27 setembro 2007

Auxiliadoras idôneas

A revelação bíblica é progressiva. A nossa compreensão dela também. Com o passar dos séculos, a igreja avança na sua compreensão da Palavra de Deus. A hermenêutica tem feito considerável progresso, tanto no campo da lingüística, como do conhecimento do contexto histórico-religioso das épocas. Isto, sem dúvida, nos obriga constantemente a rever algumas interpretações. Por outro lado, é inegável, também, que as filosofias e costumes contemporâneos exercem forte influência sobre a nossa interpretação bíblica. Não se pode imaginar, por exemplo, que a igreja esteja imune à influência do movimento feminista moderno. Nem é de estranhar que numa época em que as mulheres reivindicam e assumem cada vez mais papéis e posições que antes lhes eram negados, as igrejas sejam levadas a rever a sua interpretação sobre a questão da ordenação feminina ao ministério sagrado.

É indiscutível que o Novo Testamento reconhece e eleva a dignidade das mulheres a um patamar bem superior ao anteriormente concebido. No que diz respeito à dignidade, na igreja "não pode haver judeu nem grego; nem escravo nem liberto; nem homem nem mulher; porque todos vós sois um em Cristo Jesus" (Gl 3:28). Também não se pode negar que as mulheres, tais como Lídia, Priscila e muitas outras, tiveram participação ativa e importante na igreja primitiva.
Não obstante, parece inegável, também, que o Novo Testamento reconhece e mantém uma distinção funcional entre os gêneros, tanto no âmbito do casamento (Ef 5:22-24), como da igreja. Esta distinção, na qual o homem é o cabeça e a mulher uma auxiliadora, não pode de modo algum ser explicada em termos de contexto histórico (ou preconceito) antigo. A explicação bíblica para esta distinção é encontrada na própria criação, quando Deus criou a mulher como "uma auxiliadora idônea" (Gn 2:18) — idônea, sim, à sua altura, digna; mas auxiliadora, alguém que ajuda, assiste.

É verdade que, por causa da queda, esta distinção funcional original adquiriu outra conotação. A submissão da mulher tornou-se um castigo: "o teu desejo será para o teu marido, e ele te governará" (Gn 3:16). A liderança do homem também: "em fadiga obterás o sustento durante os dias da tua vida... no suor do teu rosto comerás o teu pão" (Gn 3:17,19). É verdade, também, que o preconceito e abusos da tradição judaica, e mesmo gentílica, contra a mulher agravaram ainda mais a situação.

Entretanto, parece evidente que a tese da ordenação feminina ao ministério se deve não a uma reinterpretação necessária do ensino bíblico, motivada por novas descobertas lingüísticas ou históricas, mas à influência inquestionável do moderno movimento feminista ocidental. O ministério do governo eclesiástico, conferido a pastores, presbíteros, ou bispos — os termos são sinônimos no NT (ver At 20:17,28, Tt 1:5-7 e 1 Pd 5:1-4) — e da pregação e ensino, conferido aos ministros da Palavra (ver 1 Tm 5:17), uma especialização do ofício do governo, é responsabilidade de homens no NT. Não apenas em nenhuma passagem do NT estes ofícios são conferidos a mulheres, como também os critérios indicados para a escolha desses oficiais determinam que sejam "esposos de uma só mulher... e que governem bem a sua própria casa" (1 Tm 3:2,4; cf. Tt 1:6).

Qual a explicação bíblica para a limitação do ofício de governo eclesiástico e da Palavra aos homens? Tradição? Costumes judaicos? Não! Poucos versos antes destas instruções a Timóteo, Paulo proíbe à mulher de falar publicamente e de exercer autoridade eclesiástica: "A mulher aprenda em silêncio com toda submissão. E não permito que a mulher ensine, nem exerça autoridade sobre o marido: esteja, porém, em silêncio" na igreja (1 Tm 2:11; cf. 1 Co 14:34-35). Por quê? Qual a explicação de Paulo para tal proibição? A resposta está nos versos seguintes: "Porque primeiro foi formado Adão, depois Eva. E Adão não foi iludido, mas a mulher, sendo enganada, caiu em transgressão" (v. 12-13). A explicação de Paulo para a distinção funcional entre o homem e a mulher na igreja está no Éden; na queda e, especialmente, na criação: primeiro foi criado Adão, e depois Eva, como auxiliadora idônea — idônea, sim; mas auxiliadora.
Se quisermos nos conformar com este século, ordenemos mulheres ao ministério. Se desejarmos permanecer fiéis à vontade de Deus revelada nas Escrituras, que as honremos como dignas cooperadoras.

Rev. Paulo R. B. Anglada
Pastor da Igreja Presbiteriana Central do Pará – Belém

Extraído de http://www.thirdmill.org/files/portuguese/20016~9_18_01_3-35-21_PM~AUXILIADORAS_ID%C3%94NEAS.html 20/09/2007

21 setembro 2007

O surgimento de diaconisas no século IV

O historiador batista A.H. Newman, que é favorável à ordenação feminina, observa sem fundamentada evidência que “aparentemente reconhecidas no Novo Testamento, [as diaconisas] reaparecem nas igrejas neste período [século IV]. As suas funções eram orar, e ministrar aos religiosos e necessidades circunstanciais das mulheres. Elas eram rigorosamente excluídas do serviço ‘do altar’”.[1] É necessário fazer algumas observações nesta declaração de Newman. O fato das viúvas serem “rigorosamente excluídas do serviço ‘do altar’”, indica que elas eram assistentes nas necessidades da igreja, e não líderes. O historiador interpreta que as diaconisas “reaparecem nas igrejas neste período”. Todavia, não há evidência histórica que explique esta lacuna de ausência na ordenação de diaconisas entre o primeiro e o início do quarto século.

Quando observamos o surgimento das diaconisas do século IV podemos concluir que a sua origem vem da ordem das viúvas que Paulo menciona em 1 Tm 5:9-12. Como muitas práticas se corromperam e cristalizaram com o decorrer dos séculos, é possível que o mesmo tenha ocorrido com as “verdadeiras viúvas”. A liderança assumiu uma hierarquia no governo da Igreja e nas funções litúrgicas. O surgimento de bispos, subdiáconos, acólitos, e diaconisas evidenciam a criação de ofícios e funções estranhos à liderança existente no Novo Testamento. É mais provável que o ofício de diaconisas nunca existiu entre a liderança da Igreja primitiva vindo a estabelecer-se apenas no início do quarto século.

Nota:
[1] A.H. Newman, A Manual of Church History (Philadelphia, The American Baptist Publication Society, 1933), vol. 1, pp. 293-294.

Rev. Ewerton B. Tokashiki

19 setembro 2007

Um esboço de Cristologia

A Pessoa de Cristo
1. A Preexistência de Cristo
1.1. A Concepção Messiânica no AT
1.2. A Profecia Messiânica no AT
1.3. A Tipologia Messiânica no AT
1.4. A Cristofania no AT
2. Títulos de Cristo
2.1. Títulos que indicam a sua Divindade
2.2. Títulos que indicam a sua Humanidade
3. As Naturezas de Cristo
3.1. A Natureza Divina
3.2. A Natureza Humana
3.3. A Necessidade das Duas Naturezas
3.4. A Unipersonalidade de Cristo
4. A Comunicação de Atributos
5. As Tentações de Cristo
6. A Impecabilidade de Cristo
7. O Caráter de Cristo
8. O Batismo de Cristo
9. A Família de Cristo

O Estado de Humilhação
1. A Natureza do Estado de Humilhação
2. A Plenitude dos Tempos
3. A Encarnação de Cristo
3.1. A Natureza da Encarnação
3.2. A Necessidade da Encarnação
3.3. O Propósito da Encarnação
4. A Concepção Virginal
5. O Auto-despojo de Cristo
6. A Obediência de Cristo
7. A Transfiguração de Cristo
8. Os Sofrimentos de Cristo
9. A Morte de Cristo
10. O Sepultamento de Cristo
11. “Descida ao Hades”

O Estado de Exaltação
1. Natureza do Estado de Exaltação
2. A Ressurreição de Cristo
3. Evidências em favor da Ressurreição de Cristo
4. A Humanidade Exaltada
5. A Ascensão Física aos Céus
6. A Intercessão de Cristo
7. O Retorno Físico de Cristo
8. A Glória de Cristo

A Obra Redentora de Cristo
1. O Princípio da Representatividade
2. O Mediador da Aliança
3. A Singularidade do Mediador (porquê só Jesus)
4. O Tríplice Ofício Medianeiro de Cristo
5. O Ofício Profético
6. O Ofício Real
7. O Reinado de Cristo
7.1. A Natureza do Reino de Cristo
7.2. A Extensão do Reino de Cristo
7.3. A Duração do Reino de Cristo
7.4. A Restituição do Reino ao Pai
8. O Ofício Sacerdotal de Cristo
9. A Expiação de Cristo
9.1. A Natureza da Expiação
. Predeterminada
. Objetiva
. Judicial
. Punitiva
. Vicária
9.2. A Causa da Expiação
9.3. A Necessidade da Expiação
9.4. A Perfeição da Expiação
9.5. O Propósito da Expiação
9.6. A Suficiência da Expiação
9.7. A Gratuidade da Expiação
9.8. A Voluntariedade da Expiação
9.9. Termos Relacionados com a Expiação
. Sacrifício
. Propiciação
. Reconciliação
. Redenção
. Imputação
. Substituição
. Justificação objetiva
. Penalidade
9.10. A Extensão da Expiação
. Textos Bíblicos que parecem favorecer a Expiação Universal
. Textos Bíblicos que afirmam a Expiação Limitada
9.11. Benefícios Assegurados pela Expiação de Cristo

14 setembro 2007

Nota de falecimento

Hoje pela manhã o Senhor tomou para Si o seu servo Rev. Caio Fábio de Araújo. Ele faleceu após uma delicada cirurgia. Sempre firme e preparado. Um homem que manifestou o caráter de Cristo em sua vida simples. Deixou uma vida próspera na carreira de advocacia preferindo obedecer o seu chamado pastoral. Submeteu-se à direção do Espírito do Santo. Mudou-se para Manaus. Com a sua chegada o presbiterianismo amazonense nunca mais foi o mesmo!

Estivemos na cidade de Manaus entre os dias 15 à 17 de Novembro participando do Congresso Fé Reformada. Nesta feita, antes de virmos embora pudemos visitar o abençoado casal. A nossa amada irmã Meire, esposa do Rev. José Nery, nos levou até à casa do Rev. Caio Fábio [o pai] e sua esposa, a dona Laci, e ali tivemos uma proveitosa conversa de aproximadamente 40 minutos. Confesso que foi surpreendente ouvir este servo de Deus, homem experiente de 79 anos, provado pelo fogo, e de ministério aprovado diante do Senhor. Atentamente ouvimos e nos nutrimos. Desde a minha adolescência ouço falar deste homem de Deus, então, pude conhecê-lo pessoalmente.

Louvo à Deus, por servos que Ele levanta para que vivam e preguem a Sua maravilhosa graça.

Torna-te, pessoalmente, padrão de boas obras. No ensino, mostra integridade, reverência, linguagem sadia e irrepreensível, para que o adversário seja envergonhado, não tendo indignidade nenhuma que dizer a nosso respeito (Tt 2:7-8, ARA).

04 setembro 2007

O meio ambiente um ambiente pecaminoso

Deus criou todas as coisas para desfrutarmos com alegria. Em tudo percebemos as digitais do Criador, pois, toda a criação possui um propósito inteligente, de tal modo que, cada ser vivo desde o mais simples até o mais complexo, está envolvido numa cadeia biológica de dependência e propósito. Olhar a criação deveria produzir em nós a sensação de reverência, não pela criatura, mas pelo Deus criador. Mas, porque não podemos adorar a criação se ela é tão bela? A resposta é simples: “pois desde a criação do mundo os atributos invisíveis de Deus, seu eterno poder e sua natureza divina, têm sido vistos claramente, sendo compreendidos por meio das coisas criadas, de forma que tais homens são indesculpáveis; porque tendo conhecido a Deus, não glorificaram como Deus, nem lhe renderam graças, mas os seus pensamentos tornaram-se fúteis e o coração insensato deles obscureceu-se.” (Rm 1:20-21, NVI). Não devemos venerar, cultuar ou oferecer qualquer forma de adoração para a criatura, somente ao Criador.

O Senhor Deus que trouxe à existência do nada tudo o que há revela na Bíblia que o desequilíbrio ambiental tem a sua causa no pecado. Por causa do ser humano toda a criação foi afetada por este mal. A Escritura Sagrada declara que “maldita é a terra por sua causa; com sofrimento você se alimentará dela todos os dias da sua vida” (Gn 3:17b, NVI). A destruição da natureza é um testemunho irrefutável da presença do pecado. A Palavra de Deus, a nossa consciência e a natureza testificam que o nosso meio ambiente é um ambiente pecaminoso.

Estamos matando o meio ambiente com o nosso comportamento pecaminoso. Se não bastasse toda a criação sendo afetada pela maldição e pela presença corrosiva do pecado, a humanidade tem de forma desordenada destruído o meio ambiente. A luta e morte por terras, o desmatamento desenfreado, a contaminação do solo e dos lençóis de água, a poluição do ar com gases venenosos, e tudo por causa da ganância e do orgulho. Nós e os nossos filhos temos colhido desde agora a terrível conseqüência do nosso pecado contra o Criador. Não estamos cuidando da terra conforme o mandato original (Gn 2:15), pelo contrário, temos frontalmente desobedecido ao Senhor.

Se arrependermos dos nossos pecados e crermos em Cristo como o nosso único e suficiente Salvador seremos perdoados. A salvação não se limita apenas a esta vida, mas aponta para um futuro onde tudo será restaurado. A Palavra de Deus declara que toda “a natureza criada aguarda, com grande expectativa que os filhos de Deus sejam revelados. Pois ela foi submetida à inutilidade, não pela sua própria escolha, mas por causa da vontade daquele que a sujeitou, na esperança de que a própria natureza criada será libertada da escravidão da decadência em que se encontra, recebendo a gloriosa liberdade dos filhos de Deus” (Rm 8:19-21, NVI). Somos espiritualmente filhos de Deus, mas o nosso corpo ainda necessidade ser transformado (Rm 8:12-17; Rm 8:23; 1 Co 15:35-58).

Mas, quando formos transformados fisicamente, na vinda de Cristo, então, habitaremos num mundo também transformado. Na Bíblia lemos que “visto que tudo será assim desfeito, que tipo de pessoas é necessário que vocês sejam? Vivam de maneira santa e piedosa, esperando o dia de Deus e apressando a sua vinda. Naquele dia os céus serão desfeitos em fogo, e os elementos se derreterão pelo calor. Todavia, de acordo com a sua promessa, esperamos novos céus e nova terra, onde habita a justiça” (2 Pe 3:11-13, NVI). Após o juízo, quando Satanás e seus anjos, e todos os que não se arrependeram e rejeitaram a salvação em Cristo, forem lançados no lago de fogo (Ap 20:7-15), então, com o apóstolo João, poderemos dizer que “vi novos céus e nova terra, pois o primeiro céu e a primeira terra tinham passado...” (Ap 21:1, NVI). Se quisermos participar desta promessa futura precisamos ser livres da condenação do pecado que nos mata e que prejudica o meio ambiente.

23 agosto 2007

Discipulado

O que é discipulado? Há com certeza uma diversidade de opiniões quanto ao propósito e modo de realizá-lo. Qual o tempo apropriado para realização de um Curso de Discipulado e qual o número de lições é ideal? Ou ainda, quais as discussões se darão geralmente em torno do conteúdo das lições e métodos de aplicação. Todavia, A preocupação principal que devemos ter quanto ao discipulado, se é que estamos sendo bíblicos ou não na nossa concepção.

Precisamos partir do modelo apresentado por Jesus (embora não seja o primeiro modelo apresentado na Bíblia) que é o mestre dos mestres. Jesus teve um ministério onde ensinou multidões, mas concentrou a sua mensagem nos seus discípulos, formando a base para a continuidade do seu ministério a partir do discipulado. Sendo esta a principal ordem dada aos seus discípulos antes da sua ascensão (Mateus 28.18-20; Mc 3.14).

A Igreja necessita resgatar o discipulado. Tanto um conceito, como uma prática correta de discipulado evidenciará a saúde espiritual da igreja. O pastor luterano Dietrich Bonhoeffer notou tristemente que "em tudo que segue, queremos falar em nome de todos aqueles que estão perturbados e para os quais a palavra da graça se tornou assustadoramente vazia. Por amor a verdade, essa palavra tem que ser pronunciada em nome daqueles de entre nós que reconhecem que, devido à graça barata, perderam o discipulado de Cristo, e, com o discipulado de Cristo, a compreensão da graça preciosa. Simplesmente por não querermos negar que já não estamos no verdadeiro discipulado de Cristo, que somos, é certo, membros de uma igreja ortodoxamente crente na doutrina da graça pura, mas não membros de uma graça do discipulado, há que se fazer a tentativa de compreender de novo a graça e o discipulado em sua verdadeira relação mútua. Já não ousamos mais fugir ao problema. Cada vez se torna mais evidente que o problema da Igreja se cifra nisso: como viver hoje uma vida cristã."[1]

Este é o modelo Bíblico onde é possível desenvolver o caráter de Cristo na vida dos envolvidos. Conhecer a Deus por meio de Jesus, e glorifica-lo num relacionamento construtivo como Igreja. Nesse relacionamento construtivo o alvo é preparar discípulos para um envolvimento nos ministérios e departamentos da igreja, proporcionando um fortalecimento qualitativo, que resultará naturalmente na multiplicação de outros discípulos.

Ser discípulo é muito mais do que ser um mero aprendiz temporário. M. Bernouilli observa que “o discípulo tem em comum com o aluno o fato de receber um ensino, mas o primeiro compromete-se com a doutrina do mestre.”[2] Mas ser discípulo não se resume ao exercício intelectual “é importante reconhecer que a chamada para ser discípulo sempre inclui a chamada para o serviço.”[3]

A definição que adotamos nesse trabalho é a mesma usada por David Kornfield: o discipulado não é um programa; não é uma série de módulos; não é um livro de iniciação doutrinária; não é apenas um encontro semanal; não é um novo sistema de culto nos lares. Kornfield observa que "discipulado é uma relação comprometida e pessoal, onde um discípulo mais maduro ajuda outros discípulos de Jesus Cristo a aproximarem-se mais dEle e assim reproduzirem."[4]

O discipulador não é simplesmente um professor. Ele é alguém que além de informar também coopera na formação espiritual do seu aprendiz, tornando-se referência para o discípulo. Mas, devemos sempre lembrar que nenhum discipulador é modelo de perfeição, mas sim, um modelo de transformação, mostrando que assim como o discípulo, ele também está num processo, que a cada dia subirá um degrau na absorção do caráter de Cristo. Com este sincero objetivo ele poderá identificar-se com o discípulo. Seguindo o exemplo de Paulo: “...não que o tenha já recebido, ou tenha obtido a perfeição; mas prossigo para conquistar aquilo para o que também fui conquistado por Cristo Jesus” (Fp 3.12, ARA).

John Sittema nos lembra que discipular é “reproduzir a si mesmo e sua fé na vida de outros.”[5] Evidentemente não podemos confundir, porque o Senhor Jesus exige que façamos discípulos dele e não nossos. Novamente podemos citar Sittema observando que “esse processo requer o desenvolvimento de um relacionamento de confiança, de exemplo, de revelação do nosso coração e da nossa fé ao discípulo que, por sua vez deve imitar o padrão de fé do seu mestre.”[6]

É importante lembrar que o alvo não é apenas a multiplicação de novos membros, mas, que principalmente da maturidade e crescimento dos cristãos convertidos, e outros novos convertidos virão como conseqüência dessa maturidade (Tt 2:11-15). É tempo de repensarmos a forma da igreja, onde até então, o trabalho eclesiástico se atém a um pequeno grupo de líderes, que provavelmente não foram discipulados. Indispensavelmente a liderança da igreja local deve estar preparada para equipar os santos (Ef 4.11-13). O pastor coordenando os grupos de formação de líderes estará mais livre para pastorear o rebanho, podendo em reuniões periódicas com os discipuladores, ser informado a respeito das ovelhas que carecem de um cuidado mais específico.

Uma igreja sadia vive uma estrutura de discipulado em que os membros vivem e compartilham a obediência da recíprocidade cristã (uns aos outros). A Escritura nos declara que somos membros uns dos outros (Rm 12:5), logo, esta convivência mútua deve reger a qualidade de todos os nossos relacionamentos:
1. Amando cordialmente uns aos outros (Rm 12:10).
2. Honrando uns aos outros (Rm 12:10).
3. Tendo o mesmo sentir uns para com os outros (Rm 12:16; 15:5).
4. Amando uns aos outros (Rm 13:8).
5. Edificando uns aos outros (Rm 14:19).
6. Acolhendo uns aos outros (Rm 15:7).
7. Admoestando uns aos outros (Rm 15:14).
8. Saudando uns aos outros (Rm 16:16).
9. Esperando uns pelos outros (1 Co 11:33).
10. Importando uns com os outros (1 Co 12:25).
11. Servindo uns aos outros (Gl 5:13).
12. Levando a carga uns dos outros (Gl 6:2).
13. Suportando uns aos outros (Ef 4:2; Cl 3:13).
14. Sendo benignos uns para com os outros (Ef 4:32).
15. Sujeitando-se uns aos outros (Ef 5:32).
16. Consolando uns aos outros (1 Ts 4:18; 5:11,14).
17. Confessando pecados uns aos outros (Tg 5:16).
18. Orando uns pelos outros (Tg 5:16)
19. Sendo hospitaleiros uns com os outros (1 Pe 4:9)
20. Tendo comunhão uns com os outros (1 Jo 1:7).

O nosso alvo como servos de Cristo é desfrutar uma vida qualitativamente padronizada pelo nosso Mestre, em que alcançados pela graça de Deus, tocamos a vida de outras pessoas. O amor que enviou o Filho, nos une, e que nos transforma, também deve ser comunicado integralmente nos nossos relacionamentos.

Notas:
[1] Dietrich Bonhoeffer, Discipulado (São Leopoldo, Ed. Sinodal, 1995), p. 18. Bonhoeffer (1906-1945) foi um jovem pastor luterano que durante a 2a Guerra Mundial protestou contra o regime Nazista. Foi preso e morto aos 39 anos, num campo de concentração alemão. Durante sua prisão escreveu várias cartas e livros na área de Teologia Pastoral, que foram preservados e alguns se encontram traduzidos para o português.
[2] J.J. Von Allmen, ed., Vocabulário Bíblico (São Paulo, ASTE, 1972), pp. 108-109.
[3] Colin Brown, ed., Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento (São Paulo, Ed. Vida Nova, 1981), vol. 1, p. 666.
[4] David Kornfield, Série Grupos de Discipulado (São Paulo, Editora SEPAL, 1994), vol. 1, p. 6.
[5] John Sittema, Coração de Pastor (São Paulo, Ed. Cultura Cristã, 2004), p. 173.
[6] John Sittema, Coração de Pastor, p. 173.

Rev. Ewerton B. Tokashiki

14 agosto 2007

Breve avaliação da Teologia Relacional

Os teólogos adeptos do Open Theism, ou Teologia Relacional, têm usado como munição argumentos que questionam a chamada “concepção clássica de Deus”. Como este movimento de “reformar nosso entendimento de quem Deus é” ainda está desenvolvendo os seus tentáculos, não podemos generalizar todos os seus intérpretes, e esperar que todos tenham o mesmo raciocínio e conclusões, nem os teólogos americanos ou brasileiros, mesmo porque cada um tem as suas particularidades pessoais. Todavia, todos têm elementos em comum: se o próprio Deus não se conhece totalmente, logo, tudo o que se disser acerca dEle é questionável[1] Entretanto, parece-nos que o único atributo de que podemos ter alguma certeza é o amor. Assim, este "deus relacional" ama humanamente, e considera espúrio toda a presença do mal, mesmo não podendo ser soberano sobre ele. Tudo o que envolve sofrimento é indesejável e não pode proceder deste "deus relacional".

Mas, o que diremos do inferno? Um "deus relacional" condenaria pobres humanos que viveram na ignorância do Evangelho, e por causa de sua cultura pagã tiveram uma vida miserável, e ainda por fim seriam condenados a sofrer a punição divina por toda eternidade, não tendo em vida, nem após a morte, um instante de alívio de seu sofrimento existencial? Não é de se estranhar que o próprio Clark H. Pinnock tenha abandonado a crença de uma punição final eterna.[2] Ora, somente é possível concluir que o deus que não tem supremacia para decidir sobre os vivos, não pode condená-los após a sua morte!

Se o principal atributo de Deus é amor, e não podemos aceitar absolutos, então não deveria Ele também amar os demônios? Se os demônios são suas criaturas, como os seres humanos, por que razão Ele os despreza tanto? Deus na eternidade não sabia da conspiração de Satanás, ou não pôde evitá-la? Mas, mesmo depois de caídos e contaminados pelo mal, Deus não poderia, por amor, dar uma segunda chance? Afinal, qualquer um poderia se encontrar na mesma condição se estivesse absolutamente sem a influência da graça de Deus! Deus não se importa com o sofrimento dos demônios? Por que deste prefencialismo pelo ser humano? Estas são questões que sinceramente desejaria que um adepto da Teologia Relacional respondesse coerentemente.

Podemos imaginar adeptos da Teologia Relacional parafraseando Gn 1:26: façamos Deus a nossa imagem e semelhança. Esta tem sido a tarefa destes teólogos. Reconstruir uma teologia de Deus que limita a si mesmo, tornando-se mais frágil e um pouco mais humano. A sua transcendência deixa de ser uma de suas perfeições que O revela como sendo totalmente outro.[3] Entretanto, devemos ouvir o que o profeta Isaías registra declarando “com quem vocês vão me comparar? Quem se assemelha a mim? Pergunta o Santo” (Is 40:25).

Redefinir a nossa concepção de Deus não enxugará de ninguém as suas lágrimas. A Teologia Relacional não é capaz de consolar ninguém. Que consolo pode ter alguém ao ouvir: Deus quis, mas não pôde fazer nada! Ou, Deus não previu este acidente. Ouvir que Deus está chorando comigo, porque não pôde fazer nada, não conforta, apenas aumenta a incredulidade e o desespero. Quem afinal governa o mundo? Seria a pergunta mais responsável a se fazer.

Deus não fica impassível diante do sofrimento. Na boca do profeta Ezequiel Ele diz: “teria eu algum prazer na morte do ímpio? Palavra do Soberano, o SENHOR. Ao contrário, acaso não me agrada vê-lo desviar-se dos seus caminhos e viver?” (Ez 18:23, NVI). O Senhor consola os abatidos. É Ele quem ordena “aquietai-vos e sabei que eu sou Deus; sou exaltado entre as nações, sou exaltado na terra” (Sl 46:10, ARA). Ele em sua Providência sustenta toda a criação “porque ele faz raiar o seu sol sobre maus e bons e derrama chuva sobre justos e injustos” (Mt 5:45, NVI). Sendo que “toda boa dádiva e todo dom perfeito vêm do alto, descendo do Pai das luzes, que não muda como sombras inconstantes” (Tg 1:17, NVI). No fim, quando Ele retirar a maldição e restaurar toda a criação (Rm 8:18-25), então “Ele enxugará dos seus olhos toda lágrima. Não haverá mais morte, nem tristeza, nem choro, nem dor, pois a antiga ordem já passou” (Ap 21:4, NVI).

Notas:
[1] Clark H. Pinnock, Deus Limita Seu Conhecimento in: Predestinação e Livre-Arbítrio (São Paulo, Ed. Mundo Cristão, 1996), pp. 173-197.
[2] Clark H. Pinnock, The Destruction of the Finally Impenitent in: Criswell Theological Review, Spring 1990, vol. 4, número 2, pp. 243-259.
[3] Cuidadosamente uso o termo totalis aliter de Karl Barth.

12 agosto 2007

Pioneiro presbiteriano no Brasil

Cronologia Biográfica
- Rev. Ashbel Green Simonton -
(1833-1867)

West Hanover, Pensilvânia
20/01/1833
- nascimento Ashbel G. Simonton
- pai: William Simonton, presbítero, médico e político
- mãe: Martha Snodgrass Simonton
- foi caçula dentre 11 filhos: 7 homens e 4 mulheres
- descendentes de irlandeses presbiterianos

14/06/1833
- batizado com 5 meses “filho da Aliança”

17/05/1846
- morte do pai

? /04/1847
- mudança para Harrisburg

Harrisburg, Pensilvânia
1850 – graduação na High School

Princeton, New Jersey
1852 – graduação no College of New Jersey

Starkville, Mississipi
? /12/1852
- aos 19 anos exerce o magistério ensinando: latim, francês, alemão e italiano

29/06/1854
- volta para Harrisburg

Harrisburg, Pensilvânia
? /07/1854
– início do estudo de Direito

05/05/1855
- profissão de Fé na Igreja Presbiteriana Market Square

Princeton, New Jersey
? /08/1855
- estudante no Seminário Teológico Presbiteriano de Princeton

14/10/1855
- chamado para missões[1] através de um sermão do Dr. Charles Hodge

10/10/1857
- conversa com o secretário de Missões da Igreja Presbiteriana do Norte

14/04/1858
- Licenciado para pregar pelo Presbitério de Carlyle

21/11/1858
- opção pelo Brasil (quase enviado para a Bolívia)

? /12/1858
- resposta positiva da Junta de Missões (Board of New York)

14/04/1859
- ordenação ao ministério na Igreja Reformada Alemã de Harrisburg

18/06/1859
- embarque para o Brasil, no navio “Banshee”

Rio de Janeiro, Brasil
12/08/1859
- desembarque no Rio de Janeiro, quase 2 meses de viagem
- chega ao Brasil com 27 anos de idade

31/08/1859
- celebração do 1º culto no Brasil

27/12/1859
- celebração da 1ª Santa Ceia

12/01/1862
- primeiros batismos e organização da 1ª Igreja Presbiteriana do RJ

Harrisburg, Pensilvânia
16/03/1862
- “Furlough” (férias para arrecadação de fundos) após 3 anos no Brasil

10/04/1862
- morte da mãe – Martha Snodgrass Simonton

19/03/1863
- casamento com Helen Murdoch

Rio de Janeiro, Brasil
16/07/1863
- retorno ao Brasil com 4 meses de casado

06/09/1863
- início da Escola Bíblica Dominical

19/06/1864
- nascimento da filha

28/06/1864
- morte da esposa: 9 dias após o parto

05/07/1864
- batismo da “pequena” Helen[2]

05/11/1864
- primeiro número da “Imprensa Evangélica”

05/03/1865
- organização da Igreja Presbiteriana de São Paulo

13/11/1865
- organização da Igreja Presbiteriana de Brotas

16/12/1865
- organização do Presbitério do RJ, ligado ao Sínodo de Baltimore
- pastores: Rev. A.G. Simonton
Rev. A.B. Blackford
Rev. F.J.C. Schneider
Rev. J.M. da Conceição (ordenado nesse dia)

14/05/1867
- início do Seminário “Primitivo” do RJ[3]
4 professores:
Rev. A.G. Simonton
Rev. A.B. Blackford
Rev. F.J.C. Schneider[4]
Rev. Charles Wagner (pastor luterano)
4 alunos:
Antônio B. Trajano
Miguel G. Torres
Modesto P.B. Carvalhosa
Antônio P. Cerqueira Leite

09/12/1867
- Rev. Simonton morre em São Paulo, de febre amarela (?), aos 34 anos.
- enterrado no “Cemitério dos Protestantes” no bairro da Consolação, São Paulo.

Notas:
[1] Ashbel G. Simonton, Diário (São Paulo, Casa Editora Presbiteriana, 1982), pág. 106
[2] A criança recebeu o nome da mãe, Diário, pág. 192
[3] Funcionou durante 3 anos.
[4] Nascido na Alemanha, mas naturalizado nos EUA, convertido em sua juventude, tornou-se pastor presbiteriano, veio para o Brasil, a fim de trabalhar entre imigrantes de língua alemã. Foi o tradutor de A.A. Hodge, Esboços de Teologia (Lisboa, 1895), e reimpresso pela PES, em 2001, com o português revisado e notas do Rev. Odair Olivetti.
Rev. Ewerton B. Tokashiki

02 agosto 2007

A ordenação feminina e o Ecumenismo

O Conselho Mundial de Igrejas (World Concil Churches [WCC]) é a principal organização ecumênica cristã em nível internacional, fundada em 1948, em Amsterdam, Holanda. Com sede em Genebra, Suíça, o CMI congrega mais de 340 denominações em sua membresia. Segundo as suas estimativas, estas denominações representam mais de 400 milhões de membros presentes em mais de 120 países. Esta organização tem incentivado as igrejas-membros do concílio para que ordenem mulheres nos ofícios eclesiásticos. Em seu documento intitulado de Fé e Constituição - Batismo, Eucaristia, Ministério declara que "algumas Igrejas ordenam homens e mulheres, outras não ordenam senão homens. Diferenças nessa questão criam obstáculos no que respeita ao reconhecimento mútuo dos ministérios. Mas estes obstáculos não devem ser considerados como impedimentos decisivos a outros esforços que tenham em vista o mútuo reconhecimento. A abertura recíproca comporta a possibilidade de o Espírito falar a uma Igreja através dos esclarecimentos de uma outra. As considerações ecumênicas deveriam, pois, animar e não refrear o esforço para encarar de frente este problema."[1]

A Aliança Mundial das Igrejas Reformadas foi criada em 1970 (World Alliance of Reformed Churches [WARC]) é uma comunidade de aproximadamente 75 milhões de cristãos de tradição reformada procedentes de 216 igrejas em 107 países. Este concílio tem trabalhado para que as igrejas-membros ordenem mulheres, adotando uma postura teologicamente igualitarista. Num discurso orientado pela Teologia Feminista, o seu site declara explicitamente que "a função do Departamento [de colaboração entre mulheres e homens] é ajudar as igrejas membros a escutarem de novo o testemunho bíblico sobre a comunidade (koínonia) e a colaboração, erradicar o sexismo na teologia e a práxis e promover a sensibilização em matéria de gênero, reconhecer os dons e talentos das mulheres para o ministério e as funções da direção, e trabalhar pela renovação e a transformação da igreja e da sociedade enquanto lutamos para suprimir os obstáculos que continuam dividindo as mulheres dos homens."[2]

A Igreja Presbiteriana do Brasil até 2006 participou como igreja-membro da AMIR. Entretanto, a nossa igreja rompeu laços com a AMIR por esta adotar uma hermenêutica, teologia e prática ecumênica pluralista estranha à Escritura Sagrada. A tradição reformada da AMIR esvaziou-se de sua convicção histórica reformada. A AMIR e o CMI compartilham da mesma aceitação de pluralidade teológica. Qualquer interpretação, postura, ou prática que não coadune com os cânones da pós-modernidade teológica destas confraternidades é rejeitada como intolerante e não fraterna. Todavia, não podemos em nome do amor sacrificar a verdade.

Na metade do século XX entre as igrejas históricas iniciaram a ordenar mulheres.[3] Os luteranos na Suécia iniciaram a prática em 1958, e os alemães também seguiram o exemplo. A Igreja Reformada e a Igreja da Escócia [presbiteriana] ordenaram a partir da década de 60. Recentemente aderiram à ordenação feminina os batistas e os metodistas na Grã-Bretanha e Austrália. Na década de 70 a Igreja Anglicana do Canadá e a Episcopal da América, e em 1991, nomearam uma mulher como episcopisa. Algumas igrejas pentecostais, como a Igreja do Evangelho Quadrangular, desde o início ordenavam mulheres como pastoras, todavia, a base de tal prática não era devido a uma elaboração teológico-exegética, mas por motivos pragmáticos.

No Brasil, as igrejas históricas como os anglicanos, os metodistas (IMB), os luteranos confessionais (IECLB), os presbiterianos independentes (IPIB) nas últimas três décadas passaram a praticar a ordenação de mulheres como diaconisas e mais recentemente presbíteras e pastoras. Deve-se observar que nenhuma destas denominações ordena mulheres motivadas por firme convicção bíblica, mas por fatores sociais. Não podem ser classificadas como sendo igrejas teologicamente conservadoras, pois o pluralismo teológico tornou-se o padrão, tomando o lugar da sua identidade confessional e histórica.

Mas, qual a situação da IPB? Embora exista um pequeno grupo, inclusive composto de mulheres, em nosso meio militando em favor da ordenação feminina, estamos longe de mudarmos de opinião. Apesar de sermos acusados de estarmos vivendo fora do nosso tempo pós-moderno, preferindo uma postura obscurantista, ignorando o mover na sociedade para a participatividade feminina na liderança, estamos convictos de que a Escritura Sagrada estabelece um padrão de governo eclesiástico inalterável. O nosso compromisso teológico e ministerial permanece fiel à Palavra de Deus. Não mudaremos a nossa Hermenêutica para conformar a nossa interpretação da Bíblia aos canônes feministas.

Algumas questões práticas, desde agora, devem ser refletidas, à luz das Escrituras Sagradas:
1. O dom de liderança das mulheres é prejudicado no convívio da igreja por não serem ordenadas?
2. Existe vocação pastoral para as irmãs que têm o dom pastoral?
3. As mulheres poderiam estudar em instituições teológicos? Com que finalidade?
4. Como seria o convívio das mulheres ordenadas de outras denominações que se tornarem membros da Igreja Presbiteriana do Brasil?

Como material de apoio, sugiro a leitura de algumas obras que poderão esclarecer o assunto, e oferecer subsídios para uma discussão salutar:
1. Bonnidell Clouse, ed., Mulheres no Ministério (São Editora mundo cristão).
2. John W. Robbins, ed., The Church Effeminate (The Trinity Foundation), págs. 212-233
3. Augustus Nicodemus, “Ordenação Feminina” in: Fides Reformata, vol. II, número 1, 1997., págs. 59-84.
4. Nancy Pearcey, Verdade Absoluta (CPAD), págs. 363-390.

Notas:
[1] Fé e Constituição do Conselho Mundial de Igrejas - Batismo, Eucaristia, Ministério (São Paulo, CONIC, KOINONIA, ASTE, 3ª.ed., 2001), p. 67.
[2] Extraído de http://www.warc.ch/dp/index-s.html em: 21/03/2007.
[3] Robert G. Clouse, et al., dois reinos (São Paulo, Editora Cultura Cristã, 2003), pp. 576-577.

Rev. Ewerton B. Tokashiki

21 julho 2007

A manhã em que eu ouvi a voz de Deus

por John Piper

Deixem-me falar-lhes sobre uma experiência das mais maravilhosas que eu tive na manhã de segunda-feira, 19 de março de 2007, pouco depois das seis da manhã. Deus falou de verdade comigo. Não há nenhuma dúvida de que era Deus. Eu ouvi as palavras em minha cabeça com a mesma clareza com que a memória de uma conversa passa pela consciência. As palavras eram em inglês, mas elas tinham sobre si uma absoluta auto-autenticação da verdade. Eu estou certo sem a menor sombra de dúvida de que Deus ainda fala hoje.

Eu não conseguia dormir por alguma razão. Eu estava em Shalom House no norte de Minnesota em um retiro de casais. Eram aproximadamente cinco e trinta da manhã. Fiquei lá deitado decidindo se eu deveria me levantar ou esperar até que pegasse no sono novamente. Por Sua misericórdia, Deus me tirou da cama. Estava ainda muito escuro, mas eu consegui achar minha roupa, vesti-me, peguei minha pasta, e saí suavemente do quarto sem acordar Nöel [esposa de John Piper – N.T.]. Na sala principal lá embaixo, estava tudo absolutamente tranqüilo. Ninguém mais parecia estar acordado. Assim eu me sentei em um sofá num canto para orar.

Enquanto eu orava e meditava, de repente aconteceu. Deus disse, "venha e veja o que eu fiz." Não havia a menor dúvida em minha mente de que estas eram mesmo palavras de Deus. Naquele mesmo instante. Naquele mesmo lugar no século vinte e um, no ano 2007, Deus estava falando comigo com autoridade absoluta e realidade auto-evidenciada. Eu parei para tentar entender a dimensão do que estava acontecendo. Havia uma doçura naquilo tudo. O tempo parecia ter pouca importância. Deus estava próximo. Ele estava me vendo. Ele tinha algo a dizer para mim. Quando Deus se aproxima, a pressa deixa de existir. O tempo pára.

Eu queria saber o que ele quis dizer com "venha e veja". Ele me levaria a algum lugar, como fez com Paulo levando-o ao céu para ver aquilo que não pode ser descrito? Será que "ver" significava que eu teria uma visão de alguma grande obra de Deus que ninguém jamais havia visto? Não estou certo de quanto tempo decorreu entre a palavra inicial de Deus, " Venha e veja o que eu fiz", e as palavras seguintes. Não importa. Eu estava sendo envolvido no amor da comunicação pessoal com Ele. O Deus do universo estava falando comigo.

Então ele disse, tão claramente quanto qualquer palavra que alguma vez tenha entrado em minha mente: "Fiz coisas tremendas para com os filhos dos homens!". Meu coração acelerou, "Sim, Senhor! Tu és tremendo em todas as tuas obras. Sim, para com todos os homens quer eles percebam isto ou não. Sim! E agora? O que mais me mostrarás?"

As palavras vieram novamente. Tão claramente quanto antes, mas cada vez mais específicas: "Converti o mar em terra seca; atravessaram o rio a pé; ali, eles se alegraram em Mim". De repente percebi que Deus estava me levando de volta milhares de anos no tempo, até a época em que ele secou o Mar Vermelho e o Rio Jordão. Eu estava sendo transportado na história, pela palavra dEle, até essas grandes obras. Era isso que Ele queria dizer quando disse "Venha e veja". Ele estava me conduzindo ao passado pelas Suas palavras até essas duas gloriosas obras que ele fez diante de crianças e homens. Estas eram as "coisas tremendas" a que Ele havia se referido. O próprio Deus estava narrando as poderosas obras de Deus. Ele estava fazendo isso para mim. Ele fazia isto com palavras que estavam ressoando em minha própria mente.

Então me cobriu uma maravilhosa reverência. Uma palpável paz desceu sobre mim. Este era um momento santo e um lugar santo do mundo ali no norte de Minnesota. O Deus Todo-Poderoso tinha descido e estava me dando a quietude, a abertura e a disposição de ouvir a Sua voz. Enquanto eu me maravilhava do Seu poder para secar o mar e o rio, ele falou novamente: "Os meus olhos vigiam as nações, não se exaltem os rebeldes."

Isso era empolgante. Era muito sério. Era quase uma repreensão. No mínimo uma advertência. Ele poderia da mesma forma ter me arrastado pelo colarinho, me erguido do chão com uma mão, e ter dito, com uma mistura incomparável de ferocidade e amor, "Nunca, nunca, nunca te exaltes a ti mesmo. Nunca te rebeles contra mim."

Eu sentei, olhando para o vazio. Minha mente estava cheia da glória universal de Deus. "Meus olhos vigiam as nações." Ele tinha dito isto para mim. Não era só que ele tinha dito. Sim, isso já seria glorioso. Mas ele tinha dito isto para mim. As próprias palavras de Deus estavam em minha cabeça. Elas estavam lá em minha cabeça da mesma maneira que as palavras que eu estou escrevendo neste momento estão na minha cabeça. Elas foram ouvidas tão claramente quanto se neste momento eu recordasse que minha esposa havia dito, "Desça para jantar assim que estiver pronto." Eu sei que aquelas são palavras da minha esposa. E eu sei que estas são palavras de Deus.

"O Deus Todo-Poderoso tinha descido e estava me dando a quietude, a abertura e a disposição de ouvir a Sua voz."

Pense nisso. Maravilhe-se com isso. Trema diante disso. O Deus cujos olhos vigiam as nações, como algumas pessoas vigiam o gado ou o mercados de ações ou locais de construção - esse Deus ainda fala no século vinte e um. Eu ouvi as próprias palavras dEle. Ele falou pessoalmente comigo.

Que efeito teve isso sobre mim? Encheu-me de um senso renovado da realidade de Deus. Assegurou-me mais profundamente de que ele age na história e no nosso tempo. Fortaleceu minha fé de que ele é por mim e cuida de mim e usará o seu poder universal para tomar conta de mim. Por que mais ele viria e me contaria essas coisas?

Aumentou meu amor pela Bíblia como a verdadeira palavra de Deus, porque foi pela Bíblia que eu ouvi estas palavras divinas, e através da Bíblia eu tenho experiências como estas quase diariamente. O próprio Deus do universo fala em cada página à minha mente – e à sua mente também. Nós ouvimos as Suas próprias palavras. Deus mesmo multiplicou as Suas obras e Seus pensamentos maravilhosos para nós; ninguém pode se comparar a ele! Eu quisera anunciá-los e deles falar, mas são mais do que se pode contar. (Salmo 40:5).

E, melhor de tudo, eles estão disponíveis a todos. Se você quiser ouvir as mesmas palavras que eu ouvi no sofá no norte de Minnesota, leia o Salmo 66:5-7. Foi ali que eu as ouvi. Quão preciosa é a Bíblia. É a própria palavra de Deus. Nela Deus fala em pleno século vinte e um. Ela é a própria voz de Deus. Por esta voz, Ele fala com verdade absoluta e força pessoal. Por esta voz, Ele revela a Sua transcendente beleza. Por esta voz, Ele revela os segredos mais profundos de nossos corações. Nenhuma voz pode em qualquer lugar e a qualquer tempo ir tão fundo ou erguer-se tão alto ou levar tão longe quanto a voz de Deus que nós ouvimos na Bíblia. É uma grande maravilha que Deus ainda fale hoje através da Bíblia com maior força, maior glória, maior certeza, maior doçura, maior esperança, maior orientação, maior poder transformador e maior verdade cristocêntrica do que pode ser ouvida de qualquer voz em qualquer alma humana no planeta fora da Bíblia.

É por isso que fiquei triste com o artigo "My Conversation with God" ("Minha Conversa com Deus" – N.T.) na Christianity Today (Cristianismo Hoje – N.T.) deste mês. Escrito por um professor anônimo de uma "conhecida Universidade Cristã", conta a sua experiência de ouvir Deus. O que Deus disse era que ele deveria dar todos os royalties de um novo livro para pagar os estudos de um estudante necessitado. O que me deixa triste sobre o artigo não é que não é verdade ou que não aconteceu. O que me entristece é que realmente dá a impressão de que a comunicação extra-bíblica com Deus é infinitamente maravilhosa e fortalecedora da fé. O tempo todo, a supremamente gloriosa comunicação do Deus vivo que pessoalmente e poderosamente e transformadoramente explode todos os dias no coração receptivo através da Bíblia é ignorada em absoluto silêncio.

Tenho certeza que esse professor de teologia não quis dizer isso deste modo, mas o que ele disse de fato foi: "Durante anos ensinei que Deus ainda fala hoje, mas não pude testemunhar isso pessoalmente. Eu só posso fazer isso agora de forma anônima, por razões que eu espero fiquem claras" (ênfase acrescentada por Piper). Certamente ele não quer dizer o que ele parece inferir – que somente quando a pessoa ouve uma voz extra-bíblica como, "O dinheiro não é seu", você pode testemunhar pessoalmente que Deus ainda fala. Seguramente ele não pretende depreciar a voz de Deus na Bíblia que fala neste mesmo dia com poder, verdade, sabedoria, glória, alegria, esperança, maravilha e utilidade, dez mil vezes mais decisivamente que qualquer coisa que possamos ouvir fora da Bíblia.

Eu me aflijo com o que está sendo comunicado aqui. A grande necessidade de nosso tempo é que as pessoas experimentem a realidade viva de Deus ouvindo a Sua Palavra pessoalmente e de forma transformadora nas Escrituras. Algo está inacreditavelmente errado quando as palavras que nós ouvimos fora da Bíblia são mais poderosas e mais influentes para nós do que a Palavra inspirada de Deus. Clamemos com o salmista: "Inclina-me o coração aos teus testemunhos (Salmo 119:36)". "Desvenda os meus olhos, para que eu contemple as maravilhas da tua lei (Salmo 119:18)". Que sejam iluminados os olhos do vosso coração, para saberdes qual é a esperança do seu chamamento, qual a riqueza da glória da sua herança nos santos e conheçais o amor de Cristo, que excede todo entendimento, para que sejais tomados de toda a plenitude de Deus (Efésios 1:18; 3:19). Ó Deus, não nos deixes sermos tão surdos à tua Palavra e tão indiferentes à Sua inefável excelência evidencial a ponto de celebramos coisas menores como mais emocionantes, e até mesmo considerarmos esse maravilhar-se completamente fora de lugar merecedor de ser impresso em uma revista de circulação nacional.

Ainda ouvindo a Sua voz na Bíblia,
Pastor John Piper

Extraído de http://www.bomcaminho.com/jp001.htm

20 julho 2007

Por amor da verdade: julgue!

Cada vez mais tenho percebido que os "evangélicos" e seus líderes estão vivendo um estranho evangelho sem entendimento e subjetivista. O emocionalismo dita o comportamento e, no final de tudo é só atribuir ao Espírito Santo, que ninguém terá a ousadia de questionar! Qualquer critério que possibilite uma honesta verificação dos fatos é anulada, simplesmente porque não podemos julgar! Exercer a mente usando a Escritura, a nossa única regra de fé e prática, nos autoriza a encontrar a verdade e exige que julguemos com integridade e, assim desprezemos todo erro que tenha origem no meio do povo de Deus.

Situação bem recente e que se delongará é o modismo das "unções". Sinceramente não encontro na minha Bíblia estas tais unções modernas. Reli estas páginas amassadas várias vezes e, algumas outras com uma concordância exaustiva, mas é pavoroso como o que se ensina e pratica por aí como "unção" hoje é tão diferente do que os profetas e apóstolos experimentaram. Pelo menos Jesus não recebeu nenhuma "unção" do cajado, do sapatinho de fogo, do riso, do cair, do rolar, [engatinhar] do leão, etc.. Temo até mesmo o imaginar o Santo de Israel se comportando de modo tão ridículo! O meu Salvador nunca fez papel de palhaço, nem perdeu a sua integridade em momento algum. Se devo ser Seu imitador, então não posso desonrá-Lo.

Mas, se alguém com um pouco de bom senso questiona, se pronunciando quanto aos absurdos de líderes evangélicos que têm manipulado os membros de suas comunidades, então, logo a resposta surge, quase que decorado: quem somos nós, não podemos julgar ninguém! Quando o Senhor Jesus advertiu contra o juízo temerário (Mt 7:1-5), Ele não estava declarando pecaminoso e proibido toda e qualquer forma de juízo. Ele não nos ordenou que nos tornássemos subjetivistas e anulássemos o nosso entendimento passando a adotar um pluralismo epistemológico. O amado de minha alma me desafia a julgar pelo que é justo (Lc 12:57); bem como que DEVO julgar segundo a reta justiça (Jo 7:24). Por isso, não posso ser omisso diante dos absurdos, dos comportamentos esquizofrênicos, e ensinamentos de um evangelho que não é o Evangelho do meu Jesus, conforme as Escrituras Sagradas. Dentro do contexto de Mt 7:1-5, no verso 6, Ele mesmo nos induz a discernir o que/quem é cão e porco [palavras desamorosas?] para que não se desperdice a graça de Deus. Julgar não é pecado! Afinal o próprio Deus exerce juízo. Ele mesmo nos ordena exercer o discernimento, que diga-se de passagem é o dom mais ignorado, e talvez o mais odiado hoje em dia. Ao exercer o "discernimento" você inevitavelmente julga, ou não julga?

O Senhor Jesus Cristo julgou os escribas e fariseus pelo seu comportamento hipócrita e doutrinariamente distorcido (Mt 23:1-36). Se o julgar não é o papel de um homem de Deus, então creio que tanto os profetas do Antigo Testamento como Cristo e os apóstolos devem ser despidos deste título! Creio que os crentes deveriam ler a Bíblia mais atentamente. Talvez, a mentalidade mundana pós-moderna seja incapaz de tolerar o julgamento inspirado dos escritores da Escritura Sagrada.

Vou ficar com a minha Bíblia e desprezo toda e qualquer experiência subjetiva e duvidosa que queira se colocar no mesmo pé de igualdade que a autoridade das Escrituras. Insisto que SOMENTE A ESCRITURA SAGRADA É A ÚNICA REGRA DE FÉ E PRÁTICA. Vou continuar lendo e me alimentando com a única e verdadeira Palavra de Deus. Não perco o meu tempo interpretando e espiritualizando gente que quer gritar, rolar, vomitar [!], cair, desmaiar, engatinhar, sapatear, etc., e ainda assim dizem que estas aberrações são obra do poder e santificação do Espírito Santo! Negar o poder do Espírito é perigoso, mas atribuir ação da carne e, talvez, de demônios, ao Espírito Santo é mais perigoso ainda (Ap 22:18-19). E o ponto de referência para se discernir o que é acréscimo ou descrécimo da verdadeira obra do Espírito Santo é a ESCRITURA SAGRADA e não as experiências.

Não estou criticando apenas por mero prazer, ou, por comodidade. Os evangélicos deveriam ler, ou talvez reler mais atentamente alguns textos do Novo Testamento que falam do dever dos verdadeiros cristãos lutarem pela pureza da fé que lhes foi entregue pelo Senhor Jesus (Gl 1:6-9; Fp 1:15-17; Cl 2:8-9; 2Ts 2:9-12; 1 Tm 1:18-20; 1 Tm 4; 1 Tm 6:1-5; 2 Tm 2:14-26; Tt 1:10-16;2 Pe 2; 1 Jo 4:1-6; 2 Jo vs. 7-11; Jd vs. 3-4). São advertências contra gente que estava dentro da Igreja, e todavia, ensinavam coisas estranhas ao Evangelho de Jesus. Os apóstolos, inspirados pelo Espírito Santo, nos ordenam discernir, resistir, refutar e acusar o erro e todo desvio e, ao mesmo tempo firmar a verdade da Palavra deDeus.

Exorto a todos os que amam ao Senhor Jesus Cristo que se arrependam do seu desvio doutrinário e voltem ao puro e antigo Evangelho, e amem e obedeçam somente o ensino da Escritura Sagrada (2 Tm 4:1-5).

Rev. Ewerton B. Tokashiki

12 julho 2007

Sobre a última declaração do Papa

Não sei porquê tem gente se surpreendendo com a última declaração do Papa Bento XVI?! Penso ser ignorância histórica ou ingenuidade voluntária. A Igreja Romana nunca arredou um milímetro de sua opinião acerca de si mesma, e sobre os protestantes, mesmo quando fez política da boa vizinhança durante o Concílio Vaticano II. Tanto a posição teológica quanto a prática moral dos papistas tem demonstrado no que eles diferem, e radicalmente constrastam dos protestantes durante todos estes séculos.[1]

O Movimento Ecumênico iniciado a partir da Conferência Missionária de Edinburgh, em 1910, e promovido majoritariamente pelos protestantes de orientação teológica liberal (com todas as suas variantes e elasticidades do termo)[2] desejam manter uma relação de mútuo reconhecimento de "irmandade" com a Igreja Católica Apostólica Romana. Pois é, depois desta declaração do Joseph Ratzinger, descobriram que deram "um tiro no próprio pé"! Em vez de receberem a benção papal, levaram um coice desprevenidos.

Os romanistas nunca prometeram, oficialmente ex cathedra, o reconhecimento do protestantismo, ou de qualquer outro ramo histórico ocidental ou oriental do Cristianismo, como membro da "verdadeira" Igreja.[3] O historiador David S. Schaff observa que "os protestantes sustentam que há unidade onde haja obediência a Cristo; o romanista pensa que há unidade onde haja obediência ao papa. Leão XIII, em sua encíclica sobre a unidade da Igreja, acompanhou os seus predecessores, Bonifácio VIII e Leão X, ensinando que a unidade de comunhão - unitas communionis - acompanha a unidade da fé e unidade de governo - unitas regiminis - pelos quais se entendem o sistema doutrinário romano e o governo papal".[4] O máximo que fizeram foi nos chamar de "irmãos separados", mas deve-se ao fato da influência de teólogos da ala progressista ser influente na comissão de relações ecumênicas durante o Concílio Vaticano II.

A opinião do atual Papa quanto ao Ecumenismo não é novidade! O maior ataque de Ratzinger contra o diálogo inter-religioso foi a declaração da Congregação para a Doutrina da Fé Dominus Iesus, de 2000, que abriu uma brecha profunda entre as denominadas igrejas cristãs, ao mesmo tempo em que dinamitou todas as pontes que estavam se estabelecendo entre a Igreja Católica e as diferentes religiões. Ratzinger afirmava ali que a igreja católica é “a Igreja verdadeira” e que as “igrejas particulares” (ortodoxas) e as comunidades eclesiais (protestantes) “não são Igreja em sentido próprio” (n. 17). Não era de se esperar que ele mudasse de opinião, nem que intentasse mudar esta doutrina, sendo ele mesmo a autoridade máxima da Igreja Católica.

Os protestantes são chamados pela Igreja Romana de comunidades eclesiais separadas. Desde os dias do Concílio Vaticano II o critério de apreciação das Igrejas Protestantes era muito simples: a proximidade ou distanciamento da doutrina sacramentalista e sacerdotal romana define como os papistas devem julgar todos os protestantes.[5] Segundo a cúria católica os protestantes não são reconhecidos como participantes da verdadeira Igreja, porque não são propriamente uma igreja; por não possuirem sacramentos reconhecidos, nem uma ordenação que descende a sucessão apostólica.

A Igreja Católica Romana não pode usurpar a prerrogativa de ser a verdadeira Igreja enquanto negar os sola's da Reforma. Esta corrompida instituição não pode apresentar-se como a autoridade reguladora final, roubando das Escrituras a posição que pertence somente a Palavra de Deus. Ela é impotente de assumir o papel de dispenseira da graça, pelos sacramentos ou qualquer outro meio, enquanto negar a suficiência e eficiência da graça para salvar o pecador. Nem mesmo pode atribuir ao seu sumo Pontíficie, o Papa, o papel de vigário de Cristo, negando a perfeição da obra redentora do Filho de Deus. Não pode apresentar-se como detentora da fé, acrescentando méritos pessoais e superstições ao puro evangelho. É inconcebível que ela declare que a sua liturgia e missa, quer em língua vulgar ou em latim, é o único culto aceito, enquanto negar que toda glória, honra e adoração sejam dadas exclusivamente ao soberano e trino Deus.

Notas:
[1] O estudo apologético realizado por Loraine Boettner, Catolicismo Romano (São Paulo, Imprensa Batista Regular, 1985) demonstra este distanciamento irredutível.
[2] Uma obra esgotada, mas muito interessante para se conhecer o desenvolvimento histórico de como o Ecumenismo se processou no Brasil, é o livro publicado pela ASTE sob o título de O Catolicismo Romano - um simpósio protestante (São Paulo, ASTE, 1962). São as teses escritas que foram entregues num dos simpósios promovidos pela ASTE, instituição que dispensa apresentações, nos dias 5 a 9 de Novembro de 1959. Na época o presidente desta editora era o Rev. Júlio A. Ferreira, pastor da IPB. As 8 palestras possuem um tom ecumênico, sendo um dos articulista um católico dominicano, e os demais membros de denominações do protestantismo histórico como Igreja Metodista do Brasil, Igreja Evangélica Luterano do Brasil, Igreja Evangélica da Confissão Luterana, Igreja Anglicana do Brasil, Igreja Presbiteriana Independente do Brasil e o conhecido Rubem A. Alves, então pastor da Igreja Presbiteriana do Brasil.
[3] Há muitos oficiais da Igreja Católica que defendem a prática do Ecumenismo, entretanto, não representam coerentemente o pensamento tradicional romanista. Adeptos desta posição alguns livros-textos podem ser mencionados como Francis S. Fiorenza - John P. Galvin, Teologia Sistemática - Perspectivas Católico-Romanas (São Paulo, Editora Paulus, 1997), 2 vols..
[4] David S. Schaff, Nossa Crença e a de Nossos Pais (São Paulo, Imprensa Metodista, 2a.ed., 1964), pág. 208.
[5] José Grau, Catolicismo Romano - origenes y desarrollo (Barcelona, Ediciones Evangélicas Europeas, 2a.ed., 1990), vol. 2, pág. 1144.

09 julho 2007

O significado da palavra "indigno" em 1 Co 11:27

A palavra grega traduzida por indignamente (anaziôs) é uma hapax legomena.[1] Em outras palavras, em todo o Novo Testamento ela somente ocorre nesta passagem. Se Paulo quisesse exigir um caráter digno dos participantes da Ceia em Corinto, teria empregado a palavra anaziós e não anaziôs. A diferença entre as duas é realmente pequena, se limita apenas a um trocadilho entre as vogais ómicron e ômega. Todavia, a palavra anaziós é um adjetivo, o que qualificaria o caráter do participante. Enquanto que anaziôs é um advérbio que descreve o modo da ação do participante.

Por ser uma hapax legomena dificulta uma análise comparativa da palavra pelo número de ocorrências. Entretanto, é possível fazê-lo de seu antônimo. Pode-se concluir que, enquanto a palavra anaxiôs é “agir de modo digno”, a palavra anaziôs significa “agir de modo indigno”. O articulista E. Tiedtke observa que “nas epístolas, axios freqüentemente tem o significado de ‘apropriado’, ‘de acordo com’. Este uso é especialmente evidente no uso do adv. axios nas exortações que exigem a maneira de vida à altura do evangelho de Cristo (Fp 1:27), do Senhor (Cl 1:10; 1 Ts 2:12), ou da nossa vocação (Ef 4:1). De modo semelhante em 1 Co 11:27, Paulo adverte contra a celebração da Ceia do Senhor de modo indigno (anaziôs). Não é tanto uma exigência de qualidades morais nos participantes, mas, sim, procurar um modo de vida de acordo com o evangelho, i.é, o amor mútuo (cf. o contexto, 1 Co 11:17-34).”[2]

O advérbio “indignamente” possui na língua portuguesa um sentido moral que não corresponde com exatidão ao significado da palavra grega anaziôs. O Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa fornece as seguintes explicações dos verbetes correlatos: desprezível, torpe, inconveniente, impróprio. Neste caso, somente a palavra “impróprio” aproxima-se do significado original. Por isso, traduzir anaziôs por indignamente, como ocorre na Versão Revista e Atualizada, embora esteja correto, não esclarece completamente o seu sentido original. Na língua portuguesa a palavra indigno tem a sua origem no latim, significa “algo que não convém, indigno, que não merece, não merecedor, injusto, vergonhoso, infamante.”[3] Daí o entendimento popular, de que para participar da Ceia do Senhor a pessoa necessita ser “digna”, subentendendo as suas virtudes pessoais, ou boa conduta como mérito.

A palavra anaziôs não sugere mérito pessoal do participante. Esta palavra simplesmente acusa a maneira como se procedeu. Spiros Zodhiates comenta que este verbete grego significa “indignamente, irreverente, de uma maneira indigna (1 Co 11:27, 29), tratando a Ceia do Senhor como se fosse um alimento comum, sem atribuir-lhe, e aos seus elementos o valor próprio.”[4]

Notas:
[1] Algumas versões que adotam o Texto Majoritário (Zane C. hodges & Arthur L. Farstad, The Greek New Testament According to the Majoritary Text [Nashville, Thomas Nelson Publishers, 2a.ed., 1985], pág. 532) trazem no verso 29 o acréscimo “indignamente” (Edição Revista e Corrida da Imprensa Bíblica Brasileira, a Edição Contemporânea da Editora Vida e a Edição Corrigida e Revisada da Sociedade Bíblica Trinitariana do Brasil). Gordon Fee observa que “esta adição e a que segue são intentos compreensíveis para conformar esta oração ao vs. 27, mas ao fazê-lo alteram consideravelmente o sentido.” Gordon Fee, Primera Epistola a los Corintios (Buenos Aires, Nueva Creación, 1994), p. 632
[2] E. Tiedtke, in: Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento (São Paulo, Ed. Vida Nova, 2ª ed., 2000) vol.2, p. 2106.
[3] Ernesto Faria, Dicionário Escolar Latino-Português (Rio de Janeiro, FAE, 1994) p. 274.
[4] Spiros Zodhiates, ed., The Complete Word Study Dictionary New Testament (Chattanooga, 1993), p. 156. Outro dicionário diz “não correspondendo ao que poderia acontecer – impropriedade, de uma maneira imprópria, alguém que come do pão e bebe do cálice do Senhor de uma maneira imprópria 1 Co 11:27” in: J.P. Louw & E.A. Nida, eds., Greek-English Lexicon of the New Testament Based on Semantic Domains (New York, United Bible Societies, 2ªed., 1989), p. 628.

04 julho 2007

Análise comparativa de 1 Co 11:27

A constatação do apóstolo Paulo de que os cristãos coríntios participavam da Ceia do Senhor de maneira indigna tem trazido divergência de interpretação quanto ao seu exato significado. Algumas dessas interpretações serão expostas a seguir numa análise comparativa.

Thomas C. Oden prefere uma interpretação moral para indignamente. Em vez de recorrer a palavra grega original, ou, ao contexto próximo da passagem, ele busca uma relação com a desqualificação moral do caráter de alguns cristãos coríntios. Citando alguns versículos Oden concebe a seguinte ponte “aqueles que tem um procedimento desordenado são admoestados (2 Ts 3:6-15). Alguns ‘devem examinar a si mesmos antes de comer do pão e beber do cálice. Pois o que come e bebe sem discernir o corpo do Senhor, come e bebe juízo para si’ (1 Co 11:28-29). Paulo especificamente instrui os coríntios que ele não deveriam comer ‘com alguém que chamasse a si mesmo de irmão, mas que era sexualmente imoral ou ganancioso, um idólatra ou um caluniador, beberrão ou mentiroso’ (1 Co 5:11).”[1] Entretanto, o advérbio indignamente refere-se ao modo da ação, não especificamente ao caráter do agente.

Leon Morris sugere que a participação digna da Ceia deve ser com fé. Ele declara que “mas noutro sentido podemos vir dignamente, isto é, com fé, e com a devida realização de tudo que é pertinente a tão solene rito. Negligenciar nisto é vir indignamente no sentido aqui censurado.”[2] Todavia, os que participavam da Ceia não estavam sendo reprovados por sua falta de fé. Nem por permitirem a participação de incrédulos. A sua reprovação era por desprezar o cerimonial da Ceia e a comunhão dos irmãos.

O teólogo da antiga Princeton Charles Hodge defende que a participação indigna significa participar com espírito negligente e irreverente. Ele diz que “se a Ceia do Senhor é em sua própria natureza uma proclamação da morte de Cristo, conseqüentemente que os que participam dela como se fosse uma comida ordinária, ou de maneira irreverente, ou com qualquer outro propósito que o moveu a realizá-la, são culpados do corpo e do sangue do Senhor.”[3] Em seguida define dizendo que “comer ou beber indignamente é, em geral, vir a mesa do Senhor com espírito negligente e irreverente; sem intenção nem desejo de comemorar a morte de Cristo como sacrifício por nossos pecados, e sem o propósito de cumprir as obrigações que com ela contraímos.”[4] Hodge cai no erro de interpretar a participação indigna como sendo um problema subjetivo.

O comentarista F.W. Grosheide relaciona o significado da indignidade ao errôneo uso da Ceia. Ele argumenta que “indignamente: isto implica que uma certa dignidade, ou valor está relacionado com o pão e o cálice. Aquele que os utiliza sem levar em conta o seu valor, os usa de um modo indigno, ou seja, não está de acordo com o seu valor. Um tão indigno uso os coríntios fizeram da Comunhão quando serviram-na, seguida duma festa do amor unida pela discórdia.”[5] Embora Grosheide capte o significado original da palavra indignamente, ele o erra em sua aplicação. Defende que o erro dos coríntios era ter a Ceia do Senhor como sendo de inferior valor, por realizá-la após uma festa. Deve-se notar que ele pressupõe um modelo de ceia greco-romana. A igreja de Corinto teria apenas feito uma ligeira adaptação para celebrar a Ceia do Senhor após a refeição principal. Como nas refeições greco-romanas, a principal e mais importante era a primeira refeição, servida para a nutrição, a que era servido em seguida objetivava encerrar o jantar, mas não tinha valor nutritivo. Esta concepção torna-se insustentável pelo fato, que não é provável que a Igreja Primitiva tenha mudado a sua prática litúrgica tão cedo, abandonando o modelo da ceia pascal judaica, pela ceia greco-romana. A história aponta para a preservação da tradição original, pelo menos nos primeiros dois séculos.[6]

C.K. Barret interpreta que o indignamente é posicionar-se com hostilidade aos irmãos durante a Ceia. Barret declara “o que Paulo entende por indignamente é explicado pelos versos 21 em diante; ele pensa das falhas morais de partidarismo e ganância que marcavam a reunião dos coríntios.”[7] Continua esclarecendo que “comer e beber indignamente (no sentido indicado acima) é contradizer tanto o propósito da auto-entrega de Cristo, e o espírito no qual foi feito, e situar-se entre aqueles que foram responsáveis pela crucificação, e não entre aqueles que pela fé receberam o seu fruto.”[8] A segunda citação possuí uma implicação lógica que é verdadeira. Mas, ela não se encontra de modo objetivo na passagem (11:17-34). Logo, não é possível incluí-la como um aspecto da indignidade que Paulo estava reprovando.

John F. MacArthur Jr. sustenta que a indignidade refere-se a uma depreciação da cerimônia. Comenta que “vir indignamente à Comunhão é uma simples desonra a cerimônia; é uma desonra Àquele a quem a honra é celebrada. Tornamo-nos culpados de desonrar o seu corpo e sangue, que representam a Sua obra e completa graça por nós, Seu sofrimento e morte em nosso favor.”[9] A interpretação de MacArthur é parcial. Ao expor que os coríntios estavam desonrando a cerimônia, omite os abusos cometidos entre os cristãos coríntios (cf. vs. 17-22, 33-34).

Simon Kistemaker prefere uma interpretação inclusiva. Reconhece que há uma variada gama de definições acerca do significado da maneira indigna que a Ceia foi realizada. Simplesmente prefere assumir que "talvez Paulo tenha pretendido que o advérbio indignamente fosse interpretado de modo mais amplo possível. É verdade que alguns dos coríntios mostravam falta de amor, enquanto outros deixaram de distinguir entre a festa de fraternidade e a observância da Santa Ceia. Ambos estavam errados, e Paulo os confronta. Mas o texto tem uma mensagem para a Igreja universal, também. Os cristãos nunca devem considerar a celebração um mero ritual. Ao contrário, os crentes sinceros devem aguardar com alegria a Ceia do Senhor. Os cristãos devem confessar não serem dignos por causa do pecado, mas terem sua posição de dignidade por causa de Cristo. Paulo não está exigindo perfeição antes que se permita aos crentes virem à mesa da comunhão. Ele defende um estilo de vida governado pelas reivindicações do evangelho de Cristo, e que tribute o mais alto louvor a Deus."[10] É possível que Kistemaker tenha razão. Mas, parece que a passagem trata de um problema bem específico. Entretanto, pelo fato do apóstolo exigir um auto-exame, e indicar a ocorrência de disciplinas distintas, e por fim fazer uma recomendação dirigida a mutualidade (esperai uns pelos outros, vs. 33), é mais correto pensar que a participação indigna na Ceia também poderia ser um problema específico.

Notas:
[1] Thomas C. Oden, Life in the Spirit: Systematic Theology (Peabody, Prince Press, 2001), vol. 3, p. 326.
[2] Leon Morris, 1 Coríntios Introdução e Comentário (São Paulo, Ed. Vida Nova e Mundo Cristão, 1988), p. 131.
[3] Charles Hodge, Comentário de 1 Corintios (Edinburg, El Estandarte de la Verdad, 1996), p. 212.
[4] Charles Hodge, Comentário de 1 Corintios, p. 213.
[5] F.W. Grosheide, Commentary on the First Epistle to the Corinthians (Grand Rapids, Wm. B. Eerdmans Publishing Company, 1953), pp. 273-274.
[6] Justino (100-165 d.C) descreve a celebração da Ceia da seguinte forma “depois àquele que preside aos irmãos é oferecido pão e uma vasilha com água e vinho; pegando-os, ele louva e glorifica ao Pai do universo através do nome do Filho e do Espírito Santo (...) depois que o presidente deu ação de graças e todo o povo aclamou, os que entre nós se chamam ministros ou diáconos dão a cada um dos presentes parte do pão e do vinho e da água sobre os quais se pronunciou a ação de graças e os levam aos ausentes.”Justino de Roma, 1 Apologia in: Patrística (São Paulo, Ed. Paulus, 1995), pp. 81-82.
[7] C.K. Barret, The First Epistle to the Corinthians (Peabody, Hendrickson Publishers, 1996), p. 272.
[8] C.K. Barret, The First Epistle to the Corinthians, p. 273.
[9] John F. MacArthur, Jr., The MacArthur New Testament Commentary 1 Corinthians (Chicago, Mood Press, 1984), p. 274.
[10] Simon Kistemaker, Comentário do Novo Testamento: 1 Coríntios (São Paulo, Ed. Cultura Cristã, 2004), p. 557.

30 junho 2007

Reconstrução histórica da Ceia em Corinto

Estrutura de 1 Coríntios
Paulo escreve esta epístola corrigindo várias distorções cometidas pelos coríntios.[1] O apóstolo reprova as divisões (1:10-4:20). O vergonhoso e público caso de incesto de um de seus membros (5:1-13). Disputas legais entre cristãos (6:1-11). Casos de envolvimento com prostitutas (6:12-20). Desentendimentos quanto ao valor do casamento (7:1-40). Participação de festividades pagãs e comidas oferecidas a ídolos (8:1-11:1). Os três problemas seguintes estão relacionados com as reuniões públicas dos cristãos em Corinto. A explicação da autoridade entre homens e mulheres na igreja (11:2-16). O segundo relata as distorções da Ceia do Senhor (11:17-34). A terceira problemática sobre o culto na igreja de Corinto envolve a má compreensão da distribuição e usos dos dons (12:1-14:40). Em seguida, Paulo fornece um esclarecimento da veracidade da ressurreição de Cristo, e a certeza da ressurreição futura dos crentes (15:1-58). Solicita como a igreja deve proceder para a coleta (16:1-11) e a ida de Apolo (16:12).

O problema da Ceia não era generalizado, mas era perceptível. Não é possível sustentar que toda a igreja de Corinto se encontrava reprovada por Paulo. Ele mesmo diz que “porque importa que haja partidos entre vós, para que também os aprovados se tornem conhecidos em vosso meio” (vs. 19). Os abusos da Ceia em Corinto envolviam apenas os cristãos. Não há indícios de que nesta perícope Paulo esteja preocupado em restringir a Ceia. Os coríntios não estavam sendo acusados de permitir a participação de incrédulos na Mesa do Senhor. Não eram os incrédulos que estavam profanando a Ceia, mas as atitudes ímpias dos cristãos coríntios.

A Ceia do Senhor seguia um padrão helênico?

Há dois modos de reconstruir a reunião da Ceia da igreja Corinto. O primeiro modelo sugere que a Ceia seguia o padrão de um jantar comum. Isto pressupõe uma refeição extraída da cultura greco-romana. Conforme este modelo a Ceia da igreja de Corinto possuía duas fases. A primeira desenrolava-se numa refeição comum, com o propósito de nutrição. Logo em seguida, viria uma segunda parte, com a celebração solene da Ceia do Senhor.

Esta interpretação explica que durante a primeira fase da refeição os crentes de Corinto cometiam sérios abusos, tais como egoísmo, bebedeira, glutonaria e desprezo pelos irmãos pobres. Sendo que a Ceia do Senhor que viria em seguida já não teria importância, para os que se atrasaram e não participaram da primeira refeição, estando ainda com fome e gerando um descontentamento entre os cristãos coríntios. James D.G. Dunn está correto ao discordar desta reconstrução entende que “o problema neste caso é que Paulo parece ter em mente só uma única refeição comum (a Ceia do Senhor). A prática que ele reprova não é a de uma refeição separada (precedente) da Ceia do Senhor, mas o abuso de uma única refeição (a Ceia do Senhor) que começava com o único pão e terminava com o cálice ‘após a ceia’ (11,25).”[2]

A Ceia era cuturalmente judaica
A segunda reconstrução histórica interpreta a Ceia do Senhor como sendo uma única refeição numa reunião com o propósito solene de celebrar a comunhão da Igreja de Cristo. Seguindo o padrão da ceia Pascal, então, a interpretação toma outro rumo. Primeiro, pressupõe-se que a Ceia do Senhor, em alguma medida, possuí continuidade com a refeição da antiga Aliança. Segundo, a Ceia era uma refeição litúrgica (Mt 26:30), seguindo os moldes da tradição apostólica (eu recebi do Senhor o que também vos entreguei, vs. 23), não meramente uma reunião de confraternização. Em terceiro lugar, Paulo usa uma palavra muito específica para a “ceia” que se refere ao “principal alimento recebido à noite”[3] não se referindo a uma refeição secundária.

A Ceia do Senhor representa, entre outras concepções, a comunhão da Igreja de Cristo (10:17). O comportamento partidário e egoísta contradizia abertamente o sentido da cerimônia. Tal era a distorção das reuniões dos coríntios, que descaracterizavam a Ceia, tornando o ambiente impróprio de celebrar a comunhão do Corpo de Cristo (vs. 20).

Não se deve admitir que as divisões dentro da igreja de Corinto ocorriam somente por problemas sociais. James D.G. Dunn interpreta, erroneamente, que “é particularmente evidente que a tensão era basicamente entre cristãos ricos e cristãos pobres, isto é, entre os que tinham comida e bebida suficiente e suas próprias casas (11,21-22) e ‘os que nada têm’ (11,22)”.[4] Percebe-se que o principal problema que afetava a celebração da Ceia da igreja de Corinto eram os partidarismos relacionados a uma má compreensão de quem eram os seus líderes. Dentro da igreja havia discórdia e competição, pois “cada grupo se jactava da sabedoria superior de seu escolhido (1:10-17).”[5] O problema não era apenas uma luta de classes sociais. O texto refere-se a “divisões” (vs. 18) e a “partidos” (vs. 19). Não eram apenas dois grupos em desentendimento, mas vários, acerca de diversos assuntos (cf. 3:4, 22; 8:7, 9, 13; 9:2; 11:22).

Notas:
[1] D.A. Carson, et.al., Introdução ao Novo Testamento (São Paulo, Ed. Vida Nova, 1997), pp. 287-289.
[2] James D.G. Dunn, A Teologia do Apóstolo Paulo (São Paulo, Ed. Paulus, 2003), pp. 688-689.
[3] William D. Mounce, The Analytical Lexicon to the Greek New Testament (Grand Rapids, Zondervan Publishing Books, 1992), p. 133.
[4] James D.G. Dunn, op.cit., p. 687. Embora sendo cuidadoso com a sua análise contextual Dunn não evita a sua tendência em defender que “a análise sociológica sugere que o assunto tratado em 1 Co 10-11 era primariamente a união social e não tanto uma disputa teológica” p. 689. É aceito que Paulo não estava discutindo com os coríntios acerca da presença de Cristo na Ceia. Mas ao instruir-lhes acerca da natureza da Ceia do Senhor (11:23-26) certamente o apóstolo releva-lhes à memória a gravidade da confusão e profanação da Ceia, a ponto de acusá-los de descaracterizá-la, e dizer-lhes que aquilo que eles faziam “não é a ceia do Senhor que comeis” (11:20).
[5] D.A. Carson, et.al., Introdução ao Novo Testamento, p. 287.