20 janeiro 2013

Pena de morte: o que a Bíblia diz?

A impunidade aumenta a criminalidade. Isto é um fato! Será que as nossas leis são suficientemente duras a ponto de corrigirem, ou inibirem a desordem social? Seria a pena de morte uma punição justa e até necessária em nosso contexto brasileiro? Este é um assunto polêmico que apresenta dificuldades, e algumas questões precisam ser levantadas e respondidas em nosso estudo sobre o assunto. Primeiro, a Bíblia proíbe, ordena ou autoriza a pena de morte? Segundo, a pena de morte seria justamente aplicável e promoveria a segurança em nosso contexto social? E terceiro, quem seria responsável pelo julgamento e aplicação da pena capital?

A proposta desta lição é de estudarmos o tema, assumindo que a Bíblia nem ordena, nem proíbe a pena capital, mas a permite como dispositivo punitivo caso o nosso país decida adotá-lo, e que ela amenizaria a criminalidade em nossa sociedade.

ESCLARECENDO O FUNDAMENTO

A Bíblia, como nossa única regra de fé e prática proíbe, ordena ou autoriza a pena de morte? Mesmo numa leitura superficial do Antigo Testamento encontraremos a ordenança de matar pessoas seguindo alguns critérios da lei civil de Israel entregue por Deus a Moisés. Não há proibição contra a pena de morte na antiga Aliança. Encontramos no Antigo Testamento o 6º mandamento “não matarás”. Todavia, esta lei não significava a proibição de toda morte como sentença penal. Pode-se perceber que a palavra hebraica rasah traduzida por “matar”, não expressa a força e significado do verbo original, seria melhor vertê-la por “não assassinarás”. Assim, deve-se considerar que a proibição do 6º mandamento é contra o assassinato, ou a vingança pessoal, e não uma proibição da execução penal de um criminoso pelo governo instituído por Deus.

O Catecismo Maior de Westminster quanto à significação do 6º mandamento esclarece que a sua proibição envolve “Quais são os pecados proibidos no sexto mandamento? Resposta: Os pecados proibidos no sexto mandamento são: o tirar a nossa vida ou a de outrem, exceto no caso de justiça pública, guerra legítima, ou defesa necessária; a negligência ou retirada dos meios lícitos ou necessários para a preservação da vida; a ira pecaminosa, o ódio, a inveja, o desejo de vingança; todas as paixões excessivas e cuidados demasiados; o uso imoderado de comida, bebida, trabalho e recreios; as palavras provocadoras, a opressão, a contenda, os espancamentos, os ferimentos e tudo o que tende à destruição da vida de alguém. (At 16.28; Gn 9.6; Nm 35.31,33; Hb 11.32-34; Êx 22.2; Mt 25.42,43; Mt 5.22; 1 Jo 3.15; Pv 14.30; Rm 12.19; Tg 4.1; Mt 6.31,34; Lc 21.34; Êx 20.9.10; 1 Pe 4.3,4; Pv 15.1; Pv 12.18; Is 3.15; Nm 35.16; Pv 28.17).”[1] Assim, desde o suicídio, o assassinato, a guerra justa, a defesa pessoal, a negligência da segurança, sentimentos maus, palavras ferinas, a intemperança e a agressão física são todos aspectos implícitos ordenados ou proibidos no 6º mandamento.

Lemos algumas vezes no Antigo Testamento a ordenança de executar pessoas, famílias, ou os habitantes de Canaã (Êx 21:23-24; Js 7:1-26; Dt 21:18-21). A pena de morte foi socialmente sancionada por Deus nos casos de “assassinato premeditado (Êx 21:12-14); sequestro (Êx 21:16; Dt 24:7); adultério (Lv 20:10-21; Dt 22:22); incesto (Lv 20:11-12, 14); bestialidade (Êx 22:19; Lv 20:15-16); desobediência aos pais (Dt 17:12; 21:18-21); ferir ou amaldiçoar os pais (Êx 21:15; Lv 20:9; Pv 20:20; Mt 15:4; Mc 7:10); falsas profecias (Dt 13:1-10); blasfêmia (Lv 24:11-14; 16:23); profanação do sábado (Êx 35:2; Nm 15:32-36); e sacrifícios aos falsos deuses (Êx 22:20).”[2] A intenção da pena de morte no Antigo Testamento era de frear pecados sociais de um povo que viveu mais de 400 anos como escravo, influenciado pela cultura pecaminosa egípcia e sem uma referência clara da justiça divina. Deus ordenou a pena de morte na Lei, porque Ele é o soberano sobre tudo e sempre justo juiz em punir.

O processo e a aplicação da pena não era arbitrária, mas criteriosamente estabelecida por Deus. D.W. Van Ness escreve que “lendo o AT revela que se aplicavam proteções evidenciais e processuais para abordar casos que mereceriam a pena de morte. Estas medidas incluem a proporcionalidade (Êx 21:23-35); a certeza da culpa estabelecida por duas testemunhas (Dt 17:6; Nm 35:30); a intencionalidade (Nm 35:22-24); as provisões processuais incluíam as cidades refúgio que protegiam o acusado até o momento do seu julgamento (Nm 35); a responsabilidade individual (Dt 24:16); a justiça do procedimento legal, independentemente do status econômico do acusado dentro da comunidade (Êx 23:6-7); e, a limitação da hora de se aplicar a pena de morte (Ez 33:11).”[3] Aqui vemos Deus estabelecendo a ordem e a sua santidade e justiça no meio do seu povo. Ao matar ou causar dano grave o assassino perderia o direito à vida. Moisés declarou que “quem ferir o outro, de modo que este morra, também será morto” (Êx 21:12), e este é o mesmo princípio básico para a aplicação da pena de morte anteriormente ordenado por Deus à Noé após o dilúvio (Gn 9:6).

A lei civil e cerimonial entregue a Israel não é válida para hoje, embora o princípio moral, ou a lei moral tem a sua continuidade no Novo Testamento. Isso significa que não podemos interpretar as ordens de execução como estão no Antigo Testamento e aplicá-las literalmente hoje. As leis civis regularam Israel enquanto nação teocrática, e as leis cerimoniais tiveram validade até a morte de Cristo. Mas, a lei moral que são os Dez Mandamentos tem plena validade para hoje. Assim, os juristas brasileiros poderiam, como no passado o fizeram, se valer dos princípios absolutos da Escritura Sagrada para formular as doutrinas penais, decidindo por um sistema judiciário por princípios bíblicos e menos antropocêntrico. O princípio moral para se criar uma lei que exija a morte do criminoso é atual, e teria autorização tanto no Antigo Testamento, como no Novo Testamento.

No Novo Testamento a pena de morte continua como uma prática comum, no entanto, aplicada pelo império romano e não mais pelos juízes de Israel. O Sinédrio de Jerusalém participava do processo de condenação levantando as provas, fazendo a denúncia e entregando o criminoso às autoridades romanas para a sentença final e execução do criminoso. A partir daí dentro da hierarquia do governo romano, desde a administração municipal até o governador da província, se fosse um nativo julgado a sentença terminaria na opinião do governador. Se o réu fosse cidadão romano poderia recorrer à última instância apelando a César, ou seja, seria julgado pela república, ou pelo próprio imperador. Por exemplo, Jesus valida a pena de morte, com a sua própria morte (At 2:22-24; At 4:26-30), bem como Paulo, em Rm 13:1-5, fala do uso da espada pelo magistrado em punir com morte, e ele mesmo durante o seu julgamento se sujeita à pena capital, caso a merecesse (At 25:8-11). Sabemos pelos relatos históricos que o apóstolo foi executado sob a ordem do imperador Nero. Segundo a tradição todos os apóstolos, com exceção de João, foram executados. A pena de morte produziu os mártires da Igreja, e o seu sangue foi a semente missionária para a expansão do Cristianismo primitivo.

Não há na Escritura Sagrada qualquer proibição ou oposição à pena de morte. Entretanto, ela não exige o seu uso incondicional. A Bíblia autoriza a pena capital, caso algum país queira aprová-la, e sanciona a sua aplicação como legítima diante de Deus.


CONCLUSÃO

Concluímos que a Bíblia nem ordena, nem proíbe a pena capital, mas a permite como dispositivo punitivo caso o nosso país decida adotá-lo. Assim, podemos protestar a seu favor, caso entendamos que seja necessário a aplicação de penas mais rígidas, como a pena de morte em nossos tribunais.

A pena de morte promove a vida de quem quer viver. O “não matarás” é uma advertência para quem não quer se tornar um assassino. Isto significa que se o indivíduo matou, perdeu o direito de viver. A autoridade instituída por Deus tem o dever de proteger com a espada, e com este mesmo instrumento punir o criminoso impedindo-o de ser uma possível ameaça aos cidadãos de bem.

A pena capital não é algo realizado por vingança familiar, nem sem critérios objetivos da gravidade do crime em que se dará a condenação. A sentença será dada pelo Estado, um juiz especializado, leis específicas, e sobre um crime doloso e hediondo em que envolve assassinato ou a desonra com dano irreparável do indivíduo, como por exemplo, o estupro.

Talvez, alguém seja contra a pena de morte no Brasil argumentando que sempre é possível um inocente morrer injustamente. De fato, este é a melhor objeção à pena capital. Todavia, a resposta a este argumento é satisfatoriamente dada por Gordon H. Clark quando ele questiona “a pena de morte é inviável pela possibilidade de erro judiciário ou o erro do judiciário deve ser minimizado ao máximo? A continuidade de crimes deve ser garantida por lei?”[4] O sistema legal brasileiro deve ser aperfeiçoado e corrigido e não afrouxar as penas por ter falhas.

Três motivos deveriam nos levar a considerar como necessária a aplicabilidade da pena de morte em nosso sistema judiciário. Primeiro, a influência geral, ou seja, a teoria de que quando uma pessoa é castigada outros criminosos em potencial estariam menos dispostos a cometer os mesmos crimes. Segundo, a influência específica, que é a teoria de que o criminoso castigado não cometerá mais crimes estando morto. E terceiro, a retribuição legal, isto é, a teoria de que o crime exige um castigo com uma pena que lhe seja proporcional. A pena de morte supre perfeitamente a estas exigências. Quando o Estado não castiga o criminoso com uma punição equivalente ao seu crime, ele penaliza a vítima, protege o criminoso, e fomenta a insegurança na sociedade.


PERGUNTAS PARA REFLEXÃO:

1. Se um ladrão entrasse em sua casa, estuprasse e matasse os seus familiares, seria uma pena suficientemente justa a sentença de alguns anos de prisão?
2. Aceitando que o Estado como autoridade é instituído por Deus (Rm 13:1-7) e que ele é portador de espada, isto é, instrumento de pena de morte “pois é ministro de Deus, vingador, para castigar o que pratica o mal” (Rm 13:4b), ele não se torna injusto ao negar-se executar a pena capital sobre os que a merecem?
3. Se existisse a aplicação da pena de morte em nosso sistema penal seria possível que houvesse menos grupos de extermínios, execução por parte da polícia, vinganças entre famílias e outros efeitos colaterais causados pela omissão e impunidade?


NOTAS:
[1] Catecismo Maior de Westminster pergunta/resposta 136.
[2] Hans Ulrich Reifler, A ética dos dez mandamentos (São Paulo, Edições Vida Nova, 1992), p. 116.
[3] D.W. Van Ness, “pena capital” in: David J. Atkinson, org., Diccionario de Ética Cristiana y Teologia Pastoral (Barcelona, CLIE, 2004), pp. 894-896.
[4] Gordon H. Clark, “pena de morte” in: Carl F.H. Henry, org., Dicionário de ética cristã (São Paulo, Editora Cultura Cristã, 2007), p. 441.

19 janeiro 2013

Arminianos presentes no Sínodo de Dort

Os arminianos não participaram do Sínodo de Dort como delegados, e sim, como acusados. Por fim, após insistente inquirição, os remonstrantes entregaram aos conciliares um documento que resumidamente representava o seu pensamento. Este texto doutrinário, escrito de modo tão breve quanto possível, indicou em cinco artigos o que seria a essência do seu sistema defendido. Este documento preservava uma linguagem teológica aparentemente bíblica e com terminologia ortodoxa, entretanto, faltando a coragem de expressão presente nos escritos de Arminius. Os cinco pontos dos Arminianos evidenciam serem incompletas as suas declarações em cada tópico, indicando dissimulação de seu crasso semipelagianismo. Os conciliares rejeitaram os cinco pontos disputados, e condenaram resolutamente a doutrina arminiana.

Vieram arminianos representando as seguintes regiões e igrejas:[1]

Da Gelderland
Henricus Leonem – ministro de Bommel
Bernecus Vezekius – ministro de Echteld
Henricus Hollingerus – ministro de Grave

Do Sul da Holanda
Simon Episcopius – professor de Leiden
Johannes Arnoldi Corvinus – ministro de Leiden
Bernardus Dwinglo – ministro de Leiden
Eduardus Poppius – ministro de Gouda
Nicolas Grevinckhoven – ministro de Rotterdam
Theophilus Rijckewaert – ministro de Brielle

Do Norte da Holanda
Johannes Geesteranus – ministro de Alkmaar
Dominicus Sapma – ministro de Hoorn

De Overijssel
Thomas Goswinus – ministro de Kampen
Assuerus Matthysius – ministro de Kampen

Das igrejas de Walloon
Carolus Niellius – ministro de Utrecht
Simon Goulart – ministro de Amsterdã


Condenados mais de duzentos ministros arminianos foram depostos de seus cargos e alguns deles exilados. Após o Sínodo de Dort, os arminianos desimpedidos de qualquer limitação confessional seguiram dando consistência ao seu sistema teológico. James Orr observa que “o lustre de seus nomes – Episcopius, Grocius, Curcellaeus, Limborch -, e a sua elaboração em tomos imponentes de material dogmático, não podem esconder o fato de que perderam a dimensão de todas as grandes doutrinas, nem as suas tendências crescentes em direção à Ário, Pelágio e Socino.”[2] O movimento originado por Jacobus Arminius continuou levando às implicações últimas do seu pensamento, através de seus discípulos que afastaram-se cada vez mais da teologia calvinista, e consequentemente da ortodoxia cristã. Assim, os remonstrantes embora tenham perpetuado o sistema de Arminius, eles o modificaram em doutrinas essenciais, como por exemplo, a teoria da obra expiatória de Cristo. Nesta importante doutrina Arminius cria como Calvino na teoria da satisfação penal, enquanto os seus discípulos alteraram para a teoria governamental. Ashby argumenta que em alguns pontos importantes Arminius estava mais próximo de Calvino do que dos arminianos.[3] Sabe-se que “na Holanda somente os arminianos aceitavam os socinianos em comunhão.”[4] Esta associação evidencia o crescente afastamento que os remonstrantes mantiveram do Calvinismo e até mesmo do próprio Jacobus Arminius.

NOTAS:
[1] Peter Y. De Jong, ed., Crisis in the Reformed Churches – Essays in Commemoration of the Great Synod of Dort 1618-1619 (Grandville, Reformed Fellowship, Inc., 2008), pp. 259-260.
[2] James Orr, El Progresso del Dogma (Barcelona, CLIE, 1988), p. 239.
[3] Stephen M. Ashby, “Um punto de vista arminiano reformado” in: La seguridad de la salvación – cuatro puntos de vista, J. Mathew Pinson, ed. (Barcelona, CLIE, 2006), pp. 148-153.
[4] Hugh Trevor-Roper, A crise do século XVII – religião, a reforma e a mudança social (Rio de Janeiro, TOPBOOKS Editora, 2007), p. 317.

18 janeiro 2013

Resumo cronológico do Sínodo de Dort

1517 – Lutero fixa as suas teses na porta de Wittenberg (31 de Outubro)
1519 – Conde Edzard inicia a Reforma na Frilândia Oriental
1520 – Carlos V torna o governador dos Países Baixos
1522 – A Bíblia de Lutero é publicada
1523 – Os primeiros mártires em Bruxelas, no sudeste dos Países Baixos
1525 – Os primeiros mártires em Hague, no noroeste dos Países Baixos
1526 – A Bíblia Liesveldt é publicada em Antuérpia
1527 – Inicia o movimento Anabatista nos Países Baixos
1534 – A revolta Anabatista em Münster (Westphalia), Alemanha
1536 – Calvino vai para Genebra
1544 – Pierre Bruly torna no primeiro pregador reformado nos Países Baixos
1550 – Refugiados reformados organizam uma congregação em Londres, Inglaterra
1555 – Ascensão de Felipe II ao soberano dos Países Baixos
1559 – Tratado de Cateau-Cambrésis, findando o conflito entre Espanha e França.
A edição final das Institutas de Calvino
Organização da Academia de Genebra
Criação de bispados nos Países Baixos
1561 – Confissão Belga aprovada
1563 – Catecismo de Heidelberg publicado
1566 – Dathenus publica a sua liturgia, saltério e tradução do Catecismo de Heidelberg
1567 – Duque de Alba vai para os Países Baixos
Guido de Brés e Grange são martirizados por causa de sua fé em Valenciennes
1568 – Interrupção da Guerra de Oito Anos
Convento de Wesel preparatório para a assembleia geral das igrejas holandesas
1571 – Reunião do Sínodo de Emden
1572 – Captura de Brielle, tornando o ponto de guerra do nordeste dos Países Baixos
1573 – Guillherme de Orange professa publicamente a fé reformada
1574 – Organiza a Universidade de Leiden
1576 – Pacificação de Ghent
1579 – União de Utrecht
1581 – Reunião do Sínodo de Middelbrug
Rejeição de Felipe II como soberano das províncias unidas do nordeste dos Países Baixos
Arminius nomeado como professor em Leiden
1584 – Guilherme de Orange assassinado por Balthazar Gerard
1585 – Leicester, como representante da Rainha Elizabete, torna-se governador geral dos Países Baixos
1586 – Reunião do Sínodo de Hague
1591 – Uytenbogaert torna-se pastor da congregação de Walloon em Hague
1594 – Gomarus indicado como professor em Leiden
1598 – Vitória naval da Holanda em Nieupoort
Primeiros esforços missionários pelos reformados
1602 – Os holandeses organizam a Companhia Oriental das Índias
Pestilência em Leiden
1607 – Escrito o Catecismo de Gouda
1609 – Tratado de Paz dos Doze Anos entre a Espanha e os Países Baixos
Arminius morre
1610 – A Remonstrância é redigida
1611 – Conferência em Hague
Contra-Remonstrância é redigida
1613 – Conferência de Delft
1614 – Grotius prepara a sua “Resolução para a Paz nas Igrejas”
1617 – “Resolução Severa” de Oldenbarnevelt entregue pelo Príncipe dos Estados Gerais Maurício que adere aos Reformados
1618 – Abertura do Sínodo de Dort (13 de Novembro)
1619 – Os Estados Gerais autoriza o Sínodo agir como um tribunal eclesiástico para resolver a controvérsia Arminiana (1 de Janeiro)
Demissão dos arminianos do Sínodo (14 de Janeiro)
Adoção dos Cânones (23 de Abril)
Sessão de encerramento do Sínodo (29 de Maio)


Extraído de Peter Y. De Jong, ed., Crisis in the Reformed Churches – Essays in Commemoration of the Great Synod of Dort 1618-1619 (Granville, Reformed Fellowship, Inc., 2008), pp. 233-234.

Traduzido por Rev Ewerton B. Tokashiki

17 janeiro 2013

Os delegados no Sínodo de Dort

As seguintes credenciais foram apresentadas na segunda sessão do Sínodo, durante a manhã da Quarta-feira, em 14 de novembro de 1618:

Da Gelderland
Wilhelmus Stephani – ministro de Arnheim e doutor em teologia
Eilhardus van Mehen – ministro de Harderwyk
Sebastianuas Dammannus – ministro de Zutphen
Johannes Boulietus – ministro de Warnsveld
Jacobus Verheyden – presbítero de Nijmegen e reitor da escola
Henricus van Hel – presbítero de Zutphen e prefeito da cidade

Do Sul da Holanda
Balthazar Lydius – ministro de Dordrecht
Henricus Arnoldi – ministros de Delft
Festus Hommius – ministro de Leiden
Gisbertus Voetius – ministro de Heusden
Arnoldus Muys van Holij – presbítero de Dordrecht
Johannes Latius – presbítero de Leiden

Do Norte da Holanda
Jacobus Rolandus – ministro de Amsterdã
Jacobus Triglandius – ministro de Amsterdã
Abrahamus van Doreslaer – ministro de Enkhuizen
Samuel Bartholdus – ministro de Monnikendam
Theodorus Heyngius – presbítero de Amsterdã
Dominicus van Heemskerc – presbítero de Amsterdã e doutor em direito

Da Zelândia
Hermannus Faukelius – ministro de Middelburg
Godefridus Udemans – ministro de Zierikzee
Cornelius Regius – ministro de Goes
Lambertus de Rijcke – ministro de Bergen-op-Zoom
Josias Vosbergen – presbítero de Middelburg e doutor em direito
Adrianus Hofferus – presbítero de Zierikzee e membro do concílio municipal

De Utrecht
(delegados pelas igrejas que eram da posição Contra-remonstrância)
Johannes Ibbetzius – ministro de Dordrecht, mas delegado pelo Sínodo da Província Utrecht
Arnoldus Ooercampius – ministro de Amersfoort
Lambertus Canterus – presbítero de Utrecht e membro do concílio municipal
(delegados pelas igrejas que eram da posição Remonstrante)
Isaacus Frederici – ministro de Utrecht
Samuel Naeranus – ministro de Amersfoort
Stephanus van Helsdingen – presbítero de Utrecht, doutor em direito e membro do Tribunal da Província

Da Frilândia
Johannes Bogermannus – ministro de Leeuwarden
Florentius Ioannis – ministro de Sneek
Philippus Dannielis F. Eilshemius – ministro de Halingem
Meinardus ab Idzerda – presbítero de Leeuwarden e membro dos Estados da Frilândia
Kempo van Harinxma van Donia – presbítero de Leeuwarden e membro do Tribunal da Província
Johannes vander Sande – presbítero de Leeuwarden, doutor em direito e membro do Tribunal da Província

De Overijssel
Casparus Sibelius – ministro de Deventer
Hermannus Wiferdingius – ministro de Zwolle
Hieronymus Vogelius – ministro de Hasselt, servindo interinamente na igreja de Kampen
Johannes Langius – ministro de Vollenhove
Guilielmus van Broeckhuyzen – presbítero de Zwolle
Johannes van Lauwick – presbítero de Kampen e prefeito da cidade

De Groningen
Cornelius Hillenius – ministro de Groningen
Georgius Placius – ministro de Appingedam
Wolfgangus Agricola – ministro de Bedun
Johannes Lolingius – ministro de Noordbroek
Egbertus Halbes – presbítero de Groningen
Johannes Ruffelaert – presbítero de Stedum

De Drenthe
Themo van Asscheburge – ministro de Meppel
Patroclus Rommelingius – ministro de Ruinen

Das igrejas de Walloon
Daniel Colonius – ministro de Leiden e regente da Faculdade da cidade de Walloon
Johannes de la Croix, ministro de Haarlem
Johannes Doucher – ministro de Vlissinger
Jeremias de Pours – ministro de Middelburg
Everardus Becker – presbítero de Middelburg
Petrus du Pont – presbítero de Amsterdã

Professores de Teologia
Johannes Polyander – doutor em teologia, professor de Leiden e delegado pelos Estados da Holanda e Frilândia
Franciscus Gomarus – doutor em teologia, professor em Groningen e delegado pelos Estados de Groningen e Ommelanden
Anthonius thysius – professor em Harderwyk, delegado pelos Estados de Gelderland e Zutphen
Antonius Walaeus – ministro de Middelburg, professor na academia municipal e delegado pelo Estado da Zelândia

As credenciais seguintes foram apresentadas na terceira sessão do Sínodo, durante a Quarta-feira pela manhã, de 14 de Novembro de 1618.

Delegados como representantes da igreja na Grã Bretanha enviados por James I
George Carleton – bispo de Llandaff
Josephus Hall – doutor em teologia e deão de Winchester
Johannes Davenantius – doutor em teologia e professor em Cambridge
Samuel Wardus – doutor em teologia, arquideão de Taunton e regente da Faculdade de Sidney em Cambridge

Delegados enviados pelo Eleitor do Palatinado
Abrahamus Scultetus – doutor em teologia, professor em Heidelberg e pregador da Corte
Paulus Tossanus – doutor em teologia e membro do Consistório do Baixo Palatinado
Henricus Altingius – doutor em teologia, professor em Heidelberg e regente da Collegia Sapientiae

Delegados enviados pelo Landgrave de Hesse
Georgius Cruciger – doutor em teologia, professor e reitor da Academia de Marburg
Paulus Steinius – pregador da Corte e professor de teologia na Faculdade dos Irmãos em Cassel
Daniel Angelocrator – ministro de Marburg e superintendente das igrejas ao longo dos rios Laen e Eder
Rudolphus Goclenus o Ancião – deão e professor de filosofia na Academia de Marburg

Delegados enviados pelas quatro repúblicas reformadas da Suíça
Johannes Jacobus Breytingerus – ministro de Zurique
Marcus Rutimeyerus – ministro de Berne e doutor de teologia
Sebastianus Beckius – doutor em teologia, professor de Novo Testamento e deão da Faculdade de Teologia de Basel
Wolfgangus Meyerus – ministro de Basel e doutor em teologia
Johannes Conradus Kochius – ministro de Schaffhausen

Delegados enviados pela república e igrejas de Genebra
Johannes Deodatus – ministro de Genebra e professor de teologia
Theodorus Trochinus – ministro de Genebra e professor de teologia

Delegados enviados pela república e igrejas de Bremen
Matthias Martinius – reitor e professor da Escola Illustrious
Henricus Isselburgius – ministro da igreja da Virgem Maria, doutor em teologia e professor de Novo Testamento
Ludovicus Crocius – ministro da igreja de Santo Martin, doutor em teologia e professor de Antigo Testamento e filosofia

Delegados enviados pela república e igreja de Emden
Daniel Barnhardus Eilshemius – o mais antigo ministro de Emden
Ritzius Lucas Grimershemius – ministro de Emden

O Sínodo das Igrejas Reformadas da França, reunido em Cevennes, delegou os seguintes nomes para serem seus representantes no Sínodo de Dort:
Pierre Dumolin – ministro de Paris
Andre Rivet – ministro de Thouars
Jean Chauve – ministro de Sommieres
Daniel Chamier

Em 2 de Outubro de 1618 foi notificado que o rei recusou conceder a permissão àqueles homens para que fossem conduzidos ao país. Falharam as tentativas para persuadi-lo. Então, não houve delegação da França.

As seguintes credenciais foram apresentadas no trigésima quarta sessão do Sínodo, apresentadas na Segunda-feira pela manhã, em 17 de Dezembro de 1618.

Delegados enviados pelo Duque John de Nassau pelas igrejas de Nassau-Wetteravia:
Johannes Bisterveldius – pregador da Corte e superintendente de Siegen
Johannes Alstedius – professor de teologia em Herborn

Margrave Georg Wilhelm também delegou dois homens para representarem as igrejas reformadas de Brandenburg, que foram impedidos de comparecerem por causa da intensa oposição luterana. Os dois indicados foram:
Johannes Bergius – professor em Frankfurt-on-the-Oder
Christoph Storch (também chamado por Pelargus)


Extraído de Peter Y. De Jong, ed., Crisis in the Reformed Churches – Essays in Commemoration of the Great Synod of Dort 1618-1619 (Grandville, Reformed Fellowship, Inc., 2008), pp. 253-257.

Traduzido por Rev Ewerton B. Tokashiki

29 dezembro 2012

Forma de subscrição do Sínodo de Dort

Nós, os ministros[1] que subscrevemos a divina Palavra, sob a jurisdição da Classe _____________________ [2] e, declaramos sinceramente e de boa consciência diante de Deus, sendo esta a nossa subscrição, que de coração entendemos e cremos que todos os artigos e particulares pontos de doutrina contidos nesta Confissão e Catecismo da Igreja Reformada Holandesa, juntos com a declaração de alguns pontos desta doutrina, produzidos no Sínodo Nacional realizado em Dordrecht em 1619, concordam em cada detalhe com a Palavra de Deus. Por isso, prometemos diligentemente ensinar e fielmente defender toda esta doutrina, seja pública ou privadamente, direta ou indiretamente ensinando ou escrevendo, contra qualquer coisa que seja oposta a esta doutrina. Não só rejeitamos todos os erros contrários a esta doutrina que foram condenados pelo Sínodo de Dort, mas, também, desejamos refutar e opor a todo esforço, de modo que, eles se mantenham afastados da igreja. E se em algum momento posterior acontecer de adotarmos alguma diferente consideração ou sentimento contra esta doutrina, prometemos que nem pública ou privadamente proporemos, ensinaremos, ou defenderemos semelhante concepção quer seja em pregação ou escrito, mas, primeiramente revelaremos esta opinião ao consistório,[3] a classe e ao sínodo, de modo que ela possa ser examinada. De imediato, nos submeteremos com espírito voluntário para o juízo do consistório, classe ou sínodo, sob pena de que se agirmos de modo contrário disso, estaremos de pronto suspensos de nossos ofícios. Mas se o consistório, classe ou sínodo ainda com sérias razões de suspeita, de modo a preservar a unidade e sinceridade da doutrina, queira indagar-nos que expliquemos mais plenamente a nossa opinião acerca de algum artigo desta Confissão, Catecismo ou das declarações do Sínodo, também prometemos nos dispor de imediato e voluntariamente responder a qualquer pergunta, sob a mesma pena declarada acima, todavia, reservando a nós mesmos o direito de apelar, se viermos a crer que fomos prejudicados pelo julgamento do consistório, classe ou sínodo, durante o apelo nos submeteremos ao julgamento e determinação do sínodo provincial.

NOTAS:
[1] Tornou-se obrigatório aos ministros da Palavra e demais oficiais a subscrição das "Três Formas de Unidade" das Igrejas Reformadas, ou seja, A Confissão Belga, o Catecismo de Heidelberg e os Cânones de Dort.
[2] Classe ou presbitério. Aqui escreveria o nome da Classe que era membro.
[3] Consistório ou conselho.

Tradução livre:
Ewerton B. Tokashiki
Extraído de Daniel R. Hyde, With Heart and Mouth - An Exposition of the Belgic Confession (Grandville, Reformed Felloship, Inc., 2008), pp. 22-23.

13 dezembro 2012

Aos pastores, presbíteros e diáconos que mentiram em sua ordenação

A sua ordenação foi um ato de singular importância. No Conselho da Igreja local, ou numa Reunião do Presbitério, ou num culto público, você respondeu solenemente algumas perguntas, diante de Deus, das autoridades instituídas por Ele, tendo parte da Igreja de Cristo como testemunha. Após ter se comprometido com um claro e audível SIM, você se ajoelhou, num ato de submissão, e demonstrando verbalmente aceitação e compromisso confessional, foram impostas mãos sobre a sua cabeça para a ordenação como um oficial da IPB!

Alguns dias depois você começa em suas conversações a desdizer o que declarou publicamente. Os seus sermões, estudos, e simples conversas informais levantam discordância da identidade confessional da IPB. Apresenta-se mais "aberto", mais tolerante, e fala num tom mais inteligente e atraente do que os tradicionais, a quem se refere como obscurantistas e frios! Critica o crescimento da igreja local e da IPB, questiona a rigidez da teologia, bem como o desprezo gratuito pelo neopentecostalismo, e começa a afirmar que precisamos de sermos mais práticos, mais piedosos, mais fervorosos, entretanto, o seu discurso não é em direção da verdadeira piedade e sim para uma mudança de paradigma. A liderança adota nova linguagem: vivemos para relacionamentos e para uma nova visão! Assim, se investe em estrutura, marketing, slogans, expressões afetivas e menos conteúdo doutrinário, menos profundidade bíblica.

Em seguida, você fala abertamente de suas discordâncias doutrinárias. Por exemplo, afirma ser a favor da contemporaneidade dos dons revelacionais! Dá oportunidade para que os irmãos "manifestem" estes dons [línguas e profecias] casos os tenham ou queiram buscá-los! E que não tenham medo do presbitério, afinal, eles têm a chancela do pastor e dos presbíteros. Toda experiência espiritual é válida e deve ser buscada ...

O culto passa a ser mais musical, menos pregação, mais oportunidade aos irmãos, mais experiência e menos Escritura. O emocionalismo toma conta! O fervor emocional, sincero acima de tudo, domina o ambiente e faz com que as pessoas comecem a manifestar as suas experiências "com o Espírito". A partir daí algumas caem, outras choram, pulam, ou andam de um lado para o outro, e outros ficam assustados por não saberem discernir o que está acontecendo. Então o pastor declara, ratificando o momento, que tudo é obra do Espírito Santo. Duvidar é pecar contra Ele, é correr o risco de blasfemar! E, quem é que vai questionar?

A identidade confessional acabou. Acabou a ordem, acabou a centralidade da Escritura, findou a ordem e decência do culto, esgotou a vergonha de mentir, não existe mais qualquer compromisso com os juramentos feitos no dia da ordenação! A santidade divorciou-se da ética. Manter a palavra do juramento solene é algo completamente ignorado, senão intencionalmente desprezado. Nesta altura o "seja o seu ‘sim’, ‘sim’, e o seu ‘não’, ‘não’" (Mateus 5:37) é esquecido. A desonestidade causa amnésia ética confessional.

Tudo virou uma mentira. Você é um oficial presbiteriano, quer seja pastor, presbítero ou diácono, mas na realidade, intencionalmente ignora, despreza, ou ridiculariza a identidade confessional da IPB. Tudo o que você herdou é substituído por modelos do pentecostalismo. Todo seu treinamento teológico é cambiado por livretos, doutrinas e materiais que afrontam as decisões do Supremo Concílio da IPB, bem como os Padrões de Fé de Westminster.


Por isso, desejo apenas lembrar as perguntas que algum tempo foram questionadas em sua ordenação:

Perguntas constitucionais de ordenação

1º. Vocês confessam crer que as Escrituras do Velho e Novo Testamento são a Palavra de Deus, e que esta palavra é a única regra infalível de fé e prática?

2º. Vocês recebem e adotam a Confissão de Fé e os Catecismos desta Igreja como fiel exposição do sistema de doutrina ensinado nas Santas Escrituras?

3º. Vocês sustentam e aprovam o Governo e a Disciplina da Igreja Presbiteriana do Brasil?

4º. Vocês aceitam o ofício [presbíteros regentes e diáconos] desta Igreja, e prometem desempenhar fielmente todos os deveres deste cargo?

5º. Prometem, ainda, procurar manter e promover a paz, a unidade, a edificação e a pureza da Igreja?


A Escritura Sagrada adverte: "não mintam uns aos outros, visto que vocês já se despiram do velho homem com suas práticas e se revestiram do novo, o qual está sendo renovado em conhecimento, à imagem do seu Criador." (Colossenses 3:9-10)

21 outubro 2012

A Caixa Preta de Darwin - Entrevista com Michael Behe

Michael J. Behe nasceu em 1952 e cresceu em Harrisburg, Pennsylvania, EUA. Bacharelou-se em Química, em 1974, pela Universidade Drexel, em Philadelphia. Fez pós-graduação em Bioquímica, na Universidade da Pennsylvania, e obteve seu doutorado 1978, sendo o tema de sua tese a anemia falciforme. De 1978 a 1982 fez pós-doutorado sobre a estrutura do DNA, no National Institute of Health. Entre 1982 e 1985 foi professor assistente de Química no Queens College, na cidade de New York. Em 1985 mudou-se para a Universidade Lehigh, onde atualmente é professor de Bioquímica.

Em sua carreira profissional escreveu mais de 40 artigos técnicos e um livro, Darwin’s Black Box: The Biochemical Challenge to Evoolution (A Caixa Preta de Darwin: O desafio da Bioquímica à Teoria da Evolução, publicado no Brasil pela Jorge Zahar), no qual argumenta que os sistemas vivos, em nível molecular, são melhor aplicados como sendo o resultado de planejamento inteligente. Esse livro foi resenhado por mais de uma centena de periódicos, entre eles: The New York Times, Nature, Philosophy of Science e Cristianity Today. Atualmente, o Dr. Behe e sua esposa residem nas proximidades de Bethlehem, Pennsylvania, com seus oitos filhos.

Em seu livro A Caixa Preta de Darwin o senhor descreve os sistemas de complexidade irredutível. O que são eles?

Sistemas de complexidade irredutível são aqueles que necessitam de partes múltiplas para funcionarem; se uma parte é removida, o sistema não funciona mais.

Para Darwin e seus contemporâneos do século 19, a célula, por exemplo, era uma “caixa preta”. Era simplesmente muito pequena, e a ciência daquela época não dispunha de ferramentas para investigá-la. Os microscópios daquele tempo eram bem rudimentares e as pessoas podiam ver só os contornos das células. Assim, muitos cientistas pensavam que a célula era bastante simples, como um pedacinho de gelatina microscópica.

A partir daquela época, a ciência tem mostrado que a célula é um sistema extremamente complexo, que contém proteínas, ácidos nucléicos e diversos tipos de “máquinas miniaturizadas”. No meu livro eu examino várias dessas “máquinas” e argumento que a seleção natural darwiniana não pode tê-las produzido justamente por causa do problema da complexidade irredutível.

Acredito que tais sistemas são melhores explicados como resultado de um deliberado planejamento inteligente. E eu cheguei a essa conclusão por um tipo de argumento lógico indutivo: sempre que vemos tais sistemas no mundo real, no mundo macroscópico de nossa vida cotidiana, concluímos naturalmente que eles foram, de fato, projetados. Ninguém se depara com uma ratoeira e se pregunta se foi projetada ou não.

Essa é uma das analogias usadas em seu livro. Explique melhor que relação o senhor estabelece entre uma ratoeira e os sistemas bioquímicos?

Certo. Suponhamos que queiramos fabricar uma ratoeira. Na garagem, podemos ter uma tábua de madeira velha (para a plataforma ou base), a mola de um velho relógio de corda, uma peça de metal (para servir como martelo) na forma de uma alavanca, uma agulha de cezir para segurar a barra, e uma tampinha metálica de garrafa, que julgamos poder usar como trava. Essas peças, no entanto, não poderiam formar uma ratoeira funcional sem modificações excessivas e, enquanto elas estivessem sendo feitas, as partes não poderiam funcionar como ratoeira. Suas funções anteriores às teriam tornado impróprias para quase qualquer novo papel como parte de um sistema complexo.

Assim, para que a ratoeira exista e funcione, é preciso que todas as suas partes funcionem perfeitamente, da mesma forma como deve ocorrer com os sistemas bioquímicos. Nada pode faltar e, por isso, não podem ter evoluído em etapas sucessivas.

Poderiam mencionar alguns desses sistemas irredutivelmente complexo?

Os sistemas de complexidades biológicas irredutível incluem o flagelo bacteriano, que é literalmente um motor externo que algumas bactérias usam para nadar: tem hélice, eixo acionador, motor, uma parte fixa, um mancal e outras partes mais. Outro exemplo é o sistema de transporte intracelular, que é um sistema de “rodovias”, “sinais de trânsito” e “vagões moleculares” que transportam carga por toda a célula.

Por contestar o paradigma evolutivo, seu livro tem causado bastante polêmica nos meios científicos. O senhor já previa isso? Quais foram os principais tipos de contestação?

Com certeza, eu previa que meu livro causaria controvérsia. Os darwinistas têm replicado dizendo, principalmente, que explicarão os sistemas moleculares no futuro, talvez dentro de dez ou vinte anos. Para dizer no mínimo, sou bastante cético quanto a essa pretensão.

A primeira reação da maioria dos críticos é dizer: “Isso é apenas criacionismo levemente disfarçado”. E em resenhas escritas por cientistas eles falam frequentemente sobre os primeiros capítulos de Gêneses e do “Julgamento da Criação”, de Arkansas, nenhum dos quais eu menciono no livro. Assim, eles tentam condenar meu trabalho através de processos de associação. Eles também não veem que há uma distinção entre chegar a uma conclusão simplesmente pela observação do mundo físico, como se espera que um cientista faça, e chegar a uma conclusão baseado na Bíblia ou em convicção religiosas.

Que influência o livro de Michael Denton (Evolution: A Theory in Crisis) teve em sua mudança de pensamento em relação ao evolucionismo?

O livro de Michael Denton foi muito importante para o meu ponto de vista. Ele foi o primeiro cientistas, dos que eu li, que questionava a evolução baseado estritamente na ciência. Era algo novo para mim e me mostrou que havia muitos problemas inexplicáveis no Darwinismo.

A partir de então, procurei por pesquisas que pudessem dizer como os sistemas bioquímicos foram gradualmente produzidos durante a evolução. Descobri rapidamente que tais documentos não existiam. Assim, com o passar do tempo, percebi que, de fato, esses sistemas só poderiam ser resultado de um planejamento inteligente.

Estive isolado durante algum tempo. Então li o livro Darwin on Trial, de Phillip Johnson, e gostei bastante. Vi num número da Revista Science que havia uma resenha do livro de Johnson. Eu fiquei muito entusiasmado e pensei: “Isso é demais! Eles terão que discutir alguns desses assuntos, e verei o que eles têm a dizer sobre isso”. Mas quando li mais detidamente o texto, percebi que não era uma resenha, era simplesmente uma advertência dizendo: “Este livro é antievolucionista. Advirta seus estudantes, pois ele está confundindo o público”. Fiquei bastante desapontado, pois eles não discutiam o conteúdo do livro. Pensei: Não é assim que a ciência deve ser.

Escrevi uma carta ao editor de Science, mostrando que eles deveriam discutir os assuntos envolvidos, e não apenas rejeitá-los. Science publicou minha carta, Johnson a viu e me escreveu. Foi assim que nós começamos a nos corresponder. Desde então tenho sido convidado a algumas reuniões nas quais ele está envolvido, e essa é a maneira como eu me envolvi nesta comunidade de pessoas interessadas no assunto Intelligent Design (Planejamento Inteligente).

No que seu livro difere de outros sobre evolucionismo?

O argumento a favor da evolução é melhor resumido no livro O Relojoeiro Cego, de Richard Dawkins. É uma leitura fascinante, e é interessante notar como Dawkins e Denton usam exemplos semelhantes, mas chegam a conclusões completamente diferentes. Denton usa uma analogia com o idioma inglês dizendo que frases são difíceis de criar. Dawkins tem uma seção onde ele usa um computador para gerar uma frase, tentando mostrar com isso que a evolução é fácil. Eu percebi que esses livros discutiam o problema num nível muito básico, não apenas em relação á cinema á ciência, mas ao conhecimento em geral. Quer dizer, como você sabe algo? Como você apoia uma teoria com evidência? E quais extrapolações são legítimas? Em meu livro, procurei aprofundar a questão.

Por que, na sua opinião, movimentos como o Intelligent Design (Planejamento Inteligente) têm crescido tanto?

Porque o Intelligent Design incorpora o ceticismo que muitas pessoas têm acerca do Darwinismo, e desafia a evolução em seu próprio território, como uma teoria científica.

Como sua mudança de foco, no que concerne á evolução bioquímica, afetou sua forma de lecionar?

Não afetou muito minha forma de lecionar, exceto pelo fato de que eu mostro aos alunos a natureza intricada dos sistemas bioquímicos e saliento que ninguém demostrou como eles podem ser produzidos através de processos aleatórios.

No fim de 1980, a Universidade Lehigh decidiu desenvolver um programa de seminários para calouros. São cursos que têm o objetivo de fazer os novatos ficarem entusiasmados com a carreira que escolheram. Assim, a administração estava procurando voluntários que sugerissem cursos. Eu criei um curso que chamei de “Argumentos populares sobre evolução”, no lemos Denton e Dawkins. Esses cursos têm sido muito populares entre os estudantes. A maioria deles entra para a universidade acreditando na teoria da evolução, mas muitos deles, quando terminam o curso, dizem que, embora ainda acreditem na evolução, agora veem o assunto como muito mais complexo e problemático. Como professor é meu objetivo fazê-los pensar por si mesmos e não simplesmente confiar no que as pessoas dizem como eu fiz uma vez.

Pode-se aceitar a teoria do Intelligent Design como puramente científica, sem apelar para a religião?

Sim, o Intelligent Design pode ser uma teoria puramente cientifica, porque está totalmente baseada em evidências físicas – a estrutura de sistemas celulares. Não se baseia em argumentos filosóficos, teológicos ou bíblicos, mas em evidências físicas.

Uma analogia que eu gosto de traçar é com a Física: muitos físicos estavam infelizes com a ideia do Big Bang porque parecia ter implicações teológicas óbvias. Todavia, os físicos a aceitaram como uma teoria científica legítima e trabalharam sobre ela. Eu vejo o Intelligent Design do mesmo modo: pode ter implicações religiosas, mas é uma teoria cientifica clara baseada apenas em observações de sistemas bioquímicos, e nós deveríamos aceitá-la e trabalhar a partir dela.

O senhor fez diversas pesquisas em publicações de divulgação cientifica como o Journal of Molecular Evolution, em busca de explicações para os mecanismos da evolução biológica. O que concluiu?

As publicações científicas não apresentam detalhes, modelos testáveis, nem evidências experimentais mostrando que os processos darwinianos poderiam desenvolver sistemas de complexidade irredutível. Concluo que a evidência está faltando porque sistemas complexos não podem ser desenvolvidos por forças aleatórias.

O Journal Of Molecular Evolution tem aproximadamente 25 anos e publicou mais de mil artigos desde sua primeira edição. Essa revista publica muitos artigos sobre comparações de sequencias de moléculas de proteínas, DNA e outras, na tentativa de determinar uma ancestralidade comum. Assim, organismos que possuíssem sequências semelhantes de aminoácidos em uma determinada proteína, por exemplo, seriam descendentes de um ancestral comum. Isso pode ser interessante, e pode ser uma questão legítima, mas comparar sequencia simplesmente não lhe diz nada sobre como essas complexas máquinas moleculares surgiram. Assim, durante os seus 25 anos de existência, o Journal of Molecular Evolution evitou completamente a questão de como esses sistemas extremamente complexos poderiam ter surgido.

Lamentavelmente, a maioria dos cientistas ignora completamente a evolução no seu funcionamento, e aqueles que pensam no assunto simplesmente procuram por associações e não se preocupam com o Darwinismo em si. Extraordinariamente, isso tem muito pouco a ver com o trabalho cotidiano da ciência e serve basicamente como um suporte filosófico que, na minha opinião, está apenas inibindo a verdadeira pesquisa sobre como a vida se desenvolveu.

Já que a ciência procura se caracterizar pela busca da verdade, por que é tão difícil, por exemplo, publicar um artigo com opinião discordante do evolucionismo?
Apesar da imagem popular, os cientistas são pessoas normais, com seus próprios preconceitos. Se alguém pretende desafiar uma crença profundamente defendida, pode esperar resistência.

Em entrevista concedida a uma revista brasileira de divulgação cientifica, a professora de história da ciência da Universidade da Florida, Vassiliki Betty Smocovitis, disse, referindo-se aos criacionistas, que eles são “especialistas autoproclamados”, sem credenciais cientificas. O que o senhor pensa a respeito?

Alguns criacionistas não têm credenciais, mas outros têm. Os que têm credenciais incontestáveis têm chamado a atenção para muitos problemas sérios no Darwinismo, os quais não se pode honestamente descartar.

O senhor vislumbra algum tipo de mudança de paradigma no futuro? Quem deverá mudar mais: a igreja ou a ciência?

A ciência muda á medida que mudam os dados, embora leve tempo. Acredito que a ciência acabará se voltando ao Intelligent Design, pois é nessa direção que os dados apontam. Ao contrário da ciência, a essência da religião não muda.

Vários cientistas, como o zoólogo adventista Dr. Ariel Roth, defendem uma integração entre fé e ciência. Como cientista cristão, o senhor acha possível conciliar a visão cientifica com a religião?

Acredito que por fim a ciência e a religião convergirão para a mesma verdade, pois só existe uma verdade.

O que a Teologia tem a oferecer á ciência na busca da verdade?

A Teologia pode mostrar á ciência que existe algo mais além da matéria e do movimento que o mundo é mais complicado do que muitos cientistas creem. A Teologia também pode salvaguardar a ciência do orgulho que acompanha a tentativa de explicar todas as coisas.

Fonte: Por que Doze Pesquisadores falam Creio sobre ciência e religião, págs.179-189

Obs.* Agradeço à nossa secretária Miriam Glaucea por digitar este texto.

24 setembro 2012

O pacto da graça por Johannes Wollebius

1. O resultado e benefício do chamado são a externa comunhão [communio] do pacto da graça e da igreja.

2. A externa comunhão do pacto da graça é de que aqueles que são chamados são considerados um povo do pacto e de Deus.

3. Isto é declarado por analogia; pois de fato, alguns são realmente povo de Deus, enquanto outros somente manifestam uma confissão externa.

4. Tanto a doação [oblatio] como o selar [obsignatio] do pacto da graça devem ser considerados.

5. A doação do pacto da graça é o ato pelo qual Deus promete a si mesmo, como o Pai em Cristo ao eleito, se eles viverem numa filial obediência.


PROPOSIÇÕES

1. Isto não deve ser entendido como um pacto universal que Deus fez com todas as criaturas, como o pacto das obras com os nossos primeiros pais, mas como o pacto que Deus fez conosco, a partir da pura misericórdia, após a queda.

2. Ela também é chamada de um testamento, porque Deus teria, por meio dela, como resultado da mediação de seu filho Jesus Cristo, designando uma herança celestial para os seus filhos. “Porque esta é a aliança que firmarei com a casa de Israel, depois daqueles dias, diz o Senhor: na sua mente imprimirei as minhas leis, também sobre o seu coração as inscreverei; e eu serei o seu Deus, e eles serão o meu povo” (Hb 8:10, ARA). “Por isso mesmo, ele é o Mediador da nova aliança, a fim de que, intervindo a morte para remissão das transgressões que havia sob a primeira aliança recebam a promessa da eterna herança aqueles que têm sido chamados. Porque, onde há testamento, é necessário que intervenha a morte do testador” (Hb 9:15-16, ARA).

3. A causa eficiente [do pacto da graça] é toda a Santa Trindade, em particular [singulariter] Cristo o Deus-homem, o anjo do pacto. “Eis que eu envio o meu mensageiro [João Batista], que preparará o caminho diante de mim; de repente, virá ao seu templo o Senhor, a quem vós bUscais, o Anjo da Aliança, a quem vós desejais; eis que ele vem, diz o SENHOR dos Exércitos” (Ml 3:1).

4. O conteúdo [materia] do pacto da graça é a concordância entre as duas partes, Deus e o homem. Deus promete ser o nosso Deus em Cristo o Senhor; o homem, em contrapartida, promete obediência de fé e vida.

5. A forma do pacto consiste numa mútua obrigação, mas a relação não é entre iguais; a promessa e obrigação de Deus são livres, enquanto que a do homem é um dever e exigência.

6. O propósito da oferta do pacto é, do mesmo modo que o comum chamado, a glória de Deus e a salvação do eleito.

7. O sujeito e objeto a quem o pacto é oferecido é a todos que são chamados, mas estritamente falando [proprie], ela é somente ao eleito. O pacto é oferecido a todos que são chamados, mas somente o eleito goza das promessas do pacto.

8. A administração do pacto da graça deve ser vista em seus complementos.

9. A administração é distinta, com respeito ao tempo, no antigo e novo pacto ou testamento.

10. O antigo testamento é o pacto da graça administrado até o tempo da manifestação de Cristo.

11. Há três formas sob a qual ela foi administrada: primeiro do período de Adão até Abraão, o segundo de Abraão até Moisés, e o terceiro de Moisés até Cristo.

12. O primeiro e segundo desses períodos diferem nestes modos: (1) o primeiro foi marcado pelas palavras da promessa, bem breve pela certeza, mas inconfundivelmente evidente; o segundo não somente por uma promessa, mas também por uma expressa condição da obediência. (2) No primeiro teve somente o ritual do sacrifício, o segundo do mesmo modo a circuncisão. (3) No primeiro o pacto foi oferecido a toda a raça humana; no segundo ela foi restrita aos filhos de Abraão.

13. Entre os primeiros dois e o último período há uma diferença: o terceiro é mais perfeito e verdadeiramente testamentário, adornado não somente pela páscoa, mas por muitos outros tipos da morte de Cristo.

14. O novo testamento é o pacto da graça como administrada após a vinda de Cristo.

15. O antigo e novo testamento é da mesma substância; Cristo é o testador de ambos, tendo a mesma promessa da graça nele, e em cada um possuem igual exigência de obediência de fé e vida.

16. Por isso, aqueles que ensinam que há real diferença entre o antigo e novo testamento, tais como as diferenças entre o pacto das obras e aquela da fé, ou entre a lei e o evangelho, estão errados; cada testamento ou pacto é um pacto da graça. E cada um contém lei e evangelho.

17. A administração do antigo testamento difere do novo de vários modos:
1.Quanto ao tempo: o antigo testamento realizou-se antes da vinda de Cristo, e as novas posteriores.
2.Quanto ao lugar ou extensão: o anterior foi oferecido ao povo israelita, e o posterior estende-se através de toda a terra.
3.Quanto à clareza: as promessas da graça em Cristo são proclamadas mais amplamente sob o novo testamento, mas são simbolizadas [sob o antigo] por meio de sombras dos tipos e cerimônias, que agora estão abolidas.
4.Quanto à simplicidade da operação: sob o antigo testamento a administração [do pacto] requereu muito mais atenção aos detalhes [longe fuit operosior] mais do que sob o novo.
5.Quanto à conformidade [suavitas]: sob o antigo testamento a perfeita obediência à lei era frequentemente exigida, não de fato para a exclusão das promessas evangélicas, mas para o fim de que, pela rigorosa exatidão da obediência pudéssemos ser dirigidos, como por um tutor [paedagogus], para buscar a Cristo. Sob o novo testamento as promessas evangélicas predominam, apesar da lei de uma nova obediência motivada pela gratidão de tão gloriosa graça não é excluída.

18. O sentido em que o antigo pacto é oposto ao novo conforme declarado por Jeremias, é por esta razão óbvia. “Não conforme a aliança que fiz com seus pais, no dia em que os tomei pela mão, para tirá-los da terra do Egito; porquanto eles anularam a minha aliança, não obstante eu os haver desposado, diz o SENHOR” (Jr 31:32). “Porque esta é a aliança que firmarei com a casa de Israel, depois daqueles dias, diz o SENHOR: na mente, lhes imprimirei as minhas leis, também no coração lhas inscreverei; serei o seu Deus, e eles serão o meu povo” (Jr 31:33).

Nestas palavras há uma referência a terceira e quinta distinções acima: para a quinta especialmente quando elam falam das leis como formalmente escritas sobre tábuas de pedra, mas posteriormente no coração, e quanto ao terceiro quando elas prometem um mais claro conhecimento.


Extraído de Johannes Wollebius, Compendium Theologicae Christianae in: John W. Beardslee III, Reformed Dogmatics – Seventeenth-century Reformed Theology through the writings of Wollebius, Voetius, and Turretin (Grand Rapids, Baker Book House, 1977), pp. 117-120.

Traduzido por Rev. Ewerton B. Tokashiki

27 agosto 2012

A Bíblia e o cânon - perspectiva calvinista

O calvinista sustenta que a autoridade da Bíblia é absoluta. Não considera a Bíblia simplesmente como um livro de bons conselhos que o homem pode adotar livremente, se assim o considera conveniente, ou rejeitar se assim lhe parece mais oportuno. A Bíblia é para o calvinista uma norma absoluta à que deve submeter-se totalmente. A Bíblia lhe dita o que deve crer e o que deve fazer; fala com força imperativa. Calvino era muito enfático neste ponto. Se a Bíblia fala, somente há uma alternativa: obedecer.

A razão que explica este alto conceito da Bíblia procede, naturalmente, do que é a Palavra de Deus. Tendo Deus falado e em sua revelação nos mostrou a sua vontade para as nossas vidas, consequentemente, devemos obedecê-la. Para o calvinista ao contrário do modernista, a Bíblia não é uma mera interpretação pessoal da religião e a vida dada em diferentes modelos religiosos, senão que detrás dos escritores da Bíblia descobre a infalível mão de Deus. Quando pensa na maneira como estes homens escreveram a Bíblia, o calvinista insiste no fato de que estes foram organicamente – não mecanicamente – inspirados; significando com isto que Deus serviu-se destes homens e de seus dons para dar-nos a sua revelação; e de tal maneira, isto foi assim, que o que escreveram era nada menos do que os pensamentos de Deus. Quando o calvinista contempla o conteúdo da Bíblia mantém que esta foi verbalmente e realmente inspirada; e, quando pensa no propósito que moveu Deus a impulsionar a estes homens a escrever, o calvinista descobre uma inspiração plena, ou seja, uma inspiração que inclui de um modo completo tudo o que Deus havia proposto revelar.

Aqui surge uma importante pergunta: como sabe o calvinista que a Bíblia é a Palavra de Deus? Sobre que base se apoia para afirmar que a Bíblia é um livro divino? Esta é uma pergunta muito importante e que a consideraremos no próximo capítulo.


Extraído de H. Henry Meeter, La Iglesia y el Estado (Grand Rapids, TELL, 1963), pp. 31-32. Este livro originalmente foi publicado sob o título de THE BASIC IDEAS OF CALVINISM.

27 julho 2012

Escolhi pregar expositivamente

Em 1994 fui para o Instituto Bíblico de Rondônia, ali iniciei os meus estudos teológicos. Então, comecei a pregar com preparo acadêmico ao aprender a normas e estruturas da homilética, entretanto, a ênfase era o modelo de sermão temático. Na época apenas li superficialmente acerca da pregação expositiva, e não conhecia nenhum pastor que pregasse deste modo. O sermão temático é fácil de preparar exigindo a imaginação e um simples jogo de palavras a partir do tema de um texto da Escritura. Mas sempre me causou insatisfação, sabendo que eu correria o risco de dizer algo que não estava no texto, ou até mesmo de pregar algo que não era o texto.

Durante os meus estudos no STPJMC recebi nova ênfase homilética. Desta vez, a pregação expositiva foi ensinada e exigida nas avaliações de prática de pregação. Li pelo menos três livros sobre pregação expositiva, pois não havia muita coisa em português, e os modelos pregadores brasileiros que eu conhecia eram ainda mais escassos. Terminei a minha graduação convencido que deveria pregar sermões expositivos, mas a prática não estava clara. Eu não sabia direito como isso poderia ser feito.

Após dois anos de pastorado pregando sermões temáticos abandonei este método. Quando decidi pregar expositivamente como parte permanente do meu ministério, não iniciei repentinamente. Primeiro comecei explicando à igreja que pastoreava, os motivos de doravante pregar expositivamente. Também expliquei que faria análises de textos continuados, e não apenas textos isolados a cada Domingo. Em cada sermão comecei a oferecer o contexto histórico, da intencionalidade do autor, da problematização dos destinatários e analisando a estrutura gramatical do texto no esforço de extrair o significado original que o autor inspirado quis comunicar. Confesso que algumas vezes tive receio de estar fazendo errado, e como pastoreava uma igreja do interior de Rondônia, e tinha pouco contato com o meio acadêmico bem como os grandes centros, tive que tentar descobrir e seguir as complicadas orientações que os autores de homilética ofereciam. Ainda continuo lendo, ouvindo, vendo acerca de sermões expositivos e atentamente aprendendo com pregadores que estão comprometidos com este método.

Se você ainda não se decidiu quanto a se prega ou não expositivamente, permita-me neste artigo sugerir que repense acerca da possibilidade de comprometer-se com a pregação expositiva.


Motivos práticos para pregar expositivamente

Posso elencar pelo menos três motivos para se pregar expositivamente: 1) pastoral, 2) exegético e, 3) homilética. Em breves sentenças farei algumas considerações para que você possa refletir e, o faço na esperança de que você assuma este compromisso. A minha intenção é compartilhar algumas sugestões de como fazer algo, que apesar da ampla divulgação recebida, ainda percebo dúvidas e erros no processo do fazer.


Algumas dicas pastorais

1. A direção do Espírito de Deus é vital para que o pregador exponha e aplique a Escritura Sagrada na igreja local. Ao escolher o que pregar, e isto não significa apenas um texto isolado, o pregador carece discernir que alimento deve entregar ao rebanho. Esta necessidade, seja de natureza preventiva ou corretiva, precisa ser identificada com santo discernimento e oração. O pregador que teme ao Senhor, também anseia por ser-lhe fiel, e ao mesmo tempo por amor e zelo, deseja ensinar e corrigir persuadindo os seus ouvintes acerca da vontade de Deus.

2. O pastor trabalha para que a igreja sob seus cuidados seja saudável. Para isto o seu sermão é fogo santo, pão do céu e poder de Deus para comunicar graça aos que ouvem, persuadir os que duvidam e fazer calar os que se opõe ao evangelho de Cristo! Tamanha tarefa não pode ser realizada superficialmente! Deste modo aconselho: ore, ore e ore! Estude, estude e estude! Sob o perigo de ainda assim, ser encontrado inapto para tão grandiosa tarefa. Este compromisso somos chamados para cumpri-lo dominicalmente diante de pessoas que estão sob o nosso cuidado.

3. É uma atitude irresponsável não ter um plano de pregação. Como relatei antes de ser persuadido da necessidade da pregação expositiva, iniciei meus dois primeiros anos de ministério pastoral pregando sermões temáticos. Confesso que cheguei algumas vezes próximo de 1 hora antes de começar o culto e não sabia o que pregaria naquela noite! Pregando expositivamente, especialmente livros inteiros, tenho o texto definido meses com antecedência oportunizando-me tempo para pesquisa, meditação e compreensão estrutural do livro. Outro aspecto prático é perceber que os membros interagem comigo no preparo do sermão, fornecendo dicas de leitura ou ilustrações de situações relacionadas ao texto que serão pregados na sequência.


Algumas dicas exegéticas

1. Eu poderia iniciar aqui pressupondo que você aprendeu a fazer exegese. Se você o sabe, perdoe-me se minhas dicas parecerem primárias, assim, peço que tenha paciência e continue lendo. Estas sugestões têm basicamente o intuito de ser um “como fazer”, e escrevi pensando em seminaristas, pastores inexperientes e pregadores leigos que desejam aperfeiçoar-se na honrada tarefa da pregação.

2. Ok, sigamos então selecionando o livro ou porção das Escrituras. Leia-o todo, e faça isso repetidas vezes, até que seu conteúdo esteja claro em sua mente e consiga resumi-lo em sentenças curtas.

3. Seja diligente em fazer a reconstrução do contexto histórico. Ao ler o texto a data, local, autoria, as circunstâncias, aspectos geográficos, político, culturais, etc. precisam estar vívidos em sua mente. Caso não possa adquirir manuais de introdução sobre o AT ou NT, tenha à mão uma Bíblia de Estudo de Genebra, porque ela oferece na parte introdutória de cada grupo de livros e em cada livro estas informações.

4. Descobrir o ensino intencional do autor é o objetivo do pregador. O que determina significado no texto é responder: o que ele quis dizer? Em havendo, qual problema atacava? Bem como qual dúvida ele esclarecia. E ainda o que ensinou neste texto aos seus leitores? Estruturalmente deve-se observar como do primeiro ao último versículo ele desenvolve o seu raciocínio. Isto resume ao abordar cada passagem qual era a interação do autor em relação aos seus destinatários no contexto original.

5. As conjunções devem ser respeitadas na divisão das perícopes a serem pregadas. E quando possível deve-se observá-las ao fazer as divisões do seu sermão. Estas divisões não são arbitrárias, mas direcionadas pela estrutura gramatical do próprio texto. Se o pregador tem noções gramaticais da língua original isto facilita muito, se não tem, então observe como as traduções mais recentes têm seguido as divisões das perícopes conforme a estrutura do idioma original.

6. No texto escolhido identifique as palavras-chaves ou expressões características do autor e como elas reforçam seu argumento. Verifique se ele recorre aos mesmos argumentos em outros livros que escreveu.

7. Faça a ponte da exegese para a homilética. A verdade descoberta exegeticamente precisa ser afirmada homileticamente. Em outras palavras, você precisa preparar frases tão curtas quanto possível, que resumam a ideia do autor, e fazer isso o mais didático possível. Neste ponto recomendo enfaticamente que você leia um livro de homilética, ou converse com um pregador experiente em como fazer isso. Não se esqueça: na pregação expositiva a estrutura homilética a ênfase do autor precisa ser colocada em relevo apontando a sequência do seu raciocínio em todo o livro.

8. Caso o pregador não domine a gramática das línguas originais recorra às diferentes versões. Entretanto, sempre é recomendável verificar como os tradutores percebem nuanças semânticas ou variações por causa da sintaxe ou da etimologia das línguas originais. Este recurso além de enriquece o conteúdo do sermão, também dinamiza a formulação das divisões do sermão.


Algumas dicas homiléticas

1. Por causa da inexperiência não corra o risco de se frustrar ou entediar seus ouvintes com exageros. Se você decidiu pregar expositivamente e não sabe como iniciar, sugiro que escolha pregar em pequenas porções, livros ou epístolas pequenas. Permita-me ser mais claro: não inicie preparando a sua série expositiva de sermões em livros como Isaías, Ezequiel, Jeremias, Provérbios, ou em Romanos, 1 Coríntios, Hebreus, pelo contrário, a humildade e a sensatez previnem e nos levam a pensar em começar com porções menores como os Dez Mandamentos, algum dos profetas menores, as Bem-aventuranças, ou mesmo todo o Sermão do Monte, Judas, Tiago, etc. Lembre-se se você não tem a experiência, nem a igreja local tem o costume de ouvir sermões, tome cuidado para não estragar algo tão bom por falta de tato pastoral.

2. Acompanhado o estudo de toda porção ou livro, identifique a estrutura dos assuntos. Isto pode ser verificado de dois modos: 1) Na introdução de cada livro da Bíblia de Estudo de Genebra há uma estrutura do conteúdo de todo o livro. Ou, 2) veja como as versões modernas trazem indicadores das divisões naturais. Aqui você saberá no seu planejamento quantos sermões pregará apenas subdividindo as perícopes.

3. Não comece cada sermão apenas pedindo para abrir no texto da sequência como algo mecânico. A introdução do sermão tem evocar a atenção, e convergir os pensamentos do público para a mensagem do texto. Há pregadores expositivos que entendiam os seus ouvintes no início do sermão, pois pensam que pregar lectio continua, ou seja, sequenciado texto após texto do mesmo livro dispensa uma introdução que apresente a relevância do sermão.

4. Lembre-se que um sermão expositivo não é mero comentário exegético do texto. Por vezes a pregação expositiva é antes de tudo um SERMÃO, e abrange todos os seus elementos essenciais. Alguns pregadores expositivos deixam de recorrer à proposição (chamadas por alguns de ideia homilética) e também pensam erroneamente ser dispensável o uso de divisões. Seja didático, você está instruindo e o modo como se faz a fixação da mensagem é importante. A fidelidade não dispensa a clareza.

5. Extraía do texto quais verdades ou princípios são ensinados e contra que pecados são aplicados. Aplique-os de modo prático, com linguagem que não desconsidere a inteligência nem a simplicidade dos seus ouvintes. A aplicação é uma das mais presentes falhas nos pregadores, que se preocupam apenas de expor, explicar, apresentar a verdade, indicar os princípios, mas em geral, omitem em aplicar e nisto não ensinam os presentes a viver de modo prático a Palavra de Deus.


Quais são alguns benefícios de se pregar expositivamente?

1. Edificar crentes com mentes treinadas a raciocinar sistemática, estrutural e gramaticalmente quando estudam e meditam no texto bíblico. A começar com o pregador que numa autodisciplina aprende a estudar e preparar sermões metodicamente construindo uma teologia mais bíblica a partir da exegese, ao mesmo tempo membros que ouvindo estes sermões aprendem como estudar e analisar a Escritura Sagrada. Assim, quer explicita ou implicitamente, pelo exemplo da pregação expositiva, demonstrará como os membros sob seu pastoreio podem efetivamente examinar as Escrituras.

2. O pregador torna a aquisição de literatura criteriosamente seletiva. Todo pregador precisa ter uma biblioteca básica que lhe seja útil no preparo de sermões. Por isso, ele não comprará aleatoriamente todo livro que lhe seduz, e sim aqueles que diante das necessidades de pregar, e adicionar conteúdo possa somar e facilitar o preparo do sermão, dentre as muitas tarefas pastorais.

3. O preparo do sermão expositivo é um hábito saudável no ministério pastoral. Nunca deixará de ser trabalhoso, mas com o tempo a experiência habilitará o pregador a ter facilidade e a satisfação de fazê-lo com menos embaraços técnicos. Uma vez familiarizado com este método possivelmente o pregador não se interessará em expor a Escritura doutro modo.

4. Crie o hábito de ouvir pregadores expositivos. Há pregadores que atravessam o mundo para pregar, mas se indispõe em cruzar a rua para ouvir um sermão! Ouvindo os que sabem fazer é um excelente recurso para se aprender. Atualmente na internet há vídeos de como preparar sermões expositivos. Após ler este artigo acesso-os e continue aprendendo!

21 julho 2012

A ideia de mito na teologia

por Bernard Ramm


O conceito de mito não tem um significado uniforme na teologia contemporânea. A única forma em que este conceito pode ser tratado é observando como usam o termo os diferentes eruditos.

1. “Mito” usado no sentido bom. Emil Brunner y Reinhold Niebuhr são os teólogos que creem que as Escrituras contêm num bom sentido. O raciocínio básico destes homens é que a linguagem acerca de Deus deve, necessariamente, tomar a forma de um mito. As declarações acerca de Deus não são afirmações de fato, tais como as que fazem os cientistas, nem declarações vazias de significado tais como se encontram na mitologia pagã. O “mito” bíblico é o meio de comunicação pelo qual um Deus transcendente faz a sua vontade conhecida ao homem. O meio de expressar aquilo que é histórico e teológico acerca da existência do homem.

Brunner retorna ao conceito de mito diversas vezes em seus escritos. Segundo ele, o elemento importante do mítico no Cristianismo, é que conserva intacto o caráter histórico do Cristianismo. Se removermos o mítico do Cristianismo o fazemos não-histórico e então, se torna uma religião abstrata e insípida. Mas ao mesmo tempo o mito bíblico não foi confundido com o mito pagão. Segundo Brunner há quatro mitos principais: a criação, a queda, a reconciliação e a redenção. O assunto importante em cada um destes mitos é que se referem à linha divisória entre o tempo e eternidade. Também caracteriza o mítico como o que é supra-histórico, escatológico, remoto do sensorial, mas relacionado com este único e essencial. Na análise final é uma maneira balbuciante de expressar a verdade cristã, mas é melhor maneira disponível (TM, pp. 227-396; RR, cap. 26; D, II, 268ss).

O pensamento de Niebuhr é paralelo ao de Brunner de modo muito próximo. Ele contempla o mito como o modo necessário para o qual o Deus eterno se comunica com o homem temporal. (NDM). Cullmann também usa o conceito do mito de modo aprobatório. O princípio do tempo e o fim do tempo são representados miticamente na Escritura (CT, pp. 94ss).

2. “Mito usado num sentido mal, mas aceitável. Bultmann crê que o kerigma primitivo foi marcado por mitos judeus e gregos (KM, pp. 1ss). Bultmann aparentemente opera com dois critérios para assinalar o mitológico. Positivamente o mitológico é qualquer mito redentor gnóstico, típico do grego, ou qualquer mito apocalíptico judaico. Negativamente o mítico é aquilo que vai contra o entendimento científico de ordem do universo. Bultmann não crê que devamos aceitar o mito como tal, mas, por outro lado, não crê que devamos rejeitar abertamente o mito. O mito contém o kerygma, portanto, temos de adentrar através do mito e descobrir o kerygma original. Daí que propõe o seu famoso programa de demitologização para reiniciar a rejeição total do mito pelos eruditos do século XIX, que localizaram propriamente o mitológico das Escrituras cristãs, mas foram muito longe em sua rejeição. Com a ajuda da filosofia existencialista podemos desnudar o mito e indicar o evangelho original.

3. “Mito” usado num sentido mal e inaceitável. Karl Barth define os mitos como contos acerca dos deuses e, portanto, inaceitáveis na teologia cristã. Crê que há mitos, ou fragmentos de mitos nas Escrituras, mas estes mitos não pertencem à substância do testemunho da Escritura enquanto revelação. Por exemplo, diz que o relato de Gênesis da criação é lenda, não mito. “As histórias da criação da Bíblia, não são mitos, nem contos de fadas. Isto não é negar que haja mitos, e acaso contos de fadas nos materiais dos quais foram construídos.” (CD, III/1. p. 84). Enquanto ao programa total de demitologização de Bultmann, Barth foi um crítico persistente. Disse, por exemplo, que toda a primeira parte do Quarto Tema de sua Church Dogmatics é um debate intenso com Bultmann (CD, IV/1, p. ix). Por exemplo, Bultmann em relação à ressurreição declara que não crê no reavivamento de um cadáver (KM, p. 8). Barth, de modo contrário, defende fortemente a ressurreição corporal de Cristo.

Extraído de Bernard Ramm, Diccionario de Teología Contemporánea (El Paso, Casa Bautista de Publicaciones, 3ªed., 1978), pp. 93-95.

03 julho 2012

Indicação novo site reformado!


Queridos leitores

Recomendo a leitura assídua do site POLÍTICA REFORMADA criado pelo nosso irmão Lucas Grassi Freire. Segundo ele a proposta deste site é produzir textos que apresentem uma cosmovisão reformada. O próprio Lucas declara que
os princípios dos textos são: (1) Simplicidade conceitual e escrita, para alcançar pessoas sem muita educação formal; (2) Informativo, explicando o assunto primeiro e depois aplicando os princípios bíblicos; (3) confessional, omitindo quaisquer ensinos contrários à fé reformada; (4) irênico, levando em consideração que irmãos podem genuinamente ter opinião distinta em certas questões mais polêmicas; (5) profissional, emergindo de anos de estudo e ensino na área.

Além de serem escritos boa parte do material também será gravado para transmitir no radio e influenciar mais pessoas.

Expresso a minha admiração pelo zelo acadêmico e amor pela cosmovisão reformada firmemente defendida pelo Lucas.

04 junho 2012

Os 5 Artigos do Arminianismo - 1610

Introdução

O documento foi escrito pelo grupo dos remonstrantes, em 1610. O seu título holandês é De Remonstrantie en het Remonstrantisme [O protesto do protestantismo] e o latim trás Articuli Arminiani sive Remonstrantia [Os artigos arminianos com protesto]. Deve-se ter o cuidado de discernir que o termo “protestante” não é usado em seu significado comum. Diferente de como historicamente o termo “protestante” é usado, ou seja, uma reação contra a doutrina da Igreja Católica Romana, o partido arminiano protestava contra a posição teológica oficial do estado holandês, que era o Calvinismo.

Estou disponibilizando a tradução de Os 5 Artigos do Arminianismo para que estudantes de teologia tenham acesso ao conteúdo teológico essencial dos remonstrantes. Estou escrevendo um pequeno livro em que ofereço o contexto histórico e teológico da controvérsia que deu origem aos Arminianismo, se Deus quiser, pretendo publicá-lo. Aos que desejam ler a resposta calvinista que o Sínodo de Dort ofereceu aos remonstrantes acesse aqui.

Segue abaixo o texto dos arminianos traduzido na íntegra.[1]


Artigo 1
A eleição realizada com base na presciência
[2]

Que Deus, pelo propósito eterno e imutável em seu Filho Jesus Cristo, desde antes da fundação do mundo, Ele determinou a respeito da raça humana pecadora e caída, salvar em Cristo, pelo amor de Cristo e, através de Cristo, a quem, pela graça do Espírito Santo, crerão em seu Filho Jesus e perseverarão nesta fé e obediência da fé, por meio desta graça, até o final; e, por outra parte, deixar aos incorrigíveis e incrédulos no pecado e sob a ira, condená-los como alienados de Cristo, de acordo com a palavra no Evangelho de João 3:36: “O que crê no Filho tem a vida eterna; mas, o que se recusa a crer no Filho não verá a vida, senão que a ira de Deus permanece sobre ele”, e, também de acordo com outras passagens das Escrituras.


Artigo 2
A expiação ilimitada


Que, de acordo com isto, Jesus Cristo, o Salvador do mundo, morreu por todos e cada um dos homens, de modo que, por sua morte na cruz, obteve para todos eles a redenção e o perdão dos pecados; ainda que, ninguém que não seja crente na realidade desfruta deste perdão, de acordo com João 3:16: “porque Deus amou o mundo de tal maneira, que deu o seu Filho unigênito, para que todo o que nele crê, não pereça, mas tenha vida eterna.” E, em 1 João 2:2: “e, é a propiciação por nossos pecados; e, não somente pelos nossos, mas também pelos do mundo todo.”


Artigo 3
A incapacidade natural


Que o homem não tem a graça salvadora por si mesmo, nem pela energia do seu livre arbítrio, no entanto, como ele, em estado de apostasia e pecado, não é capaz dele e por ele mesmo pensar, desejar, nem mesmo fazer coisa alguma que seja realmente boa (tal como eminentemente é a fé salvadora); mas, que lhe é necessário nascer de novo de Deus em Cristo, por meio do Espírito Santo e, renovar o entendimento, inclinação ou vontade e todos os seus poderes, para que possa entender, pensar, desejar e efetuar corretamente o que é verdadeiramente bom, de acordo com a Palavra de Cristo em João 15:5: “separados de mim, nada podeis fazer.”


Artigo 4
A graça preveniente


Que esta graça de Deus é o princípio, continuidade e alcance de todo o bem, até o ponto em que o homem regenerado, sem a graça preveniente ou assistida, que desperta, continue e coopere, não pode pensar, desejar, nem fazer o bem e muito menos resistir as tentações do mal; de modo que, todas as obras e movimentos que se podem conceber são atribuídas à graça de Deus em Cristo. Mas, acerca do modo de como opera esta graça, não é irresistível, pois, está escrito acerca de muitos que resistiram ao Espírito Santo. Atos 7 e, também, em muitos outros lugares.


Artigo 5
A perseverança condicional

Aqueles que são incorporados em Cristo pela fé verdadeira e com ela se fizeram partícipes de seu Espírito doador da vida, tem por essa razão pode completo para lutar contra Satanás, o pecado, o mundo e sua própria carne e, obter a vitória; entende-se bem que isto é sempre através da graça da assistência do Espírito Santo; e, que Jesus Cristo sempre os assiste em todas as suas tentações por meio de seu Espírito, estendendo-lhes a sua mão, e, se estão preparados para o conflito e, desejam o seu auxílio, e não estão inativos, [Cristo] os guarda de cair, de modo que, nem pela artimanha ou poder de Satanás, eles não se desviem, nem sejam arrebatados das mãos de Cristo, de acordo com a sua Palavra em João 10:28: “ninguém as arrebata de minha mão.” Mas, se eles são capazes por causa de sua negligência de esquecer dos começos de sua vida em Cristo, de retornar a este presente mundo mal, de apostar-se da sã doutrina que os libertou, de perder a boa consciência, de cair desprovidos da graça, e isto pode-se determinar mais particularmente pelas Santas Escrituras, antes do que ensinemos com a persuasão completa de nossas mentes.

Estes artigos que, afirmam e ensinam, os Remonstrantes considerando estar de acordo com a Palavra de Deus, idôneos para edificar, e apreciando este argumento como suficiente para a salvação, de modo que, eles não são necessários ou edificante para um ascensão mais alta, ou mais inferior.


NOTAS:
[1] Para a tradução dos 5 Artigos Arminianos recorri à tradução inglesa de Philip Schaff, The Creeds of Christendom (Grand Rapids, Baker Books, 2007), vol. 3, pp. 545-549. Schaff registra em colunas paralelas o texto holandês a partir da primeira edição de 1612, o texto latino da edição de 1616, e numa terceira coluna a sua tradução em inglês. Também revisei a partir de outra tradução de inglês moderno por Peter Y. De Jong, ed., Crisis in the Reformed Churches – Essays in Commemoration of the Great Synod of Dort 1618-1619 (Granville, Reformed Fellowship, Inc., 2008), pp. 243-245. Homer Hoeksema oferece uma tradução do holandês em seu livro The voice of our fathers – an exposition of the Canons of Dordrecht (Grand Rapids, Reformed Free Publishing Association, 1980), pp. 10-14.
[2] Os títulos de cada artigo não fazem parte do texto original, apenas os acrescentei para indicar o seu conteúdo.

04 maio 2012

Resumo: Afeições Religiosas de Jonathan Edwards

Jonathan Edwards (1703-1758) escreveu um tratado com o título The Religious Affections (As Emoções Religiosas). Esta é provavelmente a mais penetrante análise já produzida sobre o assunto da experiência espiritual.

Os títulos dos capítulos, que seguem como citação direta do tratado de Edwards, não apenas revelam o pensamento notável do autor, mas também fornecem um comentário revelador sobre no que consiste a experiência espiritual genuína.


Demonstrando que não há sinais seguros de que as emoções religiosas são verdadeiramente da graça, ou que não sejam, têm-se:

1. Que as emoções religiosas são muito grandes não é sinal
2. Grandes efeitos no corpo não são sinal
3. Fluência e fervor não são sinais
4. Que não são estimulados por nós não é sinal
5. Que vêm com textos da Escritura não é sinal
6. Que há uma aparência de amor não é sinal
7. Que as emoções religiosas são de muitos tipos não é sinal
8. Se a alegria acontece em uma certa ordem não é sinal
9. Muito tempo e muito zelo no dever não são sinal
10. Muita expressão de louvor não é sinal
11. Grande confiança não é sinal seguro
12. Testemunhos comovedores não são sinal


Mostrando quais são os sinais característicos de santas emoções provenientes verdadeiramente da graça, temos:

1. Emoções da graça são de influência divina
2. Seu objetivo é a excelência das coisas divinas
3. São fundadas na excelência moral de objetivos
4. Surgem de iluminação divina
5. São acompanhadas de uma convicção de certeza
6. São acompanhadas de humilhação evangélica
7. São acompanhadas de uma mudança de natureza
8. Geram e promovem o temperamento de Jesus
9. Emoções da graça enternecem o coração
10. Têm linda simetria e proporção
11. Emoções falsas se satisfazem em si mesmas
12. Emoções religiosas têm seus frutos na prática cristã
(i) A prática cristã é o principal sinal para os outros
(ii) A prática cristã é o principal sinal para nós

Resumo extraído de Errol Hulse, O Batismo do Espírito Santo (São José dos Campos: Fiel, 1995), p. 16.

27 abril 2012

A Bíblia como revelação de Deus


Escrito por H. Henry Meeter


Deus possui outro livro além da criação: a Bíblia. No princípio existia somente um livro, uma só revelação de Deus: a natureza. E no mundo vindouro de novo não haverá mais do que um livro: a nova natureza, na qual o homem verá a Deus e a sua vontade revelada. Os redimidos na eternidade, do mesmo que Adão, terão clara revelação da vontade de Deus em seus corações e da natureza que os cerca, e não terão, consequentemente, nenhuma necessidade de uma revelação especial como é a Bíblia.

Há um fato que explica o motivo da necessidade deste segundo livro: a Bíblia, ou revelação especial de Deus; este livro foi necessário por causa do pecado. Quando o homem caiu, tanto ele como a natureza mudou. A mente do homem chegou a entenebrecer-se de tal maneira, que não era capaz de ver as coisas tal como eram; e a natureza se viu alterada como parece deduzir-se da expressão: “produzirá também cardos e abrolhos” que encontramos no livro de Gênesis (Gn 3:18). Contudo, ainda hoje a natureza é um espelho em que se reflete a glória de Deus. Todavia, por causa do pecado pode-se dizer que este espelho esteja deformado. Como é sabido, um espelho torto reflete as coisas de uma forma grotesca e diferente de como realmente são. Como pode o homem agora com sua mente entenebrecida e numa natureza transtornada, descobrir a Deus de modo correto, ou chegar a conhecer a sua verdadeira natureza e propósito de sua existência? Estas se tornam as três perguntas fundamentais que o calvinista terá presente em sua cosmovisão.

Sob tais condições como pode o homem obter uma concepção adequada da realidade? A única solução seria se Deus desse outro livro: a Bíblia. Na Bíblia Deus revela ao homem de uma maneira clara e infalível a verdade sobre estes problemas, iluminando ao mesmo tempo com a luz do Espírito Santo a sua mente entenebrecida para que seja capaz de compreender as verdades bíblicas. Assim, podemos ver a relação que existe entre a Bíblia e o livro da natureza. A Bíblia não está no mesmo nível da natureza como revelação de Deus, senão que é um corretivo das ideias deformadas que possa dar-nos a natureza em seu estado decaído. Apresenta-nos uma revelação sobre Deus e o universo que a natureza não pode proporcionar de maneira adequada. Como disse Calvino, devemos olhar para a natureza através das lentes da Bíblia. Assim, pois, ainda que duas sejam as revelações que Deus deu as suas criaturas, a Bíblia constitui a máxima autoridade para uma cosmovisão. O cristão para interpretar corretamente a natureza e o mundo circundante necessita do enfoque bíblico.

Todavia, a Bíblia é mais do que um mero intérprete da natureza, já que ela contém uma revelação especial para a salvação do pecador. Esta informação tão importante não pode vir da natureza pela simples razão de que a natureza foi criada antes que se abrisse um caminho de salvação aos pecadores. Assim, como poderia a natureza informar-nos sobre isto? Contudo, ainda que a salvação do homem é na realidade o tema central da Bíblia, esta revelação está estreitamente vinculada a visão geral do universo e da vida humana.

Interpretaríamos mal o propósito da Bíblia se crêssemos que se trata de um mero livro de texto sobre diferentes conhecimentos. Não se trata disto. O estudante nos diferentes campos de investigação – natureza, história, psicologia, etc. – acumula evidência. Quando procede a interpretação ou de organizar esta evidência e a relacionar as verdades de alguma ciência em particular numa estrutura geral de conhecimentos, necessitará de interpretação unificadora das Escrituras. Não podemos ter uma concepção correta de Deus, do universo, do homem, ou da história sem a Bíblia.

Consequentemente, este livro além de mostrar-nos o caminho da salvação nos proporciona aqueles princípios que condicionarão toda a nossa vida, incluindo os nossos pensamentos e a nossa conduta moral. Não somente a ciência e a arte, senão que também a nossa vida familiar, os nossos negócios, os nossos problemas políticos e sociais devem estar processados e estruturados à luz e direção das verdades da Escritura.

Isto é assim, inclusive na filosofia. Pode-se supor que pelo fato da filosofia ser a ciência dos princípios, então que a filosofia cristã em última instância terá que fundamentar-se na razão e, tratará de todos os problemas da filosofia sobre uma base puramente racionalista, desprezando a Bíblia como autoridade final. Mas ainda aqui o calvinista não fundamenta a sua aceitação das verdades bíblicas em sua filosofia, pelo contrário, inicia com as verdades básicas da Bíblia para fundamentar a filosofia. A sua filosofia se fundamenta especificamente sobre a revelação. Da mesma maneira que todos os sistemas filosóficos partem de pressuposições básicas não provadas – hipóteses – assim, o cristão parte das verdades da revelação como pressupostos básicos. O proceder do calvinista não consiste em fundamentar a Bíblia na filosofia, senão que estrutura a sua filosofia cristã sobre a Bíblia.

Os princípios de fé e conduta que a Bíblia contém, do mesmo modo que as verdades do caminho da salvação surgem dentro de um contexto histórico vinculado aos acontecimentos dos homens e das nações. Consequentemente não se pode esperar que tudo o que a Bíblia ensina tenha o mesmo valor, e possa ser considerado como norma da vida para nossa conduta. Ela menciona alguns atos que na realidade são totalmente contrários a uma norma da vida padrão como, por exemplo, quando Absalão traiu de forma vergonhosa a seu pai Davi. Outras porções da Escritura contêm normas que não são para todas as épocas, senão que uma vigência específica num período ou ocasião determinada. Assim, Calvino nota que várias das leis civis de Moisés não eram para o nosso tempo, senão que encerram uma significação meramente transitória. Contudo, a Bíblia nos apresenta diretrizes básicas, ou princípios eternos à luz dos quais julga os atos históricos que contém, e nos insta a que também moldemos as nossas vidas. Estes princípios eternos se encontram não somente no Novo como também no Antigo Testamento.

Extraído de H. Henry Meeter, La Iglesia y el Estado (Grand Rapids, TELL, 1963), pp. 27-30.