19 junho 2008

Resenha

Alister McGrath é um autor que tem se popularizado entre os leitores brasileiros. Alguns dos seus livros estão publicados em português por editoras de diferentes orientações teológicas. Isto demonstra a sua capacidade de discutir assuntos de interesses comuns aos vários segmentos do cristianismo. Entretanto, a sua identidade anglicana/evangélica é declarada com firme convicção. Apesar de ter lançado uma excelente biografia sobre João Calvino, McGrath é incoerentemente um arminiano.

O livro Paixão pela verdade é uma obra que, às vezes, dá aquela noção de que deveríamos ter lido outro livro antes dele. E, isto é verdade, pois o próprio autor, tanto nos Agradecimentos como nas notas finais, remete o leitor para outro livro de publicação anterior, com o nome Evangelicalism and the Future of Christianity, que inclui discussões pormenorizadas de temas que são apenas mencionadas neste segundo.

A proposta de McGrath é simples, mas um desafio expressivo. Segundo ele, esta obra pretende fazer uma “consideração da coerência intelectual do evangelicalismo com vistas a considerar qual poderá ser seu futuro num mundo ocidental pós-moderno, com suas ideologias competitivas e teorias de legitimação amplamente divergentes.” Adenda a esta tese o autor menciona o fato de que o evangelicalismo, enquanto movimento, chegou a maturidade e respeitabilidade acadêmica deixando de ser necessário uma postura desgastantemente defensiva. Ele possui coerência, vigor intelectual e credibilidade suficiente que lhe dá um lugar respeitoso no universo acadêmico.

O livro está estruturado em cinco partes. Uma introdução necessária que discute algumas virtudes e também dificuldades dentro do evangelicalismo. Os capítulos seguintes demonstram o aspecto positivo do movimento em apresentar a singularidade de Jesus Cristo e a autoridade da Escritura como temas centrais. Mas, nos capítulos finais, o autor evidencia a coerência intelectual do evangelicalismo contra três perigos contemporâneos para o cristianismo, isto é, o pós-liberalismo, o pós-modernismo e o pluralismo religioso.

No capítulo 1, sobre “a singularidade de Jesus Cristo”, o autor desenvolve a tese de que “Jesus Cristo é de importância constitutiva e definitiva para o cristianismo; retém autoridade intrínseca fundamentada e enfocada nele mesmo e em sua obra”. Apesar do liberalismo e neo-ortodoxia tentarem “reconstruir” uma imagem de Cristo através da “busca do Jesus histórico”, nada conseguiram, por abandonarem Cristo como está revelado na Escritura. Com este desprezo da narrativa inspirada acerca de Jesus Cristo, perdem a noção de importância revelacional, soteriológica, exemplar/ética, doxológica e querigmática do Filho de Deus.

O capítulo 2 discute a “autoridade da Escritura”. Este ponto é um aspecto que retrocede à Reforma do século 16. A sua identificação como sendo a Palavra de Deus lhe outorga autoridade inerente. Embora o modernismo tentou estabelecer uma concepção de que havia uma crise na autoridade bíblica, isto apenas demonstrou o compromisso do liberalismo teológico com a ideologia cultural dominante. McGrath conclui que “toda tentativa de conformar o cristianismo às crenças de um grupo social demonstra ser esse grupo irrelevante para o outro. O paradoxo subjacente de toda iniciativa liberalista é que para alguém que tenha o evangelho como ‘relevante’, há mais alguém para quem ele é irrelevante.” Ao mesmo tempo a experiência deve ser orientada, interpretada e transformada pela Escritura, e não o contrário. O uso da razão na teologia como serva e não como princípio regulador, porque “o Deus da pura razão está preso dentro dos limites de mentes humanas. E mentes pequenas contribuem para um Deus pequeno”.

No capítulo 3 a intenção do autor é declarada que “não é apresentar uma alternativa evangélica a tais abordagens, e sim indicar as bases sobre as quais elas podem ser criticadas”. Assim, McGrath demonstra aspectos positivos que servem de contato entre o evangelicalismo e o pós-modernismo, mas também aponta perigos e as suas implicações. Neste capítulo ele descreve a origem e o desenvolvimento do liberalismo, enquanto movimento social e cultural, e a sua absorção pela teologia e os seus resultados.

O capítulo 4 sobre a relação do “evangelicalismo e o pós-modernismo” traça a origem deste último movimento como rejeitando o Iluminismo como fraudulento e prejudicial. Na história da igreja, sabe-se que o evangelicalismo não ficou imune ao Iluminismo. A morte da modernidade se deu no questionamento dos absolutos. O autor declara que “o pós-modernismo elimina o impulso para se universalizar, criando um meio em que diferenças incompatíveis podem ser toleradas”.

No último capítulo, o autor acusa a insustentabilidade do pluralismo religioso propondo adotar como válidos fatos contraditórios e absurdamente inaceitáveis. Aplicando isto às religiões comparadas tanta conciliar religiões como o judaísmo, cristianismo e o islamismo, como sendo percepções complementares do mesmo Ser divino. Entretanto, conceitos nestas religiões divergem em grau e essência tornando impossível qualquer tipo de sincretismo.

Os temas que se encontram dentro de cada assunto demonstram a sua relevância atual dentro da proposta geral do autor. A interação com autores demonstra a capacidade de McGrath como apologista evangélico. Os seus argumentos demonstram vigor e coerência lógica, bem como fidelidade com os princípios bíblicos. Numa declaração final em seu livro, ele reconhece que “aspirar a erudição intelectual é a coisa mais fácil do mundo; já desenvolver isto enquanto se permanece firmemente em contato com as realidades da vida cristã comum é tarefa um tanto mais intimidante”.

Outra característica positiva do livro é que ele é bem documentado em fontes que também servem de indicação bibliográfica. É notório que o autor usou citar algumas obras com a intenção de referendá-las, sem necessariamente concordar com o seu conteúdo, mas, para indicar uma fonte respeitável sobre aquele assunto.

A editora Shedd Publicações tem lançado no mercado literário brasileiro, várias obras de excelente qualidade. Esta é mais uma que veio somar em nossas bibliotecas. Entretanto, a formação do livro mereceria uma qualidade ao nível do seu conteúdo. Como por exemplo, as notas que postas no fim do livro torna tediosa e desconcertante as idas e vindas, do texto para o fim do livro, quebrando por vezes a seqüência do raciocínio. Pequenos erros de revisão são cometidos, mas nada que prejudique a obra. Outro pecado, sendo este imperdoável para uma obra acadêmica como esta, é a ausência de um índice remissivo!

MCGRATH, Alister, Paixão Pela Verdade a coerência intelectual do evangelicalismo (São Paulo, Shedd Publicações, 2007).

17 junho 2008

Resenha

A obra Raízes da Teologia Contemporânea é um livro que se propõe analisar a relação de alguns movimentos teológicos que contribuíram para a formação da teologia do século 20. A proposta das raízes estabelece que a intenção do autor não é expor cada pensador, ou escola teológica do século 20, mas de estudar como eles surgiram. O texto se presta a ser uma introdução, não no sentido de apresentar superficialmente cada tema, mas de oferecer como uma análise dos movimentos teológicos e filosóficos que antecederam e que criaram o contexto mais amplo da teologia contemporânea. Nenhuma “teologia” surgiu no vácuo das idéias. Não há algo como uma neutralidade de pensamentos que surgem ex nihil, mas todo movimento emerge como uma implicação de sementes que foram postas em tempos anteriores e que tiveram adubo cultural suficiente para que pudessem germinar em solo apropriado. Assim, o autor confessa que “partimos do pressuposto de que a Teologia Contemporânea está ligada às contribuições iluministas” e que o Iluminismo “tem as suas origens próximas e remotas, ligadas a outras manifestações filosóficas, cientificas, econômicas e teológicas, que foram efeito-causa-efeito dos fenômenos históricos.”

O corte histórico para se começar a estudar a Teologia Contemporânea dá-se início no período da Reforma Protestante do século 16. A definição de teologia contemporânea é sugestiva para se estabelecer o seu escopo: “é o estudo analítico-crítico das manifestações surgidas após a Reforma e, em geral, contrárias ao sistema dela.” Na introdução é declarado que o livro também se limita a não estudar a teologia católica, assim, temos um grande grupo de teólogos deixados de lado, bem como alguns movimentos pós-tridentinos não são considerados em sua relação com o protestantismo moderno, especialmente na sua agridoce relação com o anglicanismo.

No capítulo 1, o autor inicia o seu texto com uma abordagem histórica do Renascimento e do Humanismo e como contribuíram para a formação do pensamento moderno. Surgindo no fim da Idade Média, ambos movimentos libertaram o indivíduo do jugo católico, oferecendo o ambiente universitário para questionar a estrutura romanista desenvolvida durante todo aquele período de obscuridade e opressão. O Dr. Hermisten observa que “o Renascimento – apesar de ser uma decorrência da Idade Média – veio implodir a Idade Média e muito dos seus valores”. O sentimento de ansiedade criado pela insuficiência da provisão dos cuidados e teologia sacramental do catolicismo despertou na sociedade a busca por algo que oferecesse respostas seguras ao clima de angústia e desespero que a Europa vivia diante das guerras, epidemias e da instabilidade social. Não há um consenso absoluto da relação entre o Renascimento e o Humanismo, entretanto, o autor propõe que “o Humanismo foi, de certa forma, a filosofia do Renascimento”. Todavia, o movimento somente pode progredir com a invenção da imprensa, provendo a divulgação das idéias pela escrita e dispondo uma ampla circulação de diferentes questionamentos. O teocentrismo medieval foi substituído pelo antrocentrismo humanista renascentista, assim, este cambio de eixo mudou toda a orientação escolástica.

O capítulo 2 dedica aproximadamente 1 ¼ do livro ao estudo da Reforma do século 16, e mais especificamente a análise da pessoa e obra do reformador João Calvino. Isto demonstra o respeito e dependência do autor, em sua percepção, da influência e contribuição intelectual do reformador francês para o pensamento moderno. A relação da Reforma com o Humanismo é óbvia: os reformadores eram humanistas, todavia, cristãos. Não criam que a necessária reforma que a sociedade precisava eram meramente o enaltecer das virtudes humanas, mas a restauração do ser humano como imagem de Deus, em Cristo Jesus; isto envolve a centralidade da Escritura Sagrada como revelação da vontade de Deus.

No capítulo 3, é realizada uma análise do pensamento moderno em sua relação da filosofia, a ciência moderna e a sua influência na teologia. É afetada a estreita ligação que a filosofia tem com a teologia, que existia desde o inicio do cristianismo, bem como a ciência que teve a sua origem na mentalidade bíblica, agora a despreza. Presume-se que a Era da Razão chega a sua maioridade e Deus torna-se uma hipótese desnecessária.

No capítulo 4, a ortodoxia protestante é definida como sendo “estar de acordo com os princípios da Reforma”. Deste modo, novamente percebe-se o compromisso do autor em manter-se na sua perspectiva calvinista como referência de intérprete da história e dos movimentos. Este período, entre os protestantes, foi marcado pela sua rigidez doutrinária, cristalizada pelas confissões e catecismos escritos. Vários fatores contribuíram para este movimento, como a educação humanista rígida, várias controvérsias entre os protestantes, a dependência e confiança na razão, e o zelo por preservar a identidade confessional de cada segmento, especialmente entre luteranos e calvinistas.

O capítulo 5 analisa o despertamento espiritual promovido pelo movimento alemão conhecido por Pietismo. O objetivo do Pietismo era promover uma reforma na espiritualidade luterana, que se encontrava indiferente com a teologia viva e com a pregação acompanhada por um testemunho cristão contagiante pela experiência religiosa. O movimento influência a missão cristã, especialmente entre os morávios, e conseqüentemente, o jovem John Wesley. O autor faz a ponte da influência do Pietismo sobre o presbiterianismo norte-americano e o surgimento do Princeton Theological Seminary.

O capítulo 6 é o menor de todos, e nele o Iluminismo é estudado no contexto do século 18. Este período foi marcado de forma permanente por este movimento filosófico, que abalou a credibilidade da teologia. As implicações finais do humanismo do século 16 são levadas as suas últimas conseqüências no Iluminismo. O autor comenta que o Iluminismo sustentava que “o homem é a medida de todas as coisas e a razão é o seu instrumento de medição; é o cânon da verdade.”

No último capítulo está a análise do Liberalismo Teológico, que é a transição para adentrar o século 20, onde ocorre os movimentos da Teologia Contemporânea. O Liberalismo Teológico é filho de um adultério do Iluminismo com o cristianismo, e a sua dependência do Renascimento é maior do que da Reforma do século 16. A influência do Iluminismo foi abrangente, de modo que a religião passou a ser considerada um sentimento vazio da verdade divinamente revelada. O sobrenatural tornou-se uma idéia intolerável e a religião de origem divina vista como insustentável, e todas as áreas do cristianismo foi alvo de críticas, até mesmo por teólogos cristãos. É neste contexto de descrédito que o Liberalismo Teológico é pego de surpresa diante de duas grandes guerras mundiais, e então, surge a neo-ortodoxia liderada por Karl Barth, sendo ele mesmo ex-aluno de teólogos liberais.

Os adendos são pequenos artigos finais que complementam a obra. Embora, penso que alguns deles poderiam ser inclusos no corpo do texto enriquecendo a argumentação, em vez de serem postos como anexos de esclarecimento. Digno de nota é o artigo “A Reforma Pombalina” que demonstra como o Iluminismo afetou o Brasil durante o século 18 e 19, e análise de alguns fatores que contribuíram para a tolerância religiosa.

A estrutura do livro segue uma ordem cronológica e temática. A partir da história o autor realiza um estudo sociológico a partir das premissas de cada movimento, descrevendo as suas características e principais pensadores. É uma obra bem documentada resultado de pesquisa comprometida com as fontes.

A identidade teológica do autor é claramente reformada. Não há dubiedade quanto as suas convicções e compromisso com a perspectiva calvinista.

COSTA, Hermisten M.P. da, Raízes da Teologia Contemporânea (São Paulo, Editora Cultura Cristã, 2004).

05 junho 2008

Bibliografia anotada

Segue aqui algumas sugestões de leitura:

1. Berkouwer, G.C., Faith and Perseverance (Grand Rapids, Wm. B. Eerdmans Publishing Co., 1958), págs.127-153.

G.C. Berkouwer dedica um capítulo da sua obra para demonstrar a relação entre a doutrina da perseverança e da oração. É interessante o fato dele não desenvolver este tema noutro livro da sua série de dogmática chamado Faith and Santification. Entretanto, ele assevera que a perseverança somente é entendida numa “viva comunhão entre Deus e o homem” que ocorre na oração. Assim, ele não está negando a oração como parte da santificação, mas fazendo uma ponte da oração com a necessidade do crente em orar e viver a sua comunhão com Deus.

Segundo o autor, a oração somente pode ser realizada num contexto de perseverança. Se a continuidade da salvação é o resultado de Deus nos preservar em graça, devemos concluir que a incessante intercessão do Filho e do Espírito torna os salvos aceitos em sua oração diante do Pai. Por isso, Berkouwer argumenta que a perseverança ocorre baseada na contínua intercessão de Cristo, bem como do Espírito Santo nos capacitando a orar.


2. Cobbet, Thomas, Gospel Incense or A Practical Treatise on Prayer (Pittsburgh, Soli Deo Gloria Publications, 1993).

Esta é uma amostra da tradição piedosa do puritanismo inglês que migrou para os Estados Unidos da América. O autor foi um ministro congregacional de Lynn, New England, que teve a sua educação formal sustentada pelo moderador da Assembléia de Westminster, o presbiteriano Dr. William Twisse.

Originalmente publicado em 1657, o livro é estruturado em três partes em que desenvolve o tema oração. O próprio título evidencia a proposta da obra como sendo de “Um Discurso Prático da Oração que é a Natureza, o Dever, as Qualificações da Oração; e os vários modos de orar; Orações espontâneas, públicas, privadas e secretas. Com a sua necessidade e do envolvimento com a Oração. Junto com o estudo de casos da consciência dela.” É prolixo em sua argumentação, mas tem o propósito de esclarecer assuntos que eram a experiência pessoal dos crentes da sua geração, mas são aplicáveis hoje por causa da sua fidelidade bíblica.


3. Pink, Arthur W., Effectual Fervent Prayer (Grand Rapids, Baker book House, 1981).

Este livro surgiu como resultado de uma série de artigos do jornal evangélico Studies in the Scripture com o título “The Prayer of the Apostles”. Entretanto, o presente livro é apenas parte daqueles artigos, pois uma expressiva parte deles foi publicado sob o título de Gleanings from Paul: Studies in the Prayers of the Apostle. Em Effectual Fervent Prayer Pink faz uma exposição das epístolas aos Hebreus, 1 e 2 Pedro, Judas e do livro do Apocalipse.

O autor é conhecido pela sua fidelidade a doutrina reformada. Não é diferente na sua interpretação e aplicação dos textos bíblicos que selecionou para escrever acerca da oração. Embora seja uma obra devocional é rica em insights.


4. Pratt, Jr., Richard L., Pray With Your Eyes Open (Phillipsburg, Presbyterian and Reformed Publishing Company, 1987).

O sugestivo título de Richard L. Pratt Jr. evoca atenção por causa da prática protestante de se orar com olhos fechados. Mas, a proposta de Pratt é algo além. Ele deseja conduzir a nossa reflexão para entendermos o problema que os crentes tem com a prática da oração. A sua proposta de estudo aponta para uma reposta tripartida, ou seja, olhe para Deus, para si mesmo e para o modo da sua comunicação. O olhar para Deus é necessário para se entender os seus atributos, porque tudo o que Ele faz reflete aquilo que é. Olhar para si mesmo, não envolve auto-ajuda, mas o contexto em que se vive e a partir dele ter a motivação vivencial para procurar esta relação com Deus, quer seja alegria, aflições ou tempos de necessidades.

No término de cada capítulo Pratt Jr. acrescenta algumas questões a serem completadas pelo leitor, bem como sugestões devocionais práticas. A intenção não é meramente estudar sobre oração, mas induzir o leitor a fazê-la. Os dois apêndices são úteis paa especificar quais são os nomes, títulos e metáforas que Deus usou para se revelar e espera que aqueles que se relacionam em oração, também se dirijam a Ele.


5. Spurgeon, Charles H., Twelve Sermons on Prayer (Grand Rapids, Baker Book House, 1996).

Esta é uma série de sermões selecionados pela Baker Book House Co. dos que Charles H. Spurgeon pregou no Metropolitan Tabernacle. Possui uma preocupação pastoral numa perspectiva calvinista ornado pela sua conhecida oratória.
O seu público são pessoas comuns em suas preocupações diárias. Ele é prático, expositivo, e usa uma linguagem simples, entretanto, não é superficial em seu conteúdo.


6. Witsius, Herman, Sacred Dissertations on the Lord’s Prayer (Phillipsburg, Presbyterian and Reformed Publishing Company, 1994).

Esta é uma obra clássica sobre oração. Escrito originalmente em latim (1689), e traduzido para o inglês pela primeira vez em 1839, o livro pertence a uma trilogia de Herman Witsius ao lado de outras duas obras The Oeconomy of the Covenants Between God and Man e The Apostles’ Creed.
O livro se divide em duas partes: uma análise geral da oração, abrangendo cerca de 150 páginas, e segunda parte dedicada a expor a oração do Pai Nosso. A obra é bem dividida e clara em cada capítulo.

15 maio 2008

Louvorzão karaokê

Há alguns anos os evangélicos vêm sofrendo da síndrome do karaokê “gospel”. Não sei se foram os orientais que inventaram o tal karaokê, mas pelo menos os japoneses e sul coreanos são os maiores consumidores deste recurso musical. O ridículo no karaokê é ver pessoas desafinadas e desengonçadas tentando imitar de forma tão cômica os intérpretes originais da música. Às vezes, falando as mesmas frases de efeito, ou inclinando o microfone, imitando as expressões faciais de alguns dos cantores, usando sotaque regional, dando alguns passinhos e rebolados desconjuntados, e às vezes, no fim gritando “obrigaduuuuuuuuuuu”, como se todo mundo estivesse ali admirando aquela palhaçada toda. Mas, isto é questão de gosto.

Quando se vai numa lanchonete, e por obrigação do ambiente, temos que assistir e suportar tamanha bisonhice ainda assim é difícil, mas quando estamos reunidos com o povo de Deus, com o propósito solene de adorar ao Senhor, então a coisa muda radicalmente. Ao escolhermos cânticos hodiernos devemos ter critérios firmes e alicerçados na Palavra de Deus. A letra tem que ser consistentemente fiel à Escritura Sagrada. Mas o conduzir da música pelo grupo de cânticos deve ser algo natural, refletindo a vida diária que cada integrante experimenta com Deus, pela oração, estudo sério da Escritura, comunhão com o povo de Deus e a vivência dum Cristianismo puro e simples.

Cada grupo de música da igreja local deve ter a sua característica própria. Chega de imitar esta ou aquela banda gospel. Imita-se tudo, o modo como se veste, o timbre de voz, as frases de efeito, os “sermõezinhos” entre os intervalos dos cânticos, o choro em determinadas partes da música, o ajoelhar com as mãos erguidas, e toda encenação do que acaba sendo mais um show do que o ato de conduzir a igreja através da música para adorar a Deus. O que me preocupa, como membro da igreja e pastor, é que os grupos musicais copiam copiosamente tudo o que aparece sem se preocupar em usar o sublime órgão cefálico. Quando questionamos sobre a letra, o ritmo e até a qualidade espiritual dos cantores que gravaram o cântico, geralmente, somos identificados como intolerantes e ultrapassados, ou pejorativamente “tradicionais”, daí a nossa preocupação é interpretada apenas como sendo uma mera questão de gosto individual ou denominacional, e não de zelo pela verdade, pela saúde espiritual da igreja, ou da santidade de Deus!

A nossa geração evangélica alienada do seu dever de pensar reflete esta deficiência na qualidade musical. Alguns cânticos duram de 5 a 8 minutos (sem exagero) repetindo de quatro a cinco frases! É uma vergonha esta pobreza cultural, literária e doutrinária que os nossos compositores estão passando. Se continuarmos assim daqui a algumas décadas quando tentarmos cantar uma música que tenha mais profundidade doutrinária e um português mais culto, muitos sofrerão câimbras entre as orelhas. Mas, a minha mais aguda preocupação é estamos adorando a Deus como Ele requer na Sua Palavra? Ou, estamos aceitando os pacotes e comportamentos prontos rotulados como “os modelos da verdadeira adoração”?

A música está perdendo a sua importância didática. O grande reformador Martinho Lutero observou que “depois, ao lado da teologia, à música o lugar mais próximo e a mais alta honra”.[1] A teologia e a música devem ser honradas somente se elas forem extraídas da Escritura Sagrada com o propósito de instruir o povo do Senhor a buscar a vontade de Deus e conduzi-los à Sua santa presença. Não podemos nos esquecer que as representações externas nem sempre refletem sentimentos aceitáveis (Is 1:10-17).

Nota:
[1] Parcival Módolo, “Impressão” ou “Expressão”: o papel da música na Missa Romana medieval e no Culto Reformado in:Teologia Para Vida (São Paulo, Seminário JMC), vol. 1, no.1 – Janeiro-Junho 2005, pág. 128.

03 abril 2008

A Teoria Documentária do Antigo Testamento

Uma breve exposição histórica
Alguns movimentos como o Deísmo e Racionalismo forneceram o cenário, e contribuíram para o surgimento da Teoria Documentária. Estas duas correntes de pensamento, embora diferentes, concordam numa coisa: a negação de uma relação sobrenatural de Deus com o homem. Negando a premissa sobrenatural, não se pode sustentar a doutrina da inspiração, profecias, a providência divina, etc. A Bíblia torna-se um livro meramente humano. Foi quando começaram a questionar a autoria mosaica, e a sua data de escrita, como também a veracidade de seu conteúdo:
1. Thomas Hobbes em sua obra Leviathan (1651) afirmou que o Pentateuco havia sido editado por Esdras a partir de fontes antigas.
2. Benedicto Spinoza declarou em Tractatus Theologico-Politicus (1670) que Esdras havia editado o Pentateuco com interpolação de Deuteronômio, questionando a autoria mosaica.
3. Jean Astruc, médico francês, foi o primeiro a dar expressão literária a essa teoria (em 1753). Limitou suas dúvidas apenas a autoria de Gn 1. Sua tese era que Moisés havia compilado o livro de Gênesis a partir de duas memórias (memoires), e outros documentos menores. Astruc identificou 2 fontes principais: Fonte A, com o uso da palavra Elohim, e fonte B, o uso da palavra Yahweh. Todavia, aceita Moisés como autor do livro todo. Alegava ter encontrado em Gênesis mais de dez fontes e outras interpolações textuais!
4. Johann G. Eichorn em sua Einleitung (1780-1783), expandiu as idéias de Astruc a todo o Pentateuco e não apenas a Gênesis. Negou a autoria mosaica. Dividiu Gn e Êx 1-2 em fontes designadas J e E, e afirmou que estas foram editadas por um autor desconhecido.
5. Alexander Geddes, padre católico escocês, investigou as “memoires” de Astruc. Em 1792-1800 desenvolveu a teoria fragmentária. Segundo a Teoria Fragmentária o Pentateuco consiste em fragmentos lendários, desconexos entre si e de muitos autores desconhecidos, mas possuindo apenas um redator. Foi o primeiro a sugerir a existência de um Hexateuco. Segundo Geddes o Pentateuco foi compilado por um redator desconhecido a partir de numerosos fragmentos que tiveram sua origem em círculos diferentes, um elohístico, e o outro javístico. A data da composição final do “Hexateuco” teria ocorrido em Jerusalém, durante o reinado de Salomão.
6. J. Vater (1802-1805) fez a divisão do Pentateuco em 39 fragmentos. A data da composição final do Pentateuco foi no exílio babilônico, sendo que nesta época adquiriu a forma que hoje conhecemos.
7. A.T. Hartmann foi o primeiro a dizer que a escrita era desconhecida no tempo de Moisés entre os israelitas (1831). Segundo ele, o Pentateuco era constituído de um grande número de pequenos documentos pós-mosaicos, a que foram feitas adições, de tempos em tempos, até se tornarem nos cinco livros. Considerava o Pentateuco como lenda e mito.
8. Wilhelm M.L. De Wette (1780-1849) em 1805 escreveu um livro, acerca de Deuteronômio, dando este livro como pertencente ao tempo de Josias e escrito um pouco antes da sua reforma religiosa, em 621 a.C.
9. Heinrich Ewald (+1875) rejeitou a autoria mosaica. Segundo ele o Pentateuco é composto de muitos documentos, mas enfatizando o documento E como sendo básico.
10. Tuch foi quem deu expressão clássica à teoria. Deu ênfase a dois documentos básicos, o E e o J, tendo datado o E no tempo de Saul, e o J no tempo de Salomão. Representa uma volta a Teoria Documentária primitiva. Segundo essa teoria, o documento básico, original era um só, o documento E (elohista), combinado com um suplemento principal que era o documento J (jeovísta) formavam a base para o Pentateuco. No decorrer dos séculos novas adições foram feitas a estes documentos, terminando na cristalização do atual conjunto de cinco livros. Todos estes críticos negaram a autoria mosaica do Pentateuco.
11. Hermann Hupfeldt, em 1853, ensinou que, além do Deuteronômio, havia três documentos contínuos que eram J,E1 e E2, combinados por um único redator.
12. E. Riehm (1854) defendeu que os documentos contínuos eram quatro e não três. Foi o primeiro a apresentar um quarto documento principal, chamado D. A forma dos documentos seria E1, E2, J, D.
13. Reuss (1850) acreditava em cinco documentos principais J, E1, E2, d, P. Foi o primeiro a sugerir o documento P como sendo documento básico e também como sendo o último deles. Atribuiu ao tempo de Esdras como data final da redação do Pentateuco.
14. Karl H. Graff, em 1865, afirmou a literatura de Êxodo, Levítico e Números, não pertencia ao período de Josias, mas ao cativeiro babilônico. Rejeitou o documento E1 como sendo um documento independente. Para ele o E1 é igual ao P, um documento procedente do período do reinado de Josias. Para Graff a ordem dos documentos seria P–histórico, E, J, D, P-legal.
15. Abraham Kuenen (1869-1870) desenvolveu a teoria de Graff e a difundiu, principalmente na Alemanha. Em sua obra “A Religião de Israel” (1869) argumentou que o P-histórico não poderia ser separado do documento P-legal. Sua teoria resultou em J, E, D, P.
16. Julius Wellhausen foi quem deu uma popular formulação literária à teoria, em sua obra Die Composition dês Hexateuchs, em 1876. Com ele a teoria adquiriu o nome de Graff-Kuenen-Wellhausen. Causou um grande impulso ao criticismo moderno.
17. Herman Gunkel (1862-1932) e Hugo Gressmann (1877-1927) posicionaram-se contra as tendências do wellhausenismo clássico. Os grandes expoentes na crítica das fontes. Defendiam a necessidade de se descobrir o Sitz im Leben (contexto vital). Comparação com a mitologia antiga.
18. Otto Eissfeldt em sua Einleitung in das Alte Testament (1934) defendia a classificação da literatura do AT em vários gêneros e categorias. Tenta traçar o desenvolvimento (a influência pré-história literária) dos diferentes documentos. Propõem a existência de um documento L (fonte leiga). Não possui uma concepção adequada da revelação, considera a literatura do AT como de origem meramente humana.
19. R.H. Pfeiffer em Introduction to the Old Testament (1941) mostra erudição e apologia, basicamente anticristã. Ensinou a existência de um documento S (Sul ou Seir), mas obteve aceitação popular. Nega a revelação, milagres, etc.. Segundo Pfeiffer estas são cousas subjetivas, sem prova científica e devem ser desconsideradas como fatos históricos.
20. Gerhard Von Rad (1934) defendeu a existência de mais dois documentos Pa e Pb. Propôs a teoria do Hexateuco.
21. Aage Bentzen publicou em 1941 uma obra que esposa o método histórico-crítico que presta dedicada atenção ao estudo das supostas formas da literatura do AT.

Uma avaliação crítica da Teria Documentária
Devemos considerar algumas implicações da Teoria Documentária em afirmar a formação final do Pentateuco num período pós-exílico (entre 500-400 a.C.), quando a religião de Israel já estava bem desenvolvida:
1. A Teoria Documentária não prova a não autoria de Moisés. Falando francamente, esta teoria nem sequer conseguiu provar a sua própria veracidade científica, para tirar de sobre si o estigma de “teoria” a que está vinculada durante todos esses séculos.
2. Mesmo entre os adeptos desta teoria não há concordância acerca da identificação e classificação dos textos e dos grupos documentais a que eles supostamente pertencem.
3. Aceitar a teoria JEDP anula a credibilidade do Pentateuco. Segundo a Teoria Documentária a história bíblica é forjada. O livro de Dt foi inventado pelos profetas para reforçar a idéia da centralização. O uso do nome de Moisés no Pentateuco, era simplesmente para dar autoridade ao texto, mas ele nada tinha a ver com a composição histórica do mesmo. O documento P, composto para assegurar a aceitação do sistema sacerdotal por parte do povo, fora baseado em lendas e crendices folclóricas. Como observa Stanley A. Ellisen “rejeitar a autoria de Moisés é rejeitar o testemunho universal dos escritores bíblicos e solapar a credibilidade do Pentateuco e do resto da Bíblia. É da autoria de Moisés, e não apenas um ‘mosaico’ de diferentes”.[1]
4. Retira todo o caráter normativo do Pentateuco.[2] Não teria qualquer valor para o povo da época, já que nada acrescentaria ao judaísmo. Se o Pentateuco fosse apenas um produto de uma religião tardiamente desenvolvida, e não o princípio regulador, não faria sentido chamá-lo de “a Lei”. Se ele não foi o princípio regulador para os primeiros leitores, não teria valor algum para os crentes de outras épocas, uma vez que os conceitos humanos mudam e o que não foi normativo para um povo, pode não ser para outro.
5. Invalida o esforço de composição. O relato do Pentateuco é rico em detalhes e informações. Possui informações das origens e desenvolvimento dos povos, em especial do povo de Israel. Os supostos autores teriam se dado a um imenso trabalho de imaginação para simplesmente manter uma ordem que já estava estabelecida.
6. Devemos considerar a ausência de evidências histórica, ou manuscritológicas, de que estes supostos documentos (JEDP) tenham circulado em algum período soltos uns dos outros.[3]
7. Considera o autor mal intencionado. A Teoria Documentária implica que um autor (ou autores), com um sentimento profundamente religioso e com o intuito de conduzir o povo diante de Deus, tenha se rebaixado a abandonar valores que quer ensinar e redigir uma mentira, colocando na boca de Deus, o que Ele não disse, inventando “estórias” e fazendo com que todos a considerassem como verdadeiras!
8. Impossibilidade do sobrenatural no AT. Conseqüentemente a intervenção divina é negada: revelação, inspiração, encarnação, milagres, etc.
9. Negação da revelação especial. A Bíblia torna-se meramente uma referência literária semítica. Um livro antigo como outro qualquer, deixando de ser a auto-revelação proposicional de Deus.

Notas:
[1] Stanley A. Ellisen, Conheça Melhor o Antigo Testamento, pág. 13.
[2] Oswald T. Allis, The Five Books of Moses, pág. 10.
[3] Robert D. Wilson, A Scientific Investigation of the Old Testament, pág. 50.

Rev. Ewerton B. Tokashiki

29 março 2008

Os títulos dos Salmos

O livro de Salmos é o mais lido nos cultos cristãos, entretanto, com raras excessões despreza-se a leitura do título original; ou o que é pior, lê-se o título colocado pela sociedade bíblica [que está em negrido] e omite-se o original. Creio que isto é fruto de uma distorcida praxe litúrgica, todavia, a ignorância não pode continuar sendo desculpa para esta falha cúltica.

Em geral, crê-se que todos os Salmos deveriam ser cantados. Mas, os títulos demonstram que isto não é verdade. Os títulos são indicadores da natureza literária de cada salmo. Alguns títulos se referem ao uso litúrgico dos salmos a serem cantados em certas ocasiões, declamados como poesia, como também são orações tanto individuais como coletivas. É possível fazer uma divisão geral dos Salmos da seguinte forma:

Há títulos descritivos da característica poética:
1. 57 salmos são chamados de mizmor. Estes se referem a música que deveria ser cantada com acompanhamento de instrumentos de cordas.
2. Shir cântico de qualquer qualidade ou espécie, ocorre 30 vezes (46, 120-134).
3. Mashkil um cântico de especial qualidade, ocorre em 13 salmos, podendo significar vários tipos de cânticos: meditativos, didáticos (32).
4. Miktam salmo com idéia de lamentação pessoal (16, 56-60).
5. Shiggayon só ocorre uma vez (7).
6. Tephillah significa “oração” (17, 86, 90, 102, 142).
7. Tehillah somente ocorre uma vez (145), significa “louvor”.

Há títulos que indicam a direção musical:
1. Lamnatseach é a palavra que vem ao titulo de 55 salmos. A Vulgata traduz in finem, e a Versão Almeida “para o cantor mor” (IBB), e “ao mestre de canto” (SBB).
2. Neginoth aparece em 6 títulos, sempre combinado com lamnatseach. O termo significa “instrumentos de cordas”. Quatro dos títulos em que aparece, vem associado ao termo mizmor;
3. ‘Al hashsheminith ocorre duas vezes, nos Sl 6 e 12, significa “sobre a oitava”.
4. ‘Al ‘alamoth se encontra no título do Sl 46, significa “instrumentos de cordas”.
5. Gittith aparece em três títulos, podendo significar “canção de vindima”.
6. Nehiloth só ocorre no Sl 5, é traduzido pela SBB “para flautas”.
7. Mahalath literalmente significa “doença, aflição”, possivelmente, indicava um salmo fúnebre. No título do Sl 88 aparece como mahalath leannnoth que a SBB traduz “para ser cantado com cítara”.
8. Selah esta palavra não aparece nos títulos, mas no fim de algumas seções (Sl 46:7). Esta palavra chama a atenção por ocorrer 71 vezes no Livro I, 30 vezes no Livro II, 20 no Livro III, e 4 no Livro V. É uma indicação musical, não para ser lida, mas significando uma pausa no cântico, para um interlúdio instrumental, ou, uma elevação de som (forte).

Há títulos que indicam a tradição histórica da vida de Davi:
1. Salmo 3...................... 2 Sm 15:1-18:33
2. Salmo 18.................... 2 Sm 22:1-51
3. Salmo 30.................... 2 Sm 5:11-7:29
4. Salmo 34.................... 1 Sm 21:10-15
5. Salmo 51.................... 2 Sm 11-12:1-25
6. Salmo 52.................... 1 Sm 22
7. Salmo 54.................... 1 Sm 23; 26:1
8. Salmo 56.................... 1 Sm 21:13-15
9. Salmo 57.................... 1 Sm 24
10. Salmo 59.................... 1 Sm 19:11
11. Salmo 60.................... 2 Sm 8:13; 1 Cr 18:12
12. Salmo 63.................... 2 Sm 15:23-28
13. Salmo 142.................. 1 Sm 24:1-3

Rev. Ewerton B. Tokashiki

13 março 2008

A concepção católica romana de tradição

No período da Patrística, mais exatamente no século V, Vicent de Lérins propôs que a tradição era o padrão a ser usado como critério para que fossem avaliadas e aceitas as doutrinas que surgiram no período da patrística até os seus dias. Vicent declara com expressa clareza "por causa da quantidade e da diversidade de equívocos, existe a necessidade de que alguém estabeleça uma regra para a interpretação dos profetas e dos apóstolos, sob a orientação das normas da igreja católica. Na igreja católica toma-se o maior cuidado com a manutenção da mesma fé que tem sido sempre manifestada, em todos os outros locais e por todas as outras pessoas (quod ubique, quod semper, quod ab omnibus creditum est). Isso é o que significa ser genuína e propriamente católica. Isso manifesta-se claramente pela força da palavra e da razão, que a tudo compreende de maneira universal. Devemos buscar a 'universalidade' dessa forma, reconhecendo essa fé como única e verdadeira, a mesma fé que toda a igreja confessa por todo o mundo. Afirmamos sua 'antiguidade', se de modo algum nos desviarmos daquelas perspectivas claramente defendidas pelos grandes santos e por nossos pais. E seguimos em 'consenso', se seguirmos todos (ou certamente quase todos) os conceitos ensinados pelos bispos e mestres dessa tradição."[1]

Mas o tríplice critério da tradição: universitatem, antiquitatem, consensionem, conforme proposto por Vicent de Lérins, consegue provar a sua coerência? Em outras palavras, a tradição desde os primórdios possui um unânime consenso em todo o Catolicismo? A óbvia resposta é um ressonante não! É cegueira, ignorância ou voluntária inconsistência aceitar que em todos os lugares e que todos os teólogos creram do mesmo modo mantendo uma unidade universal na igreja Romana quanto à sua doutrina. O historiador David S. Schaff após ilustrar quão falacioso é o critério de Vincent de Lérins, observa que "a regra famosa, segundo a qual uma doutrina para ser autorizada, deve ter sido sustentada 'sempre, por todos e em toda a parte', não resiste à prova da história. Crenças e práticas há, obrigatórias no sistema romano, que não foram aceitas por todos, ou em toda a parte, ou em todos os tempos. O mencionado sistema inclui doutrinas características que não foram referidas pelos Padres de maior antiguidade ou que foram desmentidas por suas definições. [...] A regra de Vicente a doutrina de um consenso unânime dos Padres se resumem na proposição segundo a qual, o que quer que tenha a Igreja Romana escolhido para indicar como dogma, vem a ser lei divina, mesmo quando os Padres nada saibam a respeito daquilo, ou lhe tenham alguns deles rasgada oposição. Se substituirmos a concordância dos Padres pela concordância dos eruditos, a proposição por último referida continua a ser verdadeira, já que mesmo entre os tais eram sustentadas opiniões teológicas que se opõem ao presente sistema doutrinário da igreja Romana."[2]

Como parte do movimento de Contra-Reforma, o Concílio de Trento [1545-1563] trouxe declarações dogmáticas que definiram a identidade da igreja Católica durante os quatro séculos seguintes. F.S. Piggin observa que "até mesmo os historiadores católicos que enfatizavam a continuidade das definições doutrinárias de Trento com a teologia católica tradicional reconhecem que Trento não restaurou o equilíbrio medieval, mas desenvolveu um novo sistema que sintetizava a tradição católica com a situação histórica alterada. O novo sistema que foi rígido e exclusivo, mas também rico e enérgico, porque aproveitou o reavivamento espiritual e teológico que caracterizava a Contra-Reforma."[3]

O concílio decretou que as tradições católicas mesmo que não se baseando nas Escrituras deveriam ser obedecidas com a mesma autoridade. Isto evidencia uma debilitada doutrina das Escrituras, favorecendo uma vigorosa concepção da tradição. A definição do evangelho segundo a Igreja Católica Romana inclui não somente o registro da revelação, isto é, no Novo Testamento, mas também “as tradições não escritas”. No dia 8 de Abril de 1546, no seu "Decreto Concernente às Escrituras Canônicas", o Concílio Tridentino decretou que o evangelho "anteriormente prometido pelos profetas nas Escrituras Sagradas, o nosso Senhor Jesus Cristo, o Filho de Deus, primeiro divulgou com a sua própria boca, e assim, ordenou ser pregado pelos apóstolos a toda criatura, como fonte para tudo, tanto da verdade salvadora como disciplina moral; e percebendo claramente que estas verdades e disciplina estão presentes nos livros escritos e nas tradições não escritas recebidas pelos apóstolos da boca do próprio Cristo, ou pelos apóstolos pelo ditado do Espírito Santo, que veio sobre nós, e transmitiu como se fosse de mão em mão; [o Concílio] segue o exemplo dos Pais ortodoxos, e recebe e venera com igual afeição de piedade e reverência todos os livros, do Antigo e Novo Testamento – percebendo que o único Deus é o autor de ambos – como também as mencionadas tradições, pertencentes tanto a fé como a moral, que foram ditadas, como sendo a palavras da boca de Cristo, ou pelo Espírito Santo e preservadas na Igreja Católica por uma contínua sucessão."[4]

O teólogo luterano Martin Chemnitz analisando o uso da palavra tradição nos decretos canônicos do Concílio de Trento concluiu que o termo tradição foi usado em oito acepções diferentes. Aceitando a sua classificação de significado resumirei a apenas cinco usos do termo tradição:[5]
1. A tradição oral de Cristo e os seus apóstolos conforme está registrada pelos quatro evangelistas. Neste caso a Escritura e tradição possuem o mesmo sentido.
2. Existe a tradição de se transmitir as Escrituras através dos séculos pela preservação das cópias e da instrução.
3. A existência de uma tradição exegética de se expor as Escrituras. A pregação ou homilia era uma vigorosa característica do Cristianismo desde o século I.[6]
4. Que existe a tradição de doutrinas formuladas pelos cristãos, que não se encontram explicitamente, mas somente por implicação nas Escrituras.
5. A tradição doutrinária dos apóstolos mencionada pelos pais da Igreja que não se encontram registradas nas Escrituras. A opinião concordante acerca de algum assunto moral ou doutrinário dos antigos teólogos cristalizou-se no decorrer dos séculos e tornando-se uma chave hermenêutica católica.[7] Os teólogos católicos defendem veementemente este sentido da tradição. Quando a Igreja Romana define alguma doutrina que não está na Escritura, declara que é tradição apostólica.

A importante contribuição do teólogo católico Johann Adam Möhler para o entendimento romanista da tradição é historicamente significativa. Em seu livro Symbolism, publicado em 1832, ele delineou que "a tradição é a Palavra viva, perpetuada no coração dos fiéis. A essa compreensão, como visão geral, confia-se a interpretação das Sagradas Escrituras. A declaração por ela proferida a respeito de qualquer tema controvertido representa o juízo da igreja; assim, a igreja é quem julga as questões de fé. Em termos objetivos, a tradição representa a fé universal da igreja ao longo dos tempos, manifestada por meio dos testemunhos históricos; nesse sentido, a tradição é denominada a norma, o padrão de interpretação bíblica – a regra de fé."[8]

Deve-se atentar que o uso do termo “igreja” por Möhler pressupõe a ecclesia dociens, ou seja, o clero, e não a ecclesia audiens, o povo. Em momento algum ele ensina a doutrina protestante “sacerdócio universal de todos os crentes”. Assim, o uso, a interpretação e a aplicação da tradição é algo que somente o magisterium pode estabelecer como certo. Segundo a modificação do conceito, a tradição torna-se um critério subjetivo e dinâmico do magisterium, e deste modo, ela deixa de ser um meio transmissor para tornar-se parte do conteúdo da mensagem.

Após Trento não houve outro concílio com a mesma grandeza durante quatro séculos, senão até que se reuniu o Concílio Vaticano I com a finalidade de definir algumas respostas aos novos desafios dos emergentes movimentos filosóficos não-cristãos, políticos e da influência do liberalismo teológico dentro do catolicismo romano. O Concílio Vaticano I [1869-1870] reafirmou a co-igualdade de autoridade entre tradição e Escritura. Mas outra decisão na esfera de autoridade da Igreja Católica Romana foi a sua posição doutrinária quanto à Infalibilidade Papal como critério de autoridade acima da tradição e das Escrituras. Assim, a igreja Católica estabeleceu o seu princípio de autoridade na tríade: magistério, tradição e Bíblia. O Papa Pio IX [1846-1878] que convocou o concílio e participou da aprovação do dogma da Infalibilidade Papal explicitou a fragilidade da tradição e minimizou a autoridade da Escritura Sagrada, ao colocar-se como autoridade sobre ela. O historiador Francis A. Ridley observa que "quando Pius IX fez o enfática observação ... “eu sou a tradição”, ele resumiu a silenciosa revolução que o decreto da infalibilidade papal estava efetivamente consumando. Deste modo, o “Líder” principal era dogmaticamente aceito na Igreja Católica Romana em todas as suas implicações; verdade e tradição tornaram-se a vontade do líder papal, que não é guiado pela mão morta do passado, mas pelas necessidades do presente."[9]

O Concílio Vaticano II [1862-1965] continuou ressaltando a necessidade do magisterium da igreja na aplicação da tradição que vem dos apóstolos e se desenvolve na igreja com a ajuda do Espírito Santo. Na orientação deste concílio a Escritura Sagrada é interpretada dentro do contexto da tradição e do magisterium da igreja Católica. Os doutores da igreja Romana, individualmente ou reunidos em concílio, ao concordarem ensinar sobre determinado assunto [communi consensu], mesmo que divergente da Escritura, tal doutrina deve ser aceita como tradição, que foi passada de mão em mão, mas não registrada até então, mas que sempre se encontrou no meio católico de modo ininterrupto pela sucessão dos apóstolos.[10]

A tradição segundo a igreja Católica é oferecida como uma fonte de conhecimento autônoma da Escritura. Devemos protestar contra o conceito de tradição que os três últimos concílios ecumênicos católicos estabeleceram, isto é, que a tradição é umas das fontes de autoridade da igreja. A igreja Católica [magisterium] declara que ela produziu a Escritura, e o seu ensino existiu anteriormente como tradição; assim, o magisterium e a tradição têm autoridade sobre a Escritura. Entretanto, este é um raciocínio falacioso.

Mas, porque o magisterium não faz uma lista de tradições? David S. Schaff observa que "nenhuma lista autorizada de tradições jamais se confeccionou. A proposta apresentada ao Concílio de Trento, no sentido de se publicar tal lista, foi rejeitada, sob o fundamento de que, uma vez organizada, ela ataria as mãos da Igreja dali para o futuro. De tradições autorizadas, como as que se referem aos sete sacramentos, à transubstanciação, ao purgatório, ao culto de santos e relíquias, à imaculada conceição de Maria e à infalibilidade papal, no que diz respeito ao apoio do Novo Testamento, o máximo que se invoca em abono delas é que se encontram em estado latente no recesso de suas páginas."[11]

Assim, o magisterium consultando a tradição que alega ter sob sua guarda, interpreta a Escritura, e define como os católicos devem crer e viver. O uso e o conteúdo que a igreja Católica faz da sua própria tradição é arbitrário, ou seja, as decisões dogmáticas são conforme a conveniência.

Notas:
[1] Citado em Alister McGrath, Introdução à Teologia (São Paulo, Edições Shedd, 2005), págs. 226-227.
[2] David S. Schaff, Nossa crença e a de Nosso Pais (São Paulo, Imprensa Metodista, 2ªed., 1964), págs. 152-153.
[3] F.S. Piggin, “Concílio de Trento, O”, Enciclopédia Histórico-Teológico da Igreja Cristã (São Paulo, Edições Vida Nova, 1993), vol. 1, págs. 312-313.
[4] Philip Schaff, The Creeds of Christendom (Gran Rapids, Baker House Publishers, 2007), vol. 3, págs. 79-80 [grifos meus].
[5] Martin Chemnitiz, Examination of the Concil of Trent (Saint Louis, Concordia Publishing, 1971), parte 1 pág. 220-307.
[6] Alfredo E. Garvie, Historia de la Predicación Cristiana (Terrassa, CLIE, 1987).
[7] A Patrística foi um período que durou entre o final do século I até o século V.
[8] Citado em Alister McGrath, Introdução à Teologia, págs. 227 [grifos meus].
[9] Francis A. Ridley, The Papacy and Fascism: The Crisis of the Twentieth Century (Marburg, Secker Press, 1973), pág. 121, citado por John W. Robbins, Ecclesiastical Megalomania (Unicoi, The Trinity Foundation, 1999), pág. 174.
[10] Vaticano II – mensagens, discursos, documentos (São Paulo, Edições Paulinas, 2007), págs. 347-350.
[11] David S. Schaff, Nossa crença e a de Nosso Pais, págs. 150-151.

27 fevereiro 2008

Os dons revelacionais são para hoje?

Os dons revelacionais são para hoje? Esta é uma discussão que perdura a pouco mais de um século, desde que o Pentecostalismo surgiu. Deste movimento surgiram ramificações como os Carismáticos e a Terceira Onda, mas basicamente todos os três grupos defendem a continuidade da revelação especial em seu modo proposicional. Quanto à cessação da revelação especial extra-bíblica deve-se observar os seguintes pontos:

1. Os dons revelatórios existiram com a finalidade de suprir e complementar a Escritura que estava em processo de registro. Quando o cânon fechou, isto é, [Apocalipse] o último livro foi escrito toda comunicação extra-bíblica cessou tendo como evidência a não continuidade de novos livros inspirados. Por exemplo, um dos critérios de canonicidade era que o livro deveria ser escrito por um apóstolo, ou alguém autorizado por um apóstolo [por ex., Lucas e João Marcos]. Os apóstolos cessaram, por que a sua principal função deveria continuar e com que propósito?

2. Somente a Escritura Sagrada é a Palavra de Deus. Se novas revelações fossem "Palavra de Deus" [alguns faladores de línguas e ditos profetas declaram: "assim diz o Senhor"] então qual seria o problema de se exigir que estas "novas revelações" fossem escritas em papel. E, sendo escritas deveriam ser inclusas na Bíblia? (Ap 22:18-20; Gl 1:6-9).

3. Cremos que toda a Escritura é inspirada e suficiente para salvar e santificar-nos (2 Tm 3:16-17). Com que finalidade Deus daria revelações adicionais se a Escritura é a nossa única regra de fé e prática? Se crermos que existem outras revelações sendo entregues além da Escritura então, a Bíblia deixa de ser a nossa única regra de fé e prática, e, então, teremos que nos submetermos à autoridade destas novas revelações com a mesma reverência e temor que temos pela Escritura Sagrada.

4. A falta de veracidade e falibilidade dos faladores de língua e dos tais profetas é uma prova de que não procedem de Deus. A Escritura quando estava sendo revelada foi exigido a sua veracidade e cumprimento das profecias como testemunho da sua fidedignidade (Dt 18:20-22). Os atuais reveladores apelam para a subjetividade não verificável e ao emocionalismo irracional, bem como à "falta de fé" do indivíduo para justificar o não cumprimento da dita profecia! Parece-me que o cumprimento da profecia não dependia que o individuo receptor cresse nela ou não, porque ela se cumpriria pelo simples fato de que Deus determinara revelar a Sua vontade e determinação antecipadamente, não condicionando à fé do receptor, mas ao Seu propósito soberano.

5. O dom de língua na Escritura é um idioma de algum povo que não foi aprendido, e que o falador de línguas no NT era capacitado pelo Espírito Santo para comunicar a profecia e realizar a pregação do evangelho de modo sobrenatural. Se o dom de línguas era a pronunciação de grunidos e sons ininteligíveis como pretendem e entendem os que creêm hoje falam em línguas, onde está o seu caráter sobrenatural? Afinal qualquer um pode pronunciar um emaranhado de sons e repetí-los sem significado algum, ou atribuir-lhes o sentido [ininteligível] que quiserem! Como o ouvinte [de origem alemã, francêsa, italiana, inglesa, etc] poderá ouvir falar em sua própria língua se o dom de língua são meros sons inarticulados sem sentido algum? Que evangelho será comunicado, ou "nova mensagem" poderá ser entendida pelo ouvinte?

6. Dizer que o dom de língua de At 2 é de natureza diferente do dom de 1 Co 12-14 é aceitar que a Bíblia ensina dois tipos de dons de línguas. Apesar da lógica ser óbvia ela é geralmente evitada. A tendência de se interpretar At 2 como um dom de língua sendo idioma [pela sua incontestabilidade At 2:6, 8, 11] e 1 Co 12-14 como sendo "um dom de língua" ininteligível, não se sustenta pela falta de evidência da ênfase de Paulo em dizer que o dom tanto de profecia como de línguas são revelatórios, isto é, são mensagens claras e inteligíveis vindas inconfundivelmente de Deus. Aceitar que existam 2 tipos de dons de línguas no NT é aceitar que Deus se comunica de forma inteligível e objetiva e ao mesmo tempo de forma ininteligível e subjetiva! Entretanto, não há indicação nos escritos do apóstolo Paulo desta estranha distinção.

Creio que estes são alguns pensamentos necessários para que possamos examinar as Escrituras [como um crente bereano] e além da sinceridade ser também verdadeiro em nossas conclusões e fiéis ao Senhor em tudo. Indico a indispensável leitura de algumas obras sobre o assunto:

. Alderi S. de Matos, et al., Fé Cristã e Misticismo (São Paulo, Editora Cultura Cristã, 2000).

. Richard B. Gaffin, Jr., Perspectives on Pentecost (Phillipsburg, P&R Publishing Co., 1979).

. Gordon H. Clark, The Holy Spirit (Jefferson, The Trinity Foundation, 1993).

. Victor Budgen, The Charismatics and the Word of God (Faverdale North, Evangelical Press, 2001).

. Donald Macleod, El Bautismo con el Espíritu Santo (San José, CLIR, 2002).

. Edwin Palmer, El Espíritu Santo (Edinburgh, El Estandarte de la Verdad, 1995).

. O. Palmer Robertson, A Palavra Final (São Paulo, Editora Os Puritanos, 1999).

. Sinclair B. Ferguson, O Espírito Santo (São Paulo, Editora Os Puritanos, 2000).

. Errol Hulse, O Batismo do Espírito Santo (São José dos Campos, Editora Fiel, 1995).

. John R.W. Stott, Batismo e Plenitude do Espírito Santo (São Paulo, Edições Vida Nova, 1993).

. Wayne Grudem, ed., Cessaram os Dons Espirituais? (São Paulo, Editora Vida, 2003).

. Frederick D. Bruner, Teologia do Espírito Santo (São Paulo, Edições Vida Nova, 1989).

. John MacArthur Jr., Os Carismáticos (São José dos Campos, Editora Fiel, 1995).

08 fevereiro 2008

Buscando santo prazer em período de Carnaval

O nosso Breve Catecismo de Westminster em sua 1a. pergunta questiona "Qual é o fim principal do homem"? A resposta é: "glorificar a Deus e gozá-Lo para sempre". Este gozo, ou prazer não é pecaminoso porque Deus nos fez para sentir prazer em Sua Presença e na obediência da Sua vontade. Entretanto, a nossa sociedade pós-moderna têm se inclinado aos pés de um ídolo sentimentalista chamado "Hedonismo" que é a busca do prazer tendo como um fim em si mesmo. Assim, ele se torna pecaminoso porque foge do seu propósito, e é buscado por motivações egoístas.

O Carnaval é o período em que as pessoas se entregam as festividades de um modo desenfreado. A carnalidade aflora, e toda espécie de sentimentos e provocações sensuais são estimuladas sem a preocupação de se ofender a consciência e a convicção de santidade dos cristãos. É contraditório que enquanto a lei brasileira que exige respeito e oferece o recurso legal de processar uma pessoa por atentado ao pudor, ou assédio sexual, neste infame período de Carnaval, permita que toda sorte de imoralidade seja praticada para demonstrar a selvageria da natureza humana, e em muitos casos, aprovada e financiada pelo governo! A contradição colhe um alto preço.

Infelizmente, há aqueles que possuindo uma "mente aberta" defendem o Carnaval como uma festividade cultural e produtiva para a economia brasileira. Entretanto, esta festa pagã é um lado ruim da cultura brasileira que não nos enobrece. A cultura de uma nação somente deve ser cultivada se ela oferece honra a todo o país. No Carnaval, as nossas mulheres são expostas à baixa sensualidade, e na mídia o mundo conhece o Brasil do Carnaval, da imoralidade, da prostituição barata e fácil, dos filhos que nascem como resultado de relações sexuais ilícitas, de doenças sexuais, casamentos desfeitos, das drogas que são consumidas nas festas, e uma enxorrada de conseqüências a médio e longo prazo. Mas, alguns ainda insistem que é possível brincar de modo saudável! Mesmo que não seja a saúde física prejudicada com doenças, bebidas e drogas, a agressão da consciência induzindo-a à imoralidade sensual é inegável. Não existe Carnaval inocente.

O prazer não é nessariamente felicidade. (Hq 3:16-19). A felicidade se baseia na obediência da vontade de Deus revelada na Escritura Sagrada. Para sermos felizes é necessário a aprovação de Deus sobre a nossa vida, e para isso, devemos amar a Palavra de Deus. O pecado oferece prazer, mas não tem resultado benéfico. O seu prazer é passageiro, e as suas conseqüências são dolorosamente extensas (Hb 11:24-26).

O anseio pelo prazer foi implantado em nós quando Deus nos criou. Todavia, não podemos nos esquecer de que o pecado distorceu toda a nossa natureza, colocando em total desordem quem somos e o propósito para o qual Deus nos fez. Somente encontraremos prazer como realmente ansiamos quando nos realizarmos em Deus. Aurelius Agustinho em seu livro Confissões (escrito 397-400 d.C.) disse: "tu o incitas para que sinta prazer em louvar-te; fizeste-nos para ti, e inquieto está o nosso coração, enquanto não repousa em ti".

As nossas necessidades nunca serão satisfeitas no pecado. Mesmo que a cobiça desperte as nossas necessidades e prometa que poderemos ser felizes no erro, não devemos aceitar a mentira e a imoralidade como um padrão aceitável diante de Deus.

Rev. Ewerton B. Tokashiki

04 fevereiro 2008

A Hermenêutica Feminista

O primeiro obstáculo do caminho
É quase impossível a tentativa de se realizar uma análise abrangente da Hermenêutica Feminista. Esta tarefa é um tanto que frustrante, porque existem dificuldades para se avaliar o movimento sem cometer injustiças quanto a sua falta de uniformidade. Existem pelo menos duas questões básicas que precisam ser consideradas:

1. Cada teóloga expõe a sua própria versão desta teologia.[1] Não só divergências de contexto denominacional, mas de perspectiva teológica. Cada escritora tem o seu compromisso teológico orientado pelo seu contexto social e “experiência de opressão”. É praticamente impossível classificar teólogas feministas em grupos que definam posições em comum. Por isso, o modo como se aproximam e lêem as Escrituras divergem segundo as suas preferências pressuposicionais.

2. A articulista Helen Schüngel-Straumann nota que nem todas as teólogas feministas adotam a mesma perspectiva em relação à interpretação da Bíblia. Ela declara que em relação à Bíblia "Carolyn Osiek (em Collins 93s) distingue cinco atitudes: 1. A de uma rejeição total da Bíblia, de que é exemplo a obra de Mary Daly. 2. A de uma interpretação leal, que vê a Bíblia como revelação/palavra de Deus e que não admite dúvida a este respeito. Uma 3ª abordagem é a que ela denomina de revisionista. Nela é criticado unicamente o enfoque androcêntrico, voltando a ser prestigiadas as tradições feministas esquecidas. Como exemplo desta linha a autora menciona Phyllis Trible. A 4ª abordagem é descrita como sublimacionista, onde os preconceitos ideológicos (como o de que o feminino seria superior ao masculino) desempenham um papel importante e onde predominam as interpretações simbólicas-isoladas de que qualquer contexto político-social. Como 5ª abordagem, que ela vê como a mais importante em nossos dias, Osiek descreve a interpretação da Bíblia segundo a teologia feminista da libertação, a que associa os nomes de Rosemary Radford, Letty M. Russell e Elisabeth Schüssler Fiorenza. No espaço lingüístico alemão não se pode deixar de mencionar aqui Luise Schottroff."[2]

Edificando sobre a areia movediça
A Teologia Feminista é um ramo dentro da conhecida Teologia da Libertação, entretanto, em vez de ser usada para uma interpretação em favor dos pobres, a aplicação dos princípios da libertação são direcionados para defender as mulheres como desfavorecidas num ambiente predominantemente masculino. A interpretação feminista das Escrituras tem o seu ponto de partida num dos seus pressupostos básicos: a teologia deve fundamentar-se sobre a análise da realidade socio-política da mulher. Ela não começa com o texto da Escritura, mas com o contexto sócio-vivencial feminino, como sendo oprimida numa sociedade machista. Rosemary R. Ruether delineia as bases da hermenêutica feminista "quando falamos da experiência das mulheres como uma chave hermenêutica (ou teoria da interpretação), estamos nos referindo exatamente àquela experiência que ocorre, quando as mulheres criticamente se tornam conscientes das experiências falsificantes e alienantes impostas a elas, como mulheres, através de uma cultura dominada por homens. A experiência das mulheres é, desta forma, em si um evento da graça, uma introdução do poder libertador que procede do que está além do contexto cultural patriarcal, que as permite criticar e resistir a essas interpretações androcêntricas sobre quem e o que elas são."[3]

A adoção do pressuposto subjetivo da “opressão” é essencial na interpretação das Escrituras. A teologia feminista se propõe denunciar todos os textos e tradições que perpetuam as estruturas e ideologias patriarcais consideradas opressivas. Loren Wilkinson observa que a teóloga feminista “Elizabeth Schüssller Fiorenza, por exemplo, em Bread, Not Stones, argumenta que as mulheres devem tomar como ponto de partida a definição da sua situação de opressão, e depois abrir a sua Bíblia, a fim de descobrir o meio de alcançar a libertação.”[4]

Além da “opressão”, outro pressuposto da Teologia Feminista é que a “experiência” feminina possui determina o resultado e a ação teológica. Christine Schaumberger observa que "o que é novo e especificamente feminista não é, pois, o realce sobre a categoria teológica da experiência, mas sim o concentrar-se no perceber e no refletir as experiências femininas. Experiências femininas é o ponto de partida da teologia feminista, e a medida para a crítica, o engajamento e o compromisso, para a criatividade re-visionária."[5]

Entretanto, Schaumberger não define o que ela quer dizer teologicamente com “experiência” (do alemão erfahrung) dificultando a análise da sua tese. Na nova hermenêutica a interpretação e sistematização do ensino não é algo extraído das Escrituras, mas da experiência subjetiva do intérprete que impõe sobre o texto sagrado a sua opinião. Robert H. Stein conclui que “em razão disso, há ‘leituras’ ou interpretações marxistas, feministas, liberais, igualitárias, evangélicas ou arminianas do mesmo texto. Ou seja, para esta corrente os vários significados legítimos podem ser extraídos mediante a concepção de cada intérprete.”[6] A premissa de Schaumberger despreza que o fator determinante do significado do texto é o seu autor. Augustus Nicodemus observa que “as hermenêuticas feministas são uma variedade de reader response, baseados nos conceitos de Gadamer.”[7]

Uma avaliação final
Discordando da Hermenêutica Feminista e unindo-me aos intérpretes que adotam o método gramático-histórico, afirmo que a passagem significa aquilo que o autor original, com consciente intenção, inspirado plenariamente, quis dizer ao redigir o texto. A formulação teológica não depende da experiência de gênero do intérprete, ou da percepção da realidade a partir da sua sexualidade, mas da precisa exegese do texto em sua estrutura gramatical, do seu contexto histórico e da sistematização das informações extraídas a partir das Escrituras.

Este subjetivismo é uma característica das novas hermenêuticas que surgiram no século XX. Moisés Silva observa que “se há algo diferente na hermenêutica contemporânea é justamente a ênfase que ela dá à subjetividade e relatividade da interpretação.”[8] A hermenêutica feminista não é uma exceção entre as novas hermenêuticas que surgiram no século XX.

Notas:
[1] As teólogas mais expressivas do movimento subscreveram que “não pretendemos oferecer uma dogmática feminista unificada, e esperamos que tal coisa nunca venha a existir. Também não nos foi possível, nem foi pretensão nossa, chegar a uma perfeita homogeneidade dos diferentes artigos” in: Elisabeth Gössmann, et.al., orgs., Dicionário de Teologia Feminista (Rio de Janeiro, Editora Vozes, 1997), págs. 10-11.
[2] Helen Schüngel-Straumann, "Bíblia" in: Elizabeth Gossmann et al., orgs., Dicionário de Teologia Feminista (Petrópolis, Editora Vozes, 1997), págs. 210-214.
[3] Rosemary R. Ruether, “Feminist Interpretation: A Method of Correlation”, in: Feminist Interpretation of the Bible, ed. Letty M. Russel (Philadelphia, Westminster Press, 1985), pág. 114.
[4] Loren Wilkinson, "A Hermenêutica e a Reação Pós-Moderna Contra a 'Verdade'" in: Elmer Dyck, ed., Ouvindo a Deus (São Paulo, Shedd Publicações, 2001), pág. 160.
[5] Christine Schaumberger, "Experiência" in: Elizabeth Gossmann et al., orgs., Dicionário de Teologia Feminista (Petrópolis, Editora Vozes, 1997), pág. 183.
[6] Robert H. Stein, Guia Básico para a Interpretação da Bíblia (Rios de Janeiro, CPAD, 1999), pág. 23.
[7] Augustus Nicodemus Lopes, A Bíblia e seus intérpretes (São Paulo, Editora Cultura Cristã, 2004), pág. 232.
[8] Moisés Silva, "Visões Contemporâneas da Interpretação Bíblica" in: Walter C. Kaiser, Jr. & Moisés Silva, Introdução à Hermenêutica Bíblica (São Paulo, Editora Cultura Cristã, 2002), pág. 233.

Rev. Ewerton B. Tokashiki

22 janeiro 2008

A doutrina bíblica sobre o divórcio

As declarações de Cristo
No texto anterior citei as palavras de Cristo com referência à origem do matrimônio no decreto e providência. Com as suas declarações sobre o tema do divórcio examinaremos outras porções da Escritura Sagrada.

No relato de Mateus, outrora citado (Mt 19:3-12), perguntaram a Jesus: “por que Moisés ordenou dar carta de divórcio, e permitir repudiá-la? Ele lhes disse: por causa da dureza do vosso coração, foi que Moisés lhes permitiu repudiar as vossas mulheres; mas, no princípio não foi assim. Eu, porém, vos digo que qualquer um que repudiar a sua mulher, a não ser que seja por motivo de adultério, e se casar com outra, também comete adultério” (Mt 19:7-9). Observe como ele corrigiu a palavra “ordenou”, e a substituiu por “permitiu”. O relato de Marcos (10:2-12) é o mesmo em essência, mas ele acrescenta no final: “e, se a mulher repudiar o seu marido e se casar com outro, comete adultério” (Mc 10:12).

Em ensino semelhante, mas em contexto diferente, se encontra em Lc 16:18 “todo aquele que repudiar a sua mulher, e se casar com outra, comete adultério; e, o que se casar com a repudiada do marido, também adultera.” No Sermão do Monte (Mt 5:32) há o mesmo ensino: “mas, eu vos digo que aquele que repudiar a sua mulher, a não ser por causa de adultério, faz com que ela adultere; e o que se casar com a repudiada, também comete adultério.”

Princípios de interpretação
É um princípio de interpretação bíblica que ao expor qualquer doutrina é necessário considerar todas as porções da Escritura relacionadas com o mesmo tema. Em geral, nenhuma passagem isolada da Escritura oferece uma doutrina completa com todas as suas qualificações e implicações. Isto é especialmente verdadeiro quanto à doutrina do divórcio. As palavras de Cristo em Mc 10:11 e 12 e em Lc 16:18 não incluem a exceção que permite o divórcio por razão do adultério ainda que esta exceção esteja declarada em Mt 5:32 e em Mt 19:19. Além do mais, as palavras de Cristo não mencionadas nos evangelhos sinópticos não incluem a exceção sobre a base do abandono irremediável, mas isto está explícito em 1 Co 7:15.

Antecedentes: a lei mosaica
Está claro que Cristo recebeu por certo não somente a lei mosaica conforme aparece em Dt 24:1-4, mas também os abusos da lei mosaica prevalecentes em seu tempo. Assim, a lei mosaica era uma regulamentação humanitária que impedia o divórcio fácil, por razões fúteis e, que requeria pelo menos um documento legal para proteção da pessoa divorciada. Nada existe na lei mosaica que seja contrário ao ensino de Cristo. A lei teve todo o alcance que era possível na regulamentação de um mal que prevalecia no tempo de Moisés.

É um fato bem conhecido que a lei do Antigo Testamento inclui a lei civil, a lei criminal e diferentes tipos da lei secular, bem como a lei religiosa. O estado do Antigo Testamento era uma teocracia e, as leis seculares e religiosas não eram completamente separadas. Em nosso estudo do Antigo Testamento com a nossa doutrina da separação da Igreja do Estado, é necessário que tratemos de entender quais leis eram civis ou seculares, e quais eram religiosas.[1] A minha sugestão é que a lei mosaica do divórcio deve ser considerada como uma norma mínima da lei civil. Cristo a descreveu como uma regra prática para o povo pecaminoso e duro de coração. A Bíblia tem muitas regras e princípios para a sociedade secular, e é necessária a regra de que, se há de existir divórcio entre as pessoas do mundo, pelo menos que seja regulamentado pela lei para a proteção das pessoas envolvidas.

Em minha opinião é um erro tratar de fazer o mandamento de Cristo uma lei civil obrigatória para todo o mundo, tanto para cristãos como para não cristãos. Certamente, o mandamento de Cristo é obrigatório para todos os cristãos e deve ser exigido na disciplina da Igreja Visível. A pergunta que trago à consideração não é se o mandamento de Cristo é uma norma correta para toda a humanidade. A pergunta é se esta norma deve ser um assunto da lei secular e exigida pela autoridade civil, ou não. Sugiro que a lei mosaica é o mínimo para os tribunais seculares, e que em cada cultura particular as leis seculares deveriam fazer o possível para fazer permanente o matrimônio e salvaguardar a estabilidade da família. Por outro lado, a Igreja tem a obrigação de manter as normas que Cristo deu aos seus discípulos.

O direito das mulheres
As palavras de Cristo em Mc 10:12 nos dão uma das poucas referências nas Escrituras que ensinam o direito da mulher de se divorciar de seu marido. Alford em seu comentário sobre esta passagem indica que a mulher teria tal direito sob a lei romana, mas que este direito não era reconhecido entre os hebreus. Em 1 Co 7:13 Paulo reconhece que em Corinto a mulher às vezes tinha poder de divorciar-se de seu marido. Também creio que este é o contexto de 1 Co 7:11. Em nossa atual civilização[2] uma mulher tem direitos iguais neste assunto, e o relato de Marcos destas palavras de Cristo somado ao ensino de Paulo nos oferecem suficiente base para colocar o homem e a mulher em tais casos, no mesmo nível enquanto disciplina da Igreja.

As palavras de Cristo sobre a pessoa divorciada
Pode-se presumir que a proibição de Cristo de se contrair um segundo casamento para a mulher que se divorciou de seu marido (Mc 10:12) e, a semelhante proibição de Paulo (1 Co 7:11) com referência a uma mulher separada de seu esposo tem ambas a ver com casos em que a causa do divórcio, ou separação não foi o adultério, ou o abandono irremediável. Em tal caso a mulher deve reconhecer o seu pecado ao causar a separação e, se é possível, deve retornar a sua relação matrimonial original. Ela não pode contrair um segundo casamento a não ser que o seu marido tenha rompido o matrimônio por outra união.

A regra em Mt 5:32 e em Lc 16:18 que ensina que um homem que se casa com uma mulher divorciada deve ser considerado como adúltero, parece ser muito raro à luz da estipulação mosaica de que a mulher divorciada que “saiu da sua casa [de seu primeiro esposo], poderá ir e se casar com outro homem” (Dt 24:2). Não é possível pensar que Cristo contradiria a lei mosaica ou que instruiria em contraste sem oferecer algum comentário quanto a isto. Recordando o princípio de que não temos o ensino bíblico sobre qualquer assunto até que examinemos todas as passagens pertinentes, devemos observar que o contexto mosaico disse que se o segundo marido se divorcia da mulher envolvida, o seu primeiro marido não tem liberdade de recebê-la de volta como esposa. O propósito óbvio desta lei é de proibir um promíscuo intercâmbio de esposas. Sendo que Cristo se referia diretamente à lei mosaica pode-se supor que as suas observações sobre o casamento de uma mulher divorciada sejam tomadas como uma alusão a Dt 24:3-4, e não como uma contradição de Dt 24:2. Isto seria perfeitamente claro nas circunstâncias em que ocorreram os diálogos de Cristo sobre o tema.

O ensino de Paulo sobre o divórcio
É óbvio que o ensino de Cristo acerca da preservação do matrimônio e sobre o mal do divórcio são de importância central. É igualmente óbvio que estas palavras não contenham explicitamente todos os fatores no ensino bíblico sobre este tema, mas que aceitam por estabelecidos vários elementos que aparecem em outras passagens da Escritura. Encontra-se em 1 Co 7 um importante texto acerca deste tema. Após declarar que é melhor casar do que viver abrasado e solteiro (vs. 9) Paulo continua dizendo que “mas, aos que estão unidos pelo matrimônio, ordeno, não eu, mas o Senhor [quando Paulo usa palavras como estas, quer dizer que está citando diretamente algo que Cristo havia declarado]: que a mulher não se separe do marido; e se separar [supondo ser por iniciativa própria], que permaneça sem casar novamente, ou reconcilie-se com o seu marido; e que o marido não abandone a sua mulher.”

Em outro lugar ele diz “e, eu declaro aos demais, não o Senhor [ou seja, não é uma citação direta]: se algum irmão tem mulher que seja incrédula, e ela consente em viver com ele, que não a abandone. E, se uma mulher tem marido que não seja crente, e ele consente em viver com ela, não a abandone” (vs. 10-13).

Aqui, como em Mc 10:12, temos um reflexo da lei romana que deu a mulher o direito sob certas circunstâncias de divorciar-se de seu esposo. Isto também nos oferece base para considerar que o homem e a mulher têm direitos iguais em tais casos.

O pacto da família
O ensino claro de que não se deve romper um matrimônio por causa de uma diferença de fé religiosa está relacionada com uma das enfáticas declarações nas Escrituras sobre o tema da aliança de Deus com a família: “o marido incrédulo é santificado no convívio da mulher, e a esposa incrédula é santificada no convívio do marido; pois, de outra maneira os seus filhos seriam impuros, todavia, eles são santos” (vs. 14). A santidade aqui atribuída é uma santidade de uma relação pactual. Embora Paulo não mencione a palavra aliança, está claro que tem em mente os princípios implícitos em Gn 17:7: “estabelecerei a minha aliança entre mim e ti, e a tua descendência após de ti, em suas gerações, por aliança perpétua, para ser o teu Deus, e o de tua descendência após de ti.” O fato de que Deus não se limita a ser somente o nosso Deus, mas o Deus de nossos filhos, o Deus das nossas famílias é ensinado enfaticamente nas Escrituras, e deve ser considerado como uma fonte de consolação para os pais cristãos em todas as idades e, sob todas as circunstâncias. Os pais piedosos podem com toda a confiança reclamar a promessa para os seus filhos: “serei o Deus deles” (Gn 17:8). É sobre este fundamento que Paulo declara que se um dos pais é um crente, os outros membros da família são santificados por relação da aliança com Deus.

Estas palavras não declaram que os indivíduos “santificados” sejam todos regenerados. Paulo disse algo mais adiante no mesmo contexto: “como saberás, ó mulher, se salvarás a teu marido? Ou, como poderás saber, ó marido, se salvarás a tua esposa?” (vs. 16). O crente deve continuar constante na fé e em oração esforçando-se pela salvação do membro ainda não convertido de sua família. Há mais duas passagens no Novo Testamento onde se declara que os incrédulos são santificados por que estão numa relação santa. Em Rm 11:16 diz que os judeus incrédulos, a quem se compara com os ramos cortados da oliveira cultivada, são “santos”, e em Hb 10:29 lemos: “quanto maior o castigo pensais que mereceria o que pisoteou ao Filho de Deus, e teve por imundo o sangue da aliança no qual foi santificado, e ultrajou o Espírito da graça?”

Deus é o Deus dos que, fazendo nascer numa família da aliança, desprezam-no. Os que desta santa relação pactual rejeitam a graça de Deus, merecem um castigo muito mais severo. Vemos algumas referências que a santa relação na aliança familiar é um assunto sagrado, um assunto de que não se deve fazer descaso. Esta aliança é a base espiritual para a permanência do matrimônio cristão.

O abandono
Retornando ao tema divórcio, após analisar a declaração de 1 Co 7:14 quanto a aliança familiar Paulo continua: “se o incrédulo quiser se separar, que se separe; pois, não está o irmão ou a irmã sujeito à servidão em tal caso, pois Deus tem nos chamado à paz” (vs. 15).

As palavras “não está o irmão, ou a irmã sujeito a servidão em tal caso” podem se referir somente a um vínculo matrimonial. Resulta claro o ensino de que o abandono destrói o vínculo matrimonial. Em Rm 7:2 o apóstolo Paulo descreve a pessoa casada como “livre” do vínculo conjugal quando morre o marido ou a esposa; e, diz explicitamente que é “livre para casar-se com outro homem”. Este é o único significado que se encaixa com 1 Co 7:15.

Assim, supõe-se que não contempla aqui nenhum abandono passageiro. A Confissão de Fé de Westminster resume a lei bíblica do divórcio nestas palavras: “nada, senão o adultério, é causa suficiente para dissolver os laços do matrimônio, a não ser que haja deserção tão obstinada que não possa ser remediada nem pela Igreja nem pelo magistrado civil” (CFW XXIV.6).

Um cristão abandonado por outro cristão
O prof. John Murray[3] faz uma distinção clara entre abandono de um crente por um incrédulo, como é o caso de 1 Co 7:15, e o abandono (ou o divórcio sobre uma base não bíblica) de um crente por alguém que professa ser cristão. Mantém, creio que corretamente, o que a Confissão de Fé de Westminster tem razão em interpretar 1 Co 7:15 como uma permissão para que o crente, quando abandonado por um incrédulo, de casar-se de novo, como se estivesse morta a pessoa culpada de tal abandono. Mas, se o entendi corretamente, ele não crê que um cristão divorciado ou abandonado por um cristão professo por razões não bíblicas esteja livre para casar novamente. Se um cristão recebe o divórcio de alguém que professa ser cristão, e esta pessoa se une após segundas núpcias, então biblicamente a pessoa causadora do divórcio comete adultério, e a pessoa inocente está livre para casar pela segunda vez; mas, não está livre de fazê-lo se a pessoa que professa ser cristã e que causou o divórcio, ou o abandono, não se casa de novo, ou não é culpada de adultério.

Acredita-se que esta posição é sustentada em 1 Co 7:11 e que desaprova o divórcio ou o abandono e acrescenta: “se alguém se separar, permaneça sem se casar, ou reconcilie-se com o seu marido”. Todavia, sugeri que as palavras de 1 Co 7:11 não se referem à pessoa abandonada, mas a uma pessoa que abandonou a relação matrimonial sem razão. Por exemplo, se algum cristão pensar que uma diferença de religião justifique a deserção da relação matrimonial e assim o fizer. Como eu entendo, a resposta de Paulo requer que se diga que isto é um equívoco, e que a pessoa que abandonou deve se reconciliar ao matrimônio existente se ainda for possível. Em todo caso, não há liberdade de casar em segundas núpcias por carecer de base bíblica a causa da separação. Em minha opinião, não há base nas Escrituras que proíba um cristão que foi abandonado ou divorciado por razões não bíblicas por um marido ou uma esposa que professe ser cristã, de contrair segundas núpcias sempre que a relação não possa ser remediada; tal como um cristão abandonado ou divorciado por um incrédulo tem liberdade de unir-se em segundas núpcias conforme 1 Co 7:15.

Mas, sucede que a idéia de divórcio ou abandono irremediável por um cristão é em si mesma absurda agora que temos as Escrituras do Novo Testamento. Bem que poderíamos entender que um crente em Corinto pudesse por ignorância ter cometido o pecado de abandono ou de divórcio por razões não bíblicas. Mas, hoje temos palavras claras e explícitas de Cristo contra o divórcio e, as palavras claras e explícitas de Paulo contra o abandono do matrimônio por parte de um cristão, pareceria que os tribunais eclesiásticos devessem excluir um indivíduo que seja culpado de abandono ou de causar um divórcio por razões que não sejam bíblicas. Tal pessoa deve ser julgada como sendo um incrédulo prima facie.

Divórcio por causa de homossexualidade
É minha opinião que a homossexualidade justifica o divórcio para um cristão. O meu argumento é muito simples: se Cristo permitiu o divórcio baseado no adultério e, o apóstolo Paulo considerou a homossexualidade como pior do que o adultério, por que é ainda “...contra a natureza” (Rm 1:26-27), com maior motivo o divórcio se justifica no caso de homossexualidade.

É permitido que a pessoa culpada de divórcio se case pela segunda vez?
O professor John Murray[4] acredita, e creio que corretamente, que a Escritura não proíbe que a pessoa culpada contraia segundas núpcias, desde que tenha se divorciado por razões bíblicas. Todavia, considera que o silêncio das Escrituras sobre este ponto não justifica que a igreja declare que se aprove tal matrimônio. A igreja deve guardar silêncio onde a Escritura guarda silêncio.

Mas se Cristo não contradiz Dt 24:2, eu diria que a Escritura não guarda silêncio. É fato que Cristo proíbe que se case com uma mulher divorciada (Mt 5:32; Lc 16:18). Sugeri acima que a lei mosaica de Dt 24:1-4 se subtende claramente como o contexto destas palavras de Cristo e, sendo que estas observações são fragmentárias, no sentido de que não temos todo o conteúdo do seu ensino em nenhuma destas passagens, assim estas palavras de Cristo que proíbem o casamento de segundas núpcias de uma mulher divorciada devem ser tomadas como uma aprovação de Dt 24:3-4, e não como uma contradição de Dt 24:2. Esta interpretação seria entendida naturalmente pelos seus contemporâneos que ouviram toda a discussão.

Devo acrescentar que, como coisa natural, alguém que professa ser cristão divorciado como culpado por razões bíblicas tem que ser disciplinado, ou por exclusão, ou pelo menos afastamento da comunhão da igreja; e, que tal pessoa, seja casada ou não, não pode ser recebida outra vez na comunhão da igreja a menos que demonstre clara evidência de um arrependimento genuíno e evidência de uma vida santa. Sei de grupos de cristãos que negaram o direito de casarem pela segunda vez com uma pessoa anteriormente divorciada como culpada por razões bíblicas e depois de convertida; e, que ao mesmo tempo reconheceram o direito de um indivíduo que era notoriamente culpado de fornicação, ainda que não casado, após a sua conversão, de casar-se. Tal ponto de vista em minha opinião não se justifica nas Escrituras e, aos olhos do mundo parece ser uma recompensa para a imoralidade de pessoas não casadas. No caso de um incrédulo, anteriormente divorciado por razões bíblicas, seja casado em segundas núpcias, ou não, a igreja como coisa natural teria que assegurar que foi verdadeiramente convertido e viveu uma vida sem mancha antes de admiti-lo na comunhão da igreja.

A atitude do coração
Antes de concluir a discussão do ensino bíblico sobre o divórcio, devo enfatizar que as forças mais perigosas que ameaçam destruir a integridade da vida familiar estão dentro do coração dos indivíduos. A lei moral defende a família não somente pelo sétimo mandamento que proíbe o adultério, mas também pelo décimo mandamento que proíbe os desejos ilícitos. Estas palavras de nosso Senhor Jesus Cristo pronunciadas no Sermão do Monte são de suma importância: “ouvistes o que vos foi dito: não cometerás adultério. Porém, eu vos digo, que qualquer um que olhar para uma mulher com intenção impura já adulterou com ela em seu coração. Portanto, se o teu olho direito te faz tropeçar, corta-o e arranca-o de ti; pois é melhor que perca um de seus membros e, não seja todo o teu corpo lançado no inferno” (Mt 5:27-29).

Para os pastores e os que tratam com vidas e lares destruídos, é uma observação comum que o princípio das ações pecaminosas está no alento deliberado das imaginações luxuriosas. Não somente os inclinados a diversões que estimulam os desejos ilícitos, mas também os que também alimentam as suas mentes com literatura sensual, se conduzem e ainda influenciam a outros para o desastroso pecado. O cristão cujo coração está cheio de amor ao seu Senhor adotará como regra da sua vida o não abrigar os impulsos sensuais que não crê cabem honrosamente dentro dos limites do puro amor monógamo. O lar cristão pode se manter em sua integridade se os cristãos preservarem esta regra em seu coração, em suas volições e, em suas imaginações. Há alguns anos ouvi um homem muito consagrado dar esta regra para o auto-exame no crescimento espiritual: “aonde dirige os teus pensamentos habitualmente num período de ociosidade?”

“Cada um é tentado quando de sua própria cobiça o atraí e o seduz. Então a cobiça após ter concebido, dá a luz ao pecado; e, o pecado uma vez consumado, gera a morte. Não vos enganeis, meus amados” (Tg 1:14-16). É impossível que os descendentes da queda mantenham perfeita pureza de pensamentos, palavra e atos; mas, é possível ocupar as nossas mentes com as coisas do Senhor, a fim de não cair numa vida de pecado.

Notas:
[1] Também é necessário que separemos em nossas mentes aquelas leis que a Igreja Visível pode exigir no processo de disciplina e, quais não devem ser sujeitas às disciplinas de uma maneira prática (por exemplo, os pecados das atitudes mentais).
[2] O autor escreveu este texto em 1962 (nota do tradutor).
[3] John Murray, Divorce (Comissão de Educação Cristã da Orthodox Presbyterian Church, 1953), pág. 69ss.
[4] John Murray, Divorce, págs. 100ss.

Extraído de James O. Buswell Jr., A Systematic Theology of the Christian Religion, vol. 1, parte II, págs. 387-397

Traduzido por Rev. Ewerton B. Tokashiki

28 dezembro 2007

resenha: Karl Barth’s Theological Method

Uma breve resenha
A minha resenha não tem a pretensão de ser acadêmica, mas suficientemente precisa para atrair a atenção dos leitores hábeis em inglês para que considerem a possibilidade de planejarem a aquisição e estudo do livro Karl Barth’s Theological Method de Gordon H. Clark. O perfil teológico do autor é inequivocamente como sendo a de um reformado conservador.[1] Ele adota a estrita teologia da reforma. A abordagem que Clark realiza não somente da metodologia, mas das premissas e das conclusões de Karl Barth expressam a sua postura de clara discordância com a neo-ortodoxia.

Creio que alguns motivos tornam necessária a leitura desta obra. Considerando que:
1. O próprio Barth é renomado teólogo e tem alguns dos seus livros publicados em português, bem como vem sendo lido pelos estudantes brasileiros de teologia e curiosos desavisados carecendo assim, de um roteiro confiável para que se entenda quem realmente é este teólogo suíço;
2. Karl Barth é lido e divulgado por professores em muitas instituições teológicas brasileiras, inclusive presbiterianas, sem que se ofereça um livro-texto de crítica duma perspectiva reformada conservadora ao seu pensamento;
3. O Dr Clark supre a necessidade de uma obra que desmistifique a figura que fazem de Karl Barth como teólogo e de sua prolixa produção literária;
4. Tanto nos EUA como no Brasil tem ocorrido uma predileção pelos estudos barthianos. No prefácio[2] o Dr. John W. Robbins observa que “por várias décadas em meados deste século, Barth tornou-se um centro de atração na feira das vaidades teológicas e, embora a sua influência tenha diminuído, ela ainda não desapareceu. De fato, a Karl Barth Society of North America foi fundada, em 1974, e está florescendo, conforme vários relatos de muitos neo-evangélicos, alguns de que estando na (neo) Evangelical Theological Society estão tentando reviver o defunto e corpus Barthiano”. O que Robbins disse em 1997 do cenário teológico americano, parece ocorrer no brasileiro, de fato, citar Karl Barth enriquece a “feira das vaidades teológicas”.
5. Tanto a Princeton University como outros centros acadêmicos teológicos nos EUA e na Europa têm dedicado bibliotecas direcionadas apenas aos estudos barthianos evidenciando o contínuo interesse de reforçar esta área de pesquisa;[3]
6. O livro Karl Barth’s Theological Method poderia servir de leitura complementar do curso de teologia, ou ainda, seria um útil e esclarecedor texto para a disciplina de Teologia Contemporânea lecionada em nossos seminários teológicos.

Para avaliar algumas fraquezas da obra do Dr. Clark indico a leitura da resenha do teólogo barthiano Dr. John C. McDowell.[4] Em sua apresentação como docente da School of Divinity da The Univeristy of Edinburgh ele deixa explicitamente transparecer o seu compromisso com a teologia de Karl Barth, em declarações como “inspirado como tenho sido pelo encontro com os escritos do teólogo suíço Karl Barth”, e ainda “a rica teologia da Karl Barth”, ou quando diz do seu “interesse de ter um compromisso frutífero com a teologia de Karl Barth”. Possuindo um tão claro vínculo com a neo-ortodoxia barthiana dificilmente o Dr. McDowell poderia ser imparcial em criticar Karl Barth’s Theological Method de Gordon H. Clark.[5] Entretanto, é útil a leitura da sua resenha para uma comparação de perspectivas.


Sobre o autor
O Dr. Gordon Haddon Clark filósofo e teólogo presbiteriano dos EUA, foi filho e neto de pastores presbiterianos. A sua graduação foi em B.A. em língua francesa, em 1924, e o seu Ph.D. especialidade em filosofia, em 1929, ambos na Pennsylvania University, e também fez outros estudos em Sorbonne, Paris. Ele lecionou na Pennsylvania University entre 1924 a 1936, e também no Reformed Episcopal Seminary, entre 1932 a 1936. Ele se transferiu para Wheaton College, em 1936, e a partir de 1945 ele trabalhou como professor de filosofia e presidente na Butler University e nela permaneceu até 1973.

Durante a transição entre a sua saída do Wheaton College e ida para a Butler University ele procurou ser ordenado ministro da Orthodox Presbyterian Church, denominação que ele auxiliou organizar com J. Gresham Machen, em 1936. O seu exame para ordenação foi realizado pelo tradicional Philadelphia Presbyterian, em 1944. Após a sua ordenação, além de pastorear ele também ensinou filosofia, entre os anos de 1974 a 1984, no Covenant College, e também no Sangre de Cristo Seminary. O Dr. Clark faleceu em 1985.

Ele escreveu mais de quarenta livros e aproximadamente duzentos artigos em revistas acadêmicas. Os seus escritos cobrem especialmente as áreas de filosofia, teologia e comentários populares do Novo Testamento. O Dr. John W. Robbins tem reeditado e publicado as obras do Dr. Clark pela The Trinity Foundation [ http://www.trinityfoundation.org/ ].

Mais informações sobre Gordon H. Clark podem ser verificadas em:
1. John W. Robbins, ed., Gordon H. Clark – Personal Recollections (The Trinity Foundation, 1989).
2. W. Gary Crampton, The Scripturalism of Gordon H. Clark (The Trinity Foundation, 1999).
3. Herman Hoeksema, The Clark-Van Til Controversy (The Trinity Foundation, 2005).
4. http://www.gordon-clark.blogspot.com/


Excursus
O Dr John W. Robbins declara que "em vinte e cinco anos publicando as obras do Dr. Gordon H. Clark encontrei poucas pessoas - e conversei com muitas outras - que antipatizam intensamente Gordon Clark -, sem nunca terem lido qualquer um dos seus livros. Em muitos casos estas pessoas foram inoculadas contra o Dr. Clark pelo Dr. Van Til, ou algum de seus estudantes. É lamentável que esta animosidade continue 60 anos após ter iniciado a controvérsia Clark-Van Til; é trágico que os professos discípulos do Dr. Van Til continuem difamando e distorcendo o Dr. Clark e obscurecendo as suas importantes contribuições tanto na filosofia como na teologia cristã. O Dr. Hoeksema percebeu com clareza qual das partes advogava a posição bíblica nestes quatro ensaios sobre a controvérsia, que exige extraordinário entendimento - ou lealdade pessoal limitando a idolatria - para outros que não podem perceber tão claramente após meio século. Esperamos que este pequeno livro auxilie o seu entendimento, e que se reúna conosco para promovermos uma consistente fé cristã. É a nossa esperança que os discípulos do Dr. Van Til finalmente reconheçam os seus erros, e findem com a sua oposição contra a filosofia cristã do Dr. Clark."

P.S.* Extraído de John W. Robbins, postscript in: Herman Hoeksema, The Clark-Van Til Controversy, pág. 103.


O conteúdo do livro
Prefácio
1. Introdução
Quatro pontos de vista
Uma dificuldade dos críticos
A Palavra de Deus

2. Modernismo
O Modernismo exalta o homem
Barth exalta a Deus
O conceito de Deus
Doutrinas derivadas
Barth e Hitler
3. O Método da Dogmática
A Igreja e o Mundo
A Norma da Lógica
Normas duas a cinco
Pressuposição
Ciência, Teologia e Igreja

4. Prolegomena e Apologética
Existe uma possível Apologética?
Base comum
A imagem de Deus no homem
5. Linguagem e conhecimento
O raciocínio de Barth
Hesitação
Um argumento acerca do Dogma
Proposições e palavras
Ceticismo
6. A Palavra de Deus em sua tríplice forma
A Palavra de Deus como pregação
A escrita Palavra de Deus
A revelada Palavra de Deus
A unidade das três formas
Deus falou?
Contemporaneidade

7. Revelação verbal
A afirmação de Barth e a negação da autoridade bíblica
A visão de Barth sobre inspiração
História da doutrina
Um Cristianismo funcional
Index


Notas:
[1] A declaração das convicções do Dr. Clark pode ser observada mais explicitamente em seu comentário da Confissão de Fé de Westminster chamado What Do Presbyterian Believe?
[2] John W. Robbins, Prefácio in: Gordon H. Clark, Karl Barth’s Theological Method, pág. vii.
[3] http://libweb.ptsem.edu/collections/barth/Default.aspx?menu=296&subText=468 acessado em 28/12/2007.
[4] http://www.geocities.com/johnnymcdowell/Review_Clark.htm acessado em 28/12/2007.
[5] http://www.div.ed.ac.uk/jcmcdowell acessado em 28/12/2007.


Bibliografia
CLARK, Gordon H., Karl Barth’s Theological Method (The Trinity Foundation, 1997), 277 págs.

Rev. Ewerton B. Tokashiki