19 abril 2007

Espiritualidade urbana

Introdução
É de conhecimento geral que a maioria da população brasileira reside nas cidades. “Dos 152.322.400 habitantes da terra brasileira, cerca de 74% habitam as cidades e se concentram, em maior número, nas grandes regiões metropolitanas”.[1]

O êxodo rural nas décadas de 60 e 70 trouxe um crescimento significativo às cidades, criando grandes metrópoles e um novo conceito de vida: a vida urbanizada. Juntamente com o crescimento das cidades cresceu também os males sociais. Foi-se o tempo em que achávamos que alguma coisa ruim iria acontecer, no máximo, com o nosso vizinho. Hoje, nas grandes cidades, as pessoas ficam temerosas em sair para o serviço, porque não sabem se irão retornar para casa no fim da tarde, pois uma bala perdida pode tirar a vida de qualquer pessoa a qualquer momento. Também não é mais visto pessoas conversando com seus vizinhos no cair da tarde.

A cidade isolou seus habitantes, trancando-os atrás das grades de ferro e dos altos muros de concreto. Toda uma parafernália eletrônica foi elaborada no sentido de proporcionar aos cidadãos algum sentimento de segurança. Todos clamam por segurança, buscando nela uma alternativa para viver melhor na cidade. O individualismo é algo que caracteriza o cidadão das grandes metrópoles, fazendo com que o próximo seja apenas mais um rosto na multidão.


Diante destas considerações, podemos questionar: É possível ao homem dizer que ama a Deus, mas viver o individualismo das grandes cidades? O que a Igreja, como uma agente proclamadora do reino de Deus, pode fazer para aproximar o homem à presença de Deus?

Nos dias atuais temos presenciado uma busca crescente pelo sagrado. Isso faz com que as pessoas se sintam mais próximas de Deus. Mas mesmo esta busca pelo sagrado se torna infrutífera, pois as pessoas se enganam, porque se estivessem próximas de Deus certamente o mundo atual não experimentaria tantos males sociais como é visto atualmente. Portanto, não há como dizer que amamos a Deus sem um amor pelo próximo, como diz 1 João 4.20: “Se alguém disser: amo a Deus, e odiar a seu irmão, é mentiroso; pois aquele não que ama a seu irmão, a quem vê, não pode amar a Deus, a quem não vê”. Isso reflete muito bem as cidades, pois muitos de seus moradores têm a pretensão de achar que o amor a Deus não tem nada a ver com o amor ao próximo. João, comentando o texto de Abel e Caim, diz que: “Amemos uns aos outros; não segundo Caim, que era do maligno e assassinou a seu irmão; e por que o assassinou? Porque as suas obras eram más e a de seu irmão justas” (1João 3.11,12). Assim, o problema de Caim não foi a invenção da cidade no sentido de suas realizações tecnológicas, pois estas foram e são de grande benefício para a humanidade, mas foi a maldição que o levou a fugir da presença de Deus.

Caim e a Cidade
Em Gênesis 4.1-7 vê-se a situação onde Deus aceita o sacrifício de Abel e rejeita a pessoa e a oferta de Caim, trazendo, assim, a ira de Caim contra o fato de Deus não ter aceitado a sua pessoa e a sua oferta. A resposta de Caim a essa rejeição de Deus lhe causou revolta, e começou a andar amargurado. O que resultou no assassinato de Abel, para que sua ira fosse aplacada. Nas palavras de E. Wielsel:

Ah, se Caim tivesse preferido a palavra à violência, se tivesse falado com Deus da seguinte maneira:

- Senhor do Universo, ouve-me. Tu és minha testemunha como eu sou a tua, tu és meu juiz e eu tenho medo, tenho medo de julgar. Reconhece, porém, que tenho toda razão em clamar a ti mostrando-te minha confusão e minha irritação; tenho todos os meios para opor minha injustiça à tua; reconhece que eu poderia protestar contra as provações que impões aos homens. Eu poderia afogar a humanidade em minhas lágrimas e em meu sangue, eu poderia acabar com essa comédia; pode ser que tu me incites a isso; pode ser que tu me forces a isso. Mas eu não o farei, ó Senhor do Universo, eu não destruirei, não matarei!

Se Caim tivesse falado dessa maneira, a história teria sido bem diferente! Não teria havido a aventura desesperada de dois irmãos, um dos quais se impõe matando e o outro fazendo-se matar, mas sim a gesta bela e apaixonante, pura e purificada, de uma humanidade de nobreza e piedade.

Se Caim tivesse preferido testemunhar a derramar o sangue, seu destino teria sido nosso exemplo e nosso ideal, e não a imagem de nossa maldição. Em vez de ser sugestão da morte, ele ficaria sendo nosso irmão; e nós o invocaríamos não com medo, mas com orgulho.[2]

Mas a história não se deu assim. Caim agiu de forma violenta e revoltosa contra seu irmão Abel. Depois que Abel é preferido por Deus e ele rejeitado, instala-se em seu coração um desejo de vingança, e essa vingança é direcionada contra Abel, já que nada poderia ser feito contra Deus. E esse tipo de vingança dirigida contra a criatura e não contra o Criador já é encontrado em outras partes da Bíblia, como é o caso de satanás que dirige seu ataque contra a coroa da criação de Deus, que é o homem.

A partir do versículo 9 instala-se um diálogo entre Caim e Deus, e o Senhor tenta então conduzir Caim a uma conscientização de seu pecado: “Onde está Abel, teu Irmão?” (v.9). Mas Caim não admite seu pecado e mente sem nenhuma vergonha, escondendo-se atrás de uma frase: “Acaso sou eu guardador de meu irmão?” (vs.9). E isso é uma forma de esconder a verdade, ou seja, responder a uma pergunta com outra.


No versículo 10 Deus abre o jogo: “Que fizeste? A voz do sangue do teu irmão clama a mim desde a terra”. Deus, então, depois de dar a Caim possibilidade de arrependimento, e este se recusa a se arrepender, coloca diante dele seu pecado, dando, em seguida, o veredicto: “Agora maldito és desde a terra, que abriu a sua boca para receber das tuas mãos o sangue do teu irmão” (vs. 11). Essa sentença é um paralelo da sentença que foi dada a Adão em Gênesis 3.17: “Maldita é a terra por tua causa...”, porém, com uma diferença, nela a pessoa de Caim é amaldiçoada, enquanto que na primeira maldição só a terra recebera a maldição, e Adão foi amaldiçoado indiretamente.

O versículo 12 é a descrição desta maldição: “Quando lavrares o solo, não te dará mais a sua força; fugitivo e errante serás pela terra”. Caim teria que procurar outro meio de subsistência, e outra forma de proteção. Aí está o motivo da queixa de Caim descrita nos versículos 13 e 14, dizendo que ele ficaria sem proteção (qualquer um que o achasse poderia matá-lo), e sem como viver, já que ele não poderia mais contar com a produção agrícola (o solo não produziria mais nada a ele). Deus, então, dá uma solução para esse impasse de Caim pondo-lhe um sinal (vs.15). E esse sinal era a possibilidade que Deus dava a Caim de viver em “segurança”, mesmo longe da presença de Deus.

Nos versículos 16 e 17 vemos Caim deixando a presença de Deus para, doravante, viver de acordo com seus próprios intentos. Ele deixa sua terra natal e vai viver em uma terra distante (Node), onde tem um filho (Enoque), constrói uma cidade e dá o nome de seu filho, iniciando a uma nova forma de vida. Como diz Derek Kidner “o nome Enoque tem parentesco com o verbo iniciar. Talvez haja a idéia de um novo princípio no fato de se dar esse nome ao primeiro filho e à primeira cidade de Caim independente”.[3]

A Cidade como alvo de bênção ou maldição de Deus
A perícope de Gênesis 4.8-17 é um elo da perícope que narra o nascimento de Abel e Caim (4.1-7). Um era pastor de ovelhas e o outro era agricultor. Parece que “ambos manifestaram ato de oferenda, fé na existência de Deus e no direito de reverência e culto. Cada um fez a oferenda de acordo com a iniciativa individual [tradução própria]”.[4] Por isso que a oferta de Caim fora do fruto da terra e a de Abel um animal de seu rebanho. A aceitação de Abel e a rejeição de Caim por parte de Deus trouxe uma crise familiar entre os irmãos. Caim não conseguiu se conformar com este fato, e fez de seu irmão o alvo de sua revolta, já que Deus não podia ser tocado por sua vingança ele se vira contra aquele que era amado por Deus, Abel. Caim foi repreendido por Deus quanto à sua atitude de rebelião (vv.6,7), mas parece que Caim já estava resolvido a praticar a maldade que estava em seu coração.

A perícope de Gênesis 4.17-26 narra a descendência de Caim. E essa descendência deu um novo início à civilização humana, introduzindo profissões que jamais se ouvira falar. Mas também a violência começa a crescer (v.23) como é visto no cântico de Lameque. E isto fica claro nas palavras do Dr. Shedd: “A narrativa chama a atenção para a edificação da cidade como se isso marcasse um novo estágio no avanço da civilização. Sem dúvidas foi o aumento da família de Caim e do círculo dos seus dependentes que ocasionou a edificação da cidade. Provavelmente a cidade não passasse de um centro defendido de vida social organizada”.[5]

Dentro do livro de Gênesis podemos observar o tema “cidade” sendo tratado em outra parte, como por exemplo, Gênesis 11. E em referência a isso o ápice dessa narrativa conclui que a mesma condenação da vida urbana será encontrada na narrativa da torre de Babel.

Como na narrativa de Caim a narrativa da torre de Babel mostra o mesmo problema: o homem tentando se esconder de Deus se refugiando nas cidades. Parece que o mesmo medo de Caim de ser fugitivo e errante pela terra (4.14) se encontra no episódio da torre de Babel “...para que não sejamos espalhados por toda terra” (11.4). O ajuntamento não era para viver em comunidade apenas, mas era com o intuito de proteção, visando serem poderosos e invencíveis.

Nas narrativas referentes às cidades encontramos um início e um desfecho parecidos. O início da cidade com Caim foi para proteção, assim como foi com a torre de Babel. No caso de Caim o fim da cidade veio por “que a maldade do homem se havia multiplicado na terra e que era continuamente mau todo desígnio do seu coração” (6.5). Deus assim, envia um dilúvio para destruir a cidade e dá início a uma nova oportunidade para o homem. Após o dilúvio os homens novamente se ajuntam para se protegerem, construindo, assim, uma cidade (11.4). O desfecho que Deus dá para esta história é de novamente fazer com que os homens não confiem em cidades para se protegerem. Ele, então, confunde as línguas (11.7) para que os homens possam ser espalhados pela terra e parem de confiar em cidades para sua proteção (11.8). Mas o ideal de Deus, para o ajuntamento em sociedade, é relatado a partir do capítulo 12 de Gênesis com o chamado de Abraão no qual diz que: “farei de ti um grande povo” (12.2), e ainda diz que a bênção de Deus estaria sobre este povo, e Ele abençoaria os que abençoassem o seu povo, e amaldiçoaria os que amaldiçoassem o seu povo (12.3).


Até o capítulo 11 de Gênesis observamos a tentativa do homem em formar cidades, mas o capítulo 12 fala dos planos de Deus para viver entre um povo escolhido, a nação de Israel, descendentes de Abraão e Isaque. Agora não vemos mais a iniciativa do homem em formar uma cidade, mas, sim, a iniciativa de Deus, que seria o centro desta cidade. Quanto a isto veremos o que outros livros da Bíblia dizem a respeito.

Podemos observar que outros lugares da Bíblia, de forma quase direta, trata do mesmo tema abordado.

Velho Testamento
Em Dt.4.41-43 encontramos a referência das cidades de refúgio por Moisés que serviria de proteção para aquelas pessoas que cometessem algum crime não intencional, desta forma elas não seriam condenadas injustamente. Mas em Josué 20.7-9 é que vemos a instituição das cidades de refúgio, pois agora o povo de Israel estava habitando na terra de Canaã e se fazia necessário a existência de tais cidades.

Já em Juízes 21.25 vemos que a anarquia se instalara em Israel, pois até aquele momento o povo não havia adquirido um sentido religioso e nem monárquico. Por isso que o autor de Juízes disse: “Cada um fazia o que lhe parecia correto”. Isso é notado claramente em todo livro em fatos do tipo pai assassinando filha por votos pessoais, estupro coletivo, vingança desenfreada, religião egoísta e líderes sem padrão de referência. Faltava ao povo alguém que desse um sentido moral e sagrado para a cidade. Sem isso a cidade é apenas um ajuntamento onde dominam os interesses humanos.

No saltério observamos que a idéia da presença de Deus é muito prestigiada, de forma poética, nas palavras do Salmo 46.2: “Deus é o nosso refúgio”, e ainda no versículo 5 diz que “há um rio cujo as correntes alegram a cidade de Deus”. Essas duas alegorias representam a presença de Deus dando sentido à existência de um povo. Fica claro quando recordamos de Gênesis 12.1-3 aonde vemos Deus planejando morar entre seu povo. E a idéia era resgatada toda vez que esse Salmo era cantado pela congregação de Israel.

Novo Testamento
O assunto analisado ganha esclarecimento nas palavras do evangelista Mateus, quando diz que “Jesus acabou de dar instruções aos seus doze discípulos, partiu dali para ensinar e pregar nas cidades deles” (11.1). Esta sentença faz parte da missão de Jesus exposta nos sinópticos, onde com Ele se inaugura a chegada do Reino de Deus. Com isso queremos dizer que na visão de Jesus as cidades eram alvos da preocupação de Deus como é visto em Mateus 11.20-24, que narra a indignação de Jesus por causa da dureza de algumas cidades.

Também em Atos notamos que as cidades são alvos de evangelização da Igreja, pois nelas encontram-se pessoas que não tem sua vida centrada em Deus.

O desfecho final das cidades, em termos escatológicos, é descrito por João em Apocalipse 21 e 22. Nesses capítulos João quer dizer que “a cidade dos eleitos, em total contraste com a Babilônia, é um Dom de Deus. A perspectiva é puramente celeste”[6], onde a intenção humana não faz mais sentido. Isso é descrito no início do capítulo 21 onde João diz: “Vi um novo céu e uma nova terra, pois o primeiro céu e a primeira terra se foram, e o mar já não existe. Vi também descer do céu, de junto de Deus, a Cidade Santa, uma Jerusalém nova”(vv.1,2). O Apocalipse descreve também que o mal social das cidades sem Deus não estaria presente nesta nova cidade (21.8 e 27).


A conclusão chegada é que o Novo Testamento alude todo o estágio da salvação (presente, passado e futuro) no contexto das cidades, ou seja, a cidade é tanto o alvo como o local da realização definitiva de Deus, pois vemos Jesus pregando nas cidades, os apóstolos são enviados às cidades e Apocalipse fala das sete igrejas que estão localizadas em cidades, bem como, a morada definitiva do cristão é descrita como “cidade santa”.

CONCLUSÃO
A Igreja como agente proclamadora do reino de Deus, pode tentar aproximar o homem de Deus de quatro maneiras:

1· Promovendo a evangelização através de relacionamentos pessoais, aproximando-se do homem sem Deus, e para isso, aproveitando as lacunas deixadas pelo sistema das grandes cidades;

2· Oferecendo o convívio sociável, ou seja, a Igreja influenciando os relacionamentos interpessoais, para que as pessoas aprendam que o cristianismo não é apenas vertical, mas, também, horizontal. A Igreja ensinando que mesmo nas cidades é possível viver um relacionamento significativo e saudável com Deus e com o próximo;

3· Desenvolvendo ministérios que atuem na sociedade de forma a oferecer serviço social relevante, que mostre que o cristianismo não está apenas interessado consigo mesmo, ou seja, que tenha a religião como um fim em si mesmo, mas está interessado em proporcionar ao ser humano conforto material (alimentos, vestuários, etc.), e, também, conforto espiritual (aconselhamentos, visitação, ministração da Palavra, etc.). A exemplo de Jesus, que procurava as cidades para manifestar os sinais do reino de Deus, e não somente através da pregação do evangelho, mas, também, através da convivência com os marginalizados e excluídos da sociedade de seu tempo.

4· Incentivando os cristãos a se envolverem com a sociedade e a política de sua época, com o intuito de, através da influência positiva, incutir padrões bíblicos de qual é o ideal de Deus para as cidades.

BIBLIOGRAFIA
1. Bíblia de Jerusalém, Paulus. 1973.
2. Bíblia Hebraica Stuttgartensia. Stuttgart. 1991.
3. JAMIESON, Roberto. Comentario Exegetico y Explicativo de la Biblia. El Paso: Casa Bautista de Publicaciones, 1988.
4. KIDNER, Derek. Gênesis Introdução e Comentário. São Paulo: Mundo Cristão, 1991.
5. McKENZIE, John L. Dicionário Bíblico. São Paulo: Paulus 1983.
6. SHEDD, Russell. O Novo Comentário da Bíblia, vol.1. São Paulo: Vida Nova, 1990.
5. SCHMIDT, Werner H. Introdução ao Antigo Testamento. São Leopoldo: Sinodal, 1994.
6. SCHREINER, J. Palavra e Mensagem. São Paulo: Paulinas, 1987.
8. VIANA, Fernando. Novo Manual Didático de Pesquisas, 2. Ed. São Paulo: Didática Paulista, 1997.
Notas:
[1] Manual Didático de Pesquisas, p.536.
[2] E. Wielsel, pp.61,62.
[3] DEREK KIDNER. Gênesis, Introdução e Comentário. p.72.
[4] Comentario – Exegetico y Explicativo de la Biblia, p.24.
[5] SHEDD. Op. Cit., p.89.
[6] Bíblia de Jerusalém, p.2326.
Rev Baltazar L. Fernandes

17 abril 2007

A explosão das seitas marginais do Protestantismo

Desde a Reforma do século XVI, muitos movimentos têm surgido em redor do mundo. Há, por parte dos cristãos, várias atitudes em relação a isso. Mas, uma dessas atitudes é a que vemos no texto de Atos 5.33-39, a atitude de Gamaliel: “...dai de mão a estes homens, deixai-os...” (v.38). Analisemos rapidamente o texto de Atos. Os novos crentes estavam sendo perseguidos e ameaçados de morte. Levanta-se Gamaliel e faz alusão dos dois líderes de religiões ou seitas daqueles dias. Haviam juntado grande número de seguidores, porém, quando morreram, os grupos desapareceram. Depois desta referência ele faz uma recomendação aos perseguidores acerca da Igreja Cristã: “se esta obra vem de homens perecerá; mas, se é de Deus, não podereis destruí-los...”.

Ao olharmos ao nosso redor e repararmos o crescimento vertiginoso das seitas em nossos dias, uma grande questão ficará sobre as nossas cabeças: “Será que o mesmo raciocínio de Gamaliel poderia ser aplicado às seitas atuais?” Obviamente que não! A própria Bíblia nos alerta de que “...haverá tempos em que não suportarão a sã doutrina...” (2Tm.4.3,4). Isto foi dito pelo apóstolo Paulo que, outrora, possivelmente, fizera parte do grupo que queria apedrejar os cristãos.
Se alguém possui o mesmo raciocínio de Gamaliel em nossos dias e não procura analisar os ensinamentos das seitas sob o padrão de nossa fé – a Bíblia, será tido como um ignorante em assuntos relativos à fé cristã. A fé evangélica pode e deve ser estudada, examinada, etc. Isto irá gerar o que chamamos crescimento espiritual. John Stott deu um título muito sugestivo a um de seus livros: “Crer é também pensar”.

Judas, em sua carta, versículo três, exorta “...a batalhardes diligentemente pela fé que uma vez por todas foi entregue aos santos”, pois nesta batalha não há lugar para alienação.

HISTÓRICO
Nesta parte do artigo iremos analisar historicamente a maneira que surgiram os vários grupos que constituem as seitas marginais do protestantismo nos nossos dias.

Seitas Proféticas
Seitas proféticas são aquelas seitas cujos líderes se acham investidos de uma “missão” e precisam proclamá-la, por acreditarem que o próprio Deus os comissionou para isso. Geralmente se baseiam em um sonho, uma revelação ou em uma interpretação descontextualizada das Escrituras Sagradas.

Ao longo da história do cristianismo encontramos exemplos de homens que, movidos por um sentimento puramente humano, tentam estabelecer novos preceitos que se chocam com a Palavra de Deus. Exemplo disso pode ser visto em Márciom[1], no ano 144 e, mais tarde, Ário[2], dentre outros.

Geralmente as seitas surgiam em um contexto de insatisfação com a religião dominante. Muitas dessas seitas proféticas, como por exemplo, Adventistas, Mormonismo, Testemunhas de Jeová, surgiram no final do século XIX, num contexto de grande desenvolvimento teológico, cultural, científico, etc. A maioria dessas seitas tinha uma perspectiva negativa da situação da humanidade e, em muitas delas, davam-se datas para a volta de Cristo e a destruição da humanidade. Já outros grupos surgiram em um contexto de guerra e pós-guerra, como a 1ª e a 2ª Guerras Mundial, tanto na Europa como nos Estados Unidos.

Com o fim da guerra, cresceu o interesse pela religião, principalmente pelas religiões orientais. Era o movimento hippie que surgia pregando a paz e o amor. Foi nessa época que surgiu a seita “Meninos de Deus”, apregoando uma revolução para Jesus.

No Brasil, vários movimentos encontraram boa acolhida, pelo caráter sincretista do próprio povo brasileiro. Muitos grupos usaram as próprias religiões estabelecidas (como é o caso da Congregação Cristã no Brasil que começaram seus trabalhos graças a uma cisão da Igreja Presbiteriana do Brás)[3]. Mas, veremos no decorrer do artigo, que as seitas que tiveram mais êxito entre o povo brasileiro são as de cunho pentecostal e neopentecostal.

Seitas Neopentecostais
Apesar das seitas proféticas terem, em algumas delas, aspectos pentecostais, é diferenciado do movimento pentecostal como veremos adiante. Iremos abordar o movimento pentecostal mais demoradamente por uma questão de prioridade no que diz respeito ao objetivo do artigoo, pois o mesmo não poderia abordar todos os movimentos religiosos, sendo, portanto, este movimento de maior expressão em nosso contexto brasileiro.

O neopentecostalismo tem suas raízes no pentecostalismo que, por sua vez, é devedor ao inglês John Wesley e seu movimento de santificação. Wesley estabeleceu uma distinção entre os crentes comuns e os santificados, ou seja, aqueles que foram batizados pelo Espírito Santo e aqueles que não foram.

Passaremos a abordar o surgimento do movimento pentecostal que, posteriormente, deu origem ao neopentecostalismo.

ESTADOS UNIDOS – (1906) Em Topeka, Kansas, na escola bíblica dirigida por Charles Parham, foi reconhecido o Dom de línguas como sinal de identificação do batismo do Espírito Santo. Dali se espalhou pelos Estados Unidos. O movimento pentecostal em Los Angeles teve início num velho templo metodista, em Azusa Street. Essa missão – Azusa Street Mission – pode ser considerada como o ponto de partida do movimento pentecostal mundial. O próprio Emílio Conde, que traçou as origens das Assembléias de Deus no Brasil, considerava o avivamento espiritual ocorrido em Azusa Street como o ponto de partida do movimento pentecostal no Brasil.

EUROPA – Expandiu-se pela Finlândia, Noruega, Suécia, Alemanha, Suíça, Grã-Bretanha, a partir de uma visita de B. Barrat, pregador metodista, aos Estados Unidos, para angariar fundos. Durante a viagem, escreveu cartas à Noruega, narrando sobre o avivamento que havia nos Estados Unidos. Quando voltou, foram realizadas grandes reuniões em Oslo (Noruega). A partir daí, se espalha por vários países da Europa.

BRASIL – Em muitos países da América Latina o pentecostalismo é o grupo evangélico mais importante. No Brasil, o movimento pentecostal é o mais importante, numericamente falando. O início, em 1910, das Assembléia de Deus no Pará, por Daniel Berg e Gunnar Vingren e da Congregação Cristã, por Luigi Francescon, pela mesma época, no Paraná e São Paulo, foi o ponto de partida para o movimento se espalhar para o restante do Brasil.

Os anos 60 foram decisivos para a religião. Devido à secularização e o modernismo os estudiosos apostavam na extinção da religião. Duas décadas mais tarde o que se observa é uma explosão de novas seitas. Surgem os neopentecostais, também chamado de pentecostalismo de terceira onda ou pentecostalismo autônomo (p. e., Igreja Universal do Reino de Deus, Igreja Internacional da Graça de Deus, Comunidade Sara a Nossa Terra, Igreja Renascer em Cristo, Igreja Nacional Palavra da Fé, entre outras).

De uma maneira geral, esse neopentecostalismo enfatiza o exorcismo, cura divina, dons espirituais, continuidade da revelação divina através de líderes carismáticos, etc. Esse neopentecostalismo ganhou força no mundo religioso norte-americano nos anos 70, período em que também começou a penetrar na América Latina, provocando o surgimento de novas igrejas, seitas e denominações, assim como cisões nas principais denominações protestantes brasileiras, entre elas Metodistas, Batistas, Presbiterianas, Congregacionais, etc.

DOUTRINA MAIS COMUM E SUA REFUTAÇÃO

Doutrinas
O neopentecostalismo é caracterizado como um grupo com mentalidade pentecostal, mas que se consideram adeptos de uma “renovação espiritual”.
Consideramos que existem hoje várias Igrejas com características neopentecostais, que podem ser classificadas como pentecostalismo clássico ou neopentecostalismo, depende do critério adotado pelo analista. Nós iremos considerar as Igrejas: Universal do Reino de Deus; Internacional da Graça de Deus; Comunidade Sara Nossa Terra; Renascer em Cristo e Igreja Nacional Palavra da Fé.
O movimento neopentecostal enfatiza, de uma forma geral, o exorcismo, cura divina, dons espirituais, continuidade da revelação divina através dos líderes carismáticos, e uma parte deste movimento aceita a “teologia da prosperidade”. Analisemos o seu conceito sobre possessão demoníaca.

Exorcismo
O exorcismo exerce a função de extirpar o medo e o caos. Todos os males recebem um nome, uma origem: o demônio. O ministro ou pastor, dotado de força de Deus, expulsa o maligno e resolve o problema pela raiz.

A visão neopentecostal é tripartida. Separam o Cosmo em três dimensões: Céu, morada de Deus e de seus anjos; Terra, uma criação divina entregue aos seres humanos; Inferno, regiões inferiores destinadas a acolher as almas dos mortos e demônios. O mundo é a arena, onde se dá a luta entre Deus, satanás e seus anjos, essas disputas são conhecidas como batalhas espirituais.
Acreditam que o mal está personificado nos demônios. O que é notado nos hábitos de “amarração de demônios”, que se baseia na premissa de que os demônios estão soltos e podem entrar em animais, objetos, pessoas, principalmente no momento do culto. Esta é uma atividade constante nos movimentos neopentecostais, porque estão sempre escapando dos laços do exorcista. Por isso é preciso constantemente “colocar os demônios sob os pés”, “pisá-los com energia”, demonstrando-se assim o poderio do Senhor Jesus Cristo sobre as forças do mal. Em alguns templos da Comunidade Sara Nossa Terra, durante a celebração da eucaristia, as pessoas pisoteiam os copos plásticos que foram utilizados, para declararem publicamente a derrota dos demônios, que com este gesto são publicamente pisados e humilhados. Algum tempo atrás no templo da Comunidade Sara Nossa Terra em Passos, o pastor após o sermão e celebração da Eucaristia, e com uma bacia com água e um corante vermelho, orou e depois chamou os fiéis até altar para limpá-los com o sangue de Cristo.

Na visão neopentecostal os demônios são espíritos revoltados, porque na criação dos seres humanos, Deus teria deixado de dar a eles – espíritos puros – a predominância original que eles tinham; por isso os demônios se apoderam das pessoas, movidos de inveja, em uma feroz luta, com o objetivo de destruí-los de todas as maneiras possíveis. Uma das maneiras, comum entre IURD[4] e Comunidade Sara Nossa Terra, é através da hereditariedade, pois, há casos de demônios que perseguem várias gerações. Uma outra maneira, é que há pessoas que se tornam possessas ao participarem, diretamente ou não, de rituais espíritas, ou por terem sido alvo de trabalhos, despachos e bruxarias, ou até mesmo por passarem perto, de carro ou a pé, dos lugares que foram utilizados para este tipo de trabalho, ou macumba. Se a pessoa que passou perto deste local, não tem o Espírito Santo na sua vida, fatalmente terá maléficos resultados.

Há também uma corrente que disputa o tempo todo no momento de culto, com os poderes das trevas. E existem ainda, como é freqüente nos templos da IURD, os cultos de guerra cósmica ou batalha espiritual; são conhecidas como “correntes de fé” ou “campanhas”. Dessa maneira, cada milagre, conversão e exorcismo são pequenas amostras de decisivas vitórias de Deus contra as forças diabólicas.

As Igrejas neopentecostais se diferenciam das pentecostais nos rituais de exorcismo, porque os pastores neopentecostais fazem um tipo de entrevista com as entidades diabólicas. A eficiência do exorcismo depende da legitimidade de quem pratica o ato e da instituição ao qual está vinculado o exorcista, o que a IURD atribui para si a autenticidade do exorcismo.

Um outro objetivo do diabo é tornar seres humanos seus prisioneiros, e a ação da Igreja é oferecer tratamento espiritual, atuando como um pronto socorro espiritual. O ritual de exorcismo na IURD deve ser dirigido por pastores e obreiros cuja vida espiritual é supostamente exemplar, exigindo-se por isso mesmo, um longo preparo através de períodos longos de oração e jejum. As pessoas no auditório podem também participar através das suas orações, com declarações (queima Jesus; queima Jesus), com cânticos (sai, sai, sai, em nome de Jesus; ou, tá na hora, tá na hora do diabo ir embora) ou com ações que incluem o bater dos pés no chão, expressando que o diabo esta sendo pisado.

Refutação
Entendemos que estes rituais e atividades desenvolvidas nas Igrejas Neopentecostais são modismos e falta de ensinamento bíblico adequado. A respeito do exorcismo respondemos que, ao invés da pessoa buscar em métodos e rituais uma forma de libertação, ele primeiramente deveria buscar a Deus, todas as vezes que lhe ocorreram pensamentos, atos e atitudes contrárias à vontade Dele. No movimento neopentecostal há pouco, ou nenhum, espaço para os métodos antigos, como arrependimento, confissão e admissão da própria culpa, e uma vida em santificação. Tiago orienta ao crente resistir ao diabo (Tg 4.7). Não se resolve culpa pessoal com exorcismo, nem se substitui a responsabilidade individual por demonização. Estes movimentos privam o cristão de participar da única e verdadeira libertação do domínio do pecado em sua vida. O apóstolo Paulo sugere a mortificação da natureza pecaminosa como um exercício diário (Rm 6, 6; 8,13), e a solução para as obras da carne não é a expulsão de espíritos que supostamente escravizam os cristãos e incita-os a praticar estes pecados, mas é viver uma vida no Espírito (Gl 5, 16-26).

Pode um cristão ter demônios habitando seu corpo, o qual é igualmente habitado pelo Espírito Santo? A questão é realmente aguda, pois a Escritura ensina que o cristão está assentado com Cristo nos lugares celestiais, acima de todos os principados e potestades (Ef 1, 21-22). O cristão está em Cristo, e Cristo nada tem a ver com o maligno (Jo 14,30). E, naturalmente, o diabo não toca os que são de Cristo (1 Jo 5,18), pois o que está no cristão (Espírito Santo) é maior que os espíritos malignos que habitam este mundo (1 Jo 4,4).

O NT não diz absolutamente nada a respeito de cristãos que foram possuídos, e apenas descreve o encontro de Jesus e dos apóstolos com pessoas endemoninhadas, mas em nenhum caso revela como o endemoninhamento aconteceu, se foi causa de pecados pessoais, pelos pecados dos outros, por maldições hereditárias, ou qualquer outro dos motivos alegados pelos proponentes do movimento neopentecostal. Não devemos tentar satisfazer as nossas curiosidades baseadas em especulações e experiências pessoais. Cremos que é possível hoje um descrente ser de tal forma, oprimido e atacado por Satanás o ponto de ocorrer a possessão.
A pergunta 26 do Catecismo Menor diz:
Como exerce Cristo as funções de Rei?
Cristo exerce as funções de Rei sujeitando-nos a si mesmo, governando-nos e protegendo-nos, contendo e subjugando todos os seus e os nossos inimigos.

BIBLIOGRAFIA
1. CAMPOS, Leonildo Silveira. Teatro, Templo e Mercado: organização e marketing de um empreendimento neopentecostal. Petrópolis, R.J.: Vozes; São Paulo: Simpósio Editora e Universidade Metodista de São Paulo, 1997.
2. GONZALEZ, Justo L., A Era dos Novos Horizontes. São Paulo: Vida Nova, 1989.
3. _______________, A Era Inconclusa. São Paulo: Vida Nova, 1995.
4. LEITE FILHO, Tácito da Gama, Seitas Proféticas. Rio de Janeiro: Juerp, 1987.
5. ______________________, Seitas Neopentecostais. Rio de Janeiro: Juerp, 1991.
6. STOTT, John R. W. Crer é também pensar. São Paulo: ABU, 1994.
Notas:
[1] González, Vol.1, p.99. Márciom acreditava que o presente mundo era mau e, portanto, fora criado por um deus igualmente mau. Então, ele fez uma distinção entre o deus do A.T. (Jeová) e o Pai de Jesus Cristo do N.T. (Deus Supremo) superior a Jeová.
[2] González, vol.2, p.90, 91. Segundo Ário, Jesus havia sido criado por Deus, sendo, portanto, uma criatura. Mesmo sendo, no dizer de Ário, a principal criatura de Deus. o que estava em jogo era a divindade de Jesus.
[3] Tácito, Seitas Neopentecostais, p.31.
[4] Igreja Universal do Reino de Deus.

Rev Baltazar L. Fernandes

12 abril 2007

Família: tempo gerúndio

A seqüência de parábolas narradas por Jesus, em Lc 15:3-32, talvez, sejam a melhor ilustração do perdão gracioso de Deus, que salva pecadores. As três parábolas são: a ovelha perdida (vs. 3-7); a dracma perdida (vs. 8-10); e, por fim, o filho pródigo (vs. 11-32). Embora as três narrativas tenham temas comuns, como "a perda", "o encontro", e "a alegria", elas também possuem ênfases diferentes. O famoso exegeta judeu-cristão Alfred Edersheim observa que "na parábola do filho perdido o interesse principal centraliza-se em sua restauração. Não trata da tendência natural, nem do trabalho e o pó da casa como causa atribuída à perda, mas a livre decisão pessoal de um indivíduo. O filho não se perde e se extravia; não cai e se perde da vista, mas marcha voluntariamente, e sob circunstâncias agravantes" (La Vida y los Tiempos de Jesus el Messias,vol.2, CLIE, p.203). Em nenhum momento Cristo apresenta o filho pródigo como vítima, ou como produto do meio, mas é descrito como alguém que impiedosamente age contra o seu pai, que sem afetos abandona o seu lar, e que segue para uma terra distante para ser esquecido e esquecer as suas origens.

Nesta parábola temos três personagens. Não é correto pensarmos no filho pródigo como sendo o personagem principal. O pai amoroso e o filho mais velho não são segundários, mas partes de proporcional importância nesta narrativa, abordando aspectos diferentes da mesma situação. Mas, nos referiremos a ela como tradicionalmente se tem feito: a parábola do filho pródigo. Afinal, o pecado e a manifestação prática da graça é que são os verdadeiros temas centrais nesta história. William Barclay sugere que "seria melhor chamá-la de 'parábola do pai amoroso', porque nos fala mais do amor de um pai do que do pecado de um filho" (Lucas - El Nuevo Testamento Comentado, Ed. La Aurora, p.200). O filho mais novo é um jovem que perdeu a oportunidade de ser o filho prodígio para se tornar o pródigo. Uma família judia comum, como qualquer outra nos tempos de Jesus, foi usada para ilustrar como Deus age para restaurar um relacionamento seriamente prejudicado pelo pecado.

O pecado é inerentemente sem sentido. Se tem um momento que a insensatez do pecado fica esclarecido, é quando tentamos entender o motivo de alguém que teria todos os benefícios possíveis simplesmente escolhendo praticar o amor, e insensivelmente prefere o desprezo, por causa, de algum pecado pessoal. O pecado faz filhos sairem de casa em inimizade. Casais que inicialmente fizeram juras de amor, e viveram sublimes momentos de romance se separam com ferinas palavras de amargura. Continuar desejando fartar-se de comida podre enquanto poderia comer uma refeição decente. Preferir trabalhar para um estranho, em troca de comida, deixando de construir a própria herança com o pai. Consumir todos os bens, vivendo o hoje, e esquecendo que a vida toda se dependerá de sustento. Simplesmente não faz sentido. Mas, além de insensato, o pecado também torna o indivíduo insensível. Neste caso, a maior evidência desta verdade é a insensibilidade com os próprios sentimentos, de modo, que o amor perde o seu brilho e alegria, tornando temporariamente ofuscado, sem valor e propósito.

Rev Ewerton B. Tokashiki

05 abril 2007

A origem do ofício de diácono

A definição do ofício de diácono

O substantivo diácono procede da palavra grega diakonós. Esta palavra ocorre 29 vezes no Novo Testamento, podendo significar:[1]
a)servo Mt 20:26; 22:13; Mc 9:35
b)garçom Jo 2:5,9
c)ministro Rm 13:4
d)auxiliar 2 Co 6:4; Ef 6:21; Cl 1:23,25; 1 Tm 4:6
e)oficial Fp 1:1; 1 Tm 3:8,12

O lexicógrafo J.H. Thayer define esta palavra como “aquele que executa as ordens de outro como um servo, atendente, ou ministro.”[2] Noutro lugar ele nos fornece outra definição mais completa como sendo “aquele que em virtude do ofício designado pela igreja, auxilia aos pobres, recebendo e distribuindo o dinheiro, que para este fim é coletado.”[3] Todavia, esta definição segue a prática da Igreja em seus primeiros séculos. A estrutura da nossa denominação embora não negue a responsabilidade do diaconato de exercer a assistência social, não recomenda nem estimula o seu manuseio financeiro deixando este para o Conselho. A definição de Thayer demonstra alguma deficiência e limitação do ofício do diácono.

Notemos ainda que, segundo William D. Mounce o verbo grego diakonéw significa “atender, cuidar, servir Mt 8:15; Mc 1:31; Lc 4:39; [...] ministrar, ajudar, dar assistência ou suplicar pelo indispensável à vida, providenciar os meios para se viver Mt 4:11; Mt 27:55; Mc 1:13; Mc 15:41; Lc 8:3.”[4] Esta definição é preferível por mostrar-se mais satisfatória as necessidades da Igreja.

A origem dos diáconos no Novo Testamento

Encontramos a narrativa histórica da origem do diaconato em At 6:1-6. Alguns estudiosos, entretanto, negam que esta passagem se refira à origem do ofício, alegando o fato de não haver menção da palavra “diácono” no texto. Todavia, podemos crer que esta passagem seja a narrativa da instituição do diaconato levando em consideração os seguintes argumentos que Louis Berkhof apresenta:
1. O nome diakonoi que, antes do evento narrado em Atos 6, era sempre empregado no sentido geral de servo ou servidor, subseqüentemente começou a ser empregado como designativo daqueles que se dedicavam às obras de misericórdia e caridade, e, com o tempo, veio a ser usado exclusivamente neste sentido. A única razão que se pode atribuir a isto acha-se em Atos 6.
2. Os sete homens ali mencionados foram encarregados da tarefa de distribuir bem as dádivas trazidas para as agapae (festas de amor cristão), ministério que noutras partes é particularmente descrito pela palavra diakonia, At 11:29; m 12:7; 2 Co 8:4; 9:1,12-13; Ap 2:19.
3. Os requisitos para o ofício, como são mencionados em Atos 6, são muitos exigentes, e nesse aspecto, concordam com as exigências mencionadas em 1 Tm 3:8-10. (4) Muito pouco se pode dizer em favor da acariciada idéia de alguns críticos de que o diaconato só foi desenvolvido mais tarde, mais ou menos na época do aparecimento do ofício episcopal.[5]

A tradição cristã reconheceu nesta decisão apostólica a origem do diaconato:
1. Irineu de Lião (130-200 d.C.) em seu livro “Contra as Heresias” 1:26; 3:12; 4:15.
2. Cipriano (200-258 d.C.) em suas “Epístolas” 3:3.
3. Eusébio de Cesaréia (260-340 d.C.) declara em sua “História Eclesiástica” que ali “foram igualmente destacados pelos apóstolos, com oração e imposição de mãos, homens aprovados para o ofício de diáconos, para o serviço público”.[6]

Mesmo numa leitura artificial da passagem de At 6:1-6 é possível verificar um problema de omissão na “mesa das viúvas dos gentios”. Esta omissão certamente não era proposital, pois os apóstolos sendo apenas “os doze” não podiam suprir todos os novos convertidos no ministério de ensino da Palavra de Deus, e ao mesmo tempo “servindo as mesas”. Há pelo menos quatro motivos que podemos enumerar para a instituição do diaconato:
1. Para evitar a desordem nos relacionamentos da Igreja. Surgia o grave problema da murmuração.
2. Para evitar que houvesse partidos dentro da Igreja. A omissão às mesas das viúvas enfatizava as diferenças entre o grupo dos judeus helênicos e judeus palestinos.
3. Para evitar a injustiça na distribuição de alimentos e donativos aos necessitados.
4. Para que os mestres da Palavra sejam dedicados no ensino da mesma. É importante observarmos que os apóstolos não estavam rejeitando o “servir às mesas das viúvas”. John R. W. Stott faz uma importante contribuição ao entendimento deste assunto ao dizer que “não há aqui nenhuma sugestão de que os apóstolos considerassem a obra social inferior à obra pastoral, ou de que a achassem pouco digna para eles. Era apenas uma questão de chamado. Eles não poderiam ser desviados de sua tarefa prioritária”.[7]

Charles R. Erdman sugere algumas idéias sobre a necessidade do diaconato na Igreja Cristã. Vejamos que:
(1) É dever óbvio da Igreja, em toda parte, provar às necessidades dos seus membros.
(2) Essa provisão exige clarividência e cautela, para que os que mais precisam não sejam omitidos.
(3) A administração de tais socorros precisa incluir contato e simpatia pessoais. Não é coisa que se deva fazer mecanicamente, ou porque seja praxe. São socorros que devem resultar em conforto espiritual e, se possível, devem levar as pessoas a ficar em condições de poder dispensá-los mais adiante.
(4) Esse trabalho requer a designação de oficiais especializados. “O ministro” deve ser desembaraçado das particularidades que cercam o levantamento e a aplicação de dinheiro entre os membros de sua Igreja.
(5) Ao ministro se deve permitir que se empregue seu tempo no estudo, na prédica e na oração.
(6) O socorro dos pobres, ou seja a assistência social, de qualquer que seja a natureza, jamais deve tomar o lugar do esforço evangelístico.
(7) Na Igreja todos os seus oficiais são “ministros” ou “servos”, na verdadeira acepção do termo; não são dominadores. E qualquer que seja a forma do serviço, devem procurar fazer dele um meio de testemunhar de Cristo, o que aliás vem sugerido nos episódios de Estevão e Filipe, dois diáconos cujo testemunho constitui uma parte significativa da história que se segue imediatamente.[8]

Notas:
[1] F.W. Gingrich & F.W. Danker, Léxico do N.T. Grego/Português (São Paulo, Ed. Vida Nova, 1993), p. 53
[2] J.H. Thayer, Thayer’s Greek-English Lexicon of the New Testament (Grand Rapids, Associeted Publishers and Authors Inc., 1889), p. 138
[3] Ibidem.
[4] William D. Mounce, The Analytical Lexicon to the Greek New Testament (Grand Rapids, Zondervam Publishing House, 1992), p. 138
[5] Louis Berkhof, Teologia Sistemática (Campinas, LPC, 1990), p. 591.
[6] Eusébio de Cesaréia, História Eclesiástica (Rio de Janeiro, CPAD, 1999), Livro 2. Cap. 1, p. 47
[7] John W.R. Stott, A Mensagem de Atos (São Paulo, Ed. ABU, 1994), p. 134
[8] Charles R. Erdman, Atos dos Apóstolos (São Paulo, Casa Editora Presbiteriana, 1960), pp. 58-59

Rev Ewerton B. Tokashiki

27 março 2007

Figuras femininas de Deus na Escritura

Não poderíamos continuar sem antes verificar os dados bíblicos. Poderia ser acrescentado que, apesar de Deus ser o Criador, e por isso o modelo tanto para as virtudes “masculinas” e “femininas” (mas que estas sejam bem definidas), as figuras bíblicas de Deus como gênero, lhes é relevante, e que são predominantemente masculinas. Os pronomes e verbos que se referem a Deus são sempre masculinas na Escritura, e as figuras que usa para si (Senhor, Rei, Juiz, Pai, marido) são tipicamente masculinas.[1]

Todavia, há algumas figuras femininas de Deus na Bíblia. Em Deuteronômio 32:18, Deus, através de Moisés, repreende Israel, dizendo:

Abandonaste a Rocha que te gerou;
E te esqueceste do Deus que te deu o nascimento
.

Nesta figura, Deus usa tanto funções masculinas como femininas na origem de Israel. Em Números 11:12, Moisés frustrado com a murmuração dos israelitas, nega que não foi ele, mas Deus, quem havia concebido aquele povo e conduzido-os. Assim ele pergunta: “porque, Tu ordenas-me para conduzi-los em meus braços, como uma ama conduz uma criança?” Talvez o pensamento expresso em Deuteronômio 32:18 descansa nas palavras de Moisés: Deus concebeu Israel e lhe deu o nascimento, e assim Deus deveria ser sua ama. Estas duas passagens são mencionadas muitas vezes na literatura feminista, mas a figura feminina não é enfatizada. No contexto, nada mais é feito pelo fato de que Deus concede o nascimento ou pode ser uma ama. A figura aqui é menos impressionante do que de Gálatas 4:19, onde o apóstolo Paulo descreve a si mesmo como em dores de parto pela igreja, e em 1 Tessalonicenses 2:7, onde diz que ele e seus cooperadores foram “carinhosos entre vocês, como uma mãe acaricia aos seus pequeninos bebês.” Ninguém sugeriria com base nestas passagens que podemos concluir que Paulo era uma mulher. Nem que Números 11:12 e Deuteronômio 32:18 nos exigem repensar o gênero de Deus.[2]

Em Isaías 42:14, Deus declara um ameaçador julgamento:

Por muito tempo me calei
Estive em silêncio e me contive;
Mas agora darei gritos como a parturiente,
E ao mesmo tempo ofegarei,
E estarei esbaforido.

Escritoras feministas mencionam diversas vezes esta passagem apresentando-a como uma figura de Deus. A figura aqui certamente é feminina. Uma mãe ansiosa pode passar muitos meses em modesto silêncio, mas quando chega o seu tempo de dar a luz, ela gritará! Semelhantemente, Deus demora o seu julgamento, mas quando o tempo certo vem, ele certamente fará a sua presença conhecida. De fato, a Escritura menciona muitas vezes, o sofrimento do nascimento como uma figura da maldição de Deus (Gn 3:16) e, proverbialmente, o pior sofrimento imaginável. Assim, como uma metáfora, ela se aplica natural e freqüentemente tanto a homens como a mulheres. Salmo 48:4-6 diz:

Por isso, eis que os reis se coligaram
E juntos sumiram-se;
Bastou-lhes vê-los, e se espantaram,
Tomaram-se de assombro
E fugiram apressados.
O terror ali os venceu,
E sentiram dores como de parturiente.

Os reis são homens, mas eles tremeram como uma mulher em momento de parto (cf. Is 13:8; 21:3; 26:17; Jr 4:31; 6:24; Mq 4:9). Enquanto a Escritura usa esta metáfora feminina para Deus, ela não nos dá mais coragem para pensar de Deus como fêmea, do que nos dá a pensar daqueles reis como mulheres. A figura feminina usada para Deus em Is 42:14-15 é comum na Escritura, e muitas vezes é usada para personagens masculinos.

Em Lucas 15:8-10, Jesus nos conta uma parábola acerca de uma mulher que acende uma lâmpada, varre a casa, e procura cuidadosamente para encontrar uma moeda perdida. Quando ela a encontra, chama as suas amigas para junto regozijarem. Alguns crêem que a mulher representa Deus, talvez, especificamente Jesus, como faz o pastor e o pai nas outras duas parábolas em Lucas 15. Todavia, a parábola enfoca mais sobre a alegria dos amigos (i.e., os anjos, vs. 10) do que sobre o esforço doméstico. Em Mateus 23:37, Jesus compara a si mesmo a uma galinha que deseja ajuntar os seus pintinhos debaixo de suas asas. Esta é certamente uma metáfora feminina, mas certamente não é algo que leva em questão o gênero de Jesus.

Além destas passagens específicas, há algumas idéias bíblicas mais latas em que alguns pressupõem um elemento feminino de alguma espécie em Deus. Uma é o uso de raham e splanchnizomai para compaixão divina, um uso que discuto brevemente numa nota de roda-pé anterior. Veja o capítulo 20 para maiores discussões.

Outro é o uso da palavra Espírito (heb. Ruah, gr. Pneuma). Ruah é um substantivo feminino, e Gn 1:2 ilustra o Espírito “chocando” como uma ave mãe. A Escritura também representa o Espírito como o doador da vida (Sl 104:30), particularmente do novo nascimento (Jo 3:5-6).

Não se pode, entretanto, deduzir muita coisa deste ponto gramatical. Substantivos femininos, necessariamente, não denotam personagens femininos,[3] e o termo grego correspondente pneuma é neutro. Além do mais, “pairar” é também uma interpretação possível da palavra rahaf em Gênesis 1:2. E em João 3, a palavra traduzida “nascido” (gennao) pode significar “gerado” bem como “conduzido”, podendo se referir a função masculina de procriar. Todavia, a interpretação “conduzido” é preferível em João 3:5 por causa da resposta de Nicodemos no verso 4. Poderia concluir que é possível ser um conjunto de figuras femininas do Espírito na Escritura, mas que dificilmente sugeriria que o Espírito é um personagem feminino da Trindade.[4] Se o grupo de figuras, como discutimos anteriormente, é insuficiente para justificar em falar-se da divina feminilidade, certamente que duas figuras não são suficientes para provar a feminilidade do Espírito.

Outro conceito sob discussão é acerca da sabedoria (heb. Hokmah, gr. Sophia). Os termos, tanto no grego como no hebraico, são substantivos femininos, e em Provérbios, a sabedoria é personificada como uma mulher (7:4; 8:1-9:18). Sabedoria é uma figura divina em Provérbios 8:22-31, e o Novo Testamento identifica-a com Cristo (1 Co 1:24, 30; Cl 2:3; cf. Is 11:2; Jr 23:5), ela também é usada em relação ao termo Palavra (João 1:1-18). Igualmente, têm-se concluído que a segunda pessoa da Trindade é feminina.[5]

Contudo, este argumento é muito fraco. A primeira coisa a ser notada é que, Jesus é inquestionavelmente homem. Entretanto, a sugestão de que sabedoria requer uma personificação feminina é simplesmente errada. Pois a personificação da sabedoria em Provérbios possui perfeitamente uma óbvia razão para isto, que nada tem haver com um elemento de feminilidade na Divindade. Provérbios 1-9 apresenta ao leitor a figura de duas mulheres chamadas de “Senhora Sabedoria” e a “Senhora Loucura”. A Senhora Loucura é a prostituta que seduz um jovem para a imoralidade. A Senhora Sabedoria também chama aos homens da cidade (8:1-4), persuadindo-os a levar uma vida piedosa. A Sabedoria é uma senhora, não porque o escritor procurou afirmar um elemento de feminilidade na Divindade, mas simplesmente como um recurso literário apresentando como uma alternativa positiva para a prostituta.

Minha conclusão destas referências bíblicas é que existem poucas figuras femininas de Deus na Escrituras, mas elas não sugerem nenhuma ambivalência sexual na natureza divina. Elas não justificam, nenhuma necessidade, do uso de “Mãe” ou pronomes femininos para Deus. Nem justifica a tentativa de reprimir o uso majoritário de figuras e pronomes masculinos em referência a Deus.

Notas:
[1] Há apenas uma juíza, Débora (Jz 4-5).
[2] Obviamente, não poderíamos tirar tal conclusão de Is 46:3. Passagens que mencionam a concepção e nascimento de Israel, não sugerem que Deus concebeu e formou a nação. De fato, ele o fez, num sentido, e a passagem pode fazer uma recordação de Dt 32:18. Todavia, Is 46:3 não contribui para fortalecer a tese teológica do Deus feminino. O mesmo poderia ser declarado de Is 49:15, que muitas vezes é mencionado na literatura feminista. Nesta passagem, Deus coloca o seu amor pelo seu povo acima e além do amor de uma mãe pelo seu bebê. Há uma semelhança entre Deus e a mãe, mas a ênfase de contraste é mais predominante. Deus reivindica, ser não a mãe, mas ser maior que qualquer mãe. E, em Is 66, é Sião quem está em trabalho de parto (vs. 8), e quem amamentará (vs. 11-12). A única função maternal de Deus nesta passagem é confortar (vs. 13).
[3] Desde que exemplos podem, às vezes, ajudar a induzir-nos ao hábito de demasiada confiança na forma gramatical, eu poderia ilustrar que o termo latino uterus (útero, em português) é masculino.
[4] Veja Elizabeth A. Johnson, She Who Is (New York, Crossroad Publishing, 1996), p. 50-54, para algumas referências. Johnson prefere não limitar a feminilidade de Deus a pessoa do Espírito, apesar de discutir extensivamente acerca do Espírito (pp. 124-149). Este livro se encontra publicado em português: Elizabeth A. Johnson, Aquela que é (Petrópolis, Editora Vozes, 1995).
[5] Ibid., 150-169.

Extraído de John M. Frame, The Doctrine of God (Phillipsburg, P&R Publishing, 2002), pp. 380-383.
Traduzido por Rev Ewerton B. Tokashiki

22 março 2007

A importância teológica da imagem masculina

Mas a [teóloga] feminista poderia replicar aqui que desde que Deus não é literalmente macho, e a Escritura contêm algumas figuras femininas assim como figuras masculinas, seria aceitável falar livremente de Deus tanto em termos masculinos como femininos. Johnson pergunta “se não significa que Deus é macho quando uma figura masculina é usada, o por que da objeção, quando figuras femininas são apresentadas?”[1]

Esta réplica poderia ser irrefutável se a predominância de figuras masculinas na Bíblia fossem teologicamente insignificantes. As feministas argumentam enfaticamente que a Escritura coloca pouca importância sobre a masculinidade de Jesus, ou sobre a importância de falar de Deus em termos masculinos. A figura masculina, elas argumentam, é aceitável na concepção patriarcal da cultura antiga, mas ela não faz diferença na mensagem essencial da Escritura. Todavia, existe um número de razões para pensarmos que a predominância de usos de figuras masculinas tem alguma importância teológica:

1. Como temos visto, os nomes de Deus são de grande importância teológica. Eles revelam-no. Não existe razão para assumir que as proporções das figuras masculinas e femininas não são parte desta revelação da sua natureza. Embora Johnson e outras insistem, entendo que uma mudança na balança da figura sexual não é teologicamente neutra; isto mudaria o nosso conceito de Deus.[2] Por acaso temos o direito de mudar nosso conceito bíblico de Deus?

2. Para ressaltar o último ponto, é também importante reconhecer que na Escritura, Deus nomeia a si mesmo. Seus nomes, atributos e figuras não são o resultado da especulação ou imaginação humana, mas da revelação.[3] Ele não nos autorizou de nenhuma mudança de equilíbrio das figuras de macho e fêmea, e não podemos tencionar fazer tais mudanças baseados em nossa própria autoridade.[4]

3. Deidades femininas eram bem conhecidas pelos escritores bíblicos. Ashtoreth (Jz 10:6; 1 Sm 7:4; 12:10) foi adorada pelos cananitas como esposa de Baal. A junção de deidades masculinas e femininas foi um aspecto importante da adoração de fertilidade pagã. Assim, ao escrever sobre Yahweh, os escritores do Antigo Testamento não escolheram uma linguagem masculina irrefletidamente, inconscientes de outra alternativa. Eles não foram influenciados por um unânime consenso cultural. Antes, eles claramente rejeitaram qualquer adoração de uma deusa ou de uma junção divina.

4. Como dissemos no capítulo 15, a criação é um ato divino que produz uma realidade externa do próprio Deus, uma “outra criatura”. O mundo não é divino, nem uma emanação de sua essência. Deus não criou “formando ‘consigo’ para o não-divino.”[5] Como uma metáfora para esta concepção bíblica da criação, a função masculina na procriação é mais adequado do que o feminino.

5. Na Escritura o principal nome de Deus é Senhor, que indica sua liderança nas alianças, entre si e as suas criaturas. Na Escritura, a relação na comunidade da aliança é tipicamente uma prerrogativa masculina. Reis, sacerdotes e profetas são sempre homens. Autoridade na igreja concedida aos anciãos (1 Co 14:35; 1 Tm 2:11-15).[6] O marido é a cabeça da aliança formada pelo casamento.[7] Um desvio para a figura feminina de Deus poderia certamente diluir a sólida ênfase sobre a autoridade pactual que é centralizada na doutrina de Deus. Esta não seria a única razão, pois, como tenho indicado no capítulo 2, algumas teólogas feministas, incluindo Johnson, atualmente se opõe a idéia do senhorio de Deus.

6. Como tenho falado neste capítulo, Deus se relaciona com o seu povo, como um marido com a sua esposa. Certamente esta profunda figura pode ser obscurecida, se considerarmos Deus como feminina. Isto é importante, não apenas para a doutrina de Deus, mas também para a doutrina do homem (antropologia teológica). Ela é importante, tanto para homens como mulheres cristãs, saber e meditar profundamente sobre este fato, que na relação com Deus como sendo fêmea – esposas são chamadas para submeter-se em amor aos seus graciosos maridos. É a igreja, e não Deus, que é feminina em sua natureza espiritual.[8]

7. Uma freqüente sugestão de compromisso é que eliminamos toda sexualidade na distinção lingüística, entre macho e fêmea, ao nos referirmos a Deus. Em vez de chamar Deus de nosso Pai, poderíamos falar de nosso Parente ou Criador.[9] Uma linguagem unissex, todavia, sugere inevitavelmente que Deus é impessoal, o que é completamente inaceitável de um ponto de vista bíblico.[10] Certamente ao eliminar Pai em favor de termos mais abstratos eliminaria algo muito precioso aos Cristãos.[11]

8. O uso majoritário da figura masculina para Deus resulta numa opressão da mulher?[12] Existe uma precisa divisão entre feministas e não-feministas cristãs como aquelas que fazem parte da opressão. No Cristianismo tradicional, não é um rebaixamento para a mulher ser submissa ao seu marido e exclui-la dos ofícios de governo na igreja. Muitas vezes, na concepção de escritoras feministas, é um rebaixamento para alguém ser submisso a autoridade de outro, se são iguais diante de Deus. Mas, submissão à autoridade de outros é algo inevitável na vida humana, tanto para os homens quanto para as mulheres; esta é uma das mais difíceis lições que o ser humano caído tem que aprender. Muito mais pode ser declarado sobre este assunto. Certamente homens têm abusado das mulheres no decorrer da história. E certamente tanto homens, como mulheres têm, às vezes, justificado este abuso como sendo uma distorção da liderança masculina. Mas, dificilmente, argumentar que um melhor entendimento de Deus, ou que um benéfico relacionamento entre os sexos, poderia ser produzido por uma substituição da figura feminina ou impessoal de Deus.

Minha conclusão é que podemos seguir o modelo bíblico e uso predominante da figura masculina para Deus, com uma ocasional figura feminina. Posso não desaprovar que um pregador ocasionalmente diga que Deus é a “mãe” da igreja. Como em Deuteronômio 32:18, podemos observar que apesar de nosso nascimento físico vir de duas fontes, nosso nascimento espiritual procede apenas de uma: Yahweh, que é tanto nossa mãe como nosso pai. Nem mesmo, é errado o uso do parto, a ama, uma ave fêmea, e outras figuras extra-bíblicas femininas como figuras de Deus e ilustrações para as suas ações. Como observamos, penso que muito mais poderia ser aproveitado da submissão das pessoas da Trindade de uma com a outra, como um modelo da piedosa submissão da esposa para com o seu marido. Mas não existe uma justificação bíblica para se usar predominantemente a figura feminina para Deus, ou representa-lo com pronomes femininos.

Notas:
[1] Elizabeth A. Johnson, She Who Is (New York, Crossroad Publishing, 1996), p. 34. Este livro se encontra publicado em português: Elizabeth A. Johnson, Aquela que é (Petrópolis, Editora Vozes, 1995).
[2] Elas realmente não querem crer, ainda que às vezes reivindiquem, que a figura sexual a respeito de Deus é insignificante.
[3] A concepção de Johnson é diferente. Em seu entendimento, Deus é um grande mistério, e não há linguagem apropriada para descreve-lo (veja She Who Is, 6-7, 44-45, 104-112). Ele tem “muitos nomes” (117-120), de modo que, poderíamos livremente nomeá-lo com designações masculinas e femininas. Aqui percebo um conceito não-bíblico da transcendência ao qual me opus nos capítulos 7 e 11. Deus revelou-se em linguagem que é apropriada à sua natureza.
[4] Não estou sugerindo que precisamos reproduzir a ênfase da Escritura com precisão matemática. Teologia e pregação sempre mudam a ênfase da Escritura, pois elas aplicam a verdade bíblica ao povo, antes do que simplesmente ler a Bíblia. Mas pode não ser boa a aplicação do discursar sobre Deus como sendo “ela”, ou levantar o nível de figuras femininas por assim dizer, 80 por cento de nossas referências a Deus.
[5] Johnson, She Who Is, 234. Ela cita William Hill, The Three-Personal God (Whashington: Catholic University of America Press, 1982), 76, n.53. Este é um modelo panenteístico de Deus se relacionar com o mundo.
[6] Não posso, de fato, começar a entrar aqui na controvérsia envolvida neste ponto. Creio que há lugar para o debate, e em quais circunstâncias, uma mulher pode “falar na igreja”, ou se ela pode ser diaconisa. Mas isto parece-me óbvio daquelas passagens que as mulheres não são admitidas naqueles ofícios que fazem com que tenham decisões finais sobre os negócios da igreja. Veja Susan Foh, Women and the Word of God (Phillipsburg, N.J.: Presbyterian and Reformed, 1979); James B. Hurley, Man and Woman in Biblical Perspective (Grand Rapids: Zondervan, 1981); “Report of the Committee on Women in Office”, in Minutes of the Fifty-fifth General Assembly (Philidelphia: Orthodox Presbyterian Church, 1988), 310-373; John Piper and Wayne Grudem, eds., Recovering Manhood and Womanhood (Wheaton, Ill.: Crossway Books, 1991); Mil Am Yi, Women and the Church: A Biblical Perspective (Columbus, Ga.: Brentwood Christian Press, 1990), para idôneos debates destes assuntos.
[7] Casamento é uma aliança na Escritura (Ez 16:8, 59; Ml 2:14), uma forte analogia com a aliança entre Deus e o homem. No casamento, o marido é a cabeça da esposa (1 Co 11:3; Ef 5:23). Feministas às vezes argumentam que “cabeça” significa “fonte” e não possui uma conotação de autoridade. Mas veja Wayne Grudem argumentando solidamente ao contrário “The Meaning of Kephale” in Recovering biblical Manhood and Womanhood, ed. Piper and Grudem, 425-468. Em muitos casos, a Escritura atribui a autoridade do marido sobre a esposa em várias passagens, mesmo onde a palavra cabeça não é usada. Veja Nm 30:6-16; Ef 5:22; Cl 3:18; 1 Tm 3:12-13; Tt 2:5.
[8] Agradeço a Jim Jordan (em correspondência) por esta observação.
[9] Alguns têm sugerido para nos referirmos as pessoas da Trindade como Criador, Redentor e Santificador, ou conforme a preferência. Mas esta proposta reduz a Trindade ontológica (as eternas pessoas, o Pai, o Filho e o Espírito) para a Trindade econômica (as ações destas pessoas em, e pelo mundo). Também ignora o circumincessio, o envolvimento de cada pessoa em todo ato da outra.
[10] Mais óbvio é a impessoalidade que poderia resultar se substituíssemos o neutro no lugar de pronomes masculinos. Mas algo precisa ser feito com os pronomes se o nosso propósito é eliminar as distinções sexuais na linguagem usada para Deus. Ou podemos tentar a impossibilidade desajeitada de continuar a evitar todos os pronomes?
[11] Um autor (desculpe-me por não lembrar quem) comenta que não podemos, depois de tudo, discursar aos nossos próprios pais como sendo “parentes”. De fato, as conotações de tal discurso poderiam ser totalmente inapropriadas para o relacionamento.
[12] Johnson disse “engenhosamente, ou não, ela mina a dignidade humana da mulher como igualmente criada a imagem de Deus” (She Who Is, p. 5). Observe os seus exemplos na pp. 23-28, 34-38. Ela procura argumentar que o uso da linguagem feminina para Deus, de fato, é mais exata do que a alternativa, pois ela conduz a verdade bíblica que as mulheres não devem ser oprimidas. De fato, esta verdade é importante, mas ela poderia ser apresentada por textos bíblicos que possuem maior relevância para este assunto, mas, não por uma interpretação distorcida da figura bíblica de Deus.


Extraído de John M. Frame, The Doctrine of God (Phillipsburg, P&R Publishing, 2002), pp. 383-386.
Traduzido por Rev. Ewerton Barcelos Tokashiki

11 março 2007

Blog de tradução

Desejo indicar o blog de tradução de textos de autores calvinistas. Este blog se propõe a traduzir do inglês e espanhol pequenas porções, ou até mesmo parágrafos selecionados de livros que ainda não se encontram disponíveis para venda no Brasil, ou não são de fácil acesso.

www.textocalvinista.blogspot.com

Boa leitura
Rev. Ewerton B. Tokashiki

09 março 2007

Uma cosmovisão reformada

Cosmovisão é uma palavra que se refere ao entendimento que temos de Deus, de nós e do mundo. Em outras palavras, é a resposta à pergunta como interpretamos e explicamos tudo o que existe? Abaixo está a minha proposta de uma cosmovisão Reformada, ou seja, um resumo de que resumidamente entendo e como interpreto o mundo a partir de uma perspectiva Calvinista, os acontecimentos e como a vida está inserida e relacionada com o soberano Deus.

1. Cremos que Deus é um Ser em três Pessoas: Pai, Filho e Espírito Santo. O nosso Deus é infinito, eterno, perfeito e imutável em seu Ser. Em tudo o que faz manifesta a sua bondade, conhecimento, sabedoria, poder, e a justiça segundo o seu soberano propósito. Ele é o criador de tudo o que existe, pela Palavra do seu poder. Em tudo e todos realiza a sua sábia providência, de modo que, não existe acaso, nem fatalismo nos acontecimentos que vivenciamos, mas o absoluto controle em cada situação. Tudo o que Ele realiza é reflexo daquilo que Ele é. As nossas vidas e nossas famílias estão em suas misericordiosas mãos.

2. O nosso Deus é pessoal. Ele se revelou através de eventos, do seu Filho e da Palavra escrita. A sua Palavra Ele a fez registra-la progressivamente para que se tornasse o livro de mediação e revelação das suas obras e do seu propósito conosco. Deus fala proposicionalmente conosco somente na sua inspirada Palavra. A revelação progressiva cessou. Por isso, submetemo-nos somente à autoridade da Escritura Sagrada como sendo a única fonte e regra de fé e prática. Ela é a inerrante, clara e suficiente Palavra de Deus. Em sua Palavra, Ele explica como surgiu o universo, quem somos, qual o propósito da nossa vida, bem como a finalidade de toda a existência que é glorificá-lo e desfrutar dos benefícios da sua comunhão.

3. O ser humano foi criado à imagem de Deus. Deus criou a humanidade: homem e mulher, e ambos de igual modo refletem os atributos que Deus lhes comunicou e, também representam o Senhor como administradores responsáveis de preservar e usufruir da criação. Tanto o homem como a mulher, são iguais em capacidade e responsabilidades; mas o homem deve exercer a sua autoridade como cabeça sobre a mulher, sem opressão, nem omissão, pois, embora tendo diferentes papéis, exercem funções mútuas e complementares. A família é projeto de Deus e, através do lar, o nosso Deus restaura e desenvolve a nossa personalidade caída. A família é um valor que devemos nutrir e defender.

4. Deus fez uma Aliança de vida com Adão. O nosso primeiro pai era o nosso representante nesta Aliança. Todavia, ao ser tentado Adão violou este pacto ao desobedecer a Deus, perdendo a comunhão espiritual e todos os benefícios dela procedente. Deste modo, toda a criação foi amaldiçoada, e sobre toda a humanidade creditada esta maldição. Toda criação que era “muito boa” tornou-se corrompida em seu sistema ecológico. O pecado é a herança natural que recebemos de Adão. Por causa deste mal moral perdemos a santidade, a justiça e o conhecimento perfeito de Deus. Por causa do pecado há inimizade, perda de significado e por fim a vergonhosa morte, mas isto não era para ser assim. Embora corrompidos, ainda somos portadores da imagem de Deus.

5. Satanás e seus demônios, agentes do mal, conspiram contra tudo o que procede de Deus. Ele tentou os nossos primeiros pais, e os induziu a rebelião contra Deus, e nos confronta tentando seduzir-nos, despertando a nossa cobiça e aguçando o nosso orgulho. Ele é soberbo, assassino, acusador, e inimigo de Deus. Satanás não é co-igual a Deus, pelo contrário, ele é uma criatura submissa ao controle soberano do Senhor. O nosso acusador está condenado, e haverá de ser banido ao sofrimento eterno sob a justa ira no Juízo de Deus.

6. O mal é tão real quanto indesejável o sofrimento por ele produzido em toda a criação. Entretanto, o mal físico é conseqüente maldição do pecado herdado dos nossos primeiros pais. O pecado gera desordem e destruição no indivíduo e sociedade. Todavia, não acreditamos que Deus seja mero espectador da presença do pecado na história da humanidade, mas de modo misterioso participante de tudo, sem ser o culpado, e sem anular a responsabilidade do pecador. Cremos que todas as coisas, em especial aquelas que parecem escombros depois da destruição do pecado, são matéria-prima que Deus está usando para transformar a nossa vida em seu louvor.

7. O nascimento de Jesus Cristo teve o propósito de reconciliar pecadores escolhidos com o santo Deus. Sendo o Filho de Deus uma Pessoa que subsiste em duas naturezas, divina e humana, é o completo e final revelador entre Deus e os homens. O sofrimento, obediência, morte e ressurreição de Cristo obtiveram a justiça necessária para merecer-nos a aceitação de Deus, bem como a suficiente satisfação da sua ira, realizando a anulação da condenação pelos nossos pecados. Somos perdoados pela justiça e amor de Cristo Jesus, o nosso salvador. A obra de Cristo é o fundamento para a renovação de toda a criação pela presença espiritual e transformadora do Seu reino.

8. O Espírito Santo inicia a obra da salvação em nós, regenerando e concedendo-nos entendimento espiritual para recebermos a Cristo como o nosso salvador. Recebemos no poder do Espírito, e pela aplicação da Palavra de Deus em nós, o dom da fé salvadora e arrependimento necessário para a nossa conversão. Em Cristo a justificação é declarada e creditada a nós. Através da adoção somos feitos participantes da família de Deus. A santificação manifesta e sendo exercida em nossos pensamentos, emoções e ações confirmam a nossa eleição e filiação divina. Somos preservados em graça, pelo poder de Deus, para sermos continuamente salvos até o fim. Deus tem uma graciosa Aliança da graça conosco e os nossos filhos, tendo o Senhor Jesus como o nosso único mediador.

9. Cremos que o Espírito Santo está presente em nós num relacionamento pactual conosco. Ele continua a pairar acima do caos causado pelo pecado, todavia, sem estar alienado ao mal que há no mundo, convence-nos da justiça e do juízo, e concede forma à nova criação e fazendo de nós novas criaturas pela regeneração. O Espírito nos une no corpo de Cristo, capacitando-nos com dons para o serviço e edificação pela prática da comunhão mútua. A imagem de Deus está sendo restaurada. Os dons revelacionais cessaram com os apóstolos e com o fechamento do cânon da Escritura, confirmando-a como a suficiente e exclusiva Palavra de Deus.

10. A Igreja é responsável de ser testemunha da verdade e do amor de Deus neste mundo afetado pelo pecado. Somos o povo escolhido para proclamarmos a mensagem de reconciliação e perdão, convidando pecadores ao arrependimento, para confiarem na suficiência de Cristo para a sua salvação. Temos o compromisso de ouvir, viver e ensinar a Palavra de Deus. A salvação não é somente da nossa alma, mas da nossa mente, cultura e sociedade, apresentando o evangelho integral para o homem em todas as suas necessidades. Buscamos intimidade com Deus através da oração. Cuidamos uns dos outros no amor de Deus. Vivendo uma comunhão de reciprocidade, cumplicidade e compromisso proporcionando um ambiente de fraternidade e santidade. A Igreja visível é a comunhão daqueles que professam Cristo como o Senhor, reunidos para a celebração, a adoração, a comunhão, edificação e serviço. Confirmamos a nova Aliança com Deus simbolizada pelos sacramentos do batismo e da Ceia do Senhor. A imagem de Deus é vivida na mutualidade dos relacionamentos.

11. Este mundo experimenta a deterioração dos valores que o preserva. A falta de sentido e propósito também produz a desesperança. A sociedade busca a redenção na tecnologia, cultura, e no sexo, todavia, estes meios são ineficazes de transformar-la construtivamente. Todavia, cremos que somente com os valores do reino de Deus, num discipulado integral, em que os cristãos se envolvem produtivamente em todas as áreas da vida, pode participar dum processo de transformação cultural, político, econômico e científico reconhecendo Cristo como o Senhor em todas as esferas da nossa existência. A sociedade pós-moderna inclina-se a não reconhecer a verdade como absoluta, ridicularizando a concepção e a ação de Deus no mundo. Estamos chegando ao fim da história humana não em direção ao desespero e caos, mas a consumação do propósito eterno de Deus. Cristo Jesus julgará toda a humanidade de todas as épocas e culturas, a uns dará a salvação segundo a sua misericórdia, e a outros segundo a sua justiça concederá a merecida condenação dos pecados.

12. O nosso mundo pertence a Deus. Apesar de toda miséria e dor, todas as coisas estão sob o Seu absoluto controle. A nossa esperança de uma nova terra não está presa ao que os homens podem fazer, porque cremos que após o dia do Juízo, todo desafio ao governo de Deus, e toda resistência a sua vontade será anulada, o seu reino, que é inaugurado entre nós, se manifestará em sua plenitude, e o nosso Senhor governará para sempre com o seu povo; e, assim “Deus enxugará dos olhos toda lágrima”. Ele abolirá as nossas enfermidades, findará os nossos conflitos, e implantará a Sua perfeita justiça sobre a terra.

Rev. Ewerton B. Tokashiki

24 fevereiro 2007

Conselhos práticos sobre o jejum cristão

O que é o jejum cristão?
O jejum cristão é a negação do apetite natural para a comida, de uma convicção do seu verdadeiro uso na Escritura, e com o propósito de glorificar a Deus, pela mortificação do pecado, e de gozar da misericordia, pelos méritos de Jesus Cristo somente.

1. Quanto ao modo, pode ser a rejeição completa da comida por um período de tempo (2 Sm 12:16), ou, é a rejeição parcial da comida por um período de tempo (Dn 10:2-3).

2. Não se pratica o jejum apenas pela veneração da tradição, embora os servos de Deus em todos os período da história observaram a prática do jejum. Nem se deve jejuar simplemente porque uma autoridade tenha ordenado. Nem por legalismo de uma mera justiça externa com o objetivo de ser visto pelas pessoas (Mt 6:1, 16-18). Nem mesmo tem o propósito de promover alguma forma de ascetismo, especificamente, a crença de que o corpo é mal e por isso, tem que ser castigado. Pelo contrário, deve ser oferecido como um ato de louvor a Deus com uma convicção sincera de que Deus nos convoca para jejuar em certas ocasiões (Mt 17:21; At 14:23).

3. A meta principal de jejuar, como em todas as outras coisas, é para a glória de Deus (1 Co 10:31).

4. A meta secundária de jejuar é a mortificação do pecado. Devemos enfraquecer o domínio do pecado, humilhando e arrependendo-se do pecado, e experimentando o prazer da misericórdia e da graça de Deus (Rm 8:13; Gl 3:5-11).

5. A base de todas as bençãos que Deus graciosamente nos concede é somente e sempre a pessoa e obra de Jesus Cristo. Não há nenhum mérito em nossas obras de justiça, nem mesmo nos jejuns.Onde se encontra a ensino do jejum na Escritura?O jejum cristão é ensinado em toda a Escritura (2 Sm 12:16; Ne 1:4; 2 Cr 20:3; Jn 3:7, 8; Lucas 4:1-13; At 14:23; Mt 6:16-18; 17:21). Tanto na antiga, como na nova Aliança o povo de Deus praticou o jejum como um ato de consagração pessoal. O jejum não cessou no Novo Testamento, como alguns pensam, mas tem a sua continuidade comprovada tanto por Jesús, como pela Igreja no período posterior ao Pentecostes.

Porquê alguém deveria jejuar?
A motivação do jejum certamente é a questão mais importante quando se estuda este tema. Muitas pessoas são zelosas em se dedicarem ao jejum, todavia, o fazem com motivações erradas, e correm o risco de não serem aceitos por Deus. Pelo menos cinco razões poderão ajudar a esclarecer esta questão:

1. A prática do jejum é necessária, pois Deus ordena praticá-lo.

2. Porque os seus sentimentos e apetites estão inclinados para as coisas deste mundo, e no jejum você volta os seus sentimentos das coisas desta vida para as coisas de Cristo.

3. Porque o orgulho e a auto-suficiência impedem a sua convivência com Deus. O jejuar, entretanto, revela a sua insuficiência e a nossa plena satisfação em Deus. A debilidade física que se sente ao jejuar, deveria lembrar a fragilidade humana diante um Deus absolutamente soberano e infinitamente santo.

4. Porque você deseja mortificar o pecado e regozijar-se na misericórdia de Deus.

5. Porque você necessita de poder espiritual e sabedoria que procede de Deus. Os discípulos após terem recibido a autoridade de expulsar os demônios numa jornada missionária (Lc 9:1-6) regressaram para relatar as grandes coisas que se fizeram nas cidades por onde haviam passado (Lc 9:6, 10). Todavia, quando a autoridade sobrenatural concedida para a sua jornada missionária terminou, os discípulos necessitaram de recorrer a oração e ao jejum (Mt 17:21). Do mesmo modo os apóstolos, e as igrejas do primeiro século reconheciam a sua necessidade absoluta de sabedoria e poder para escolher e ordenar os presbíteros, com um tempo dedicado ao jejum e à oração (At 14:23).

Quem deveria jejuar?
Todos os que podem praticá-lo como uma obra de adoração a Deus com uma conciência sincera, sem superstição, legalismo, ascetismo, ou hipocrisia. Pode-se inclusive estimular as crianças para o jejum, do mesmo modo que se deve ensiná-los a orar, mas, eles devem ser instruídos acerca do que é o jejum com suficiente clareza, e sobre a sua necessidade.

Quando se deve jejuar?
Em geral, deveríamos jejuar muito mais do que costumamos fazer. Não podemos pensar em apenas jejuar somente quando temos problemas, mas também como uma medida preventiva para encher-nos com sabedoria e poder e evitar crises.

Como deve ser praticado o jejum?
O jejum pode ser praticado individualmente, ou em família, quando ocorre a necessidade pessoal. Com a igreja inteira, quando é convocada pelo pastor, ou pelos presbíteros. Como nação, quando é feito a convocação por um governante civil que é realmente cristão, e tem o propósito de direcionar todo o país ao arrependimento, e à submissão a Deus.

A prática do jejum não deve ser feita sem o devido cuidado, em que cada indivíduo deve observar a sua condição física. Cada pessoa possuí necessidades singulares, por isso, ela deve ser ciente das suas limitações, e tomar o cuidado necessário para que desejando obter saúde espiritual, não venha prejudicar a sua saúde física.

1. Não podemos esquecer de que o jejum, como o dia do descanso, foi feito para o homem, e não o homem para o jejum. Nada deveria levar a abstinência a tal extremo ao ponto de por em perigo a saúde física. Mas, quando a fraqueza física aparece por causa do jejum, não se deve pensar que não se é capaz de jejuar.

2. Se alguém tem problemas físicos (diabete, gastrite, úlcera, pressão alta, etc.), pode-se fazer um jejum parcial. Não coma para satisfazer o seu apetite, mas coma apenas para satisfazer a necessidade, evitando o mal-estar. Alimente-se de frutas, legumes, verduras, e água, apenas o necessário, de modo que não agrave o estado de saúde debilitada.

3. Se o seu trabalho exige esforço físico e você necessita se alimentar bem, faça um jejum por um período de tempo menor. Não pense que, porque o seu jejum não pode ser por um período longo que não será aceito por Deus, pois, Ele quer misericórdia, e não sacríficio (Os 6:6).

4. Ensine aos seus filhos sobre o jejum, e o modo como podem praticá-lo, pois, talvez, sejam incapazes de jejuar por um dia todo, mas, podem jejuar apenas um período do dia. Tenha cuidado para não prejudicar os filhos causando neles desnutrição.

5. Tenha cuidado de tomar uma quantidade suficiente de água quando estiver jejuando. Não beba refrigerante, sucos, café ou chá, pois eles satisfazem a fome, e podem prejudicar o objetivo do jejum.

6. Planeje o seu dia para que você possa ter em mente, durante o dia, que este período está separado para revelar a sua insuficiência, e a suficiência de Deus na sua vida.

7. Neste dia você não deve passá-lo ocioso, ou com ocupações de diversão e entretenimento. Ele deve ser seriamente dedicado para a oração, leitura das Escrituras e reflexão acerca da circunstância que motiva o jejum. Mas, se for um dia normal de trabalho e compromisos, mantenha em mente o seu propósito de jejuar.

8.Tenha cuidado para que o seu semblante não anuncie publicamente que está jejuando (Mt 6:1,16). Não demonstre uma cara de tristeza e angústia, mas mantenha a normalidade do seu dia, como outro qualquer. Não busque a atenção das pessoas sobre você, de modo que fique demonstrando o seu jejum (Mt 6:16-18). Mas, se alguém lhe perguntar porque você não está comendo, procure de maneira discreta responder-lhe que está em jejum, sem prolongar muito o assunto. Não há necessidade de mentir.

9. Quando você for iniciar o seu período de jejum, e também quando findá-lo, faça de modo solene. Recolha-se a um lugar, separe uma porção das Escrituras para meditar durante o tempo em que estiver jejuando, ore e estabeleça o início e o fim deste momento de consagração. No momento de terminar o jejum, também recolha-se, ore e entregue o seu jejum, agradecendo a Deus, porque Ele lhe preservou capacitando-o a cumprir este santo propósito.

Rev. Ewerton B. Tokashiki

07 fevereiro 2007

Perspectiva Reformada sobre a Internet

Há alguns anos atrás, a era da informática ainda não havia se estabelecido em nossas vidas, nossa linguagem, nossos lazeres, e assim por diante. Desde o primeiro computador, surgido em 1946, até os dias atuais, cada vez mais temos sido fortemente influenciados pela era digital.

Seguindo os passos do computador, veio a internet. No princípio era de uso exclusivo dos militares americanos (isso na década de 60). Depois é que veio a se popularizar. No Brasil, a internet só ganhou notoriedade em 1995 pela iniciativa do Ministério das Telecomunicações e Ministério da Ciência e Tecnologia, quando foi aberta ao setor privado para exploração comercial da população brasileira. A partir daí, ele rapidamente se popularizou, criando conceitos e padrões e uma nova forma de viver e ver o mundo.

Assim como a invenção da impressa por Gutenberg revolucionou a informação, o advento da internet mostra-se cada vez mais que veio para ficar e mudar paradigmas. Cabe uma cuidadosa e séria análise, partindo de uma ética cristã, sobre os benefícios e perigos que a cibercultura trás à sociedade.

É extremamente oportuno e relevante falarmos sobre ética, explorando a cosmovisão reformada sobre o assunto. Tudo é muito veloz no mundo da web. As informações e tecnologias se processam numa velocidade estonteantes. É impressionante que um tema tão atual e relevante como esse, tenha tão pouca notoriedade nos círculos evangélicos. São pouquíssimos os artigos sérios que temos acesso. Da mesma forma, livros e outros impressos ainda não circulam o suficiente, para dar à população uma visão bíblica e reformada sobre o tema.

A falta de material foi um obstáculo a ser superado na elaboração desse trabalho. Montamos uma estratégia de pesquisa partindo de artigos que tratam diretamente sobre internet, mas principalmente, buscamos argumentos na ética reformada para tratar o assunto. Vale dizer que, de qualquer forma, a ética está envolvida na utilização da informação virtual. No momento certo, trataremos qual é a natureza dela.

Ao desenvolver o trabalho, notamos que faltam materiais que tratem do assunto, de forma mais abrangente, nas nossas Escolas Dominicais; não há um controle eficiente por parte das autoridades; as leis não acompanham a velocidade das contravenções virtuais. Há muito a ser feito nesse “novo mundo”. E a igreja deve ser uma voz profética, apontando erros e indicando caminhos.

A INTERNET E A ÉTICA
Seria possível viver sem internet hoje? Não! Pelo menos não a vida nos moldes que conhecemos do mundo atual. Para bem ou mal, ela já se ajustou às necessidades da presente geração. Já se fala e se vive em realidades virtuais. A mídia, a indústria, o comércio e as pessoas têm no mundo virtual uma nova maneira de comprar, vender, informar, se divertir, enfim, se relacionar de uma maneira nova, sem precedentes históricos.

Mais do que nunca, são necessários parâmetros éticos que possam regularizar esse mundo sem fronteiras. E por falar em fronteiras, foram todas removidas em se tratando de web. Hoje falamos de adultério virtual, sexo virtual, jogos ilegais e imorais, pirataria via internet, entre outras formas imorais e ilícitas de se usar a rede. Precisamos mencionar a criação de comunidades virtuais se expressando contra grupos étnicos e religiosos; orkut usado para “passar cola” aos estudantes; ofensas, mensagens racistas, entre outras[1]; fotos em blogs, sites e comunidades sem o consentimento[2] da pessoa, inclusive imagens de crianças e adolescentes, em situações que caracterizam pedofilia; envio de vírus de computador[3]; dar forward para várias pessoas de um boato eletrônico, e assim por diante.

Diante de tantas coisas ilícitas que vemos na internet, algumas pessoas podem usar o conhecido argumento: “... mas todo mundo faz”. Esta é a nossa maior vulnerabilidade hoje. Lembremos que isso não nos exime de responsabilidade legal, e nem moral.
O que motiva uma pessoa a usar ilicitamente e/ou imoralmente a internet? O que está por trás de suas ações[4]? A questão ética! A nossa cultura está profundamente influenciada por uma ética humanista[5]. Nesse tipo de conceito ético, o importante é o prazer pessoal. Sou levado a tomar atitudes, tendo-as como certas ou erradas, apenas se me dão alegria ou não. Construímos mecanismos de defesa, tais como: “não estou fazendo mal a ninguém. Só estou me divertindo”. Ou ainda: “É melhor fazer isso sozinho do que envolver outras pessoas, correndo riscos desnecessários”.

O certo e o errado são vistos a partir de uma perspectiva isenta de absolutos. Assim, certo ou errado é apenas uma questão de visão pessoal da situação em que o indivíduo está envolvido. A ausência de absolutos abre as portas para tolerância e prática de qualquer desvio de conduta. Outras conseqüências poderiam ser mencionadas quando a verdadeira ética é distorcida ou descartada. E nada tem feito isso de forma mais incisiva do que o mundo da internet.

A net também molda os conceitos éticos de seus cibernautas. Assim como a televisão, a exposição freqüente de crianças, adolescentes e jovens a site, chats e comunidades não recomendáveis, sem qualquer critério por parte de pais e responsáveis, acabam por moldar ou reformular os conceitos e pensamentos deles. Terão uma visão de mundo influenciada pelo pluralismo e relativismo que, com certeza marcará sua maneira de se relacionar com Deus e as pessoas.

REDIMINDO A INTERNET COM UMA ÉTICA BÍBLICA-REFORMADA
Ao analisarmos a internet com todos os seus prós e contras, podemos perceber que não dá para usá-la responsavelmente, sem uma base ética totalmente pautada nas Escrituras Sagradas. É claro que tais princípios, em todas as suas dimensões, só podem ser aplicados aos regenerados. Mas será que existem princípios bíblicos gerais aplicáveis a todos, regenerados e não-regenerados? Cremos que sim.

Partimos do princípio que Deus é soberano sobre todas as coisas. É do próprio Deus que emana todo padrão ético e moral, pelo qual todos os homens devem pautar suas vidas. Sabemos que todos os homens estão em pecado. “A Escritura diagnóstica o pecado como uma deformidade universal de natureza humana, em todas as circunstâncias e em todas as pessoas”[6]. Isso implica em dizer que o homem não só é pecador, mas manipula pecaminosamente aquilo que está à sua mão, como por exemplo, a internet. O homem, em seu estado de pecado, não implica em ser moral e eticamente neutro. Ele faz escolhas conscientes e deliberadas e colhe frutos disso.

Ao lidarmos com conceitos bíblicos sobre procedimento de todos os homens, encontramos alguns princípios que norteiam nossa ação em todas as esferas da vida. Neste caso, aplicáveis para uma utilização consciente e digna da internet. Lembrando que são princípios bíblicos, não religiosos.

Primeiro princípio: toda ética parte do próprio Deus. A Bíblia nos diz que Deus faz uma revelação geral de si mesmo e do que Ele espera dos homens. “Estes mostram a norma da lei gravada no seu coração, testemunhando-lhes também a consciência e os seus pensamentos, mutuamente acusando-se ou defendendo-se, no dia em que Deus, por meio de Cristo Jesus, julgar os segredos dos homens, de conformidade com o meu evangelho” (Rm. 2:15, 16). Ele estabelece uma norma geral de atuação moral, que serve a toda criatura. Mesmo os povos ditos como mais primitivos, tem na revelação geral de Deus lições suficientes para agir com lealdade, moralidade e ética para com o próximo e suas coisas. J. I. Packer diz: “Deus revela ativamente esses aspectos de si mesmo a todos os seres humanos, de forma que todos os casos de falha em render graças e servir ao Criador com justiça constituem pecado contra o conhecimento, e negações de ter recebido tal conhecimento não devem ser tomadas seriamente”.[7]

Mesmo aqueles que moldam suas vidas pela Palavra Revelada de Deus, as Escrituras Sagradas, tem na revelação geral de Deus normas claras para agir com ética, com moral e com justiça. Segundo princípio: o homem foi criado à imagem e semelhança de Deus. Ele criou o homem e a mulher, e ambos à sua imagem (Gn. 1.26-30). Há verdades que precisam ser salientadas, como por exemplo: o homem foi feito do pó da terra, que é uma declaração literal (Gn. 2.7). Essa criação a partir do pó da terra indica também as limitações morais do ser humano (Gn. 18.27; Sl. 90.3; 103.14). Porém, essas limitações não tornam o homem incapaz de responder dentro de um nível moral e ético tolerável para o convívio em sociedade. É claro que somente a regeneração efetuada por Cristo no coração humano, pode torná-lo definitivamente em nova criatura.

Essa extensão do pecado na vida do ser humano é conhecida como “depravação total”. Essa doutrina bíblica e reformada não nos dirá que o pecado afetou o homem por completo. Se assim fosse, seríamos equiparados aos demônios. A doutrina reformada nos diz que o pecado afetou todas as áreas do ser humano. Não há parte no homem que tenha ficado santa. Os homens vêm ao mundo pecaminosos por natureza (Sl. 51.5), e tornam-se pecadores pela prática (Rm. 3.10-18).

Mesmo sabendo que o âmago do ser humano foi contaminado pelo pecado (Mc. 7.21-23), e que ele não pode produzir nenhum bem que o justifique diante de Deus, isso não implica dizer que o ser humano não tem condições de viver em padrões morais e éticos aceitáveis diante de Deus e dos homens (Lc. 11.13; Rm. 2.14ss.).

A vida em sociedade, respeitando as autoridades, as pessoas e os limites, é mandamento claro do Senhor para que todos os homens observem. Quando há a quebra desses princípios, instala-se a corrupção do caráter, da moral, dos valores num grau intolerável.

A internet deve funcionar estruturada nesses princípios. Ela não é isenta disso. Como agentes do Reino de Deus, devemos ser os primeiros a insistir nesse padrão. A ética nas pequenas coisas é que dará condições de utilizarmos a web sem fazer dela uma arma que nos leva a desrespeitar a lei dos homens e de Deus.

CONCLUSÃO
É um enorme desafio que temos em tornar esse mundo virtual numa ferramenta útil para a humanidade e para o Reino de Deus. Desafio tão grande quanto as conexões da própria internet. Se não começar pela igreja, quem fará essa revolução?

Não podemos nos contentar em sempre apagar a luz da história. Devemos lançar a luz, e temos como fazer isso. Princípios éticos foram mostrados, os quais podem ser seguidos por todos os homens. Mas sabemos que somente uma completa transformação operada no coração humano, é que pode moldar profundamente a atitude do homem.

Pastores e líderes podem começar ensinando em suas igrejas a como desenvolver princípios bíblicos para lidar com esse mundo virtual. As Escolas Dominicais podem ser momentos para que esse assunto seja debatido. Mais artigos sério e reformado deve ser lançado na rede. Igrejas que têm páginas na Web não podem deixar de instruir as pessoas a como usar a internet. Uma mobilização mais acentuada por parte da igreja, com certeza produzirá os seus frutos, e esses serão colhidos, principalmente, por nossos filhos.

BIBLIOGRAFIA

GEISLER, Norman L. Ética Cristã. São Paulo: Vida Nova, 2003.

LOPES, Augustus Nicodemus. Fundamentos da Ética Cristã. Disponível em: http://www.ipb.org.br/estudos_biblicos/index.php3?id=9

MILNE, Bruce. Estudando as Doutrinas da Bíblia. São Paulo: ABU, 1991.

PACKER, J. I. Teologia Concisa: Síntese dos Fundamentos Históricos da Fé Cristã. São Paulo: Cultura Cristã, 1999.

SANTOS, Valdeci da Silva. Benefícios e desafios da cibercultura. Disponível
em:http://www.ultimato.com.br/?pg=show_artigos&artigo=1233&secMest
re=1291&sec=1322&num_edicao=302

Notas:
[1] Muitas provas obtidas no orkut já estão sendo utilizadas em processos de várias naturezas.
[2] Tal prática constitui crime, segundo a Constituição Federal, artigo 5º, tendo a pessoa direito a indenização.
[3] Código Penal, artigo 163: detenção de um a seis meses, ou multa.
[4] Não trataremos aqui sobre a realidade da natureza caída do homem. Disso falaremos no próximo ponto.
[5] Para mais detalhes, ver o artigo Fundamentos da Ética Cristã, de Augustus Nicodemus.
[6] PACKER, Teologia Concisa, p. 78.
[7] Ibid., p. 9.

Rev. Baltazar Lopes Fernandes

02 fevereiro 2007

Moisés escreveu o Pentateuco

Não há no Pentateuco uma declaração objetiva de que Moisés tenha escrito o Pentateuco. Todavia, há testemunho suficiente, que apóia a sua autoria. A ausência do nome do autor harmoniza-se com a prática do Antigo Testamento em particular, e com as obras literárias antigas em geral. No antigo Oriente Médio, o “autor” era basicamente um preservador do passado, limitando-se ao uso de material e metodologia tradicionais, conforme já foi observado.

A Teoria Documentária
A Teoria Documentária declara que Moisés nunca foi o autor do Pentateuco, mas que ele foi o resultado de séculos de tradição, em que escribas registraram e compilaram diferentes porções, de autores desconhecidos, e realizaram a formação de um texto final. Devemos considerar algumas implicações da Teoria Documentária em afirmar a formação final do Pentateuco num período pós-exílico (entre 500-400 a.C.), quando a religião de Israel já estava bem desenvolvida.
1. A Teoria Documentária não prova a não autoria de Moisés. Falando francamente, esta teoria nem sequer conseguiu provar a sua própria veracidade científica, para tirar de sobre si o estigma de “teoria” a que está vinculada durante todos esses séculos.
2. Mesmo entre os adeptos desta teoria não há concordância acerca da identificação e classificação dos textos e dos grupos documentais a que eles supostamente pertencem.
3. Aceitar a teoria JEDP anula a credibilidade do Pentateuco. Segundo a Teoria Documentária a história bíblica é forjada. O Dt foi inventado pelos profetas para reforçar a idéia da centralização. O uso do nome de Moisés no Pentateuco, era simplesmente para dar autoridade ao texto, mas ele nada tinha a ver com a composição histórica do mesmo. O documento P, composto para assegurar a aceitação do sistema sacerdotal por parte do povo, fora baseado em lendas e crendices folclóricas. Como observa Stanley A. Ellisen “rejeitar a autoria de Moisés é rejeitar o testemunho universal dos escritores bíblicos e solapar a credibilidade do Pentateuco e do resto da Bíblia. É da autoria de Moisés, e não apenas um ‘mosaico’ de diferentes”.[1]
4. Retira todo o caráter normativo do Pentateuco.[2] Não teria qualquer valor para o povo da época, já que nada acrescentaria ao judaísmo. Se o Pentateuco fosse apenas um produto de uma religião tardiamente desenvolvida, e não o princípio regulador, não faria sentido chamá-lo de “a Lei”. Se ele não foi o princípio regulador para os primeiros leitores, não teria valor algum para os crentes de outras épocas, uma vez que os conceitos humanos mudam e o que não foi normativo para um povo, pode não ser para outro.
5. Invalida o esforço de composição. O relato do Pentateuco é rico em detalhes e informações. Possui informações das origens e desenvolvimento dos povos, em especial do povo de Israel. Os supostos autores teriam se dado a um imenso trabalho de imaginação para simplesmente manter uma ordem que já estava estabelecida.
6. Devemos considerar a ausência de evidências histórica, ou manuscritológicas, de que estes supostos documentos (JEDP) tenham circulado em algum período soltos uns dos outros.[3]
7. Considera o autor mal intencionado. A Teoria Documentária implica que um autor (ou autores), com um sentimento profundamente religioso e com o intuito de conduzir o povo diante de Deus, tenha se rebaixado a abandonar valores que quer ensinar e redigir uma mentira, colocando na boca de Deus, o que Ele não disse, inventando “estórias” e fazendo com que todos a considerassem como verdadeiras!
8. Impossibilidade do sobrenatural no AT. Conseqüentemente a intervenção divina é negada: revelação, inspiração, encarnação, milagres, etc.
9. Negação da revelação especial. A Bíblia torna-se meramente uma referência literária semítica. Um livro antigo como outro qualquer, deixando de ser a auto-revelação proposicional de Deus.

Alguns críticos liberais adeptos da Teoria Documentária questionam não somente a autoria de Moisés, mas inclusive até mesmo a sua historicidade. Acham inconcebível como tamanhos desastres puderam atingir um povo tão desenvolvido e organizado, como eram os egípcios, e ainda assim não existir nenhum registro desses fatos? Respondemos mencionando a contribuição do arqueólogo Alan Millard que declara “os faraós, e isso não é surpresa, não apresentam descrições das derrotas sofridas diante dos seus vassalos ou sucessores. Se os monumentos reais não podem ajudar, os distúrbios vividos pelo Egito com as pragas e a perda da mão-de-obra poderiam ter gerado mudanças administrativas. Como qualquer estado centralizado, o governo do Egito consumia grandes quantidades de papel (papiro), e boa parte da documentação era arquivada para consulta. Mas isso também não ajuda, pois, como já vimos, praticamente todos os documentos pereceram, e a probabilidade de recuperar algum que mencione Moisés ou as atividades dos israelitas no Egito é risível.”[4]

Moisés é reconhecido como o homem erudito na antigüidade bíblica. Nos dias de Moisés o Egito era a maior civilização do mundo, tanto em domínio, construções e conhecimento. Moisés teve a oportunidade de ter sido educado na corte real egípcia, recebendo a instrução de disciplinas acadêmicas que no Egito já eram tão desenvolvidas. Incluindo a arte da escrita, que há muito tempo era usada, de comum uso dos egípcios, inclusive entre os próprios escravos.

Como historiador, soube coletar as informações da rica tradição oral de seu povo. Mas além da tradição oral, Moisés dispôs, enquanto esteve no palácio real egípcio, do seu acervo literário. Era possuidor de um vasto e detalhado conhecimento geográfico. O clima, vegetação, a topografia, o deserto tanto do Egito como do Sinai, e os povos circunvizinhos lhe eram familiares.

O modo como o autor do Pentateuco descreve os eventos e lugares, indica que ele não era palestino. Alguns fatos contribuem para esta conclusão 1) conhecia lugares pelos nomes egípcios, 2)usa uma porcentagem maior de palavras egípcias do qualquer outra parte do AT, 3) as estações e tempo que se mencionam nas narrativas são geralmente egípcias e não palestinas, 4)a flora e a fauna descritas são egípcias, 5)os usos e costumes relatados que o autor conhecia e eram comuns em seus dias.[5]

Moisés como fundador da comunidade de Israel, também exerceu o papel de legislador, educador, juiz, mediador, profeta, libertador, sacerdote, pastor, historiador, entre outros. Possuía vários motivos, segundo as funções que exerceu, para prover ao seu povo alicerces morais concretos e religiosos, e era preciso registrar e distribuir a Lei entre o povo, de modo que ela fosse acessível a todos.

Como escritor teve tempo mais que suficiente. O Êxodo durou quarenta árduos e longos anos de peregrinação pelo deserto do Sinai. Apesar de sua ocupação ativista, este seria um tempo mais do suficiente para que pudesse escrever todo o Pentateuco, e ainda se necessário alfabetizar todo o povo.[6] Ele mesmo reivindicou escrever sob orientação de Deus (Êx 17:14; 34:27; Dt 31:9, 24). Nenhum outro autor da antiguidade foi assim identificado.

O Que se entende por autoria Mosaica?[7]
1. Não significa que Moisés tenha pessoalmente escrito originalmente cada palavra do Pentateuco. Certamente ele lançou mão da “tradição oral”;[8]
2. É possível que ele tenha empregado porções de documentos previamente existentes;
3. Talvez, tenha usado escribas ou amanuenses para escrever;
4. Moisés foi o autor fundamental ou real do Pentateuco;
5. Sob a orientação divina, talvez, tenha havido pequenas adições secundárias posteriores, ou mesmo revisões (Dt 34);
6. Substancial e essencialmente o Pentateuco é obra de Moisés. O Dr Wilson comenta “que o Pentateuco, conforme se encontra, é histórico e data do tempo de Moisés; e que Moisés foi seu autor real, ainda que talvez tenha sido revisado e editado por redatores posteriores, adições essas tão inspiradas e tão verazes como o restante, não existe dúvida.”[9];
7. Todo o Pentateuco possui unidade literária. Pequenas adições e mudanças no Pentateuco podem ser admitidas sem que se negue a unidade literária, e autoria mosaica da obra. Não há nenhuma evidência história ou manuscritológica que vários redatores tenham “costurado” os livros do Pentateuco. Não existe nenhuma evidência que em algum período da história, o Pentateuco tenha circulado como “pedaços” (fontes JEDP), e que algum redator, ou redatores, tenha compilado e dado sua formação final, como propõe a teoria documentária. Os rabinos judeus desconhecem tal coisa.

Notas:
[1] Stanley A. Ellisen, Conheça Melhor o Antigo Testamento (São Paulo, Ed. Vida, 1996), p. 13
[2] O.T. Allis, The Five Books of Moses (New Jersey, Presbyterian and Reformed Publishing Company, 1964), p. 10
[3] Robert D. Wilson, A Scientific Investigation of the Old Testament (Chicago, Moody Press, 1967), p. 50
[4] Alan Millard, Descobertas dos Tempos Bíblicos (São Paulo, Ed. Vida, 1999), p. 80
[5] G.L. Archer,Jr., Merece Confiança o Antigo Testamento?, pp. 499-507
[6] Martinho Lutero, por exemplo, apesar de possuir uma vida tão atribulada pode escrever (e em alguns casos reescrever) uma verdadeira biblioteca. A obra completa da edição de Weimar possuí um acervo de 100 volumes.
[7] Edward J. Young, Introdução ao Antigo Testamento (São Paulo, Editora Vida Nova, 1963), p. 52
[8] O.T. Allis, The Five Books of Moses, pp. 12-14
[9] Robert D. Wilson, A Scientific Investigation of Old Testament, p.11

Rev. Ewerton B. Tokashiki