom, como pôde acontecer tamanha tragédia? Se Ele é onipotente e nada fez, resta-nos pensar que não é bom. Mas, se Ele é bom e nada fez que pudesse evitá-la, a conclusão óbvia é que não é onipotente? Artilharia pesada volta-se contra Deus. Mas não há necessidade de corrermos em auxílio do Senhor, Ele não precisa de advogados!

Não pretendo com este artigo defender ou justificar os atos de Deus. O soberano juiz não precisa de advogados. Ele não é um réu sentado e acusado numa cadeira num canto indefeso. Nem mesmo solicitou para que justificássemos o porque Ele fez, ou deixou de fazer! Os teólogos adeptos do Open Theism [teísmo aberto ou também conhecida como teologia relacional] têm usado como munição argumentos que questionam a chamada “concepção clássica de Deus”. Como este movimento de “reformar nosso entendimento de quem Deus é” ainda está desenvolvendo os seus tentáculos, não podemos generalizar, e pensar que todos os seus intérpretes tenham as mesmas premissas e conclusões. Mas o zigoto desta heresia está fecundado e precisa ser abortado.

Deus continua sendo Deus. A ortodoxia tem declarado um só Deus em três Pessoas: Pai, Filho e Espírito Santo. Que Ele é perfeito, imutável, independente, infinito, eterno e pessoal, santo, bondoso, sábio, justo, verdadeiro em seu Ser. É Criador e Senhor de todas as coisas. É providente em todas as Suas obras. A Sua soberania é absoluta sobre tudo e todos.

Diante de qualquer que sejam as tragédias a nossa cosmovisão em relação a Deus pode ser resumida basicamente a três opções. Primeiro, podemos vê-lo como um Deus culpado. Isto pressupõe que embora sendo soberano é indiferente às necessidades da humanidade, Deus tem o dever de cuidar da humanidade, e não o faz, sendo por isso irresponsável, torna-se culpado por nossas calamidades. Conforme essa perspectiva somos vítimas nas mãos de Deus. Devemos honestamente refletir: Ele sente prazer no cheiro de sangue? Talvez, a primeira reflexão que devemos fazer é se Deus realiza o bem-estar de suas criaturas por dever, ou por graça? O próprio Senhor nos escolheu para um relacionamento pactual em amor. Amou de tal maneira, que enviou o Seu unigênito para morrer tão humilhante e dolorosa morte em nosso lugar. Cristo recebeu toda a punição que era nossa, sendo o nosso inferno derramado sobre Ele na cruz! Deus Pai jorrou a Sua ira contra o Seu amado Filho. Esta é a graciosa mensagem do Evangelho, não uma interpretação teológica medieval, concebendo Deus como um mero déspota suserano em sua vil administração feudal. O apóstolo Paulo diz que “nós, porém, pregamos a Cristo crucificado, o qual de fato, é escândalo para os judeus e loucura para os gentios” (1 Co 1:23, NVI).

Na seqüência das implicações do Open Theism, a segunda opção é concluir que Deus é um tolo incapaz. Ou, Ele é um tolo, pois, não sabe o que é melhor para as suas criaturas, ou é incompetente para realizar o melhor para o bem-estar delas! Esta concepção de Deus nivela o Criador com a criatura. Ele é um de nós melhorado. Mas nem tanto! Se Deus decidiu não saber, Ele também poderia ser considerado um irresponsável diante da tragédia. Pois se Ele tivesse exercido a Sua onisciência, então Ele poderia saber e fazer o melhor! Mas se Ele decidiu não saber o que aconteceria, então foi incompetente para evitar a calamidade. Assim, Deus não pode ser considerado Deus, pois havia uma força maior em ação enquanto Ele estava apenas observando passivamente o que estava acontecendo, assustado com o que para Ele era imprevisto, incapaz de conter o mal, e agora senta e chora, pois, não consegue nem sequer enxugar as lágrimas da tragédia que não pôde evitar! Tolo ou incompetente por não exercer a Sua onisciência? Ou ambos? Qualquer pessoa com um pouco de sensatez numa situação tão óbvia saberia o que escolher e fazer. Mas, contra esta conclusão o soberano Deus adverte “pois os meus pensamentos não são os pensamentos de vocês, nem os seus caminhos são os meus caminhos”; declara o SENHOR. “Assim como os céus são mais altos do que a terra, também os meus caminhos são mais altos do os seus caminhos, e os meus pensamentos, mais altos do que os seus pensamentos” (Is 55:8-9, NVI).

A última opção, e esta sendo a melhor, é receber como verdade o que Deus revela de Si mesmo na Sua Palavra. Deus é absolutamente soberano. Toda a criação está sob o Seu meticuloso cuidado. Todos os acontecimentos, mesmo as tragédias mais dolorosas, fazem parte do seu propósito eterno. Mas ao mesmo tempo em que Ele cuida, também exerce juízo sobre a criação. O exercício parcial de Sua ira manifestando-se em punições temporais, também coopera na Sua Providência. O apóstolo Paulo declara com vigorosa convicção que “sabemos que Deus age em todas as coisas para o bem daqueles que o amam, dos que foram chamados de acordo com o seu propósito” (Rm 8:28, NVI). Ele tem domínio sobre o mal, a ponto de poder usá-lo e transformá-lo em bem (Gn 50:20).

Pecadores não são coitadinhos, e Deus não é terrorista. Vamos fingir que os afetados pelas tragédias são pessoas inocentes diante do santo Deus? O salário do pecado não mudou. Deus perdeu o direito de ser justo! A ira de Deus tornou-se passiva, ou foi afrouxada? É possível que a divindade reinventada pelo Open Theism seja um Deus santo que caiu nas mãos de pecadores irados!

Ainda cabe uma questão para os adeptos desta nova heresia. O que diríamos do inferno? Um Deus de amor condenaria pobres humanos que viveram na ignorância do Evangelho, e por causa de sua cultura pagã tiveram uma vida miserável, e ainda por fim seriam condenados a sofrer a punição divina por toda eternidade, não tendo em vida, nem após a morte, um instante de alívio de seu sofrimento existencial? Não é de se estranhar que o próprio Clark H. Pinnock tenha abandonado a crença de uma punição final eterna [1]. Ora, o Deus que não tem supremacia para decidir sobre os vivos, não pode condená-los após a sua morte!

Deus não deveria também amar os demônios? Se Satanás e seus anjos são Suas criaturas, semelhante aos seres humanos, por que razão Deus os despreza tanto? Deus na eternidade não sabia da conspiração de Satanás, ou não pôde evitá-la? Mas, mesmo depois de caídos e contaminados pelo mal, Deus não poderia, por amor, dar uma segunda chance? Afinal, qualquer um poderia se encontrar na mesma condição se estivesse absolutamente sem a influência da graça de Deus! Deus não se importa com o sofrimento dos demônios? Estas são questões que sinceramente desejaria que um teólogo do Open Theism respondesse de forma coerente.

Podemos imaginar adeptos do Open Theism parafraseando Gn 1:26: façamos Deus a nossa imagem e semelhança. Esta tem sido a tarefa destes teólogos. Reconstruir uma teologia de um deus que se limita, tornando-se mais frágil e um pouco mais humano. Mas, nunca podemos nos esquecer que a Sua transcendência permanece sendo uma de Suas perfeições imutáveis. O profeta Isaías registra “com quem vocês vão me comparar? Quem se assemelha a mim? Pergunta o Santo” (Is 40:25).

Redefinir a nossa concepção de Deus não enxugará as lágrimas dos olhos dos enlutados. O Open Theism não é capaz de consolar ninguém. Que consolo pode ter alguém ao ouvir: Deus quis, mas não pôde fazer nada! Ou, Deus não previu este acidente. Ouvir que Deus está chorando comigo, porque não pôde fazer nada, não conforta, apenas aumenta a incredulidade e o desespero. Quem afinal governa o mundo? Seria a pergunta mais responsável a se fazer.

Deus não fica impassível diante do sofrimento. Na boca do profeta Ezequiel Ele diz: “Teria eu algum prazer na morte do ímpio? Palavra do Soberano, o SENHOR. Ao contrário, acaso não me agrada vê-lo desviar-se dos seus caminhos e viver?” (Ez 18:23, NVI). O Senhor consola os abatidos. É Ele quem ordena “aquietai-vos e sabei que eu sou Deus; sou exaltado entre as nações, sou exaltado na terra” (Sl 46:10, ARA). Ele em Sua Providência sustenta toda a criação “porque ele faz raiar o seu sol sobre maus e bons e derrama chuva sobre justos e injustos” (Mt 5:45, NVI). Sendo que “toda boa dádiva e todo dom perfeito vêm do alto, descendo do Pai das luzes, que não muda como sombras inconstantes” (Tg 1:17, NVI). No fim, quando Ele retirar a maldição e restaurar toda a criação (Rm 8:18-25), então “Ele enxugará dos seus olhos toda lágrima. Não haverá mais morte, nem tristeza, nem choro, nem dor, pois a antiga ordem já passou” (Ap 21:4, NVI).

Deus não necessita de advogados. Ele é o “Eu Sou o que Sou” (Êx 3:15).

Notas:
[1] - Clark H. Pinnock, Deus Limita Seu Conhecimento in: Predestinação e Livre-Arbítrio (São Paulo, Ed. Mundo Cristão, 1996), pp. 173-197.
[2] - Clark H. Pinnock, The Destruction of the Finally Impenitent in: Criswell Theological Review, Spring 1990, vol. 4, número 2, pp. 243-259.

Rev. Ewerton B. Tokashiki

03 outubro 2006

Aconselhando pessoas deprimidas

A história narra que por volta de 450 a.C. Hipócrates, médico de Cós, descreveu um quadro de tristeza, apatia, perda da auto-estima a que denominou melancolia, pois acreditava ser originado pela bílis negra (melanos = negro; cholle = bílis). Este termo atravessou os tempos, sendo usado por autores médicos como Arateus (120 -180 A.D.) e Galeno (129-199). Desde então a depressão vem sendo identificada e estudada para tratamentos eficazes. Mas afinal, o que é depressão? Como e quando ela se manifesta? Quais são as fases da vida ou as situações em que ela se faz presente? Existe tratamento para a depressão? Quais são eles?

O levantamento de questões em torno da depressão nos ajuda a termos uma visão mais ampla sobre o problema. Segundo o site portalnatural, as pesquisas indicam que a depressão é um dos quatro distúrbios psiquiátricos mais freqüentes de nosso país. A estimativa é que a depressão afeta em torno de 6 milhões de brasileiros. É um número considerável de um mal que tira toda a expectativa de viver da pessoa afetada. Agora, o que nos chama a atenção é que grande parte dessas pessoas não são assistidas ou não procuram ajuda na sua “dor”. Mas estaríamos, como igreja, preparados para ajudar a esses que sofrem?

O presente artigo não tem nenhuma intenção de originalidade e nem de grandes elucubrações sobre o assunto, visto não ser o propósito do mesmo. Mas estaremos analisando o tema sucintamente e propondo algumas orientações bíblicas de como lidarmos com os que sofrem. Falaremos sobre a depressão e seus sintomas, analisando as causas. Abordaremos, também, a depressão em crianças e adolescentes, mostrando que os mesmos não estão imunes a essa dor. Analisaremos, por último, o Salmo 77 como uma resposta bíblica aos que sofrem desse mal.
ENTENDENDO A DEPRESSÃO

Basicamente, há um consenso sobre o que é depressão (não sobre suas causas). Segundo o doutor Uriel Heckert, a depressão é caracterizada por perda do humor, diminuição do interesse pelas coisas, perda significativa do prazer e energia. Há, ainda, alterações no apetite e sono, sensação de fadiga, falta de concentração, indecisão, diminuição da autoconfiança, pessimismo, idéias de culpa, desejo recorrente de morrer, etc. É importante deixar bem claro que a depressão deve ser diferenciada de uma tristeza comum, como por exemplo, a perda de um familiar. Também se observa sintomas corporais como sensação de desconforto no batimento cardíaco, constipação, dores de cabeça, dificuldades digestivas. Percebemos, portanto, diante deste quadro, que uma pessoa acometida pelo estado depressivo sente-se o último e mais inferior dos seres.

Há diferentes tipos e intensidades de depressão. Alguns psiquiatras relacionam três tipos de depressão: 1) Depressão Maior, 2) Distimia, 3) Distúrbio Bipolar (maníaco depressivo). Porém, é comum dentre a comunidade psiquiátrica destacar somente duas (Depressão Maior e Distimia). A Depressão Maior, como o próprio nome sugere, instala-se rapidamente e é mais facilmente notada pelos seus sintomas bem definidos. Já a Distimia tem os seus sintomas mais discretos, arrastando-se por anos a fio. É um tipo de depressão mais difícil de ser percebida, mas que imprimi à pessoa que a experimenta um grande sofrimento emocional. Segundo a Organização Mundial de Saúde, 15 a 20% da população mundial sofrem de Depressão Maior em algum período da vida. Quanto a Distimia, a estimativa é de 4 a 5% da população mundial. Há ainda um dado interessante em que a mulher é mais acometida pela depressão do que o homem, na proporção de dois por um.

Falemos sobre as causas da depressão. É um assunto ambíguo e de múltiplas opiniões. Fala-se no meio psiquiátrico
[1] de multicausalidade: herança biológica (predisposição genética), alterações de funções cerebrais (redução ou excesso de certas substâncias neuroquímicas), constituição psicológica (a maneira como a pessoa vê a si mesma e o mundo, bem como a maneira de lidar com os reveses da vida). Sobre as causas da depressão, voltaremos a falar quando dermos uma visão bíblica sobre o assunto.

Depressão Física

Com depressão física queremos dizer as causas físicas para a depressão[2]. As possíveis causas físicas da depressão são: idade acima dos quarenta anos; sem antecedente depressivo; longo tempo sem mudanças significativas na vida (mesmice!); pessoa sob medicação. Além dessas causas há ainda a relação das doenças degenerativas com o estado depressivo. Damos a seguir um quadro de doenças que podem levar à depressão: 1) Doenças que atingem o sistema nervoso, como o Mal de Parkinson, doenças vasculares, epilepsia, esclerose múltipla, mal de Alzheimer, infecções, tumores, narcolepsia (dorme nas horas mais inconvenientes), mal de Wilson (falta de cobre no organismo). 2) Doenças que atingem o sistema endocrinológico como o hiper e hipotireodismo, hiper e hipoparatireoidismo, síndromes pré-menstruais. 3) Doenças inflamatórias como a artrite reumatóide e tempora, lupus. 4) Deficiências de vitaminas C e B12, ácido fólico e niacina. 5) Temos ainda a depressão pós-parto, a hepatite, a insuficiência cardíaca e anormalidades eletrolíticas (sódio, potássio, cálcio, etc.).

Temos ainda doenças como o câncer que costumam levar à depressão. Ela costuma atingir 15 a 25% dos pacientes com câncer. As pessoas e os familiares que encaram um diagnóstico de câncer experimentarão uma variedade de emoções, estresses e aborrecimentos. O medo da morte, a interrupção dos planos de vida, perda da auto-estima e mudanças da imagem corporal, mudanças no estilo social e financeiro são questões fortes o bastante para justificarem desânimo e tristeza.

Pesquisadores têm chegado a conclusões (ainda não definitivas) que há uma ligação entre a depressão e as doenças cardíacas, principalmente enfarto do miocárdio. Isso pode ser devido ao alto stress e ansiedade experimentada pelas pessoas que sofrem de depressão. Mas, como dissemos, toda essa pesquisa ainda é inconclusiva, e ela nos fala mais das conseqüências do que das causas.

Depressão Espiritual

Há uma relação entre depressão física e espiritual. Como diz o Rev. Wadislau, “a depressão atua sobre o organismo, uma vez que a alma se manifesta no corpo, e os sistemas hormonal e neural têm muito a ver com sua ocorrência”
[3]. Ainda, “uma pessoa poderá induzir uma depressão física a partir de uma depressão espiritual, tanto quanto reagir de modo espiritualmente inadequado a uma depressão de ordem física”[4].

Quando falamos de depressão de origem espiritual, não estamos falando que alguns são mais pecadores do que outros, pois “todos pecaram e carecem da glória de Deus” (Rm. 3.23). Também não estamos afirmando que há tendência temperamental para a depressão, como afirma Tim LaHaye.
[5] Mas a depressão espiritual tem como causa primeira o fato de pertencermos a um mundo caído, onde estamos sujeitos às dores que rasgam e dilaceram o nosso coração. Também a depressão está relacionada ao meu pecado, à quebra da aliança com Deus. Eu não posso querer agradar e temer mais aos homens do que a Deus e não sofrer as conseqüências decorrentes disso.

DEPRESSÃO EM CRIANÇAS E ADOLESCENTES
Uma das coisas que marca a infância e a adolescência é a alegria de viver e a disposição sempre presente em rir, correr, brincar... Dizemos logo que, quando uma criança não quer brincar ou fazer algo que ela goste, está doente. É importante para pais, pastores e conselheiros estarem atentos aos sintomas que mostram indícios de depressão em crianças e adolescentes para, assim, poder prestar-lhes os devidos cuidados. Estudos mostram que a depressão é mais freqüente em adolescentes do que em crianças. Embora na maioria das crianças a sintomatologia da depressão seja atípica, alguns podem apresentar sintomas clássicos de depressão, tais como tristeza, ansiedade, expectativa pessimista, mudanças no hábito alimentar e no sono ou, por outro lado, problemas físicos, como dores inespecíficas, fraqueza, tonturas, mal estar geral que não respondem ao tratamento médico habitual. Os sinais e sintomas mais comuns que acompanham uma fase depressiva na criança e adolescentes são
[6]:
1- Mudanças de humor significativa
2- Diminuição da atividade e do interesse
3- Queda no rendimento escolar, perda da atenção
4- Distúrbios do sono
5- Aparecimento de condutas agressivas
6- Auto-depreciação
7- Perda de energia física e mental
8- Queixas somáticas
9- Fobia escolar10- Perda ou aumento de peso
11- Cansaço matinal
12- Aumento da sensibilidade (irritação ou choro fácil)
13- Negativismo e Pessimismo
14- Sentimento de rejeição
15- Idéias mórbidas sobre a vida
16- Enurese e encoprese (urina ou defeca na cama)
17- Condutas anti-sociais e destrutivas
18- Ansiedade e hipocondria

Há uma vasta pesquisa sobre a depressão na infância e em adolescentes. Pesquisadores apontam algumas causas que levam à depressão nessa faixa etária. A violência e o excesso de atividades são vistos como os maiores causadores de depressão nessa idade. Há estudos que dizem que crianças e adolescentes apegados às coisas materiais, em contraste com os que não têm todo esse apego, são mais propensos à depressão. Será que não estamos lidando aqui com o velho problema da razão para viver? Com o grande vazio que só o Senhor Jesus pode preencher? É o consumismo criando ídolos no coração humano, mesmo na tenra idade.

Como lidar com a depressão nessa fase? Cremos que a criação de um ambiente de aceitação e segurança no lar e na igreja é uma arma poderosa para a vida da criança e do adolescente. Ainda, a aplicação de princípios bíblicos claros e coerentes à vida da criança e do adolescente, de forma que eles sintam prazer, motivação e segurança em praticá-los, são antídotos poderosos na vida dos pequenos.

AJUDANDO O DEPRIMIDO

Como ajudar o deprimido? Há uma falsa idéia de que para “levantar o astral” da pessoa deprimida, devemos contar uma piada, dizer palavras de ordem (p.e., ânimo! Ânimo!), expulsar o demônio da depressão, etc. Na verdade, para uma ajuda efetiva do deprimido, devemos nos focalizar nas emoções, nos pensamentos e comportamento do auxiliado. Diferentemente de metodologias reducionistas que vemos em determinadas psicoterapias seculares e alguns conselheiros cristãos, as pessoas devem ser vistas como um todo e tratadas respeitando a interação natural entre suas emoções, comportamentos e pensamentos. Larry Crabb diz que conselheiros podem ajudar outras pessoas em três níveis básicos:

Nível 1 – Sentimento problemático através do estímulo;
Nível 2 – Comportamentos problemáticos através da exortação;
Nível 3 – Pensamentos problemáticos através do esclarecimento
[7].

Agora, o que dizer do uso de medicamentos nos casos depressivos? Três grupos de medicamentos antidepressivos têm sido mais freqüentemente utilizados para tratar as doenças depressivas: os tricíclicos, os inibidores da monoaminoxidase (IMAO) e o lítio. Na verdade, outros tipos de medicamentos antidepressivos estão sendo desenvolvidos para serem lançados. A demanda é grande e os antidepressivos estão na moda. Os antidepressivos, como qualquer medicamento, trazem efeitos colaterais, alguns deles bem incômodos e indesejáveis. É digno de nota que, como conselheiros cristãos, só podemos admitir o uso medicamentoso em casos de depressão quando é constatado um problema físico. Mesmo nesses casos, é importante o acompanhamento pastoral do conselheiro, levando em conta que a depressão, seja qual for a sua causa (e cremos que a causa primeira, como dissemos acima, é a conseqüência de um mundo caído e o nosso coração dividido), afeta o ser humano por inteiro (corpo-alma).

Jesus, ao lidar com Pedro (João 21) o considerou como um ser integral. Seus sentimentos, comportamentos e pensamentos são levados em conta e trabalhados habilidosamente por Jesus. Com Ele aprendemos que ouvir empaticamente é um excelente caminho para a cura das almas feridas.

Faremos uma análise
[8] do Salmo 77, onde o salmista está vivendo uma das situações mais angustiantes da sua vida. A síntese dos seus sentimentos parece estar contida no versículo 2: “No dia da minha angústia, procuro o Senhor; erguem-se as minhas mãos durante a noite e não se cansam; a minha alma recusa a consolar-se”. Diante da sua dor o salmista experimenta alguns fracassos como a aparente ineficácia de suas orações, insônia (não me deixas pregar os olhos – v.4) e a grande dificuldade de desabafar (tão perturbado estou, que nem posso falar – v.4b). Diante da situação calamitosa de desesperança e angústia, típicas da depressão, alguns mecanismos de defesas são criados:

Primeiro, a tendência quase irresistível de viver no passado: “penso nos dias de outrora, trago à lembrança os anos de passados tempos” (v.5). É comum ao deprimido querer fugir da luta e se refugiar no passado. Essa arma eficaz de satanás (o saudosismo) tira de nós a capacidade do confronto com a situação que nos angustia.

Depois, a auto-análise: “de noite indago o meu íntimo, e o meu espírito perscruta” (v.6). Essa auto-análise tem dois aspectos: positivo, que é a auto-reflexão de como tem andado a minha vida; negativo, que é quando pensamos que o socorro vem de nós mesmos (O nosso socorro vem do Senhor – Sl. 121).

Sentimento de rejeição da parte de Deus: “Rejeita o Senhor para sempre? Acaso não torna a ser propício?” (v. 7). É a hora em que o deprimido começa a entrar em conflito: “será que não estou nessa situação por causa daquele pecado que cometi?” É hora de lembrar que “se confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados e nos purificar de toda injustiça” (1 João 1.9).

Sensação de que as promessas de Deus perderam a sua validade: “Cessou perpetuamente a sua graça? Caducou a sua promessa para todas as gerações?” (v.8). Parece que a Bíblia não funciona. A pessoa não consegue colocar em prática certas porções das Escrituras.

Questionamento do caráter de Deus: “Esqueceu-se Deus de ser benigno? Ou, na sua ira, terá ele reprimido as suas misericórdias?” (v.9). É o momento que a pessoa começa a questionar o que está acontecendo com Deus. Nunca questionamos o que está acontecendo conosco. Nisso, o sentimento de aflição aumenta pela culpa de pensar coisas tão horríveis de Deus. Diante de tudo isso, quais as alternativas que a Palavra de Deus tem para a nossa vida, quando nem mesmo nós conseguimos entender a confusão interior que estamos vivendo?

Primeiro tenha um irmão para te orientar. Sob o fogo da aflição nossos pensamentos não são claros. No meio dos embates, não tome decisões. Procure gente séria, que está dando certo para te orientar. Reconhecer suas limitações circunstanciais pode ser a maior bênção para a sua vida. No versículo 10b: “... mudou-se a destra do Altíssimo”, o salmista percebe que sua confusão é tamanha que ele chega a pensar que Deus não é mais o mesmo.

Segundo relembre o que Deus faz e o que ele é: “Recordo os feitos do Senhor, pois me lembro das suas maravilhas da antiguidade. Considero também nas suas obras todas e cogito dos teus prodígios. O teu caminho, ó Deus, é de santidade. Que deus é tão grande como o nosso Deus?” (vv.11 – 13). O salmista consegue vislumbrar o passado, trazendo para o presente os feitos de Deus, seu caráter e bondade. Deus é o mesmo ontem, hoje e eternamente. Ele não trapaceia ou faz jogo sujo. Nele podemos confiar.

Por último, confie inteiramente no poder de Deus. Há alusões no texto à água (v.16) e nuvens ameaçadoras (v.17). Ao mesmo tempo em que nas Escrituras águas representam provações, chuvas representam bênçãos. Portanto, podemos esperar que Deus desfaça grossas nuvens ameaçadoras, que são as nossas angústias e aflições, em chuvas de bênçãos, esperança para dias vindouros.

ALGUMAS PALAVRAS FINAIS
Ao chegar à conclusão deste artigo, a sensação é de uma obra incompleta. São tantos aspectos que envolvem o sofrimento humano que nos sentimos como que “correndo atrás do prejuízo”. Somente o Senhor Jesus consegue desvendar os segredos do intrincado coração humano. Não poderia ser diferente, o vaso não tem segredo para o oleiro.

Cremos ter feito uma sucinta análise do problema que atinge tantas pessoas, inclusive no meio evangélico e, mais especificamente, em nossas igrejas locais. Há uma resposta altamente coerente para o problema da depressão contida na mensagem bíblica. Ao falar sobre onde procurar ajuda, um site médico cita vários lugares tais como: médicos de família ou clínicos gerais, especialistas em saúde mental, como psiquiatras, psicólogos e assistentes sociais, centros de saúde, centros comunitários de saúde mental, departamentos ou ambulatórios de psiquiatria de hospitais, programas universitários ou de escolas médicas, serviços ambulatoriais de hospitais públicos, agências de assistência social e familiar, clínicas e hospitais privados, etc. Mas em nenhum momento encontramos qualquer menção ao papel do conselheiro cristão ou de recursos cristãos onde poderiam prestar ajuda ao que sofre.

Notas:
[1] É importante esclarecer que neste ponto estaremos fazendo uma descrição da opinião psiquiátrica a respeito da depressão. Uma descrição bíblica será dada posteriormente.
[2] Neste ponto utilizaremos as idéias contidas na apostila de Fisiologia e Aconselhamento do Rev. Wadislau M. Gomes, além de outros materiais elucidativos.
[3] Gomes, Wadislau M. Apostila de Fisiologia e Aconselhamento. p.35.
[4] Ibid, p.35
[5] Em seu livro, “Temperamentos Transformados” (p.92), ele discorre sobre a depressão de Moisés, atribuindo-a ao seu temperamento, dizendo que o melancólico é mais propenso à depressão.
[6] www.psiqweb.med.br/infantil/depinfantil.html
[7] Hurgindg, Roger F. A Árvore da Cura. São Paulo, Vida Nova, 1998, pp. 33-37. Hurding faz um paralelo entre os níveis de Crabb com a psicoterapia 1, 2 e 3 de Cawley.
[8] Baseado em alguns pontos do sermão do Rev.Samuel Vieira.

Bibliografia:
1. CLINEBELL, Howard J. Aconselhamento Pastoral. São Paulo: Paulinas e Sinodal, 1987.
2. CROWCHER, Rowland. Justiça e Espiritualidade. Missão Editora, 1988.
3. DEPRESSÃO. Disponível em: . Acesso em: 14 jan. 2005.
4. DEPRESSÃO E SOFRIMENTO. Revista Ultimato. Viçosa/MG.Ed. Ultimato, n° 269, março/abril 2001.
5. DEPRESSÃO INFANTIL. Sociedade Paulista de Psiquiatria Clínica. Disponível em: . Acesso em 14 jan. 2005.
6. ENTENDENDO A DEPRESSÃO. Nova Friburgo(RJ), 4 de Janeiro de 2005. Disponível em . Acesso em 14 jan. 2005.
7. GOMES, Wadislaw Martins. Aconselhamento Redentivo. São Paulo: Cultura Cristã, 2004.
8. _______ Apostila de Fisiologia e Aconselhamento. São Paulo: CPGAJ, 2004.
9. HURDING, Roger F. A Árvore da Cura – Modelos de Aconselhamento e de Psicoterapia. São Paulo: Vida Nova, 1995.

Rev. Baltazar Lopes Fernandes