27 fevereiro 2008

Os dons revelacionais são para hoje?

Os dons revelacionais são para hoje? Esta é uma discussão que perdura a pouco mais de um século, desde que o Pentecostalismo surgiu. Deste movimento surgiram ramificações como os Carismáticos e a Terceira Onda, mas basicamente todos os três grupos defendem a continuidade da revelação especial em seu modo proposicional. Quanto à cessação da revelação especial extra-bíblica deve-se observar os seguintes pontos:

1. Os dons revelatórios existiram com a finalidade de suprir e complementar a Escritura que estava em processo de registro. Quando o cânon fechou, isto é, [Apocalipse] o último livro foi escrito toda comunicação extra-bíblica cessou tendo como evidência a não continuidade de novos livros inspirados. Por exemplo, um dos critérios de canonicidade era que o livro deveria ser escrito por um apóstolo, ou alguém autorizado por um apóstolo [por ex., Lucas e João Marcos]. Os apóstolos cessaram, por que a sua principal função deveria continuar e com que propósito?

2. Somente a Escritura Sagrada é a Palavra de Deus. Se novas revelações fossem "Palavra de Deus" [alguns faladores de línguas e ditos profetas declaram: "assim diz o Senhor"] então qual seria o problema de se exigir que estas "novas revelações" fossem escritas em papel. E, sendo escritas deveriam ser inclusas na Bíblia? (Ap 22:18-20; Gl 1:6-9).

3. Cremos que toda a Escritura é inspirada e suficiente para salvar e santificar-nos (2 Tm 3:16-17). Com que finalidade Deus daria revelações adicionais se a Escritura é a nossa única regra de fé e prática? Se crermos que existem outras revelações sendo entregues além da Escritura então, a Bíblia deixa de ser a nossa única regra de fé e prática, e, então, teremos que nos submetermos à autoridade destas novas revelações com a mesma reverência e temor que temos pela Escritura Sagrada.

4. A falta de veracidade e falibilidade dos faladores de língua e dos tais profetas é uma prova de que não procedem de Deus. A Escritura quando estava sendo revelada foi exigido a sua veracidade e cumprimento das profecias como testemunho da sua fidedignidade (Dt 18:20-22). Os atuais reveladores apelam para a subjetividade não verificável e ao emocionalismo irracional, bem como à "falta de fé" do indivíduo para justificar o não cumprimento da dita profecia! Parece-me que o cumprimento da profecia não dependia que o individuo receptor cresse nela ou não, porque ela se cumpriria pelo simples fato de que Deus determinara revelar a Sua vontade e determinação antecipadamente, não condicionando à fé do receptor, mas ao Seu propósito soberano.

5. O dom de língua na Escritura é um idioma de algum povo que não foi aprendido, e que o falador de línguas no NT era capacitado pelo Espírito Santo para comunicar a profecia e realizar a pregação do evangelho de modo sobrenatural. Se o dom de línguas era a pronunciação de grunidos e sons ininteligíveis como pretendem e entendem os que creêm hoje falam em línguas, onde está o seu caráter sobrenatural? Afinal qualquer um pode pronunciar um emaranhado de sons e repetí-los sem significado algum, ou atribuir-lhes o sentido [ininteligível] que quiserem! Como o ouvinte [de origem alemã, francêsa, italiana, inglesa, etc] poderá ouvir falar em sua própria língua se o dom de língua são meros sons inarticulados sem sentido algum? Que evangelho será comunicado, ou "nova mensagem" poderá ser entendida pelo ouvinte?

6. Dizer que o dom de língua de At 2 é de natureza diferente do dom de 1 Co 12-14 é aceitar que a Bíblia ensina dois tipos de dons de línguas. Apesar da lógica ser óbvia ela é geralmente evitada. A tendência de se interpretar At 2 como um dom de língua sendo idioma [pela sua incontestabilidade At 2:6, 8, 11] e 1 Co 12-14 como sendo "um dom de língua" ininteligível, não se sustenta pela falta de evidência da ênfase de Paulo em dizer que o dom tanto de profecia como de línguas são revelatórios, isto é, são mensagens claras e inteligíveis vindas inconfundivelmente de Deus. Aceitar que existam 2 tipos de dons de línguas no NT é aceitar que Deus se comunica de forma inteligível e objetiva e ao mesmo tempo de forma ininteligível e subjetiva! Entretanto, não há indicação nos escritos do apóstolo Paulo desta estranha distinção.

Creio que estes são alguns pensamentos necessários para que possamos examinar as Escrituras [como um crente bereano] e além da sinceridade ser também verdadeiro em nossas conclusões e fiéis ao Senhor em tudo. Indico a indispensável leitura de algumas obras sobre o assunto:

. Alderi S. de Matos, et al., Fé Cristã e Misticismo (São Paulo, Editora Cultura Cristã, 2000).

. Richard B. Gaffin, Jr., Perspectives on Pentecost (Phillipsburg, P&R Publishing Co., 1979).

. Gordon H. Clark, The Holy Spirit (Jefferson, The Trinity Foundation, 1993).

. Victor Budgen, The Charismatics and the Word of God (Faverdale North, Evangelical Press, 2001).

. Donald Macleod, El Bautismo con el Espíritu Santo (San José, CLIR, 2002).

. Edwin Palmer, El Espíritu Santo (Edinburgh, El Estandarte de la Verdad, 1995).

. O. Palmer Robertson, A Palavra Final (São Paulo, Editora Os Puritanos, 1999).

. Sinclair B. Ferguson, O Espírito Santo (São Paulo, Editora Os Puritanos, 2000).

. Errol Hulse, O Batismo do Espírito Santo (São José dos Campos, Editora Fiel, 1995).

. John R.W. Stott, Batismo e Plenitude do Espírito Santo (São Paulo, Edições Vida Nova, 1993).

. Wayne Grudem, ed., Cessaram os Dons Espirituais? (São Paulo, Editora Vida, 2003).

. Frederick D. Bruner, Teologia do Espírito Santo (São Paulo, Edições Vida Nova, 1989).

. John MacArthur Jr., Os Carismáticos (São José dos Campos, Editora Fiel, 1995).

08 fevereiro 2008

Buscando santo prazer em período de Carnaval

O nosso Breve Catecismo de Westminster em sua 1a. pergunta questiona "Qual é o fim principal do homem"? A resposta é: "glorificar a Deus e gozá-Lo para sempre". Este gozo, ou prazer não é pecaminoso porque Deus nos fez para sentir prazer em Sua Presença e na obediência da Sua vontade. Entretanto, a nossa sociedade pós-moderna têm se inclinado aos pés de um ídolo sentimentalista chamado "Hedonismo" que é a busca do prazer tendo como um fim em si mesmo. Assim, ele se torna pecaminoso porque foge do seu propósito, e é buscado por motivações egoístas.

O Carnaval é o período em que as pessoas se entregam as festividades de um modo desenfreado. A carnalidade aflora, e toda espécie de sentimentos e provocações sensuais são estimuladas sem a preocupação de se ofender a consciência e a convicção de santidade dos cristãos. É contraditório que enquanto a lei brasileira que exige respeito e oferece o recurso legal de processar uma pessoa por atentado ao pudor, ou assédio sexual, neste infame período de Carnaval, permita que toda sorte de imoralidade seja praticada para demonstrar a selvageria da natureza humana, e em muitos casos, aprovada e financiada pelo governo! A contradição colhe um alto preço.

Infelizmente, há aqueles que possuindo uma "mente aberta" defendem o Carnaval como uma festividade cultural e produtiva para a economia brasileira. Entretanto, esta festa pagã é um lado ruim da cultura brasileira que não nos enobrece. A cultura de uma nação somente deve ser cultivada se ela oferece honra a todo o país. No Carnaval, as nossas mulheres são expostas à baixa sensualidade, e na mídia o mundo conhece o Brasil do Carnaval, da imoralidade, da prostituição barata e fácil, dos filhos que nascem como resultado de relações sexuais ilícitas, de doenças sexuais, casamentos desfeitos, das drogas que são consumidas nas festas, e uma enxorrada de conseqüências a médio e longo prazo. Mas, alguns ainda insistem que é possível brincar de modo saudável! Mesmo que não seja a saúde física prejudicada com doenças, bebidas e drogas, a agressão da consciência induzindo-a à imoralidade sensual é inegável. Não existe Carnaval inocente.

O prazer não é nessariamente felicidade. (Hq 3:16-19). A felicidade se baseia na obediência da vontade de Deus revelada na Escritura Sagrada. Para sermos felizes é necessário a aprovação de Deus sobre a nossa vida, e para isso, devemos amar a Palavra de Deus. O pecado oferece prazer, mas não tem resultado benéfico. O seu prazer é passageiro, e as suas conseqüências são dolorosamente extensas (Hb 11:24-26).

O anseio pelo prazer foi implantado em nós quando Deus nos criou. Todavia, não podemos nos esquecer de que o pecado distorceu toda a nossa natureza, colocando em total desordem quem somos e o propósito para o qual Deus nos fez. Somente encontraremos prazer como realmente ansiamos quando nos realizarmos em Deus. Aurelius Agustinho em seu livro Confissões (escrito 397-400 d.C.) disse: "tu o incitas para que sinta prazer em louvar-te; fizeste-nos para ti, e inquieto está o nosso coração, enquanto não repousa em ti".

As nossas necessidades nunca serão satisfeitas no pecado. Mesmo que a cobiça desperte as nossas necessidades e prometa que poderemos ser felizes no erro, não devemos aceitar a mentira e a imoralidade como um padrão aceitável diante de Deus.

Rev. Ewerton B. Tokashiki

04 fevereiro 2008

A Hermenêutica Feminista

O primeiro obstáculo do caminho
É quase impossível a tentativa de se realizar uma análise abrangente da Hermenêutica Feminista. Esta tarefa é um tanto que frustrante, porque existem dificuldades para se avaliar o movimento sem cometer injustiças quanto a sua falta de uniformidade. Existem pelo menos duas questões básicas que precisam ser consideradas:

1. Cada teóloga expõe a sua própria versão desta teologia.[1] Não só divergências de contexto denominacional, mas de perspectiva teológica. Cada escritora tem o seu compromisso teológico orientado pelo seu contexto social e “experiência de opressão”. É praticamente impossível classificar teólogas feministas em grupos que definam posições em comum. Por isso, o modo como se aproximam e lêem as Escrituras divergem segundo as suas preferências pressuposicionais.

2. A articulista Helen Schüngel-Straumann nota que nem todas as teólogas feministas adotam a mesma perspectiva em relação à interpretação da Bíblia. Ela declara que em relação à Bíblia "Carolyn Osiek (em Collins 93s) distingue cinco atitudes: 1. A de uma rejeição total da Bíblia, de que é exemplo a obra de Mary Daly. 2. A de uma interpretação leal, que vê a Bíblia como revelação/palavra de Deus e que não admite dúvida a este respeito. Uma 3ª abordagem é a que ela denomina de revisionista. Nela é criticado unicamente o enfoque androcêntrico, voltando a ser prestigiadas as tradições feministas esquecidas. Como exemplo desta linha a autora menciona Phyllis Trible. A 4ª abordagem é descrita como sublimacionista, onde os preconceitos ideológicos (como o de que o feminino seria superior ao masculino) desempenham um papel importante e onde predominam as interpretações simbólicas-isoladas de que qualquer contexto político-social. Como 5ª abordagem, que ela vê como a mais importante em nossos dias, Osiek descreve a interpretação da Bíblia segundo a teologia feminista da libertação, a que associa os nomes de Rosemary Radford, Letty M. Russell e Elisabeth Schüssler Fiorenza. No espaço lingüístico alemão não se pode deixar de mencionar aqui Luise Schottroff."[2]

Edificando sobre a areia movediça
A Teologia Feminista é um ramo dentro da conhecida Teologia da Libertação, entretanto, em vez de ser usada para uma interpretação em favor dos pobres, a aplicação dos princípios da libertação são direcionados para defender as mulheres como desfavorecidas num ambiente predominantemente masculino. A interpretação feminista das Escrituras tem o seu ponto de partida num dos seus pressupostos básicos: a teologia deve fundamentar-se sobre a análise da realidade socio-política da mulher. Ela não começa com o texto da Escritura, mas com o contexto sócio-vivencial feminino, como sendo oprimida numa sociedade machista. Rosemary R. Ruether delineia as bases da hermenêutica feminista "quando falamos da experiência das mulheres como uma chave hermenêutica (ou teoria da interpretação), estamos nos referindo exatamente àquela experiência que ocorre, quando as mulheres criticamente se tornam conscientes das experiências falsificantes e alienantes impostas a elas, como mulheres, através de uma cultura dominada por homens. A experiência das mulheres é, desta forma, em si um evento da graça, uma introdução do poder libertador que procede do que está além do contexto cultural patriarcal, que as permite criticar e resistir a essas interpretações androcêntricas sobre quem e o que elas são."[3]

A adoção do pressuposto subjetivo da “opressão” é essencial na interpretação das Escrituras. A teologia feminista se propõe denunciar todos os textos e tradições que perpetuam as estruturas e ideologias patriarcais consideradas opressivas. Loren Wilkinson observa que a teóloga feminista “Elizabeth Schüssller Fiorenza, por exemplo, em Bread, Not Stones, argumenta que as mulheres devem tomar como ponto de partida a definição da sua situação de opressão, e depois abrir a sua Bíblia, a fim de descobrir o meio de alcançar a libertação.”[4]

Além da “opressão”, outro pressuposto da Teologia Feminista é que a “experiência” feminina possui determina o resultado e a ação teológica. Christine Schaumberger observa que "o que é novo e especificamente feminista não é, pois, o realce sobre a categoria teológica da experiência, mas sim o concentrar-se no perceber e no refletir as experiências femininas. Experiências femininas é o ponto de partida da teologia feminista, e a medida para a crítica, o engajamento e o compromisso, para a criatividade re-visionária."[5]

Entretanto, Schaumberger não define o que ela quer dizer teologicamente com “experiência” (do alemão erfahrung) dificultando a análise da sua tese. Na nova hermenêutica a interpretação e sistematização do ensino não é algo extraído das Escrituras, mas da experiência subjetiva do intérprete que impõe sobre o texto sagrado a sua opinião. Robert H. Stein conclui que “em razão disso, há ‘leituras’ ou interpretações marxistas, feministas, liberais, igualitárias, evangélicas ou arminianas do mesmo texto. Ou seja, para esta corrente os vários significados legítimos podem ser extraídos mediante a concepção de cada intérprete.”[6] A premissa de Schaumberger despreza que o fator determinante do significado do texto é o seu autor. Augustus Nicodemus observa que “as hermenêuticas feministas são uma variedade de reader response, baseados nos conceitos de Gadamer.”[7]

Uma avaliação final
Discordando da Hermenêutica Feminista e unindo-me aos intérpretes que adotam o método gramático-histórico, afirmo que a passagem significa aquilo que o autor original, com consciente intenção, inspirado plenariamente, quis dizer ao redigir o texto. A formulação teológica não depende da experiência de gênero do intérprete, ou da percepção da realidade a partir da sua sexualidade, mas da precisa exegese do texto em sua estrutura gramatical, do seu contexto histórico e da sistematização das informações extraídas a partir das Escrituras.

Este subjetivismo é uma característica das novas hermenêuticas que surgiram no século XX. Moisés Silva observa que “se há algo diferente na hermenêutica contemporânea é justamente a ênfase que ela dá à subjetividade e relatividade da interpretação.”[8] A hermenêutica feminista não é uma exceção entre as novas hermenêuticas que surgiram no século XX.

Notas:
[1] As teólogas mais expressivas do movimento subscreveram que “não pretendemos oferecer uma dogmática feminista unificada, e esperamos que tal coisa nunca venha a existir. Também não nos foi possível, nem foi pretensão nossa, chegar a uma perfeita homogeneidade dos diferentes artigos” in: Elisabeth Gössmann, et.al., orgs., Dicionário de Teologia Feminista (Rio de Janeiro, Editora Vozes, 1997), págs. 10-11.
[2] Helen Schüngel-Straumann, "Bíblia" in: Elizabeth Gossmann et al., orgs., Dicionário de Teologia Feminista (Petrópolis, Editora Vozes, 1997), págs. 210-214.
[3] Rosemary R. Ruether, “Feminist Interpretation: A Method of Correlation”, in: Feminist Interpretation of the Bible, ed. Letty M. Russel (Philadelphia, Westminster Press, 1985), pág. 114.
[4] Loren Wilkinson, "A Hermenêutica e a Reação Pós-Moderna Contra a 'Verdade'" in: Elmer Dyck, ed., Ouvindo a Deus (São Paulo, Shedd Publicações, 2001), pág. 160.
[5] Christine Schaumberger, "Experiência" in: Elizabeth Gossmann et al., orgs., Dicionário de Teologia Feminista (Petrópolis, Editora Vozes, 1997), pág. 183.
[6] Robert H. Stein, Guia Básico para a Interpretação da Bíblia (Rios de Janeiro, CPAD, 1999), pág. 23.
[7] Augustus Nicodemus Lopes, A Bíblia e seus intérpretes (São Paulo, Editora Cultura Cristã, 2004), pág. 232.
[8] Moisés Silva, "Visões Contemporâneas da Interpretação Bíblica" in: Walter C. Kaiser, Jr. & Moisés Silva, Introdução à Hermenêutica Bíblica (São Paulo, Editora Cultura Cristã, 2002), pág. 233.

Rev. Ewerton B. Tokashiki

22 janeiro 2008

A doutrina bíblica sobre o divórcio

As declarações de Cristo
No texto anterior citei as palavras de Cristo com referência à origem do matrimônio no decreto e providência. Com as suas declarações sobre o tema do divórcio examinaremos outras porções da Escritura Sagrada.

No relato de Mateus, outrora citado (Mt 19:3-12), perguntaram a Jesus: “por que Moisés ordenou dar carta de divórcio, e permitir repudiá-la? Ele lhes disse: por causa da dureza do vosso coração, foi que Moisés lhes permitiu repudiar as vossas mulheres; mas, no princípio não foi assim. Eu, porém, vos digo que qualquer um que repudiar a sua mulher, a não ser que seja por motivo de adultério, e se casar com outra, também comete adultério” (Mt 19:7-9). Observe como ele corrigiu a palavra “ordenou”, e a substituiu por “permitiu”. O relato de Marcos (10:2-12) é o mesmo em essência, mas ele acrescenta no final: “e, se a mulher repudiar o seu marido e se casar com outro, comete adultério” (Mc 10:12).

Em ensino semelhante, mas em contexto diferente, se encontra em Lc 16:18 “todo aquele que repudiar a sua mulher, e se casar com outra, comete adultério; e, o que se casar com a repudiada do marido, também adultera.” No Sermão do Monte (Mt 5:32) há o mesmo ensino: “mas, eu vos digo que aquele que repudiar a sua mulher, a não ser por causa de adultério, faz com que ela adultere; e o que se casar com a repudiada, também comete adultério.”

Princípios de interpretação
É um princípio de interpretação bíblica que ao expor qualquer doutrina é necessário considerar todas as porções da Escritura relacionadas com o mesmo tema. Em geral, nenhuma passagem isolada da Escritura oferece uma doutrina completa com todas as suas qualificações e implicações. Isto é especialmente verdadeiro quanto à doutrina do divórcio. As palavras de Cristo em Mc 10:11 e 12 e em Lc 16:18 não incluem a exceção que permite o divórcio por razão do adultério ainda que esta exceção esteja declarada em Mt 5:32 e em Mt 19:19. Além do mais, as palavras de Cristo não mencionadas nos evangelhos sinópticos não incluem a exceção sobre a base do abandono irremediável, mas isto está explícito em 1 Co 7:15.

Antecedentes: a lei mosaica
Está claro que Cristo recebeu por certo não somente a lei mosaica conforme aparece em Dt 24:1-4, mas também os abusos da lei mosaica prevalecentes em seu tempo. Assim, a lei mosaica era uma regulamentação humanitária que impedia o divórcio fácil, por razões fúteis e, que requeria pelo menos um documento legal para proteção da pessoa divorciada. Nada existe na lei mosaica que seja contrário ao ensino de Cristo. A lei teve todo o alcance que era possível na regulamentação de um mal que prevalecia no tempo de Moisés.

É um fato bem conhecido que a lei do Antigo Testamento inclui a lei civil, a lei criminal e diferentes tipos da lei secular, bem como a lei religiosa. O estado do Antigo Testamento era uma teocracia e, as leis seculares e religiosas não eram completamente separadas. Em nosso estudo do Antigo Testamento com a nossa doutrina da separação da Igreja do Estado, é necessário que tratemos de entender quais leis eram civis ou seculares, e quais eram religiosas.[1] A minha sugestão é que a lei mosaica do divórcio deve ser considerada como uma norma mínima da lei civil. Cristo a descreveu como uma regra prática para o povo pecaminoso e duro de coração. A Bíblia tem muitas regras e princípios para a sociedade secular, e é necessária a regra de que, se há de existir divórcio entre as pessoas do mundo, pelo menos que seja regulamentado pela lei para a proteção das pessoas envolvidas.

Em minha opinião é um erro tratar de fazer o mandamento de Cristo uma lei civil obrigatória para todo o mundo, tanto para cristãos como para não cristãos. Certamente, o mandamento de Cristo é obrigatório para todos os cristãos e deve ser exigido na disciplina da Igreja Visível. A pergunta que trago à consideração não é se o mandamento de Cristo é uma norma correta para toda a humanidade. A pergunta é se esta norma deve ser um assunto da lei secular e exigida pela autoridade civil, ou não. Sugiro que a lei mosaica é o mínimo para os tribunais seculares, e que em cada cultura particular as leis seculares deveriam fazer o possível para fazer permanente o matrimônio e salvaguardar a estabilidade da família. Por outro lado, a Igreja tem a obrigação de manter as normas que Cristo deu aos seus discípulos.

O direito das mulheres
As palavras de Cristo em Mc 10:12 nos dão uma das poucas referências nas Escrituras que ensinam o direito da mulher de se divorciar de seu marido. Alford em seu comentário sobre esta passagem indica que a mulher teria tal direito sob a lei romana, mas que este direito não era reconhecido entre os hebreus. Em 1 Co 7:13 Paulo reconhece que em Corinto a mulher às vezes tinha poder de divorciar-se de seu marido. Também creio que este é o contexto de 1 Co 7:11. Em nossa atual civilização[2] uma mulher tem direitos iguais neste assunto, e o relato de Marcos destas palavras de Cristo somado ao ensino de Paulo nos oferecem suficiente base para colocar o homem e a mulher em tais casos, no mesmo nível enquanto disciplina da Igreja.

As palavras de Cristo sobre a pessoa divorciada
Pode-se presumir que a proibição de Cristo de se contrair um segundo casamento para a mulher que se divorciou de seu marido (Mc 10:12) e, a semelhante proibição de Paulo (1 Co 7:11) com referência a uma mulher separada de seu esposo tem ambas a ver com casos em que a causa do divórcio, ou separação não foi o adultério, ou o abandono irremediável. Em tal caso a mulher deve reconhecer o seu pecado ao causar a separação e, se é possível, deve retornar a sua relação matrimonial original. Ela não pode contrair um segundo casamento a não ser que o seu marido tenha rompido o matrimônio por outra união.

A regra em Mt 5:32 e em Lc 16:18 que ensina que um homem que se casa com uma mulher divorciada deve ser considerado como adúltero, parece ser muito raro à luz da estipulação mosaica de que a mulher divorciada que “saiu da sua casa [de seu primeiro esposo], poderá ir e se casar com outro homem” (Dt 24:2). Não é possível pensar que Cristo contradiria a lei mosaica ou que instruiria em contraste sem oferecer algum comentário quanto a isto. Recordando o princípio de que não temos o ensino bíblico sobre qualquer assunto até que examinemos todas as passagens pertinentes, devemos observar que o contexto mosaico disse que se o segundo marido se divorcia da mulher envolvida, o seu primeiro marido não tem liberdade de recebê-la de volta como esposa. O propósito óbvio desta lei é de proibir um promíscuo intercâmbio de esposas. Sendo que Cristo se referia diretamente à lei mosaica pode-se supor que as suas observações sobre o casamento de uma mulher divorciada sejam tomadas como uma alusão a Dt 24:3-4, e não como uma contradição de Dt 24:2. Isto seria perfeitamente claro nas circunstâncias em que ocorreram os diálogos de Cristo sobre o tema.

O ensino de Paulo sobre o divórcio
É óbvio que o ensino de Cristo acerca da preservação do matrimônio e sobre o mal do divórcio são de importância central. É igualmente óbvio que estas palavras não contenham explicitamente todos os fatores no ensino bíblico sobre este tema, mas que aceitam por estabelecidos vários elementos que aparecem em outras passagens da Escritura. Encontra-se em 1 Co 7 um importante texto acerca deste tema. Após declarar que é melhor casar do que viver abrasado e solteiro (vs. 9) Paulo continua dizendo que “mas, aos que estão unidos pelo matrimônio, ordeno, não eu, mas o Senhor [quando Paulo usa palavras como estas, quer dizer que está citando diretamente algo que Cristo havia declarado]: que a mulher não se separe do marido; e se separar [supondo ser por iniciativa própria], que permaneça sem casar novamente, ou reconcilie-se com o seu marido; e que o marido não abandone a sua mulher.”

Em outro lugar ele diz “e, eu declaro aos demais, não o Senhor [ou seja, não é uma citação direta]: se algum irmão tem mulher que seja incrédula, e ela consente em viver com ele, que não a abandone. E, se uma mulher tem marido que não seja crente, e ele consente em viver com ela, não a abandone” (vs. 10-13).

Aqui, como em Mc 10:12, temos um reflexo da lei romana que deu a mulher o direito sob certas circunstâncias de divorciar-se de seu esposo. Isto também nos oferece base para considerar que o homem e a mulher têm direitos iguais em tais casos.

O pacto da família
O ensino claro de que não se deve romper um matrimônio por causa de uma diferença de fé religiosa está relacionada com uma das enfáticas declarações nas Escrituras sobre o tema da aliança de Deus com a família: “o marido incrédulo é santificado no convívio da mulher, e a esposa incrédula é santificada no convívio do marido; pois, de outra maneira os seus filhos seriam impuros, todavia, eles são santos” (vs. 14). A santidade aqui atribuída é uma santidade de uma relação pactual. Embora Paulo não mencione a palavra aliança, está claro que tem em mente os princípios implícitos em Gn 17:7: “estabelecerei a minha aliança entre mim e ti, e a tua descendência após de ti, em suas gerações, por aliança perpétua, para ser o teu Deus, e o de tua descendência após de ti.” O fato de que Deus não se limita a ser somente o nosso Deus, mas o Deus de nossos filhos, o Deus das nossas famílias é ensinado enfaticamente nas Escrituras, e deve ser considerado como uma fonte de consolação para os pais cristãos em todas as idades e, sob todas as circunstâncias. Os pais piedosos podem com toda a confiança reclamar a promessa para os seus filhos: “serei o Deus deles” (Gn 17:8). É sobre este fundamento que Paulo declara que se um dos pais é um crente, os outros membros da família são santificados por relação da aliança com Deus.

Estas palavras não declaram que os indivíduos “santificados” sejam todos regenerados. Paulo disse algo mais adiante no mesmo contexto: “como saberás, ó mulher, se salvarás a teu marido? Ou, como poderás saber, ó marido, se salvarás a tua esposa?” (vs. 16). O crente deve continuar constante na fé e em oração esforçando-se pela salvação do membro ainda não convertido de sua família. Há mais duas passagens no Novo Testamento onde se declara que os incrédulos são santificados por que estão numa relação santa. Em Rm 11:16 diz que os judeus incrédulos, a quem se compara com os ramos cortados da oliveira cultivada, são “santos”, e em Hb 10:29 lemos: “quanto maior o castigo pensais que mereceria o que pisoteou ao Filho de Deus, e teve por imundo o sangue da aliança no qual foi santificado, e ultrajou o Espírito da graça?”

Deus é o Deus dos que, fazendo nascer numa família da aliança, desprezam-no. Os que desta santa relação pactual rejeitam a graça de Deus, merecem um castigo muito mais severo. Vemos algumas referências que a santa relação na aliança familiar é um assunto sagrado, um assunto de que não se deve fazer descaso. Esta aliança é a base espiritual para a permanência do matrimônio cristão.

O abandono
Retornando ao tema divórcio, após analisar a declaração de 1 Co 7:14 quanto a aliança familiar Paulo continua: “se o incrédulo quiser se separar, que se separe; pois, não está o irmão ou a irmã sujeito à servidão em tal caso, pois Deus tem nos chamado à paz” (vs. 15).

As palavras “não está o irmão, ou a irmã sujeito a servidão em tal caso” podem se referir somente a um vínculo matrimonial. Resulta claro o ensino de que o abandono destrói o vínculo matrimonial. Em Rm 7:2 o apóstolo Paulo descreve a pessoa casada como “livre” do vínculo conjugal quando morre o marido ou a esposa; e, diz explicitamente que é “livre para casar-se com outro homem”. Este é o único significado que se encaixa com 1 Co 7:15.

Assim, supõe-se que não contempla aqui nenhum abandono passageiro. A Confissão de Fé de Westminster resume a lei bíblica do divórcio nestas palavras: “nada, senão o adultério, é causa suficiente para dissolver os laços do matrimônio, a não ser que haja deserção tão obstinada que não possa ser remediada nem pela Igreja nem pelo magistrado civil” (CFW XXIV.6).

Um cristão abandonado por outro cristão
O prof. John Murray[3] faz uma distinção clara entre abandono de um crente por um incrédulo, como é o caso de 1 Co 7:15, e o abandono (ou o divórcio sobre uma base não bíblica) de um crente por alguém que professa ser cristão. Mantém, creio que corretamente, o que a Confissão de Fé de Westminster tem razão em interpretar 1 Co 7:15 como uma permissão para que o crente, quando abandonado por um incrédulo, de casar-se de novo, como se estivesse morta a pessoa culpada de tal abandono. Mas, se o entendi corretamente, ele não crê que um cristão divorciado ou abandonado por um cristão professo por razões não bíblicas esteja livre para casar novamente. Se um cristão recebe o divórcio de alguém que professa ser cristão, e esta pessoa se une após segundas núpcias, então biblicamente a pessoa causadora do divórcio comete adultério, e a pessoa inocente está livre para casar pela segunda vez; mas, não está livre de fazê-lo se a pessoa que professa ser cristã e que causou o divórcio, ou o abandono, não se casa de novo, ou não é culpada de adultério.

Acredita-se que esta posição é sustentada em 1 Co 7:11 e que desaprova o divórcio ou o abandono e acrescenta: “se alguém se separar, permaneça sem se casar, ou reconcilie-se com o seu marido”. Todavia, sugeri que as palavras de 1 Co 7:11 não se referem à pessoa abandonada, mas a uma pessoa que abandonou a relação matrimonial sem razão. Por exemplo, se algum cristão pensar que uma diferença de religião justifique a deserção da relação matrimonial e assim o fizer. Como eu entendo, a resposta de Paulo requer que se diga que isto é um equívoco, e que a pessoa que abandonou deve se reconciliar ao matrimônio existente se ainda for possível. Em todo caso, não há liberdade de casar em segundas núpcias por carecer de base bíblica a causa da separação. Em minha opinião, não há base nas Escrituras que proíba um cristão que foi abandonado ou divorciado por razões não bíblicas por um marido ou uma esposa que professe ser cristã, de contrair segundas núpcias sempre que a relação não possa ser remediada; tal como um cristão abandonado ou divorciado por um incrédulo tem liberdade de unir-se em segundas núpcias conforme 1 Co 7:15.

Mas, sucede que a idéia de divórcio ou abandono irremediável por um cristão é em si mesma absurda agora que temos as Escrituras do Novo Testamento. Bem que poderíamos entender que um crente em Corinto pudesse por ignorância ter cometido o pecado de abandono ou de divórcio por razões não bíblicas. Mas, hoje temos palavras claras e explícitas de Cristo contra o divórcio e, as palavras claras e explícitas de Paulo contra o abandono do matrimônio por parte de um cristão, pareceria que os tribunais eclesiásticos devessem excluir um indivíduo que seja culpado de abandono ou de causar um divórcio por razões que não sejam bíblicas. Tal pessoa deve ser julgada como sendo um incrédulo prima facie.

Divórcio por causa de homossexualidade
É minha opinião que a homossexualidade justifica o divórcio para um cristão. O meu argumento é muito simples: se Cristo permitiu o divórcio baseado no adultério e, o apóstolo Paulo considerou a homossexualidade como pior do que o adultério, por que é ainda “...contra a natureza” (Rm 1:26-27), com maior motivo o divórcio se justifica no caso de homossexualidade.

É permitido que a pessoa culpada de divórcio se case pela segunda vez?
O professor John Murray[4] acredita, e creio que corretamente, que a Escritura não proíbe que a pessoa culpada contraia segundas núpcias, desde que tenha se divorciado por razões bíblicas. Todavia, considera que o silêncio das Escrituras sobre este ponto não justifica que a igreja declare que se aprove tal matrimônio. A igreja deve guardar silêncio onde a Escritura guarda silêncio.

Mas se Cristo não contradiz Dt 24:2, eu diria que a Escritura não guarda silêncio. É fato que Cristo proíbe que se case com uma mulher divorciada (Mt 5:32; Lc 16:18). Sugeri acima que a lei mosaica de Dt 24:1-4 se subtende claramente como o contexto destas palavras de Cristo e, sendo que estas observações são fragmentárias, no sentido de que não temos todo o conteúdo do seu ensino em nenhuma destas passagens, assim estas palavras de Cristo que proíbem o casamento de segundas núpcias de uma mulher divorciada devem ser tomadas como uma aprovação de Dt 24:3-4, e não como uma contradição de Dt 24:2. Esta interpretação seria entendida naturalmente pelos seus contemporâneos que ouviram toda a discussão.

Devo acrescentar que, como coisa natural, alguém que professa ser cristão divorciado como culpado por razões bíblicas tem que ser disciplinado, ou por exclusão, ou pelo menos afastamento da comunhão da igreja; e, que tal pessoa, seja casada ou não, não pode ser recebida outra vez na comunhão da igreja a menos que demonstre clara evidência de um arrependimento genuíno e evidência de uma vida santa. Sei de grupos de cristãos que negaram o direito de casarem pela segunda vez com uma pessoa anteriormente divorciada como culpada por razões bíblicas e depois de convertida; e, que ao mesmo tempo reconheceram o direito de um indivíduo que era notoriamente culpado de fornicação, ainda que não casado, após a sua conversão, de casar-se. Tal ponto de vista em minha opinião não se justifica nas Escrituras e, aos olhos do mundo parece ser uma recompensa para a imoralidade de pessoas não casadas. No caso de um incrédulo, anteriormente divorciado por razões bíblicas, seja casado em segundas núpcias, ou não, a igreja como coisa natural teria que assegurar que foi verdadeiramente convertido e viveu uma vida sem mancha antes de admiti-lo na comunhão da igreja.

A atitude do coração
Antes de concluir a discussão do ensino bíblico sobre o divórcio, devo enfatizar que as forças mais perigosas que ameaçam destruir a integridade da vida familiar estão dentro do coração dos indivíduos. A lei moral defende a família não somente pelo sétimo mandamento que proíbe o adultério, mas também pelo décimo mandamento que proíbe os desejos ilícitos. Estas palavras de nosso Senhor Jesus Cristo pronunciadas no Sermão do Monte são de suma importância: “ouvistes o que vos foi dito: não cometerás adultério. Porém, eu vos digo, que qualquer um que olhar para uma mulher com intenção impura já adulterou com ela em seu coração. Portanto, se o teu olho direito te faz tropeçar, corta-o e arranca-o de ti; pois é melhor que perca um de seus membros e, não seja todo o teu corpo lançado no inferno” (Mt 5:27-29).

Para os pastores e os que tratam com vidas e lares destruídos, é uma observação comum que o princípio das ações pecaminosas está no alento deliberado das imaginações luxuriosas. Não somente os inclinados a diversões que estimulam os desejos ilícitos, mas também os que também alimentam as suas mentes com literatura sensual, se conduzem e ainda influenciam a outros para o desastroso pecado. O cristão cujo coração está cheio de amor ao seu Senhor adotará como regra da sua vida o não abrigar os impulsos sensuais que não crê cabem honrosamente dentro dos limites do puro amor monógamo. O lar cristão pode se manter em sua integridade se os cristãos preservarem esta regra em seu coração, em suas volições e, em suas imaginações. Há alguns anos ouvi um homem muito consagrado dar esta regra para o auto-exame no crescimento espiritual: “aonde dirige os teus pensamentos habitualmente num período de ociosidade?”

“Cada um é tentado quando de sua própria cobiça o atraí e o seduz. Então a cobiça após ter concebido, dá a luz ao pecado; e, o pecado uma vez consumado, gera a morte. Não vos enganeis, meus amados” (Tg 1:14-16). É impossível que os descendentes da queda mantenham perfeita pureza de pensamentos, palavra e atos; mas, é possível ocupar as nossas mentes com as coisas do Senhor, a fim de não cair numa vida de pecado.

Notas:
[1] Também é necessário que separemos em nossas mentes aquelas leis que a Igreja Visível pode exigir no processo de disciplina e, quais não devem ser sujeitas às disciplinas de uma maneira prática (por exemplo, os pecados das atitudes mentais).
[2] O autor escreveu este texto em 1962 (nota do tradutor).
[3] John Murray, Divorce (Comissão de Educação Cristã da Orthodox Presbyterian Church, 1953), pág. 69ss.
[4] John Murray, Divorce, págs. 100ss.

Extraído de James O. Buswell Jr., A Systematic Theology of the Christian Religion, vol. 1, parte II, págs. 387-397

Traduzido por Rev. Ewerton B. Tokashiki

28 dezembro 2007

resenha: Karl Barth’s Theological Method

Uma breve resenha
A minha resenha não tem a pretensão de ser acadêmica, mas suficientemente precisa para atrair a atenção dos leitores hábeis em inglês para que considerem a possibilidade de planejarem a aquisição e estudo do livro Karl Barth’s Theological Method de Gordon H. Clark. O perfil teológico do autor é inequivocamente como sendo a de um reformado conservador.[1] Ele adota a estrita teologia da reforma. A abordagem que Clark realiza não somente da metodologia, mas das premissas e das conclusões de Karl Barth expressam a sua postura de clara discordância com a neo-ortodoxia.

Creio que alguns motivos tornam necessária a leitura desta obra. Considerando que:
1. O próprio Barth é renomado teólogo e tem alguns dos seus livros publicados em português, bem como vem sendo lido pelos estudantes brasileiros de teologia e curiosos desavisados carecendo assim, de um roteiro confiável para que se entenda quem realmente é este teólogo suíço;
2. Karl Barth é lido e divulgado por professores em muitas instituições teológicas brasileiras, inclusive presbiterianas, sem que se ofereça um livro-texto de crítica duma perspectiva reformada conservadora ao seu pensamento;
3. O Dr Clark supre a necessidade de uma obra que desmistifique a figura que fazem de Karl Barth como teólogo e de sua prolixa produção literária;
4. Tanto nos EUA como no Brasil tem ocorrido uma predileção pelos estudos barthianos. No prefácio[2] o Dr. John W. Robbins observa que “por várias décadas em meados deste século, Barth tornou-se um centro de atração na feira das vaidades teológicas e, embora a sua influência tenha diminuído, ela ainda não desapareceu. De fato, a Karl Barth Society of North America foi fundada, em 1974, e está florescendo, conforme vários relatos de muitos neo-evangélicos, alguns de que estando na (neo) Evangelical Theological Society estão tentando reviver o defunto e corpus Barthiano”. O que Robbins disse em 1997 do cenário teológico americano, parece ocorrer no brasileiro, de fato, citar Karl Barth enriquece a “feira das vaidades teológicas”.
5. Tanto a Princeton University como outros centros acadêmicos teológicos nos EUA e na Europa têm dedicado bibliotecas direcionadas apenas aos estudos barthianos evidenciando o contínuo interesse de reforçar esta área de pesquisa;[3]
6. O livro Karl Barth’s Theological Method poderia servir de leitura complementar do curso de teologia, ou ainda, seria um útil e esclarecedor texto para a disciplina de Teologia Contemporânea lecionada em nossos seminários teológicos.

Para avaliar algumas fraquezas da obra do Dr. Clark indico a leitura da resenha do teólogo barthiano Dr. John C. McDowell.[4] Em sua apresentação como docente da School of Divinity da The Univeristy of Edinburgh ele deixa explicitamente transparecer o seu compromisso com a teologia de Karl Barth, em declarações como “inspirado como tenho sido pelo encontro com os escritos do teólogo suíço Karl Barth”, e ainda “a rica teologia da Karl Barth”, ou quando diz do seu “interesse de ter um compromisso frutífero com a teologia de Karl Barth”. Possuindo um tão claro vínculo com a neo-ortodoxia barthiana dificilmente o Dr. McDowell poderia ser imparcial em criticar Karl Barth’s Theological Method de Gordon H. Clark.[5] Entretanto, é útil a leitura da sua resenha para uma comparação de perspectivas.


Sobre o autor
O Dr. Gordon Haddon Clark filósofo e teólogo presbiteriano dos EUA, foi filho e neto de pastores presbiterianos. A sua graduação foi em B.A. em língua francesa, em 1924, e o seu Ph.D. especialidade em filosofia, em 1929, ambos na Pennsylvania University, e também fez outros estudos em Sorbonne, Paris. Ele lecionou na Pennsylvania University entre 1924 a 1936, e também no Reformed Episcopal Seminary, entre 1932 a 1936. Ele se transferiu para Wheaton College, em 1936, e a partir de 1945 ele trabalhou como professor de filosofia e presidente na Butler University e nela permaneceu até 1973.

Durante a transição entre a sua saída do Wheaton College e ida para a Butler University ele procurou ser ordenado ministro da Orthodox Presbyterian Church, denominação que ele auxiliou organizar com J. Gresham Machen, em 1936. O seu exame para ordenação foi realizado pelo tradicional Philadelphia Presbyterian, em 1944. Após a sua ordenação, além de pastorear ele também ensinou filosofia, entre os anos de 1974 a 1984, no Covenant College, e também no Sangre de Cristo Seminary. O Dr. Clark faleceu em 1985.

Ele escreveu mais de quarenta livros e aproximadamente duzentos artigos em revistas acadêmicas. Os seus escritos cobrem especialmente as áreas de filosofia, teologia e comentários populares do Novo Testamento. O Dr. John W. Robbins tem reeditado e publicado as obras do Dr. Clark pela The Trinity Foundation [ http://www.trinityfoundation.org/ ].

Mais informações sobre Gordon H. Clark podem ser verificadas em:
1. John W. Robbins, ed., Gordon H. Clark – Personal Recollections (The Trinity Foundation, 1989).
2. W. Gary Crampton, The Scripturalism of Gordon H. Clark (The Trinity Foundation, 1999).
3. Herman Hoeksema, The Clark-Van Til Controversy (The Trinity Foundation, 2005).
4. http://www.gordon-clark.blogspot.com/


Excursus
O Dr John W. Robbins declara que "em vinte e cinco anos publicando as obras do Dr. Gordon H. Clark encontrei poucas pessoas - e conversei com muitas outras - que antipatizam intensamente Gordon Clark -, sem nunca terem lido qualquer um dos seus livros. Em muitos casos estas pessoas foram inoculadas contra o Dr. Clark pelo Dr. Van Til, ou algum de seus estudantes. É lamentável que esta animosidade continue 60 anos após ter iniciado a controvérsia Clark-Van Til; é trágico que os professos discípulos do Dr. Van Til continuem difamando e distorcendo o Dr. Clark e obscurecendo as suas importantes contribuições tanto na filosofia como na teologia cristã. O Dr. Hoeksema percebeu com clareza qual das partes advogava a posição bíblica nestes quatro ensaios sobre a controvérsia, que exige extraordinário entendimento - ou lealdade pessoal limitando a idolatria - para outros que não podem perceber tão claramente após meio século. Esperamos que este pequeno livro auxilie o seu entendimento, e que se reúna conosco para promovermos uma consistente fé cristã. É a nossa esperança que os discípulos do Dr. Van Til finalmente reconheçam os seus erros, e findem com a sua oposição contra a filosofia cristã do Dr. Clark."

P.S.* Extraído de John W. Robbins, postscript in: Herman Hoeksema, The Clark-Van Til Controversy, pág. 103.


O conteúdo do livro
Prefácio
1. Introdução
Quatro pontos de vista
Uma dificuldade dos críticos
A Palavra de Deus

2. Modernismo
O Modernismo exalta o homem
Barth exalta a Deus
O conceito de Deus
Doutrinas derivadas
Barth e Hitler
3. O Método da Dogmática
A Igreja e o Mundo
A Norma da Lógica
Normas duas a cinco
Pressuposição
Ciência, Teologia e Igreja

4. Prolegomena e Apologética
Existe uma possível Apologética?
Base comum
A imagem de Deus no homem
5. Linguagem e conhecimento
O raciocínio de Barth
Hesitação
Um argumento acerca do Dogma
Proposições e palavras
Ceticismo
6. A Palavra de Deus em sua tríplice forma
A Palavra de Deus como pregação
A escrita Palavra de Deus
A revelada Palavra de Deus
A unidade das três formas
Deus falou?
Contemporaneidade

7. Revelação verbal
A afirmação de Barth e a negação da autoridade bíblica
A visão de Barth sobre inspiração
História da doutrina
Um Cristianismo funcional
Index


Notas:
[1] A declaração das convicções do Dr. Clark pode ser observada mais explicitamente em seu comentário da Confissão de Fé de Westminster chamado What Do Presbyterian Believe?
[2] John W. Robbins, Prefácio in: Gordon H. Clark, Karl Barth’s Theological Method, pág. vii.
[3] http://libweb.ptsem.edu/collections/barth/Default.aspx?menu=296&subText=468 acessado em 28/12/2007.
[4] http://www.geocities.com/johnnymcdowell/Review_Clark.htm acessado em 28/12/2007.
[5] http://www.div.ed.ac.uk/jcmcdowell acessado em 28/12/2007.


Bibliografia
CLARK, Gordon H., Karl Barth’s Theological Method (The Trinity Foundation, 1997), 277 págs.

Rev. Ewerton B. Tokashiki

22 dezembro 2007

O significado do batismo cristão

1. Através da morte do Senhor
O significado do sacramento do batismo é declarado claramente em Rm 6:1-5. O batismo cristão representa a morte de Cristo. É por meio de sua morte que temos a purificação dos nossos pecados e a nova vida que a regeneração nos proporciona.

Paulo disse "que diremos, pois? Permaneceremos no pecado, para que seja a graça mais abundante? De modo nenhum. Como viveremos, ainda no pecado, nós os que para ele morremos? Ou, porventura, ignorais que todos os que fomos batizados em Cristo Jesus, fomos batizados na sua morte? Fomos, pois, sepultados com ele na morte pelo batismo: para que, como Cristo foi ressuscitado dentre os mortos pela glória do Pai, assim também andemos nós em novidade de vida. Porque se fomos unidos com ele na semelhança da sua morte, certamente os seremos também na semelhança da sua ressurreição" (Rm 6:1-5).

O batismo cristão representa a morte de Cristo na cruz. Tal como no Antigo Testamento a aspersão de sangue nos diferentes "batismos" simbolizava a identificação do adorador com a vítima oferecida em sacríficio como o seu representante, assim agora o uso da água no batismo simboliza o corpo de Cristo manchado com sangue enquanto estava pendurado na cruz. Quando um adulto, que não foi criado "na disciplina e admoestação do Senhor" aceita a Cristo e é batizado, diz publicamente: "aceito a morte de Cristo na cruz como purificação do meu pecado." Quando levamos os nossos filhos diante da igreja e os batizamos no batismo cristão dizemos ao mundo: "aceitamos para nós e nossos filhos a expiação de Cristo, e prometemos criá-los de tal maneira que sejam induzidos e persuadidos a aceitar a Cristo como o seu Salvador pessoal."

2. Não representa a sepultura do Senhor
Em parte alguma das Escrituras se diz que o batismo cristão represente a sepultura do Senhor. A expiação foi consumada na cruz. Quando ele morreu naquele lugar em nosso favor, as suas palavras "está consumado" certamente ensinam que nada poderia ser acrescentado a sua obra expiatória. Ele foi sepultado literalmente, simplesmente por que estava literalmente morto na cruz. A sua sepultura torna a sua morte vívida e real em termos de experiência humana; mas, a sua sepultura não acrescentou nada a expiação. Não somos batizados pela sua sepultura; cerimonialmente somos sepultados ou marcados como pessoas mortas por causa de sua morte na cruz. O nosso batismo representa a nossa sepultura, não a de Cristo.

3. Não representa a ressurreição de Cristo
Em parte alguma das Escrituras se diz que o batismo cristão represente a ressurreição do Senhor. O argumento em Rm 6 é que no batismo temos simbolizado a nossa aceitação da morte de Cristo na cruz, na verdade tivemos uma sepultura simbólica de nós mesmos para significar a sua morte expiatória e, isto ocorreu no começo da nossa vida cristã. Se isto de fato for a verdade, segue-se logicamente que a partir disto viveremos uma nova vida ressuscitada pelo poder de sua ressurreição (Fp 3:10).

Tenho chamado a atenção para o fato de que a ressurreição de Cristo não acrescenta nada à expiação. A expiação foi consumada quando Cristo morreu na cruz. A ressurreição vindica as suas pretensões e garante que a sua morte foi uma vitória. A sua ressurreição não é o meio de nossa justificação (veja Rm 4:25), mas que efetuada a nossa justificação, foi por isso levantado dentre os mortos.

Há uma passagem da Escritura traduzida em nossa versão King James[1] de tal modo que indica que o batismo signifique a ressurreição de Cristo. Em Cl 2:12 após a referência de Paulo ao batismo, diz "...no qual fostes também ressuscitados com ele...". Isto é enganoso. A palavra traduzida "no qual" é construida como um pronome relativo neutro, se referindo ao batismo, mas o pronome relativo masculino é idêntico em forma, e, em minha opinião "em quem"[2] é o significado que deve ser entendido, ou seja, que concorda com a palavra "nele" que começa no versículo 11, e a palavra "com ele" no versículo 12: "sepultados com ele no batismo, em quem fostes também ressuscitados mediante a fé no poder de Deus que o levantou dentre os mortos." O nosso batismo significa a morte de Cristo, e é em Cristo, não no batismo, é que temos a vida ressuscitada.

Até onde concerne as regras literais da gramática tenho que admitir que o pronome relativo em Cl 2:12 pode ser construído como neutro, mas insistiria em que ao construí-lo como masculino, com referência a Cristo, concorda muito melhor com o contexto e com tudo o mais que se declara na Escritura quanto ao batismo cristão. A doutrina de que o batismo representa a ressurreição de Cristo descansa completamente sobre uma interpretação duvidosa de um pronome relativo. Não há nenhuma palavra no Novo Testamento para sustentar esta inverossímel interpretação.

4. O batismo cristão não é o batismo de João Batista
Ainda que o tipo particular de batismo praticado por João Batista não seja ordenado especificamente nos ritos levíticos deve-se, todavia, entendê-lo apropriadamente como uma parte do sistema de culto instituído pelo Senhor para ser guardado antes da vinda de Cristo, e antes do cumprimento de sua obra redentora na cruz. O batismo de João esperava Cristo. Deste modo, é declarado explicitamente que o batismo cristão significa a aceitação da morte de Cristo, como aquela que foi efetuada pelo seu povo, o batismo de João não poderia ter significação em si mesmo.

Assim foi como Paulo o explicou ao pequeno grupo em Éfeso que se refere em At 19:1-6: "João batizou com batismo de arrependimento, dizendo ao povo que cressem naquele que viria depois dele, isto é, em Jesus o Cristo."

Estes indivíduos foram homens de fé que criam em tudo o haviam ouvido acerca do Cristo que haveria de vir. Quando ouviram que ele já tinha vindo, foram batizados da maneira como Jesus havia ordenado.

5. O batismo cristão purificação do pecado
Que o batismo significa a purificação do pecado não é um segundo propósito nem um segundo significado. O batismo significa diretamente a nossa aceitação da expiação de Cristo efetivada na cruz. Mas, posto que por meio da expiação que o pecado é perdoado e apagado, é inteiramente apropriado referir-se ao batismo como uma limpeza, ou lavamento. Quando Pedro disse no dia de Pentecostes: "arrependei-vos, e sedes batizados, cada um de vós no nome de Jesus Cristo para o perdão dos pecados; e recebereis o dom do Espírito Santo" (At 2:38), não deu uma interpretação diferente do que Paulo declara explicitamente em Rm 6. O batismo significa a remissão de pecados pela expiação que Cristo efetuou, ao ser-nos aplicada essa expiação pelo Espírito Santo.

A palavra de Ananias a Paulo no momento do seu batismo, como Paulo o narra num testemunho mais tarde, envolve a comparação do batismo como o ato de lavar. Ananias disse: "agora, pois, por que te deténs? Levanta-te e seja batizado, e lave os teus pecados, invocando o seu nome" (At 22:16). A referência de lavar os pecados não implica num significado diferente do que temos em Rm 6. É pela expiação de Cristo que os pecados são apagados, e a metáfora de lavar é inteiramente apropriada. É o sangue de Cristo "que nos purifica" de todo pecado (1 Jo 1:7).

Notas:
[1] Esta é a versão usada pelo autor. Entretanto, a versão Revista e Atualizada da SBB adota a mesma linha de tradução.
[2] A NVI sugere a seguinte tradução de Cl 2:12: "isso aconteceu quando vocês foram sepultados com ele no batismo, e com ele foram ressuscitados mediante a fé no poder de Deus que o ressuscitou dentre os mortos."

Extraído de J. Oliver Buswell Jr., A Systematic Theology of the Christian Religion, págs. 250-253
Traduzido por:
Rev. Ewerton B. Tokashiki

19 dezembro 2007

Cristianismo como filosofia

Ao dizer que “o Cristianismo é como uma filosofia”, quero dizer que o Cristianismo oferece uma perspectiva compreensiva sobre o mundo (uma cosmovisão). Ele nos oferece um relato, não somente de Deus, mas também do mundo que Deus criou, a relação que mantém o mundo com Deus, e o lugar do ser humano dentro desse mundo, ou seja, a sua relação com a natureza e a sua relação com Deus. O Cristianismo trata a metafísica (a teoria da natureza fundamental do universo), a epistemologia (a teoria do conhecimento) e, os valores (a ética, a estética, a economia, etc.). Deste modo, ele oferece uma perspectiva completa sobre tudo. Creio que há um ponto de vista particular que o Cristianismo oferece sobre a história, a sociologia, a educação, as artes, os problemas filosóficos, etc. E, como vimos anteriormente, a autoridade de nosso Senhor é compreensiva; tudo o que fazemos está relacionado com Cristo (1 Co 10:31, etc.).

Assim, o Cristianismo entra em competição com o platonismo, o aristotelianismo, o empiricismo, o racionalismo, o ceticismo, o materialismo, o monismo, o pluralismo, o humanismo secular, o marxismo, o pensamento da teologia do processo, o pensamento da Nova Era, e com qualquer outra filosofia existente e que ainda há de surgir; compete também com outras religiões, como o Judaísmo, o Islamismo, o Hinduísmo e o Budismo. Uma das repercussões mais desafortunadas da idéia distorcida de que há sobre “a separação entre a Igreja e o Estado”, é que escola pública infantil é capaz de ouvir os proponentes de qualquer sistema de pensamento, exceto aqueles que são arbitrariamente qualificados como de uma “religião”. Pois, quem é capaz de dizer que não se pode encontrar alguma verdade em algumas destas posturas religiosas, ou uma verdade exclusiva dessa postura? E, falando em termos da liberdade de pensar e de crer, é justo limitar a educação pública aos pontos de vista chamados “seculares”? Não é isto também uma grande lavagem cerebral?

Além do mais, os separacionistas extremos [1] com freqüência se opõe em particular as expressões que ocorrem em público procedentes do Cristianismo, não sendo assim com as demais religiões. Com farta freqüência admitem sem objeção alguma, apresentações nas escolas que favorecem o misticismo oriental ou inclusive a bruxaria moderna; o que objetam é quando se trata do Cristianismo. Por inconseqüente que pareça, este procedimento especificamente anticristão realmente faz sentido. Pois como veremos mais a frente, é o Cristianismo, e não o misticismo oriental ou a bruxaria, e os ritos dos nativos americanos, o que se planta firmemente contra as tendências da mente humana não regenerada. O Cristianismo é excluído das escolas apesar de (ou talvez precisamente por que) oferece a única alternativa válida para a “sabedoria convencional” do aparato político e da sociedade moderna.

Todavia, essa “sabedoria convencional” nos legou um vasto aumento nos índices de divórcio, de aborto, de famílias com pais e mães solteiras, meninos de rua, dependentes de remédios, de quadrilhas, de crimes, a AIDS (e outros problemas de saúde, por exemplo, o ressurgimento da tuberculose), a falta de moradia, a falta de alimentos, o déficit governamental, os altos impostos, a corrupção política, a degeneração na arte, a mediocridade na educação, a falta de competitividade na indústria, grupos de interesses particulares exigindo toda espécie de “direitos” (direitos que não tem os suas responsabilidades correspondentes, e que vem a custa dos demais), a contaminação do meio ambiente, etc. Herdamos um governo “messiânico”, que reclama para si uma autoridade plena, e oferece solucionar todos os nossos problemas (“salvação” secular), mas que geralmente termina deixando as coisas pior. Nas instituições de ensino superior, anteriormente bastões da liberdade intelectual, agora propagam-se idéias do “politicamente correto”. A cultura em geral agora permite o uso de um vocabulário anteriormente considerado vulgar, ofensivo e blasfemo. Criou-se um ambiente em que a música popular (do estilo “rap”) incentiva as pessoas matar os guardiões da ordem.

Sendo assim, as circunstâncias em que vivemos nos leva a questionar se não deveríamos estar pensando em outras alternativas para esta suposta “sabedoria convencional”? Ou, será que só existe uma alternativa? Deste modo, - e a tese que aqui sustento de que existe - então devemos levar tal alternativa muitíssimo a sério.

Com a finalidade de apresentar o Cristianismo como sendo a única alternativa, ou, em outras palavras, como sendo a única opção viável, permitam-me expor o conteúdo do Cristianismo como filosofia: isto é, como metafísica, como epistemologia e como sistema de valores (com ênfase particular na ética). Com relação a isto, também creio na importância de dizer que o Cristianismo é evangelho (ou seja, boas novas), e talvez, este seja o mais importante aspecto dos anteriores. Mas, isto diremos no devido momento. Reconhecemos que em nossos tempos modernos, por assim dizer, em comparação com a sociedade de 600 anos atrás, as pessoas de hoje ignoram a perspectiva cristã sobre o mundo. Por isso, devem entender a perspectiva cristã sobre o mundo (a filosofia cristã), de modo que possa fazer sentido para eles o aspecto chamado evangelho, as boas novas.

Notas:
[1] Aqui John M. Frame reflete neste texto o cenário do sistema político e educacional dos EUA. Embora no sistema educacional brasileiro a disciplina "religião" esteja presente no ensino público, não sendo obrigatório, assuntos como teoria da evolução é tratada como "ciência" e qualquer discordância quanto à filosofia naturalista que sustenta esta teoria é rotulada como "obscurantismo religioso" (NT).

Extraído de John M. Frame, Apologetics to the Glory of God, págs. 31-34.
Tradução livre:
Rev. Ewerton B. Tokashiki

07 dezembro 2007

Estou postando!

Ad lectorum

Caros visitantes deste blog, peço desculpas por não postar nenhum artigo por este período. Mas, como pastor o meu final de ano é recheado de tarefas e compromissos próprios deste mês, que diga-se de passagem é fechamento do ano.

Penso que semana que vem devo retornar às postagens. Todavia, se alguém quiser ler alguns pequenos textos acerca de "por que somos presbiterianos?" acesse o blog Família da Aliança e acompanhe os artigos semanais desta série.

Um abraço e até semana que vem!

Rev. Ewerton B. Tokashiki

20 novembro 2007

A natureza incomum do milagre

Nem pode a real e própria idéia do que é milagre ser encontrada no fato daquilo que não podemos compreender e explicar como sendo milagre, pois na realidade, não conseguimos nem mesmo compreender os eventos por mais comuns que eles sejam. É verdade que não somos capazes de entender como o Senhor pode multiplicar uns poucos pães em suas mãos divinas, de modo a dar de comer com elas uma considerável multidão (Jo 6:1-14). No entanto, não está dentro dos limites do meu entendimento como uma semente pode cair na terra e morrer para dar fruto cem vezes mais. Certamente é verdade que a minha mente se assombra quando o Salvador chama Lázaro para que saia do sepulcro, estando ali há quatro dias dormindo no pó (Jo 11:1-46); mas, o nascimento de um bebê não transcende menos a minha mais ousada compreensão. Como o Senhor foi capaz de transformar água em vinho, nas bodas de Caná, certamente é mistério para o nosso entendimento (Jo 2:1-11), mas não é menos incompreensível como a videira pode produzir uvas e, dessa maneira transformar diferentes elementos em vinho.

Em outras palavras, para o meu entendimento não há diferença no que Deus por sua onipotência opera na forma comum e conhecida sobre a videira, de modo que produza uvas, ou se pela mesma potência realiza sobre a água para mudá-la em vinho. Se o sol e a lua se detém ante a palavra de Josué, confessamos não sermos capazes de compreender este fenômeno; mas, quando o Senhor a cada manhã constantemente faz com que o sol se levante sobre o horizonte oriental, essa obra de Deus igualmente transcende a minha compreensão.

Milagres nos causam admiração e captam a nossa atenção especial. Mas a causa disto não deve ser achada na compreensão dos eventos e atos comuns da providência de Deus e a incompreensão por serem milagres. Mas, devem ser encontrados no fato de que chegamos a estar tão acostumados com as obras diárias do onipresente poder de Deus que normalmente não lhes prestamos a devida atenção. No milagre, certamente, Deus realiza algo especial que precisamente por seu próprio caráter especial chama a atenção. Todavia, nem no assim chamado caráter sobrenatural, nem no imediato, nem no caráter incompreensível de um milagre pode-se achar a idéia própria do que é um milagre.

Extraído de Herman Hoeksema, Reformed Dogmatics, vol. 1, págs. 344-345


Traduzido por Rev. Ewerton B. Tokashiki

13 novembro 2007

Ordenação feminina: uma análise introdutória

A questão
Porque não ordenamos mulheres para o exercício dos ofícios de liderança? Esta é uma questão que precisa ser respondida. A nossa posição deve ser livre das acusações de machismo, obscurantismo e de que somos alienados às mudanças sociais da pós-modernidade.

Pelo menos três argumentos gerais são usados pelos que advogam a ordenação feminina:
1. Por serem maioria nas igrejas, por que as mulheres devem ser lideradas por uma liderança minoritária de homens?
2. É notório que as mulheres cada vez mais participam em funções de liderança na sociedade, por que não nas igrejas?
3. As denominações protestantes históricas estão ordenando mulheres. Sabemos que denominações como a Igreja Metodista do Brasil, a Igreja Evangélica de Confissão Luterana, a Igreja Episcopal Anglicana do Brasil, e ultimamente a Igreja Presbiteriana Independente do Brasil têm ordenado mulheres em cargos de liderança. O que falta para que a Igreja Presbiteriana do Brasil tome esta decisão?

Diante desta pressão, primeiramente precisamos nos perguntar qual deve ser o critério para decidirmos, ou não, ordenar as nossas irmãs. Deve ser a pressão social, onde a opinião pública encontra-se seduzida pelo movimento feminista, em moldes de igualdade, senão superioridade aos homens? Seria o critério do pragmatismo, reconhecendo que muitas mulheres têm assumido a responsabilidade de liderar, mesmo sem ordenação, enquanto os homens são omissos em seus deveres na família, na igreja e na sociedade? Ou, ainda deveríamos considerar as estatísticas que apresentam mudanças quanto ao número de denominações que têm ordenado mulheres, sem perceber que estes grupos tem mudado não somente práticas históricas, mas doutrinas e talvez ainda, o próprio conceito de verdade?

Uma tríplice resposta
Para responder estas fatídicas perguntas é necessário extrairmos a nossa conclusão a partir de três fontes:

1. O testemunho da história da Igreja cristã. Os cristãos em períodos consecutivos ou esporádicos ordenaram mulheres? Perguntas como, quando, por que e quem certamente esclarecerá a ocorrência da prática e possibilitará uma avaliação da prática da ordenação feminina no desenvolver dos séculos. Quando a tradição preserva a verdade e a sua prática, ela deve ser honrada (1 Co 11:2-3).[1] Logo, a ausente tradição de se ordenar mulheres tem que ter uma explicação, além da acusação simplista das feministas de que a Igreja sempre foi androcêntrica! Deixe-se estabelecido que a história é testemunha e não regra de fé para decidirmos uma prática. Analisando os eventos históricos poderemos entender o desenvolvimento doutrinário e assim concluir se houve de fato progresso ou corrupção doutrinário.

2. A interpretação exegética de textos bíblicos que oferecem alguma possibilidade para a ordenação de mulheres na liderança como um princípio regulador. Há evidências a partir do texto bíblico que a comunidade cristã do primeiro século possuía uma liderança feminina, ou que isto era prescrito como normativo, ou devemos considerar como um assunto aberto? Pressupondo que a Escritura Sagrada é a Palavra de Deus e que o sentido do texto é determinado pelo autor inspirado inerrantemente pelo Espírito Santo, então aceitamos o Escritura como autoridade final, interpretando-a a partir do método gramático-histórico.

3. A formulação teológica sistematizada a partir do ensino geral das Escrituras acerca do princípio de autoridade, e da relação do homem e da mulher, e suas implicações. A atual inclusão feminina na liderança e nos ofícios deve ser interpretada como um desdobramento e progressão da eclesiologia reformada, ou como uma corrupção doutrinária? Existe uma ordem divina estabelecida para a relação homem/mulher? A submissão é um mandato pós-queda, ou uma função de identidade original à mulher num período anterior à histórica Queda no jardim do Éden?

Este não é um assunto fácil de ser discutido por vários fatores. Primeiro, por causa da tensão que existe entre aqueles que são a favor ou, contra. Segundo, a complexidade do assunto. Terceiro, as implicações práticas são intensas e as mudanças também. Por isso, este assunto deve ser estudado com um fiel temor à autoridade das Escrituras Sagradas, um senso crítico na abordagem dos argumentos que sejam a favor ou, contra a ordenação feminina, tendo como alvo final a verdade bíblica, e evitando partidarismo defendido, mas visando o bem comum da Igreja de Cristo.

Para que não ocorra confusão, nem mesmo questionamentos quanto às minhas convicções pessoais, posiciono-me contra a prática da ordenação feminina. Tenho estudado o assunto, entretanto, cada vez mais estou convencido de que ela não é bíblica. Creio que as mulheres têm dons e ministérios no Corpo de Cristo que devem ser exercidos com temor, mas isto não as autoriza receberem a ordenação do oficialato.

Nota:
[1] Gordon J. Spykman declara que “a tradição é o sangue da teologia. Separada da tradição a teologia é como uma flor cortada que sem suas raízes e sem o solo, que murchará na mão. Uma teologia sã nunca nasce do novo. Ao honrar a sã tradição assegura-se a continuidade teológica com o passado. Ao mesmo tempo que a tradição cria a possibilidade de abrir novas portas para o futuro” in: Teologia Refomacional (Jenison, TELL, 1994), pág. 5.

Rev. Ewerton B. Tokashiki

31 outubro 2007

Impressões sobre a personalidade humana

Muitas teorias foram formuladas com o intuito de “dissecar” o homem. Uma visão antropológica secular e, em vários casos, também evangélica, mantém uma idéia de um ser humano fragmentado. De fato, tal idéia é de tal modo ventilada e tida como verdade absoluta, que a sociedade já vê o ser humano nessa perspectiva. E isso, é claro, influi grandemente na maneira que o ser humano lida consigo mesmo, com o seu ambiente e com sua fé.

A mais popular visão que temos do homem é a “tripartida”. Como dissemos acima, tanto o meio secular como o evangélico, concebe o homem em termos fragmentados. Como exemplo, temos a tricotomia no meio evangélico e, no secular temos o seu representante maior, Freud, que divide o homem em Id, Ego e Superego, sendo esse um conceito regeliano de tese, antítese e síntese. Essa fragmentação tem implicações desastrosas no processo de entendimento do indivíduo de que ele é “imago dei”. O que se entende popularmente por “personalidade” é um emaranhado de características e caráter individuais que são geralmente frutos da educação recebida, percepção da realidade vivida e outros fatores internos e externos.

É claro que a Bíblia não trabalha nesses termos. Ela não divide o indivisível. Ela não fragmenta. Ela apresenta o homem na totalidade do seu ser. O homem é todo alma, todo corpo, todo espírito. Indivisível por natureza. Uma visão realmente cristã do homem pressupõe, como dissemos, que ele foi criado a imagem de Deus. Ao se falar em personalidade, podemos dizer que o homem é fluido não estático. Em outras palavras, o homem está em constante mudança como pessoa. Portanto definir personalidade como aspectos do caráter, seria no mínimo inconseqüente, pela própria inconstância do ser humano. Nesse sentido, somente Deus tem uma real personalidade. Somente ele é imutável em seu ser (Porque eu, o SENHOR, não mudo. Malaquias 3 : 6). Nós temos personalidade que deriva do Único que realmente tem personalidade. Fora dele não temos, não somos e nada podemos. Vivemos no mundo de Deus. Ele não é só o doador da vida, mas ele é a própria vida. Se ele por um milésimo de segundo não fosse, deixaríamos de existir. Dessa forma, estamos no ambiente de Deus. Dele deriva todas as coisas, inclusive a nossa diversidade comum (humanidade) e nossa singularidade pessoal (individualidade).

Ao construirmos uma real visão do que se seja a personalidade nos termos escriturísticos, podemos nos voltar às suas implicações para o aconselhamento bíblico. O homem foi criado por Deus analogal, relacional, inteiro e indivisível. Sofreu a queda, decaindo do seu estado original, afetando seu físico, tornando-se moralmente rebelde, sofrendo os efeitos noéticos do pecado, entregue ao auto-engano, tornando em si mesmo a imagem de Deus desfocada e incoerente, mas ainda permanente. A redenção de Deus se manifesta em termos de graça comum, dando ao homem certos aspectos de criatividade e receptividade da imago dei, mas insuficiente para a salvação. É a graça salvadora, que está contida em Cristo, que restaura verdadeira e efetivamente o homem pecador à imagem de Cristo, fazendo-o crescer para a santificação e vida eterna.
Ao concluirmos que os atos e fenômenos mentais não são irremediavelmente determinantes naquilo que somos e na maneira de agirmos, como quer Freud[1] e Skinner[2], mas que Deus admite mudanças e cria as condições para isso, que a Bíblia trabalha com o “despir-se” e o “revestir-se” (Efésios 4.17ss) do novo homem criado em Cristo, sendo a vontade de Deus que o homem desfrute de uma vida plena, onde seus medos, desilusões, traumas e pecados possam ser trabalhados com categorias bíblicas redentivas.
Assim, podemos olhar para os problemas do homem como afetando todo o seu ser e não apenas parte dele, da mesma forma as soluções propostas pela Escritura, envolvendo a sua totalidade: corpo/alma, numa relação estreita e indivisível. Ao pensar com essas categorias bíblicas, criamos uma visão do homem onde qualquer que seja a natureza do problema que o afete, este tem que ser tratado como envolvendo todo o seu ser. Não podemos classificar como: “este é um problema da alma”, ou, “este é um problema do corpo” e, ainda, “este é um problema da mente”. Mas um problema que envolve todo o homem, mesmo que seja manifesto de várias formas.
Fazendo assim, criaremos um raciocínio Teo-referente. Começamos a pensar com os pensamentos de Deus. Abandonamos aspectos humanistas e filosóficos para estruturar nosso pensamento a respeito do homem, e começamos a construir um pensamento antropológico a partir da teologia bíblica e sistemática, dos mandamentos e promessas contidos nas Escrituras. As teorias psicológicas devem ser submetidas à Bíblia, que serão os óculos para examinar suas proposições, submetendo-as ao critério escriturístico. Fazendo assim, estaremos mais capacitados para ajudar biblicamente o homem que Deus criou.

Notas:
[1] Freud argumenta que somos dominados pelo desejo (Id), controlados pelos pais, escola, igreja, sociedade, etc (Superego) e mediado por uma síntese de ambos (Ego).
[2] Skinner alega que não existe mente. O que temos é uma série de impulso e resposta.
Rev Baltazar Lopes Fernades

26 outubro 2007

Um evangelho pós-moderno para o mercado global

O mundo tem se tornado num mercado globalizado e o evangelicalismo tentando se pós-modernizar rebaixa-se a um produto que atenda ao gosto dum maior número de consumidores. Hoje ser “protestante” é para muitos um rótulo indesejável, historicamente descontextualizado e politicamente irrelevante, é preferível ser chamado apenas de evangélico, porque não expressa nenhuma idéia negativa de ser contra alguma coisa. John MacArthur Jr. observa que “aparentemente o maior medo que o movimento evangélico tem hoje em dia é de ser visto como posicionado em desarmonia com o mundo”.[1] A dinâmica do dia é fazer o evangelho aceitável para poder vende-lo.

Nesta negociata qualquer coisa pode ser vendida, por que tudo é transformado em mercadoria: idéias, emoções, poder, influência, relacionamentos e até as bênçãos divinas são oferecidas por líderes religiosos que pensam monopolizar o Espírito Santo. Surge uma nova espécie de simonia: a venda de sentimentos travestidos de religiosidade e aceitação divina.

Tamanho é o esforço de acomodar o evangelho pós-moderno numa embalagem que o apresente como um produto atrativo, ele vira uma mercadoria onde o seu sucesso de venda dependerá de quem melhor manipula os holofotes da publicidade. O profano tem um colorido sedutor em que tudo é aceito por causa do dinheiro, assim, o mercado não nutre preconceitos, visando somente o lucro. O supérfluo é cambiado em necessário aguçando o consumo. Agitando o orgulho e despertada a cobiça, o consumidor é induzido à carência não do que realmente precisa, mas do que o paradigma consumista lhe impõe como sendo absolutamente necessário!

Em ritmo de concorrência o evangelho pós-moderno assume a disputa da livre-oferta. Nesta ideologia não existe a intenção de elevar os valores das pessoas a outro nível de consciência para que vivenciem a comunhão com Deus e a mutualidade. Este evangelho interesseiro tenta se adequar ao mercado, mas com isto perde o seu sabor e brilho (Mt 5:13-16), e, progressivamente esvazia-se de sua dimensão profética, de denúncia e anúncio! Despe-se de seu caráter ético, de crítica, de uma proposta integral transformadora pelo poder de Deus, manifestando o Seu Reino, em Cristo Jesus.

Nota:
[1] John MacArthur Jr., Princípios para uma cosmovisão bíblica (São Paulo, Editora Cultura Cristã, 2003), pág. 8

Rev. Ewerton B. Tokashiki

15 outubro 2007

A recompensa do jejum

Há algum tempo atrás escrevi um artigo oferecendo uma orientação prática acerca do jejum cristão e fui surpreendido pela ignorância do assunto ao ser refutado por um leitor. Ele se apresentava como pastor e embora não teve coragem, por que não sei, não declarou com clareza se era ministro da Igreja Presbiteriana do Brasil?! Como sou ordenado por esta denominação, fiz meus votos de ordenação convicto do meu compromisso doutrinário, de governo e disciplinar com esta igreja, e tanto em seus documentos doutrinários como nos Princípcios de Liturgia há a orientação de se praticar o jejum. Entretanto, há muitos cristãos de muitas denominações equivocados quanto ao jejuar, e por causa do seu confuso entendimento do que a Escritura Sagrada instrui acerca deste assunto findam por desprezar tão importante exercício de santidade.

Indico a leitura do artigo do Pr John Piper no site monergismo sobre o ensino e prática bíblica do jejum. Que Deus abençoe a sua vida e lhe fortaleça em seu crescimento.

Em Cristo,
Pr Ewerton B. Tokashiki

08 outubro 2007

Definições de Teologia Sistemática

Segue abaixo algumas definições da disciplina de Teologia Sistemática para comparação:

TEÓLOGOS PRESBITERIANOS/REFORMADOS

A.A. Hodge (1860)[1]
“é a determinação, interpretação e defesa científica dessas Escrituras, junto com a história da maneira pela qual as verdades nelas reveladas têm sido entendidas, e os deveres nelas impostos têm sido cumpridos, por todos os cristãos, em todos os séculos”.[2]

Charles Hodge (1872-1873)
“a ciência dos fatos da revelação divina até onde esses fatos dizem respeito à natureza de Deus e à nossa relação com ele, como suas criaturas, como pecadores e como sujeitos da redenção.”[3]

Robert L. Dabney (1878)
“a ciência do ser e da natureza de Deus, e suas relações com a criatura.”[4]

William G.T. Shedd (1888)
“é a ciência que está preocupada tanto com o Infinito com o Finito, tanto com Deus como com o Universo. O material, portanto, que ela inclui é mais amplo do que o de qualquer outra ciência.”[5]

B.B. Warfield (1896)
“é a ciência que discorre acerca de Deus e do seu relacionamento com o homem e o mundo.”[6]

Herman Bavink (1909)
“é a ciência que extrai o conhecimento de Deus de Sua revelação, que estuda e pensa sobre ela sob a orientação do Espírito Santo, e então tenta descreve-la de forma a honrar a Deus.”[7]

David S. Clark (1921)
“é a ciência que trata de nosso conhecimento de Deus e de sua relação para com os homens.”[8]

Louis Berkhof (1932)
“a dogmática é o sistema científico do conhecimento de Deus”.[9]

G. H. Kersten (1947)
“dogmática é a descrição sistemática dos conteúdos e correlação mútua das verdades (dogmata) reveladas na Palavra de Deus.”[10]

Júlio A. Ferreira (1963)
“é uma apresentação das realidades espirituais apresentadas na Bíblia de modo a nos dar uma visão de seu conjunto e de suas relações.”[11]

Herman Hoeksema (1966)
“é aquela disciplina teológica em que o dogmático, numa relação orgânica com a igreja do passado, bem como do presente, propõe esclarecer das Escrituras o verdadeiro conhecimento de Deus, ao confirmar em alguma forma sistemática, e depois comparar os dogmas existentes com a Escritura, conduzindo o conhecimento de Deus ao mais alto estado de desenvolvimento.”[12]

J.Oliver Buswell Jr. (1962)
“o estudo de Deus em sua relação com o mundo e o homem é suscetível de ser organizado como um todo sistemático. A palavra ‘sistemático’ sugere assim um grau relativamente elevado de integração, coerência e correspondência entre as afirmações e os fatos.”[13]

Robert L. Reymond (1998)
“estudo metodológico da Bíblia que analisa a Escritura Sagrada como uma completa revelação, em distinção das disciplinas de Teologia do Antigo Testamento, Teologia do Novo Testamento e Teologia Bíblica, as quais se aproximam das Escrituras como uma revelação progressiva. Deste modo, o teólogo sistemático analisa as Escrituras como uma revelação completa, buscando entender holisticamente o plano, propósito e a intenção didática da mente divina revelada na Sagrada Escritura, e organizar este plano, propósito e intenção didática de modo ordenado e apresentação coerente como artigos da fé cristã”.[14]


TEÓLOGOS LUTERANOS

John T. Mueller (1934)
“a capacidade espiritual para ensinar e defender a Palavra de Deus, em suma, para exercer as funções do ministério cristão nos moldes escriturísticos (II Co 3:5-6), quer de modo objetivo, ou abstrato, para designação da doutrina cristã, seja em seu todo, seja em parte, apresentada tanto oralmente como por escrito, II Tm 1:13.”[15]

Gustaf Aulén (1961)
“a teologia sistemática é, portanto, a disciplina teológica que tem por objetivo o estudo e a pesquisa da fé cristã.”[16]

Carl E. Braaten (1984)
“o conhecimento de Deus e das coisas divinas, obtido em particular, de modo natural, pelo uso da razão, e em parte de modo sobrenatural, através de uma revelação especial.”[17]

Arnaldo Schüler (2002)
“parte da teologia que apresenta a verdade religiosa de forma ordenada e crítica. Compreende a dogmática, a teologia fundamental e a ética.”[18]


TEÓLOGOS BATISTAS

James P. Boyce (1887)
“ciência que trata de Deus”.[19]

Augustus H. Strong (1906)
“é a ciência de Deus e das relações entre Deus e o universo.”[20]

Lewis Sperry Chafer (1948)
“a Teologia Sistemática pode ser definida como a coleta, cientificamente organizada, comparada e defendida, de todos os fatos e toda e qualquer fonte a respeito de Deus e de suas obras.”[21]

Bruce Milne (1982)
“pensamentos e palavras derivados de um conhecimento de Deus”.[22]

A.B. Langston (19 )
“um estudo acerca de Deus, baseado na experiência do homem com Deus e na revelação divina.”[23]

B.A. Demarest (1984)
“tentativa de reduzir a verdade religiosa a um sistema organizado”.[24] Mais detalhadamente, Demarest sugere ela seja “a disciplina que (1) apresenta uma formulação unificada da verdade a respeito de Deus e Seu relacionamento com a humanidade e o universo conforme a revelação divina os expõe, e que (2) aplica tais verdades a todo aspecto da vida e do pensamento humano.”[25]

Charles C. Ryrie (1986)
“significa a interpretação racional da fé cristã.”[26]

Millard J. Erickson (1992)
“aquela disciplina que se esforça em dar uma coerente declaração das doutrinas da fé cristã, baseada primariamente nas Escrituras, colocando no contexto da cultura em geral, trabalhada num idioma contemporâneo e relacionada para promover a vida.”[27]

Wayne Grudem (1994)
“é qualquer estudo que responda à pergunta ‘O que a Bíblia como um todo nos ensina hoje? Acerca de qualquer tópico’ e acrescenta que ela “envolve compilar e entender todas as passagens relevantes da Bíblia sobre vários tópicos e então, sintetizar claramente o seu ensino de tal modo que saibamos em que crer acerca de cada tema.”[28]

Stanley J. Grenz e Roger E. Olson (1996)
“é a reflexão e a organização das crenças referentes a Deus e ao mundo que os cristãos têm em comum como seguidores de Jesus Cristo”.[29]


TEÓLOGOS ANGLICANOS

Edward E. Litton (1960)
“é o inevitável processo em que se tenta sistematizar e arranjar os materiais fornecidos parcialmente pela Escritura e parcialmente pela fé implícita da Igreja; e esta necessidade em linguagem atualizada e sob a influência da filosofia da época.”[30]

John Macquerrie (1977)
“a teologia pode ser definida como o estudo que, por meio da participação e da reflexão a respeito de uma crença religiosa, busca expressar o conteúdo dessa fé por meio da linguagem mais clara e mais coerente possível.”[31]

Alister McGrath (2001)
“o estudo sistemático das idéias fundamentais da fé cristã”.[32]

Robert Banks (1993)
“todo esforço da parte dos cristãos quanto a pensar até o fim e organizar suas crenças, com a intenção de se aproximar de Deus e espelhar mais de seu carácter em suas vidas.”[33]


TEÓLOGOS METODISTAS

Walter Klaiber e Manfred Marquardt (1993)
“reflexão metódica e sistemática, bem como exposição da fé em Deus, baseada em Jesus.”[34]


TEÓLOGOS PENTECOSTAIS

Myer Pearlman
“a ciência que trata do nosso conhecimento de Deus e das suas relações para com o homem”, ou ainda “consiste em fatos relacionado com Deus e com as coisas de ordem divina, apresentadas de uma maneira lógica e ordenada.”[35]

James H. Railey, Jr e Benny C. Aker (1994)
“o estudo de Deus e do seu relacionamento com tudo quanto Ele criou.”[36]


TEÓLOGOS NEO-ORTODOXOS PROTESTANTES

Karl Barth (1962)
“parece indicar que em seu âmbito, por ser ciência específica (e muito específica), se trate de perceber, de compreender e de interpretar a ‘Deus’”.[37]

Hendrikus Berkhof (1982)
“é um pensamento refletido e sistematizado acerca do conteúdo do relacionamento que Deus estabeleceu conosco em Cristo”.[38]


TEÓLOGOS CATÓLICOS

Tomás de Aquino
“Theologia a Deo docetur, Deum docet, et ad Deum ducit” [Deus ensina teologia, a teologia nos ensina acerca de Deus, e nos conduz a Deus].[39]

J. Feiner e M. Lohrer (1965)
“é a reflexão metódica e crítica de tudo o que se propõe no querigma da igreja e se aceita pela fé, pela qual o homem se submete à palavra de Deus”.[40]

Karl Rahner (1966)
“é conforme a sua essência, a escuta expressamente esforçada do homem crente à revelação verdadeira de Deus, historicamente acontecida.”[41]

Thomas P. Rausch (1993)
“se empenha em compreender as doutrinas básicas da fé e em mostrar como elas se relacionam entre si. (...) As doutrinas dizem respeito a afirmações claras de realidades religiosas. A teologia sistemática procura compreender as realidades religiosas proclamadas pelas doutrinas.”[42]

John O’Donnell (1993)
“é a tentativa de traduzir o único e irrepetível evento de Cristo em cada um dos períodos subseqüentes.”[43]

J.B. Libanio & Afonso Murad (1996)
“a teologia define-se como reflexão crítica, sistemática sobre a intelecção da fé. E a fé termina em Deus e não nos enunciados a respeito de Deus, como muito bem explicita Santo Tomás.”[44]

Frei Honório Rito (1998)
“ela nunca deixa de ser um discurso e uma linguagem sobre Deus, que, para nós cristãos, não é qualquer ser divino abstrato mas o Deus concreto da Revelação bíblico-cristã. Esse discurso e essa linguagem evoluem em seu conteúdo de significação mas não deixam de ser uma forma de expressar nossa compreensão da fé.”[45]

Notas:
[1] As datas identificam o ano de publicação original do livro dos autores citados.
[2] A.A. Hodge, Esboços de Teologia, pág. 11.
[3] Charles Hodge, Teologia Sistemática, pág. 16.
[4] Robert L. Dabney, Lectures in Systematic Theology, pág. 5.
[5] William G.T. Shedd, Dogmatic Theology, vol. 1, pág. 16.
[6] B.B. Warfield, Studies in Theology in: The Works of B.B. Warfield, vol. 9, pág. 56.
[7] Herman Bavink, Teologia Sistemática, pág. 32.
[8] David S. Clark, Compêndio de Teologia Sistemática, pág. 18.
[9] Louis Berkhof, Introducción a la Teolígia Sistemática, pág. 37.
[10] G.H. Kersten, Reformed Dogmatics (Grand Rapids, Wm. B. Eerdmans Publishing CO., 2000), vol. 1, pág. xiii.
[11] Júlio A. Ferreira, Antologia Teológica, pág. 27.
[12] Herman Hoeksema, Reformed Dogmatics, vol. 1, pág. 6.
[13] J. Oliver Buswell Jr., A Systematic Theology of the Christian Religion, vol. 1, pág. 14.
[14] Robert L. Reymond, A New Systematic Theology of the Christian Faith, pág. xxv-xxvi.
[15] John T. Mueller, Dogmática Cristã, vol. 1, pág. 33.
[16] Gustaf Aulén, A Fé Cristã, pág. 21.
[17] Carl E. Braaten & Robert W. Jenson, Dogmática Cristã, vol. 1, pág. 31.
[18] Arnaldo Schüler, Dicionário Enciclopédico de Teologia, pág. 449.
[19] James P. Boyce, Abstract of Systematic Theology, pág. 1.
[20] Augustus H. Strong, Teologia Sistemática, vol. 1, pág. 21.
[21] Lewis S. Chafer, Teologia Sistemática, vols. 1, pág. 50.
[22] Bruce Milne, Estudando as Doutrinas da Bíblia, pág. 10.
[23] A.B. Langston, Esboço de Teologia Sistemática, pág. 15.
[24] B.A. Demarest, “Teologia Sistemática” in: Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã, vol. 3, pág. 514.
[25] B.A. Demarest, op.cit., pág. 515.
[26] Charles C. Ryrie, Teologia Básica, pág. 13.
[27] Millard J. Erickson, Christian Theology, pág. 21. Outra definição de Teologia Sistemática do mesmo autor é “o estudo da doutrina é conhecido como teologia. Literalmente, teologia é o estudo de Deus. É o estudo, a análise e a declaração cuidadosa e sistemática da doutrina cristã in: Introdução à Teologia Sistemática, p. 16.
[28] Wayne Grudem, Teologia Sistemática, pág. 1.
[29] Stanley J. Grenz e Roger E. Olson, Quem Precisa de Teologia?, pág. 43.
[30] Edward A. Litton, Introduction to Dogmatic Theology, pág. 1.
[31] Citado em Alister McGrath, Teologia sistemática, histórica e filosófica, pág. 176.
[32] Alister McGrath, Teologia sistemática, histórica e filosófica, pág. 177.
[33] Robert Banks, A teologia nossa de cada dia, pág. 54.
[34] Walter Klaiber & Manfred Marquardt, Viver a Graça de Deus – Um Compêndio de Teologia Metodista, pág. 2.
[35] Myer Pearlman, Conhecendo as Doutrinas da Bíblia, pág. 13.
[36] Stanley M. Horton, ed., Teologia Sistemática – Uma Perspectiva Pentecostal, pág. 50.
[37] Karl Barth, Introdução à Teologia Evangélica, pág. 5.
[38] Hendrikus Berkhof, Introduction to the Study of Dogmatics, pág. 9. O autor mantém essencialmente a mesma definição em seu manual de teologia chamado Christian Faith, pág. 33.
[39] Louis Berkhof, Introducción a la Teologia Sistemática, pág. 30.
[40] J. Feiner & M. Lohrer, Mysterium Salutis (Madri, Ediciones Cristianidad, 1965), vol. 1, pág. 29.
[41] Karl Rahner & H. Vorgrimler, ed., Diccionario Teológico (Barcelona, Editorial Herder, 1966), pág. 720.
[42] Thomas P. Rausch, Introdução à Teologia, pág. 19.
[43] John O’Donnell, Introdução à Teologia Dogmática, pág. 10.
[44] J.B. Libanio & Afonso Murad, Introdução à Teologia, pág. 67.
[45] Frei Honório Rito, Introdução à Teologia, pág. 35.

Rev. Ewerton B. Tokashiki