01 agosto 2010

D. MARTIN LLOYD-JONES (1899-1981) - Série biografia 3

Escrito por J.I. Packer

D.M. Lloyd-Jones foi um pregador galês, popular e influente, com grandes dons intelectuais, serviu numa congregação da Igreja Presbiteriana de Gales em Aberavon, Port Talbot, de 1927 a 1938, e em seguida à congregação independente na Westminster Chapel, Londres, primeiro como auxiliar e depois como sucessor de G. Campbell Morgan (1863-1945). Jubilou-se em 1968, mas continuou dedicado a pregação itinerante até pouco antes de sua morte.

“O Doutor”, como sempre era chamado, formado e qualificado para a medicina antes de dedicar-se ao ministério, resultava tão irresistível como o seu estilo diagnóstico de expor as necessidades dos incrédulos, os cristãos e as igrejas usando uma terminologia clínica. Versado por conta própria nas tendência teológicas e acerca da vida espiritual dos puritanos, calvinistas e igrejas reformadas, foi um incansável expositor das riquezas da graça de Deus e de seu poder, segundo as Escrituras, e constante inimigo de tudo que impedisse ou solapava uma compreensão clara de tais riquezas: o liberalismo fácil e racionalista; a oca neo-ortodoxia; o estéril legalismo sacramental do sistema romano, definido em Trento; e a indiferença às pressões ecumênicas que, segundo ele, conduziam à versões descafeinadas da fé, a uma idéia inadequada do que significa ser cristão, e a uma falta de interesse pela autêntica unidade cristã. O fato de enfatizar este último ponto durante os seus último anos lhe afastou de muitas organizações evangélicas que antes consideravam-no mentor, consultor e guia, notável por seus conhecimentos e sua sabedoria.

Dentro da tendência reformada, o ministério de Lloyd-Jones distinguiu-se por: 1) o compromisso em grande escala com a pregação expositiva (por exemplo, foram 11 anos dedicados a Rm 1-14;[1] 2) a sua ênfase sobre a adequação racional da fé bíblica, e seu estilo de pregação direta, persuasiva, baseada no senso comum e “de pessoa a pessoa”, que utilizava no púlpito; 3) a sua exposição profundamente experimental do evangelho, com ênfase constante no perdão, a paz, a segurança, o gozo e a esperança em Deus; 4) a sua ênfase sobre o batismo do Espírito como um acontecimento posterior a conversão,[2] como uma garantia de segurança que deveriam buscar todos os crentes; 5) o seu interesse pelo avivamento espiritual[3], entendido em termos edwardianos (ver Jonathan Edwards), como um derramamento novo do Espírito para abençoar a Palavra exposta, entendendo-o como a única e última esperança da igreja contemporânea; e, 6) a sua ênfase sobre a própria pregação como atividade inspirada pelo Espírito e tremendamente significativa.

Todas as obras de Lloyd-Jones são sermões ou conferências transcritas.[4]

NOTAS
:
[1] Esta série de sermões expositivos encontram-se publicados pela editora PES. Nota do tradutor.
[2] A análise do entendimento de Lloyd-Jones acerca deste assunto pode ser lida em Martin lloyd-Jones, Stott e 1 Co 12:13 - O Debate sobre o Batismo com o Espírito Santo, escrito pelo Dr Augustus Nicodemus Lopes na Revista Teológica Fides Reformata. Nota do tradutor.
[3] O seu livro Avivamento encontra-se publicado pela editora PES. Nota do tradutor.
[4] Apesar de D.M. Lloyd-Jones não ser estritamente um teólogo sistemático, ele a pregou essencialmente em todos os seus sermões. Nota do tradutor.

Extraído de David J. Atkinson & David H. Field, eds., Diccionário de Ética Cristiana y Teología Pastoral (Barcelona, Publicaciones Andamio & CLIE, 2004), págs. 763-764.

Tradução livre: Rev. Ewerton B. Tokashiki

WILHELMUS À BRAKEL (1635-1711) - Série biografia 2

Escrito por Joel R. Beeke

Wilhelmus à Brakel[1] (um contemporâneo de eminentes teólogos da Segunda Reforma Holandesa, tais como Witsius, Voetius, Van Lodenstein, Koelman e Hellenbroek) nasceu em 2 de Janeiro de 1635, em Leeuwarden, nos Países Baixos. Ele foi o único filho de Dirck Gerrits van Brakel, posteriormente conhecido como Theodorus à Brakel.

Wilhelmus teve o inestimável privilégio de ser educado por dois pais mui piedosos, que foram gratos ao testemunhar que o seu filho temeu ao Senhor desde o início de seus dias. O seu pai foi um renomado ministro na província de Friesland, e um homem de extraordinária piedade. Os seus pais lutaram em oração para que o seu filho pudesse ser usado pelo Senhor como um poderoso instrumento em Seu serviço. E agradou ao Senhor responder as suas orações além da expectativa.[2]

à Brakel estudou teologia em Franeker e em Utrecht, e foi particularmente influenciado por seu mentor, Gisbertus Voetius. Com a idade de vinte e quatro anos ele foi ordenado um ministro do evangelho. Os seus sermões eram Cristocêntricos, ricos em conteúdo evangélico, experimentais e direcionados àqueles que estavam presentes.

à Brakel serviu quatro congregações em sua província nativa da Friesland: Exmorra (1662-1665), Stavoren (1665-1670), Harlingen (1670-1673) e em sua terra natal, a capital da Friesland, Leeuwarden (1673-1683). O jovem ministro começou o seu ministério em Exmorra - uma díficil congregação - com grande zelo. Um contemporâneo disse-lhe que ele deveria sepultar a si do mesmo modo como estava aquele vilarejo. O seu diligente esforço em Friesland foi ricamente abençoado pelo Senhor. O Espírito Santo evidenciou fluir a Si mesmo pela fiel pregação do evangelho do Senhor Jesus Cristo.

Todavia, o seu período em Friesland provou ser uma preparação para uma tarefa ainda maior que o Senhor tinha preparado para ele em Rotterdam - o seu final e mais longo pastorado (1683-1711). Durante este pastorado ele envolveu-se numa longa e frutífera batalha contra os Labadistas, empenhando-se por uma igreja pura aqui sobre a terra, corajosamente resistindo a tentativa do governo de intrometer-se nos negócios da igreja, e escreveu a sua magnum opus The Christians Reasonable Service - o maduro fruto de seu labor ministerial.

Após um frutífero ministério de quarenta e nove anos, agradou o Senhor receber o seu eminente teólogo - afetuosamente referido pelos piedosos como "o Pai Brakel" - tomando-o para Si em 1711, com a idade de setenta e seis anos, para receber a recompensa de um servo fiel.

Notas:
[1] Embora também seja um resumo, a biografia de à Brakel pode ser lida em Joel R. Beek & Randall J. Pederson, MEET the PURITANS (Reformation Heritage Books, 2006), págs. 745-752. Nota do tradutor.
[2] A providência de Deus o preparou para servir no ministério pastoral. Sabe-se que ele "nasceu em 2 de Janeiro de 1635, em Leeuwarden, sendo único filho de Margaretha Homma e Theodorus à Brakel, um pastor reformado de extraordinária piedade que tornou-se conhecido por seu De Trappen des Geestelycken Levens [Os Passos da Graça na Vida Espiritual]. Wilhelmus e suas cinco irmãs foram educados num lar caracterizado pelo temor de Deus. Wilhelmus foi convertido ainda garoto, provavelmente sob a pregação de seu pai e as orações e exortações de sua mãe. Ele freqüentou a Escola de Latim em Leeuwarden, e então entrou na Academia de Franeker com a idade de dezenove anos, em 1654. Ao completar os seus estudos em 1659, o presbitério de Leeuwarden o admitiu no ministério pastoral. Devido a necessidade de vagas naquele período, à Brakel continuou o seu treinamento teológico por mais alguns anos em Utrecht sob a orientação de Gisbertus Voetius e Andreas Essenius" in: J.R. Beek & R.J. Pederson, MEET the PURITANS, pág. 745. Nota do tradutor.

Extraído de Wilhelmus à Brakel, The Christian's Reasonable Service (Gran Rapids, Reformation Heritage Book, 1999), vol. 1, nota da sobrecapa.

Tradução livre: Rev. Ewerton B. Tokashiki

LOUIS BERKHOF (1873-1957) – Série biografia 1

Escrito por J.D. Bratt

Teólogo reformado que nasceu na província holandesa de Drenthe. Os pais de Louis Berkhof pertenceram ao partido separatista pietista-ortodoxo (1834) da Igreja Reformada. (A teologia de Berkhof baseia-se mais em Herman Bavinck, do que compartilha deste grupo regional e religioso). A família emigrou para os Estados Unidos da América em 1882, estabelecendo-se em Grand Rapids, Michigan, onde Louis dedicou o restou de sua vida. Em 1900, ele graduou na Escola de Teologia da Igreja Cristã Reformada, em Grand Rapids, e entre os dois pastorados nesta denominação, fez em dois anos (1902-1904) um trabalho de pós-graduação em teologia no Seminário Teológico de Princeton. Em 1906, foi indicado para o Seminário Grand Rapids (posteriormente Seminário Teológico Calvin), onde serviu o restante de sua carreira como professor de teologia bíblica (1906-1914), de Novo Testamento (1914-1926) e teologia sistemática (1926-1944). De 1931 a 1944 ele serviu como presidente daquela instituição.[1]

Em seus anos iniciais no Seminário Calvin, Berkhof seguiu a linha do primeiro ministro holandês e teólogo reformado Abraham Kuyper, em sua veemente crítica do “individualismo revolucionário” e na afirmação da necessidade de se cumprir o mandato cultural. Berkhof publicou vários livros aplicando princípios calvinistas às questões sociais como o industrialismo e o impacto da redenção na sociedade e na cultura, ele também argumentou que isso precisava ser feito em separado, nas organizações distintamente cristãs.

Por volta de 1920, Berkhof ajudou a purificar a Igreja Cristã Reformada [CRC – Christian Reformed Church] da influência recebida do Dispensacionalismo fundamentalista e da alta crítica modernista. Este último combateu-o como sendo um erro mais grave. Conseqüentemente a segunda metade de sua carreira, ele devotou para articular um consenso na teologia reformada, e foi marcado por uma consistente agenda anti-modernista. Berkhof produziu a sua monumental obra no início dos anos 1930: Reformed Dogmatics[2] (1932; e posteriores edições com o nome de Systematic Theology[3]), e a sua versão popular simplificada com o nome de Manual of Reformed Doctrine[4] (1933). Estas obras refletem a influência do seu mentor de Princeton, Gerhardus Vos, e de Bavink e de sua Gereformeerde Dogmatiek[5] (1906-1911), Berkhof seguiu-a em formato, substância e muitos outros detalhes. Em todas as suas obras apresenta a sua extensa tradição teocêntrica. Toda a iniciativa, virtude e certeza residem em Deus; tudo o que é oposto, procede da humanidade. De acordo com isto, a tarefa da vida é obedecer à autoridade divina, que é apresentada ao ser humano, de modo apropriado na Escritura. Para a teologia, em particular, Berkhof insistiu que a Escritura é a única fonte e norma. A razão humana, a experiência ou a tradição da igreja não poderiam suplementá-la, nem afetar a sua leitura. Berkhof erigiu sobre este baluarte a sua teologia sistemática, inclinando-se para uma linha moderada sobre temas da controvérsia calvinista e, reprovando as propostas modernistas.

Berkhof rejeitou um rigoroso racionalismo sobre a Bíblia e a ortodoxia, mas apresentou uma estrutura racionalista da própria mente. Somente a fé poderia apropriar-se da verdade salvadora da revelação, mas a razão tem o trabalho de arranjar estas verdades numa unidade sistemática que é vital. Idéias ditam ação, e a verdadeira experiência cristã segue formulações doutrinárias. Assim, após 1920, Berkhof em grande parte desistiu de seu talento anterior de comentários sócio-culturais e, concentrou-se de vez na criação de uma fortaleza teológica voltada para o grupo que enfrentou em tempos conturbados. O alcance e rigor de sua obra, bem como o seu apelo vão além de sua audiência original (particularmente entre os evangélicos de uma persuasão geralmente reformada), apresenta a força de sua tradição e o talento com o qual ele a defendeu.

NOTAS:
[1] Isto significa que Louis Berkhof faleceu aos 83 anos. Pastoreou 2 igrejas locais, e posteriormente exerceu a docência durante 38 anos, chegando a escrever 22 livros. Nota do tradutor.
[2] Publicada originalmente em 2 volumes: o primeiro tomo era um manual de história da doutrina, e o segundo um manual de doutrina, que, posteriormente foi ampliado e publicado como volume autônomo com o nome de Teologia Sistemática. O volume de história da doutrina foi publicado, em 1992, pela Editora PES com o nome de A História das Doutrinas Cristãs, seguindo o modelo de edições inglesas anteriores. Nota do tradutor.
[3] Publicada inicialmente pela LPC em 1990, e atualmente pela Editora Cultura Cristã com o título de Teologia Sistemática.
[4] O CEIBEL publicou este livro com o nome de Manual de Doutrina Cristã, apelidado de “Berkhofinho”.
[5] Dogmática Reformada. Nota do tradutor.

Extraído de D.G. Hart & Mark A. Noll, eds., Dictionary of the Presbyterian & Reformed – Tradition in America (Phillipsburg, P&R Publishing, 2005), págs. 32-33

Tradução livre: Rev. Ewerton B. Tokashiki

20 julho 2010

INDICAÇÃO DE BLOG

Recomendo a leitura do excelente blog MENS REFORMATA do irmão Marcos Vasconcelos. Artigos traduzidos de escritores calvinistas. Boa leitura.

Glorificando a Deus com a nossa dependência

É proveniente de Deus que Cristo se torne nosso, somos levados e unidos a Ele. É proveniente de Deus que recebemos fé para aceitá-lo, que temos interesse nEle: "porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e isso não vem de vós; é dom de Deus" (Ef 2:8). É proveniente de Deus que recebemos todos os benefícios que Cristo comprou. É Deus que nos perdoa e purifica, nos livra de irmos para o inferno; e no seu favor os redimidos são recebidos, quando justificados. Assim, é Deus que nos livra do domínio do pecado, nos limpa de nossa imundície e nos muda de nossa perversidade. É proveniente de Deus que os redimidos recebam toda a sua verdadeira excelência, sabedoria e santidade, e o recebam de duas maneiras, ou seja, tanto quanto o Espírito Santo por quem estas coisas são imediatamente feitas é proveniente de Deus, procede dEle e é enviado por Ele, e também considerando que o próprio Espírito Santo é Deus, por cuja operação e habitação o conhecimento de Deus, as coisas divinas, a disposição santa e toda graça são conferidas e sustentados. Embora meios sejam empregados para conferir a graça na alma dos homens, é proveniente de Deus que tenhamos estes meios de graça e é Ele que os torna eficaz. É proveniente de Deus que tenhamos as Escrituras Santas, pois elas são sua palavra. É proveniente de Deus que tenhamos as ordenanças, pois sua eficácia depende da influência imediata do Espírito. Os ministros do evangelho são enviados de Deus, e toda a sua suficência é proviniente dEle: "temos, porém, esse tesouro em vasos de barro, para que a excelência do poder seja de Deus e não de nós" (2 Co 4:7). O seu sucesso depende completa e absolutamente da benção e influência imediata de Deus.

Extraído de Jonathan Edwards, "Deus glorificado na dependência do homem" in: Pecadores nas mãos de um Deus irado e outros sermões (CPAD, 2007), págs. 14-15

14 maio 2010

Como a Bíblia veio à nós?

A origem, escrita e a preservação da Escritura Sagrada se deu num processo providencialmente orientado. Cremos que a mente infinita de Deus ao comunicar a revelação da sua perfeita vontade entra em contato com o finito e imperfeito. Por isso, ocorre sob o controle do Espírito de Deus a acomodação da revelação.

A Palavra de Deus é transmitida em categoria do pensamento humano, bem como à sua linguagem comum. Ela passa a participar e se manifesta com, em, através e além da cultura do escritor. Então, a Palavra de Deus registrada no Antigo e no Novo Testamento, sendo escrita por autores humanos, foi inspirada por Deus (2 Tm 3:16) garantindo a sua inerrância, autoridade, suficiência e clareza. Estas absolutas verdades existem na mente de Deus, que através da revelação vêm à mente do escritor original, e deste modo, na inspiração esta revelação registrou-se em Escritura: a Palavra de Deus em palavras humanas. Com a preservação dos manuscritos temos os textos atuais que precisam ser criteriosamente comparadas todas as cópias para termos o que foi originalmente escrito pelos autores. A tradução da Bíblia é o estágio final de sua acessibilidade aos leitores. Obtemos as nossas versões que procuram transmitir fielmente o significado essencial do texto original. Por fim, através da interpretação a verdade chega a mente do leitor comunicando proposicionalmente a verdade original da mente de Deus.

24 abril 2010

Fórmula de absolvição da indulgência

A Igreja Católica Apostólica Romana há muito oferece a indulgência para os seus fiéis. Esta é uma prática ainda usual no romanismo do século XXI, entretanto, menos em voga do que há alguns séculos atrás, em que era artigo de consumo muitíssimo procurado pelo ignorantes.

Com o renovado entendimento de Rm 1:16-17, Martinho Lutero recebe a indulgência como sendo uma afronta à suficiência de Cristo na redenção do pecador. Atuando como professor de Bíblia na recém organizada Universidade de Wittemberg, e também como padre da igreja local, viu o grande mal que Johannes Tetzel causava nesta cidade apregoando a promessa do perdão dos pecados e a libertação das penas, sob a garantida condição de se comprar uma indulgência. Sabemos da história, e que Lutero fixou nos portais da Catedral de Wittenberg as suas 95 Teses dando início ao movimento de Reforma.

Jean-Henri Merle d'Aubigné ministro protestante suíço e historiador na obra História da Reforma do Século XVI a [1] registra a fórmula de absolvição da infame indulgência vendida por Tetzel:

Que nosso Senhor Jesus Cristo tenha piedade de ti, ........ [nome do comprador da indulgência], e te absolva pelos merecimentos de sua santíssima paixão! E eu, em virtude do poder apostólico que se me há conferido, te absolvo de todas as censuras eclesiásticas, sentenças e penas em que tenhas incorrido; e também de todos os excessos, pecados e crimes que tenhas cometido, por grandes e enormes que possam ser, e por qualquer causa que seja, ainda quando fossem dos reservados a nosso santíssimo padre, o papa, e à sé apostólica. Eu apago todas as manchas de incapacidade e todas as notas de infâmia de que te tenhas coberto até esta ocasião. Perdoô-te as penas que tenhas devido sofrer no purgatório. Faço-te de novo participante dos sacramentos da igreja. Imploro-te outra vez na comunhão dos santos, e te reestabeleço na inocência e na pureza que tiveste no ato de teu batismo. De maneira que, no momento de tua morte, a porta pela qual se entra para o lugar dos tormentos e das penas te será fechada, e, ao contrário, a porta que conduz ao paraíso da alegria te será aberta. E se tu não tiveres de morrer em breve, esta graça permanecerá imutável até o momento de teu fim derradeiro. Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Amém. Frei Johannes Tetzel, comissário, a assinou de seu próprio punho.


Notas:
[1] J.H. Merle D'Aubiné, História da Reforma do Século XVI (SP, Casa Editora Presbiteriana, s/d), volume 1 , págs. 239-240.

20 abril 2010

Biblioteca Calvinista - 4


MANUAIS DE TEOLOGIA SISTEMÁTICA

1. À BRAKEL, Wilhelmus, The Christian’s Reasonable Service (Reformation Heritage Books), 4 volumes.
2. BAVINK, Herman, Reformed Dogmatics (Presbyterian & Reformed Publishing), 4 volumes.
3. BAVINK, Herman, Teologia Sistemática (SOCEP).
4. BEARDSLEE III, John W., Reformed Dogmatics (Baker Books House).
5. BERKHOF, Louis, Teologia Sistemática (Editora Cultura Cristã).
6. BUSWELL, Jr., James O., A Systematic Theology of the Christian Religion (Zondervan Publishing House), 2 volumes.
7. CHEUNG, Vincent, Introdução à Teologia Sistemática (Arte Editorial).
8. CLARK, David S., Compêndio de Teologia Sistemática (Casa Editora Presbiteriana).
9. CUNNINGHAM, William, Theological Lectures (APress).
10. DABNEY, Robert L., Systematic Theology (The Banner of Truth), 3 volumes.
11. GREENDYK, Nicholas L., An Specimen of Divine Truths (Netherlands Reformed Book & Publishing Committee), 2 volumes.
12. HANKO, Ronald, Doctrine According to Godliness – A Primer of Reformed Doctrine (Reformed Free Publishing Association).
13. HEPPE, Heinrich, Reformed Dogmatics (Wakeman Great Reprints).
14. HODGE, A.A., Esboços de Teologia (Editora PES).
15. HODGE, A.A., Evangelical Theology (The Banner of Truth).
16. HODGE, Charles, Teologia Sistemática (Editora Hagnos).
17. HOEKSEMA, Herman, Reformed Dogmatics (Reformed Free Publishing Association), 2 volumes.
18. KERSTEN, G.H., Reformed Dogmatics (Netherlands Reformed Book), 2 volumes.
19. PACKER, J.I., Teologia Concisa (Editora Cultura Cristã).
20. REYMOND, Robert L., A New Systematic Theology of Christian Faith (Nelson Thomas Publishing).
21. SHEDD, William G.T., Dogmatic Theology (Baker Books House), 2 volumes.
22. SMITH, Morton H., Systematic Theology (Greenville Seminary Press), 2 volumes.
23. SPYKMAN, Gordon J., Teologia Reformacional - Un Nuevo Paradigma Para Hacer la Dogmatics (TELL).
24. TURRENTIN, Francis, Institutes of Elenct Theology (Presbyterian & Reformed Publishing), 3 volumes.
25. VAN GENDEREN, J. & W.H. Velema, Concise Reformed Dogmatics (Presbyterian & Reformed Publishing).
26. WATSON, Thomas, A Fé Cristã (Editora Cultura Cristã).
27. WITSIUS, Herman, The Economy of the Covenants between God and Man - Comprehending a Complete Body of Divinity (Dulk Christian Foundation), 2 volumes.

Obs. Os manuais de Teologia Sistemática abaixo não foram listados com os demais, pois, apesar de serem calvinistas não pertencem a tradição presbiteriana/reformada, mas, são dignos de menção e proveitosos, resguardadas as diferenças quanto à eclesiologia batista e escatologia. Da obra do Wayne Grudem ainda deve-se advertir ser ele um carismático, defensor da continuidade dos dons revelacionais.

1. GRUDEM, Wayne, Teologia Sistemática (Edições Vida Nova).
2. FERREIRA, Franklin & Alan Myatt, Teologia Sistemática (Edições Vida Nova).
3. DAGG, John L., Manual de Teologia (Editora Fiel).
4. BOYCE, James Pettigru, Abstract of Systematic Theology (Broadman Press).

14 abril 2010

Lutero sobre o conceito de livre-arbítrio de Erasmo

Erasmo de Roterdã, o mais influente humanista, escreveu um pequeno livro, em 1524, com o título De libero arbitrio Diatribe sive collatio [1]. É uma obra de Antropologia da perspectiva humanista carregada de premissas sinergistas da teologia Católica Romana, da qual Erasmo apesar das muitas críticas nunca se separou.

A obra é escrita num estilo de diatribe. Este é um recurso literário usado desde a antiga filosofia grega, se caracteriza por ser um discurso ou conversação filosófica, onde duas ou mais pessoas debatem por meio de perguntas e respostas, argumentos, discordâncias e análise de implicações as teses do locutor. A Diatribe ainda trás algumas comparações das opiniões de Pais da Igreja como Orígenes, Ambrôsio e Jerônimo.

Neste livro o humanista holandês argumentou a favor de uma perspectiva sinergista ou, libertariana de livre-arbítrio. Ele o define como sendo "a potência, através da qual o ser humano se pode inclinar ou afastar ao/do que leva à salvação eterna." Desta forma ele apresenta a sua principal discordância e afastamento de Lutero e demais reformadores.

Um cópia da Diatribe chegou às mãos de Lutero que não se interessou em responder de imediato. O reformador alemão escreveu uma refutação com o título De servo arbitrio. Na introdução do livro desculpa-se escrevendo que "o fato de responder tardiamente a tua Diatribe a respeito do livre-arbítrio, venerável Erasmo, aconteceu contra a expectativa de todos e contra o costume". Mas, a obra veio no momento necessário para responder as teses de Erasmo. Lutero apesar de opor frontalmente à Erasmo, reconhece dois motivos de dívida com o humanista. Introdutoriamente, ele escreve a sua opinião sobre o texto de Erasmo
Pois bem, pode haver pessoas que ainda não tenham percebido o Espírito como mestre em meus escritos e tenham sido abatidos por essa Diatribe; talvez a hora delas ainda não tenha chegado. E quem sabe, caro Erasmo, se Deus não vai querer visitar também a ti por meio de mim, seu mísero e frágil vaso, para que, numa hora feliz (pelo que rogo de coração ao Pai das misericórdias por meio de Cristo, nosso Senhor), eu venha a ti através deste livrinho e ganhe um caríssimo irmão. Pois embora penses e escrevas inadequadamente sobre o livre-arbítrio, tenha contigo uma considerável dívida de gratidão, pois tornaste minha opinião muito mais firme para mim quando vi que a causa do livre-arbítrio foi tratada com o máximo esforço por uma inteligência tão importante e tão grande e que nada se realizou, de modo que ela está em situação pior do que antes. Isto é uma prova evidente de que o livre-arbítrio não passa de uma mentira, porque [ocorre com ele o mesmo que no] exemplo daquela mulher no evangelho: quanto mais é tratada pelos médicos, pior fica. Por conseguinte, te retribuirei abundantemente minha dívida de gratidão se adquirires maior certeza por meu intermédio, assim como eu adquiri maior firmeza por ti.
[2]

Ainda no fim de De servo arbítrio, Lutero explica o segundo motivo de gratidão com Erasmo. Ele escreve
Agora, meu Erasmo, peço-te, por Cristo, que cumpras o que prometeste; pois prometeste ceder ao que ensina algo melhor. Esquece a consideração de pessoas! Admito que és um grande homem e dotado por Deus com muitos dos mais nobres dons, para não falar dos demais, de teu talento, erudição e da eloqüência quase milagrosa. Eu, no entanto, nada tenho e nada sou, a não ser que quase me possa gloriar de ser cristão. Além, disso elogio e gabo muito em ti o seguinte: és o único que atacou a questão em si, isso é, a questão essencial, e não me fatigaste com aqueles assuntos secundários sobre o papado, o purgatório, as indulgências e outras coisas deste tipo que mais são frivolidades do que questões [sérias], pelas quais até agora quase todos tentaram caçar-me em vão. Tu como único reconheceste o ponto central de toda [controvérsia] e pegaste a coisa pela gravata; por isso te agradeço de coração. Pois este tema gosto de ocupar-me muito mais, sempre que as circuntâncias e o tempo o permitem. Se aqueles que até agora me agrediram tivessem feito isso, se ainda o fizessem aqueles que apenas insistem em novos espíritos, em novas revelações, teríamos menos sedições e seitas, e mais paz e concórdia.
[3]

Lutero usa uma linguagem humilde e reconhece a capacidade intelectual do seu opositor. Todavia, O reformador não se intimida com a Diatribe de Erasmo, pelo contrário contraargumenta e convida-o ao arrependimento, de modo que, sob a autoridade da Escritura pudessem ter o mesmo pensamento, mas, o abismo entre eles somente aumentou.

Notas:
[1] Um debate acerca do livre-arbítrio com uma comparação (tradução minha).
[2] LUTERO, Martinho, Obras Selecionadas de Martinho Lutero, vol. 4, pág. 19.
[3] LUTERO, Martinho, op. cit., vol. 4, pág. 215.
[4] Para o estudo do pensamento de Lutero, à partir de fontes, as Obras Seleciondas de Martinho Lutero.
[5] Agradeço ao irmão Rildo Albino por suas atentas observações gramaticais na revisão dos meus artigos. Obviamente que todo erro ainda presente, deve ser creditado somente a mim.

08 abril 2010

Biblioteca Calvinista - 3


CATECISMOS & CONFISSÕES

Dentro da tradição Reformada se encontra o uso dos catecismos e confissões de fé. Segue uma lista indicando alguns dos principais livros contendo os catecismos e confissões reformadas, bem como obras quanto ao seu uso e importância teológica.

Os principais documentos de identidade reformada que podem ser estudados são:
1. Confissão Gaulesa [Francesa, ou de Rochelle] – (1559)
2. Confissão Escocesa - (1560)
3. Confissão Belga – (1561)
4. XXXIX Artigos de Fé da Religião Anglicana (1563)
5. Catecismo de Heidelberg – (1563)
6. Segunda Confissão Helvética – (1562-1566)
7. Cânones de Dort (1618-1619)
8. Breve Catecismo de Westminster – (1647-1648)
9. Catecismo Maior de Westminster – (1647-1648)
10. Confissão de Fé de Westminster – (1647-1648)

1. A Confissão de Fé de Westminster (Editora Cultura Cristã).
2. BEEKE, Joel R. & Sinclair Ferguson, Harmonia das confissões de fé reformada (Editora Cultura Cristã).
3. BIERMA, Lyle D., An Introduction to the Heidelberg Catechism – Sources, History and Theology (Baker Academics).
4. Cânones de Dort (Editora Cultura Cristã).
5. Confissão Belga e Catecismo de Heidelberg (Editora Cultura Cristã).
6. COSTA, Hermisten M.P. da, Eu Creio (Editora Cultura Cristã).
7. CLARK, Gordon H., What Do Presbyterians Believe? – The Westminster Confession Yesterday and Today (The Trinity foundation).
8. CLARK, R. Scott, Recovering the Reformed Confession – our Theology, Piety and Practice (Presbyterian & Reformed Publishing).
9. DE JONG, Peter Y., Crisis in the Reformed Churches – Essays Commemoration of the Great Synod of Dort 1618-1619 (Reformed Fellowship Inc.).
10. DENNISON JR., James T., Reformed Confessions of the 16th and 17th Centuries in English Translation (Reformed Heritage Books), 2 volumes.
11. HOEKSEMA, Homer C., The Voice of Our Fathers – An Exposition of the Canons of Dordrecht (Reformed Free Publishing Association).
12. HYDE, Daniel R., With Heart and Mouth – An Exposition of the Belgic Confession (Reformed Fellowship Inc.).
13. HODGE, A.A., Confissão de Fé de Westminster Comentada (Editora Os Puritanos).
14. JANSE, J.C., La Confesión de la Iglesia – Comentario al Catecismo de Heidelberg (Felire).
15. KERSTEN, G.H., Heidelberg Catechism Sermons (Netherland Reformed Book and Publishing).
16. O Breve Catecismo de Westminster (Editora Cultura Cristã).
17. O Catecismo Maior de Westminster (Editora Cultura Cristã).
18. SCHAFF, Philip, The Creeds of Christendom (Baker Books House), 3 volumes.
19. SHAW, Robert, The Faith Reformed – An Exposition of the Westminster Confession of Faith (Christian Focus Publications).
20. SIMÕES, Ulisses Horta, A Subscrição Confessional – Necessidade, Relevância e Extensão (Efrata Publicações).
21. SMITH, Morton H., The Case for Full Subscription to the Westminster Standards in the Presbyterian Church in America (GPTS Press).
22. URSINUS, Zacharias, Commentary on the Heidelberg Catechism (Presbyterian & Reformed Publishing).
23. VENEMA, Cornelis P., What We Believe – An Exposition of the Apostles’ Creed (Reformed Fellowship Inc.).
24. VOS, Johannes Geerhardus, Catecismo Maior de Westminster Comentado (Os Puritanos).

03 abril 2010

Biblioteca calvinista - 2


BIOGRAFIA E PENSAMENTO DE JOÃO CALVINO

João Calvino não foi um escritor tão prolixo como Martinho Lutero. Entretanto, as obras do reformador genebrino possuem maior coerência interna do que as de Lutero. É consenso entre historiadores, teólogos e exegetas que Calvino assumiu um papel de proeminência como escritor durante a segunda geração de reformadores magistrais. A influência de seus textos expandiram-se em toda a Europa, e dali para todos os demais continentes. Todas as suas obras contabilizam o número de 59 volumes no Corpus Reformatorum, especificamente os volumes 29 a 87.

Abaixo indico algumas obras que julgo serem relevantes para o estudo do pensamento de Calvino e do Calvinismo:

1. BEEKE, Joel R., Living for God’s Glory – An Introduction to Calvinism (Reformation Trust Publishing).
2. BEZA, Theodoro de, A vida e a morte de João Calvino (Editora Luz Para o Caminho).
3. BIÉLER, André, O Pensamento Econômico e Social de Calvino (Editora Cultura Cristã).
4. BOICE, James M. & Philip G. Ryken, The Doctrines of Grace (Crossway Books).
5. CALVINO, João, Cartas de João Calvino (Editora Cultura Cristã).
6. CALVINO, João, Institutas da Religião Cristã (Editora Cultura Cristã), 4 volumes.
7. CALVINO, João, Textos Escolhidos (Editora Pendão Real).
8. CALVIN, John, Calvin’s Commentaries (Baker Books House), 22 volumes.
9. CALVIN, John, Tracts and Letters (The Banner of Truth), 7 volumes.
10. COSTA, Hermisten M.P. da, Calvino de A a Z (Editora Vida).
11. COSTA, Hermisten M.P. da, João Calvino 500 anos - Introdução ao seu pensamento e obra (Editora Cultura Cristã).
12. CRAMPTON, W. Gary, What Calvin Says (The Trinity Foundation).
13. HANKO, Herman & David J. Engelsma, The Five Points of Calvinism (British Reformed Fellowship).
14. HELM, Paul, Calvin & Calvinism (The Banner of Truth).
15. HELM, Paul. John Calvin’s Ideas (Oxford University Press).
16. HESSELINK, I. John, Calvin’s Concept of the Law (Princeton Theological Monograph Series).
17. HESSELINK, I. John, Calvin’s First Catechism: A Commentary (Columbia Theological Seminary).
18. HOLWERDA, David, ed. Exploring the Heritage of John Calvin (Baker Book House).
19. JOHNSON, Terry L., Traditional Protestantism – The Solas of the Reformation (Banner of Truth).
20. KLOOSTER, Fred H., A doutrina de Calvino sobre a predestinação (SOCEP).
21. KUYPER, Abraham, Calvinismo (Editora Cultura Cristã).
22. MCGRATH, Alister, A vida de João Calvino (Editora Cultura Cristã).
23. MULLER, Richard A, The Unaccommodated Calvin: Studies in the Foundation of a Theological Tradition. Oxford Studies in Historical Theology (Oxford University Press).
24. PALMER, Edwin H., Doctrinas Claves (The Banner of Truth).
25. PARTEE, Charles, The Theology of John Calvin (Westminster John Knox Press).
26. REID, W. Stanford, Calvino e Sua Influência no Mundo Ocidental (Editora Cultura Cristã).
27. REYMOND, Robert L., John Calvin: His Life And Influence (Christian Focus).
28. SABINO, Felipe, ed., Calvino – O Mestre da Igreja (Editora Monergismo).
29. STEELE, David N. & Curtis C. Thomas, The Five Points of Calvinism – Defined, Defended, Documented (Presbyterian & Reformed Publishing).
30. WALLACE, Ronald, Calvino, Genebra e a Reforma (Editora Cultura Cristã).
31. WARFIELD, B.B., Calvin and Calvinism (Baker Book House), volume 5.
32. WRIGHT, R.C.McGregor, A soberania banida - redenção para a cultura pós-moderna (Editora Cultura Cristã).
33. Reforma Siglo 21 - El Legado de Juan Calvino después de 500 años - Boletín Teológico de CLIR Vol. 11/2, Octubre 2009 [edição especial].
34. Série Colóquios – O Pensamento de João Calvino (Editora Mackenzie), vol. 2.

Outras obras sobre a Vida e Pensamento de Calvino

Biblioteca calvinista - 1

Há algum tempo penso em preparar uma lista de livros que calvinistas precisariam ter em sua biblioteca particular. Estou convencido que a teologia que melhor reflete o ensino da Escritura Sagrada, bem como a melhor cosmovisão, é aquele sistema conhecido como Calvinismo.[1] O impacto deste sistema de pensamento entre os protestantes forjou um grupo de cristãos que se fizeram notar em todas as esferas da sociedade. Ilustrando a minha opinião, cito o historiador e teólogo escocês James Orr afirmando que
o sistema de Calvino é reflexo de sua mente - severa, grande, lógica, ousada - para elevar-se às alturas; contudo, humilde em retornar sempre às Escrituras como sua base. Fundamentando-se no trono de Deus, Calvino percebe tudo à luz do decreto eterno divino. O homem em seu estado de pecado perdeu a sua liberdade espiritual e o poder de fazer algo que seja verdadeiramente bom, ainda que Calvino admita livremente a existência da virtude natural, e a atribua à operação da divina graça, inclusive em seu estado não regenerado (Institutas II. 2. 12-17). A providência de Deus governa e abrange tudo, tanto o natural como o espiritual. Tudo o que acontece é o iluminar do conselho eterno. Tudo o que é atraído ao reino de Deus, o é por um ato livre da graça, e ainda assim a omissão dos não salvos deve ser atribuída a uma origem na vontade divina eterna, por mais misteriosa que seja. A vontade de Deus, deste modo, contém em si as razões últimas de tudo o que existe. Não é arbitrária, mas, uma vontade santa e boa, ainda que as razões do que ocorre na realidade no governo do mundo nos sejam inescrutáveis. A comunidade de sua Igreja se estende a muitos países. O seu sistema entra como um ferro no sangue das nações que a receberam. Levantaram-se os huguenotes franceses, os puritanos ingleses, os escoceses, os holandeses, os da Nova Inglaterra; gente valorosa, livre e temente a Deus. Prostrando o homem diante de Deus, mas exaltando-o novamente na consciência de uma liberdade, nascida de novo em Cristo; mostrando a sua escravidão por causa do pecado, mas restaurando-o na liberdade mediante a graça; guiando-o para que veja todas as coisas à luz da eternidade, contribuiu para formar um tipo vigoroso, mas nobre e elevado de caráter, criou uma raça que não se intimida em levantar a cabeça diante dos reis.
[2]

Este breve artigo introdutório visa três tipos de leitores: teólogos acadêmicos, estudiosos e membros de igreja. Desejo aos primeiros apenas declarar que esta lista é uma sugestão, de modo que pouco ajudo naquilo que vocês estão acostumados, isto é, à pesquisa acadêmica. Todavia, acadêmicos nem sempre expressam com precisão e fidelidade o que realmente é o Calvinismo. Por exemplo, é de se admirar que alguém como Dr. Norman Geisler distorça o que realmente seja o Calvinismo, apresentando-se como um adepto deste pensamento, sendo que na realidade ele é um arminiano incoerente.[3] Assim, vergonhosamente vemos acadêmicos errando em coisas básicas. Não recomendo o seu livro caso queira entender o que o Calvinismo pensa do compatibilismo: soberania de Deus e liberdade humana.[4]

Não me passa pela mente que acadêmicos não possam ler outros livros de perspectiva dissonante à nossa. Eu não seria tão obscurantista assim! Mas, se realmente querem ter um coerente sistema teológico necessitam construir o seu conhecimento a partir de fontes seguras. Quando iniciamos o nosso estudo teológico, em geral, desconhecemos autores, bem como as obras de referência mais importantes em cada área. Por isso, a nossa tendência é de adquirir o que estiver disponível, todavia, nem sempre aqueles livros serão realmente proveitosos. Enquanto estamos no Seminário Teológico, professores e colegas mais experientes indicam, advertem e criticam este ou aquele autor, e isto facilita o processo de se criar um filtro para que se torne seletivo na formação de uma boa biblioteca. Com o tempo aprendemos a andar sozinhos, mas sempre precisando uns dos outros. Afinal, o estudo proporciona a maturidade e a capacidade de interagir com o diferente, sem se contaminar.

Em segundo lugar, escrevo aos estudiosos, ou seja, àqueles que mesmo não sendo formados em teologia interessam-se pelo assunto. Estes caso não tenham orientação acerca de quais obras são essenciais para conhecer-se o Calvinismo, correm o risco de perderem-se nos muitos escritores imprecisos, ou confusos. Mesmo que lendo muito, sofrem o perigo de não se aprofundar, por não terem em mãos boas obras sobre o assunto.

Ao último grupo compilo esta lista com a intenção de que cresçam no seu amor por Cristo. Em geral, os membros desejam ler para entender melhor as doutrinas da Escritura Sagrada. Simplesmente quero orientá-los a adquirir os livros certos para o que buscam. É minha inabalável convicção que o Calvinismo é a expressão das doutrinas da graça, ou também chamado de antigo evangelho do nosso Redentor Jesus Cristo. Ele fala de Deus como o soberano Deus, que manifesta os seus atributos majestosamente em suas obras: decreto, criação, providência e redenção, de modo que, “dele e por meio dele e para ele são todas as coisas. A ele, pois, a glória eternamente. Amém” (Rm 11:36).

Mas, você precisa definir: qual o seu alvo ao estudar teologia? Se você almeja a docência, então terá que ter uma biblioteca bem eclética, mas se o seu objetivo é crescer positivamente no amor de Cristo, e preparar-se para servir na edificação do ensino e na pregação da Palavra de Deus no meio da igreja de Cristo, então você não pode perder tempo nem dinheiro com futilidades e livros que apenas encherão a sua mente com complicadas e confusas teorias humanas. A sua biblioteca é como um celeiro de onde você tira alimento para servir a Igreja de Deus.

Advirto-o de que nem todo livro que recebe o elogio - “este é bom!” - deve ser irrefletidamente adquirido. Precisamos nos perguntar: “sim, se ele é bom, em que sentido se qualifica em meus estudos? Prá que eu o adquirirei? Como ele me será proveitoso?” Um livro não deve ter a utilidade limitada de sustentar outros livros na estante, ou de impressionar alguém inchando a nossa biblioteca. Não podemos perder tempo nem dinheiro com material inferior ou de orientação teológica confusa. Se o seu propósito em estudar teologia é crescer no conhecimento e na graça de nosso Senhor Jesus, então adquira e leia consistentemente com o seu alvo.

Mas, em áreas específicas da teologia é um equívoco crer que coerentemente poderemos aprender sobre teologia reformada sem autores calvinistas. Desculpem-me se esta afirmação parece óbvia, mas na prática ela demonstra que não é! Professores de teologia e algumas obras discordantes da herança doutrinária da Reforma, especialmente do Calvinismo, descrevem-na distorcidamente produzindo uma horrorosa caricatura dogmática daquilo que realmente cremos. Mesmo apresentando serem detentores de algum tipo de saber, e apresentando uma titulação respeitável, não poucas vezes, eles são incapazes de realizar uma pesquisa acurada, deixando que a influência preconceituosa de suas premissas domine as suas opiniões. Por isso, não conseguem ser honestos em sua avaliação do Calvinismo.

Esta não é uma lista de livros que compõe todo um Curso de Teologia. Os estudantes da área conhecendo a grade curricular do seu curso perceberão que há a ausência de algumas obras específicas. Entretanto, observe-se que algumas disciplinas podem ser compartilhadas com teólogos que não subscrevam o Calvinismo. As disciplinas como Introdução ao Antigo Testamento ou, Geografia Bíblica, não se indicam por serem partidárias da Teologia Reformada, mas, por eruditos que aceitam um conceito elevado das Escrituras. Por exemplo, é impossível ser um coerente calvinista e aceitar a Teoria Documentária do Antigo Testamento, ou a perspectiva crítica da Demitologização de Rudolf Bultmann. Deste modo, calvinistas colocam-se ombro a ombro com outros teólogos não-calvinistas por aceitarem a veracidade, inerrância e credibilidade integral da Escritura Sagrada: Sola Scriptura. Ainda assim, procurarei indicar teólogos de tradição reformada que têm produzido uma literatura com contornos explicitamente calvinistas.

Como toda lista ela sempre estará desatualizada, mesmo porque as editoras não param de lançar a cada semestre, outros livros que poderíamos endossar aqui. Deste modo, caso alguém queira contribuir com uma indicação, por favor, sinta-se à vontade para comentar e sugerir, e como esta lista visa os estudantes brasileiros, caso algumas das obras citadas em inglês esteja lançada em português avisem-me.

Notas
[1] Para um esclarecimento do que afirmo veja Abraham Kuyper, Calvinismo (Editora Cultura Cristã).
[2] James Orr, El Progreso del Dogma, (Barcelona, CLIE), pág. 233.
[3] Veja Norma Geisler, Eleitos, mas livres (Editora Vida). Para ler a resenha do livro click aqui.
[4] Caso queira ir direto ao assunto e ler algo realmente proveitoso sugiro Heber C. de Campos, O Ser de Deus e as suas obras - A Providência de Deus (Editora Cultura Cristã).

07 janeiro 2010

Resumo dos Princípios

Os parágrafos que seguem são das regras fundamentais do Southern Baptist Theological Seminary escritas em 30 de Abril de 1858: “9. Cada professor da Instituição deve ser membro regular de uma igreja Batista; e todo aquele que aceitar um professorado neste Seminário, se considerará por sua aceitação, como de acordo com, e nunca contrário ao Resumo dos Princípios que se expõe” (Mueller, History of Southern Seminary; Broadman Press, p. 238).

1. As Escrituras
As Escrituras do Antigo e Novo Testamento foram dadas por inspiração de Deus, e constituem a única e suficiente regra de autoridade de conhecimento, de fé e da obediência salvadores.

2. Deus
Há somente um Deus, o Criador, Preservador e Governador de todas as coisas, que tem em si, e por si mesmo todas as perfeições, sendo infinito em todas elas, e todas as criaturas lhe devem amor, reverência e obediência.

3. A Trindade
Deus se revela a nós como Pai, Filho e Espírito Santo cada um com atributos pessoais distintos, mas sem divisão de natureza, essência e ser.

4. Providência
Deus desde a eternidade decreta e permite todas as coisas que ocorrem, e sustenta, dirige e governa perpetuamente todas as criaturas e todos os eventos; mas, sem ser de algum modo o autor, ou cúmplice do pecado, de modo que viesse a destruir a livre vontade e responsabilidade das criaturas inteligentes.

5. Eleição
A eleição é a escolha eterna que Deus faz de pessoas para a vida eterna – não por causa de algum mérito que Deus tenha visto de antemão nelas, mas, por causa de sua misericórdia em Cristo – como conseqüência do qual são chamados, justificados e glorificados.

6. A Queda do Homem
Deus originalmente criou o homem a Sua própria imagem, livre do pecado; mas, pela tentação de Satanás, o homem transgrediu o mandamento de Deus, caiu do seu estado original de santidade e justiça; por causa disso, a sua descendência herdou uma natureza corrupta e completamente oposta a Deus e a Sua lei, estando sob condenação, e assim, como são capazes de ação moral, tornam-se atuais transgressores.

7. O Mediador
Jesus Cristo, o Filho de Deus, é o mediador divino designado entre Deus e o homem. Tendo assumido para Si a natureza humana, mas sem pecado, Ele cumpriu perfeitamente a lei, sofreu e morreu na cruz pela salvação de pecadores. Foi sepultado, e ressuscitou ao terceiro dia, e ascendeu a Seu Pai, cuja destra está para interceder pelos Seus. Ele é o único Mediador, o Profeta, Sacerdote e Rei da Igreja e Soberano do Universo.

8. Regeneração
A Regeneração é uma mudança de coração, produzida pelo Espírito Santo, que dá vida ao que está morto em delitos e pecados, iluminando as suas mentes salvadora e espiritualmente para entender a Palavra de Deus, e renovando toda a sua natureza, de modo que possam amar e praticar a santidade. Isto é obra unicamente da livre e especial graça de Deus.

9. Arrependimento
O arrependimento é uma graça evangélica, dentro de uma pessoa que pelo Espírito Santo lhe sensibiliza a respeito de sua natureza ímpia e de seu pecado, para que se humilhe por esta causa, com dor genuína, aborrecimento disto, e auto-aversão, com o propósito e meta de mudar de caminho diante de Deus, para agradar-lhe em todas as coisas.

10. Fé
A fé que salva é o crer, de todo coração, no que pela autoridade de Deus está revelado em Sua Palavra acerca de Cristo; aceitando e confiando somente nEle para justificação, e a vida eterna. Esta fé é forjada no coração pelo Espírito Santo, e vem acompanhada por todas as outras graças salvadoras, e leva a uma vida de santidade.

11. Justificação
A justificação é a completa e graciosa absolvição, que Deus dá aos que crêem em Cristo, de todo o pecado, por meio da satisfação que Cristo fez; não por coisa alguma que tenham realizado, ou que tenha se encontrado neles; mas, por causa da obediência e satisfação de Cristo, recebem esta justificação e descansam nEle, e em Sua justiça pela fé.

12. Santificação
Aqueles que foram regenerados, também são santificados, pela palavra de Deus e pelo Espírito que habita neles. Esta santificação é progressiva por meio do poder de Deus, a qual todos os santos buscam obter, esperando uma vida celestial em cordial obediência a todos os mandamentos de Cristo.

13. Perseverança dos Santos
Aqueles a quem Deus aceitou no Amado, e santificados por Seu Espírito, nunca cairão total, ou finalmente do estado de graça, mas, certamente perseverarão até o fim; e, ainda que lhes seja possível cair em pecado, por negligência e tentação, entristecendo o Espírito e deteriorando as suas graças e consolo, trazendo a reprovação para a Igreja, e juízo temporal sobre si mesmos, serão levados a um novo arrependimento, e mantidos pelo poder de Deus por meio da fé para a salvação.

14. A Igreja
O Senhor Jesus é a Cabeça da Igreja que compõe de todos os seus verdadeiros discípulos, e nEle está investida de supremo poder para o seu governo. De acordo com este mandamento, os cristãos devem se associar em sociedades particulares ou igrejas; e, a cada uma destas igrejas Ele dá autoridade necessária para administrar esta ordem, disciplina e adoração que Ele exige. Os oficiais regulares de uma Igreja são os bispos, ou anciãos, e diáconos.

15. Batismo
O Batismo é uma ordenança do Senhor Jesus, obrigatória a cada crente, no qual é imerso em água em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo, como um sinal de sua participação na morte e ressurreição de Cristo, da remissão de pecados, e do oferecimento de sua vida ao Senhor, para viver e caminhar em nova vida. É um pré-requisito para a comunhão da Igreja e participar da Ceia do Senhor.

16. A Ceia do Senhor
A Ceia do Senhor é uma ordenança de Jesus Cristo, para ser administrada com os elementos do pão e vinho, e que deve ser observada por suas igrejas até o fim do mundo. Não é em nenhum sentido um sacrifício, mas está designada para comemorar a sua morte, para confirmar a fé, e outras graças dos cristãos, e para ser um meio de união e renovação de sua comunhão com Ele e também da sua igreja.

17. O Dia do Senhor
O dia do Senhor é uma instituição cristã de observância regular, e deve ser usada para a adoração e devoção espiritual, tanto pública como privada, descansando das atividades mundanas e diversões, excetuando as obras de misericórdia e necessidade.

18. Liberdade de Consciência
Deus somente é o Senhor da consciência, e Ele a deixou livre das doutrinas e mandamentos de homens, que sejam de alguma forma contrárias a Sua palavra, ou que não estejam contidos nela. Como os magistrados civis são ordenados por Deus, se lhes deve submissão em tudo o que seja legal, não somente pela punição, mas por causa da consciência.

19. A Ressurreição
Os corpos dos homens depois da morte voltam ao pó, mas os seus espíritos retornam imediatamente a Deus – os justos para descansar com Ele; os ímpios, para serem reservados em trevas para o juízo. No dia final, os corpos dos mortos, tantos justos como injustos, serão ressuscitados.

20. O Juízo
Deus determinou um dia, no qual julgará ao mundo por meio de Jesus Cristo, quando cada um receberá de acordo com as suas obras: os ímpios irão ao castigo eterno, e os justos para a vida eterna.


Extraído do Apêndice de James P. Boyce, Abstract of Systematic Theology, edição de 1887.

Tradução livre:
Rev Ewerton B Tokashiki

28 outubro 2009

Ellen G. White falou a verdade? - parte 2

EVIDÊNCIAS HISTÓRICAS ANTERIORES À CONSTANTINO

Sem recorrermos ao Novo Testamento como prova histórica,[1] é possível evidenciar documentalmente que os cristãos observaram o primeiro dia da semana desde os seus primórdios? Devemos recordar que o argumento de Ellen G. White é que o abandono do sétimo dia para a guarda do domingo somente ocorreu em 321 d.C. quando Constantino promulgou a “Lei Dominical”. Leiamos o que registraram os pais da Igreja, nos séculos que antecederam à Constantino, e a nossa conclusão poderá descansar sobre o firme alicerce da verdade.

Didaquê
O mais antigo manual de preparação de batismo e discipulado da Igreja Cristã (80-90 d.C.) conhecido por Didaquê instrui como deveria ser a vida comunitária. A orientação era de que “reúnam-se no dia do Senhor para partir o pão e agradecer, depois de ter confessado os pecados, para que o sacríficio de vocês seja puro.”[2] A expressão Dia do Senhor, em grego kuriakê heméra e, em latim Dies Domini tornou-se o termo para indicar o primeiro dia da semana, a que chamamos de Domingo, o dia em que o Senhor ressuscitou!

Inácio de Antioquia
Inácio de Antioquia em sua Carta aos Magnésios (110 d.C.) declara que
aqueles que viviam na antiga ordem de coisas chegaram à nova esperança, e não observam mais o sábado, mas o dia do Senhor, em que a nossa vida se levantou por meio dele e da sua morte. Alguns negam isso, mas é por meio desse mistério que recebemos a fé e no qual perseveramos para ser discípulos de Jesus Cristo, nosso único Mestre.[3]


A sistematização doutrinária exposta por Inácio aponta para a transição da antiga para a nova aliança. Esclarece que a ressurreição de Cristo é a causa da descontinuidade e acomodação para a nova ordem, e, isto inevitavelmente envolve a mudança do dia de descanso do sétimo para o primeiro dia da semana, inaugurando uma nova era.

Plínio “o jovem”
Conhecido por ser justo em seus julgamentos, Plínio “o jovem”, segundo o seu relato, procurava através de tortura e questionamentos descobrir o grau de culpabilidade do réu. Num período em que o imperador romano Trajano exigia a prisão, tortura, e dependendo do caso a pena de morte dos cristãos, e, neste contexto Plínio escreve uma carta questionando do motivo de prender e executá-los, se neles nenhum motivo de culpa era encontrado. Em 113 d.C., o relator descreve que os cristãos, sob tortura, confessaram que “unânimes em reconhecer que sua culpa se reduzia apenas a isso: em determinados dias, costumavam comer antes da alvorada e rezar responsivamente hinos a Cristo como a um deus...”.[4]

O testemunho do governador pagão expressou admiração com o costume cristão. Não havia nada de absurdo, nem ofensivo naquela religião. A menção de determinados dias confirma que as suas reuniões seguiam uma norma semanal, e que antes do amanhecer se reuniam.

A carta a Diogneto
O desconhecido escritor da Carta a Diogneto afirma que “não creio que tenhas necessidade de que eu te informe sobre o escrúpulo deles a respeito de certos alimentos, a sua superstição sobre os sábados...”.[5] Em 120 d.C., o contraste entre cristãos e judeus estava estabelecido, de modo que a guarda do sétimo dia era visto pelos cristãos como sendo uma superstição judaica, e não como algo normativo para a Igreja.

A carta de Barnabé
Um importante documento histórico apresenta alguns traços do Cristianismo do século II. A “carta de Barnabé” não tem autoria certa, mas pelo seu conteúdo a crítica literária especializada em patrística é de consenso datá-la entre 134-135 d.C.. O autor interpreta o significado do sábado. Ele declara que
vede como ele diz: não são os sábados atuais que me agradam, mas aquele que eu fiz e no qual, depois de ter levado todas as coisas ao repouso, farei o início do oitavo dia, isto é, o começo de outro mundo. Eis por que celebramos como festa alegre o oitavo dia, no qual Jesus ressuscitou dos mortos e, depois de se manifestar, subiu aos céus.[6]


O seu conteúdo é abertamente contrário aos sistemas judaizantes. Nesta interpretação acerca do sábado, o autor contrasta entre o entendimento do Judaísmo e o Cristianismo.

Justino de Roma
O apologista cristão expressou que “no dia que se chama do sol, celebra-se uma reunião de todos os que moram nas cidades ou nos campos, e aí se lêem, enquanto o tempo o permite, as memórias dos apóstolos ou os escritos dos profetas.” Noutro lugar ele continua
celebramos essa reunião geral no dia do sol, porque foi o primeiro dia em que Deus transformando as trevas e a matéria, fez o mundo, e também o dia em que Jesus Cristo, nosso Salvador, ressuscitou dos mortos. Com efeito, sabe-se que o crucificaram um dia antes do dia de Saturno e no dia seguinte ao de Saturno, que é o dia do Sol, ele apareceu a seus apóstolos e discípulos, e nos ensinou essas mesmas doutrinas que estamos expondo para vosso exame.[7]


A preocupação de Justino não era de firmar novas doutrinas, mas apenas de expor aos seus inquisitores o que era crença e prática tradicional dentro do Cristianismo. A sua I Apologia é datada em 155 d.C. apontando para a proximidade da era apostólica, um período de pureza na fé cristã.

Irineu de Lião
Enquanto Justino defendia os cristãos diante dos governadores pagãos, Irineu se dedicava a atacar as heresias que brotavam dentro do Cristianismo. Irineu como apologista analisava os desvios doutrinários que haviam se infiltrado dentre os cristãos. Especificamente para o nosso propósito selecionamos os heréticos que se nomeavam ebionitas,[8] que segundo Irineu eles “praticam a circuncisão e continuam a observar a Lei e os costumes judaicos da vida e até adoram Jerusalém como se fosse a casa de Deus.”[9] Além de negar a salvação somente pela graça e a sua suficiência em Cristo, os ebionitas ensinavam uma redenção por meio da obediência da lei. Dentre os “costumes judaicos da vida” incluíam a prática de guardar o sétimo dia. Eles não entenderam a cessação dos aspectos civis da lei, nem o seu cumprimento cerimonial em Cristo, de modo que, persistiam em exigi-los como complemento da salvação, e nisto consistia a sua heresia. O livro Contra as Heresias é datado entre 180 a 190 d.C..

Tertuliano
No início do século III os cristãos demonstravam desprezo pelos costumes judaizantes. Em seu livro Da Idolatria, escrito entre os anos 200 e 210 d.C., Tertuliano declara que “não temos praticado os Shabbats ou, outras festividades judaicas, do mesmo modo que evitamos as práticas pagãs.”[10] A sua afirmação esclarece que, tanto a idolatria quanto práticas judaicas, eram evitadas no mesmo pé de igualdade. Não há dúvidas de que o descanso cristão no fim do século II era marcadamente o domingo, da mesma forma que o exclusivismo cristão testemunhava contra pagãos e judeus!

Conclusão
As evidências exigem um veredicto! A declaração da senhora Ellen G. White é insustentável por causa da ausência de fontes e de provas. A verdade está contra ela, pois todo testemunho histórico aponta para a celebração do primeiro dia da semana como sendo o santo dia de descanso, de comunhão e de celebração dos cristãos primitivos que antecederam a “Lei Dominical” de Constantino.

Todos os editos e leis foram promulgados para que os seus súditos incentivados por benefícios civis adotassem a religião cristã. O império romano estava se adaptando ao Cristianismo e não o contrário. Assim, o primeiro dia da semana tornou-se descanso civil, por ser tradicionalmente desde o final do primeiro século um dia reservado para o culto cristão.

Evidências históricas apontam para o favorecimento do imperador romano para o Cristianismo. O que vimos foi que a Igreja no período da Patrística não somente evitava a guarda do sétimo dia, mas desprezava-a como sendo superstição, idolatria e heresia judaizante! Não há no puro Cristianismo nenhum grupo, em nenhum lugar e período que celebrasse o sábado como o dia cristão.


NOTAS:
[1] Deixo esclarecido que aceito a plena inerrância e historicidade do Novo Testamento. Apenas não recorrerei a textos do NT para evitar uma discussão exegética, mantendo-me apenas na análise histórica extrabíblica. Aqueles que têm alguma dúvida quanto à historicidade do NT sugiro a leitura de Eta Linnermann, Crítica Histórica da Bíblia (São Paulo, Editora Cultura Cristã, 2009). Talvez, numa outra oportunidade postarei a exposição bíblica dos motivos de se guardar o Domingo como sendo o SHABBATH na Nova Aliança, e não mais o sétimo dia, como o era na Antiga Aliança.
[2] Didaquê in: Patrística (São Paulo, Editora Paulus, 1995), vol. 1, pág. 357.
[3] Inácio de Antioquia – Epístola aos Magnésios – Padres Apostólicos in: Patrística (São Paulo, Editora Paulus, 1995), vol. 1, pág. 94.
[4] Henry Bettenson, ed., Documentos da Igreja Cristã (São Paulo, ASTE, 4ªed., 2001), págs. 29-30.
[5] Carta a Diogneto – Pais Apologistas in: Patrística (São Paulo, Editora Paulus, 1995), vol. 2, pág. 21.
[6] Carta de Barnabé – Pais Apologistas in: Patrística (São Paulo, Editora Paulus, 1995), vol. 1, pág. 311.
[7] Justino de Roma, I Apologia in: Patrística (São Paulo, Editora Paulus, 2ªed., 1995), vol. 3, págs. 83-84.
[8] Sabe-se que “eram judeus que aceitavam Jesus como o Messias ao mesmo tempo em que continuavam a afirmar que Paulo era um apóstota da lei, negavam o nascimento virginal, praticavam a circuncisão, observavam o Sábado, a Páscoa e outras festividades judaicas”. Robert G. Clouse, et. al., Dois reinos (São Paulo, Editora Cultura Cristã, 2003), pág. 33.
[9] Irineu de Lião, Contra as Heresias in: Patrística (São Paulo, Editora Paulus, 2ª ed., 1995), vol. 4, pág. 108.
[10] Tertulian, On Idolatry in: Ante-Nicene Fathers, vol. 3, pág. 70 citado em G.H. Waterman, Sabbath in: The Zondervan Pictorial Encyclopedia of the Bible (Grand Rapids, Zondervan Publishing, 1977), vol. 5, pág. 187. Este pai da Igreja é conhecido por causa da sua ortodoxia trinitária. O termo “Trindade” foi cunhado por ele, e Philip Schaff concede-lhe o título de fundador do Cristianismo Latino.

27 outubro 2009

Ellen G. White falou a verdade? - parte 1

É verdade? Cadê a prova?

Ellen G. White é conhecida como sendo uma das principais expoentes do movimento sabatista moderno. Em seu mais lido livro O Grande Conflito afirma que
o imperador Constantino promulgou um decreto fazendo do domingo uma festividade pública em todo o Império Romano (ver Apêndice). O dia do sol era reverenciado por seus súditos pagãos e honrado pelos cristãos. Foi instado a fazer isto pelos bispos da igreja. Inspirados pela sede de poder, perceberam que, se o mesmo dia fosse observado tanto por cristãos quanto por pagãos, isto resultaria em maior poder e glória para a igreja. Mas, conquanto muitos cristãos tementes a Deus fossem gradualmente levados a considerar o domingo como possuindo certo grau de santidade, ainda mantinham o verdadeiro sábado e o observavam em obediência ao quarto mandamento.
[1]

A declaração da senhora White a respeito deste momento histórico merece algumas considerações. Talvez, alguém questione porque eu dedicaria o meu tempo em refutar tão infundada afirmação. A resposta impulsiona do meu amor pela verdade. O volume que tenho em mãos em sua contracapa declara: “mais de 10 milhões de exemplares vendidos em 65 línguas”; e, a minha edição é de 2004. Alguns volumes a mais foram publicados neste meio tempo até hoje! Isto significa que desde que este livro foi escrito, sendo traduzido e divulgado, o seu conteúdo foi ensinado para milhares de pessoas. Em conversa com sabatistas sempre ouvi que quem mudou a guarda do sétimo dia para o domingo fora o imperador romano Constantino, mas não sabia a fonte de onde procedia esta idéia, até que ganhei um exemplar de O Grande Conflito e pude lê-lo.

Sinto-me constrangido por um segundo motivo a escrever uma resposta à sua declaração. Ellen Gould White (1827-1915)[2] embora tenha origem metodista, a sua família recebeu influência do movimento milenarista e sabatista procedente de William Miller (1782-1849) que profetizou a vinda de Cristo para o dia 22 de Outubro de 1844, fato que nunca ocorreu. Após serem excluídos da Igreja Metodista, por divergência doutrinária, associaram-se ao movimento adventista, sendo que ela tornou-se a sua líder e profetiza,[3] e durante um ministério de aproximadamente setenta anos, alegou ter recebido duas mil visões e sonhos proféticos.[4] Numa de suas profecias ela afirma que a guarda do domingo é a marca da besta.[5] Não perderei tempo analisando tão insana afirmação, visto que não há nada na Escritura Sagrada que autorize interpretar com este significado o texto de Ap 13, como o faz a senhora White.

Passemos imediatamente a analisar o que esta escritora disse em O Grande Conflito. Primeiro ela simplesmente menciona um decreto promulgado por Constantino, e a respeito deste documento, em que nenhuma fonte é citada, nem se afirma com necessária clareza o teor do conteúdo desta lei imperial. Talvez, ela não soubesse que história se escreve com documentos. Entretanto, ela induz o leitor a entender que este texto foi responsável pela mudança da observância do descanso do sábado para o domingo. Conforme a sua interpretação histórica, a senhora White alega que interesses políticos, e até evangelísticos fizeram com que os líderes cristãos, contemporâneos do imperador romano, contribuíssem para a transição da guarda do sétimo para o primeiro dia da semana.

Embora a autora não forneça nenhuma fonte da sua alegação, os editores o fizeram. Contudo, a bibliografia mencionada volta-se contra eles mesmos.[6] O historiador Albert H. Newman argumenta que a suposta conversão de Constantino [cerca de 310 d.C.] favorecia socialmente os cristãos no seu império. O Cristianismo não estava sofrendo mutações para adaptar-se aos romanos, mas o império pagão estava se moldando ao costumes cristãos.[7] Newman menciona uma série de favores que o imperador concedia aos cristãos, por exemplo, como os contidos no Edito de Milão (313 d.C.),[8] a isenção da liderança cristã do serviço militar e de impostos públicos (313 d.C.),[9] aboliu práticas e festividades pagãs que fossem públicas (315 d.C.), concedeu o direito privado às igrejas locais (321 d.C.) e tornou um dever civil o descanso no domingo, conforme era o costume cristão (321 d.C.).[10] Assim, o Dies Domini celebrado no primeiro dia da semana passou a ser descanso estatal.[11] O historiador Philip Schaff esclarece que Constantino
é o fundador, de no mínimo, da observância civil do Domingo, em que somente deste modo a sua observância religiosa na igreja poderia se tornar universal e propriamente assegurada. No ano de 321, ele editou uma lei proibindo o trabalho manual nas cidades e todas as transações judiciais, e posteriormente também o exercício militar no Domingo.[12]


Em outras palavras, o domingo não se tornou obrigatoriamente um dia de descanso para os cristãos por causa da lei de Constantino. Mas, o decreto tornou um dever civil o que por séculos era o costume religioso dos cristãos.


Notas:
[1] Ellen G. White, O Grande Conflito (Tatuí, Casa Publicadora Brasileira, 7ª ed., 2004), pág. 33.
[2] Para maiores detalhes veja A.A. Hoekema, Adventismo del Septimo Dia (Kalamazoo, SLC, 1990).
[3] Em suas CRENÇAS FUNDAMENTAIS DA IGREJA ADVENTISTA DO 7º DIA declara que “18. O Dom de Profecia - Um dos dons do Espírito Santo é a profecia. Este dom é uma característica da Igreja remanescente e foi manifestado no ministério de Ellen G. White. Como a mensageira do Senhor, seus escritos são uma contínua e autorizada fonte de verdade e proporcionam conforto, orientação, instrução e correção à Igreja. (Joel 2:28 e 29; Atos 2:14-21; Heb. 1:1-3; Apoc. 12-17; 19:10)” extraído de http://www.adventistado7dia.org/iasd/crencas-fundamentais acessado em 7/10/2009.
[4] J.D. Douglas, White, Ellen Gould in: Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã (São Paulo, Edições Vida Nova, 1990), vol. 3, pág. 646.
[5] J.K. Van Baalen, O Caos das Seitas (São Paulo, Imprensa Bíblica Regular, 1970), pág. 155.
[6] Os editores no indicado “Apêndice” mencionam a LEI DOMINICAL DE CONSTANTINO apontam para a obra do historiador reformado Philip Schaff, History of the Christian Church, vol. III, cap. 7. Todavia, na mesma seção [75], em seu primeiro parágrafo Schaff diz “a observância do Domingo originou no tempo dos apóstolos, e as formas básicas da adoração pública, com o seu honrar, santificar e exultante influência em todas as terras cristãs”, pág. 300. É estranho que a fonte que os editores citam para favorecer a tese de que a mudança era do período de Constantino (321 d.C.), inicie o texto com esta declaração!
[7] Outra obra citada no “Apêndice” como evidência a favor da tese da senhora White é o livro-texto do batista Albert H. Newman, A Manual of Church History. Mas, a discussão desenvolvida por Newman é contrária à tese sabatista!
[8] O edito encontra-se na sua íntegra transcrito na obra Eusébio de Cesaréia, História Eclesiástica in: Patrística (São Paulo, Editora Paulus, 2000), vol. 15, págs. 491-494.
[9] Veja este outro edito em Eusébio de Cesaréia, História Eclesiástica, vol. 15, págs. 499-500.
[10] Kenneth S. Latourette, Historia del Cristianismo (El Paso, Casa Bautista Publicaciones, 1976), vol. 1, págs., 132-133.
[11] Albert H. Newman, A Manual of Church History (Philadelphia, The American Baptist Publication Society, 1953), vol. 1, págs. 306-307.
[12] Philip Schaff, History of the Christian Church (Albany, Ages Software, 1997), vol. III, pág. 301.