03 abril 2008

A Teoria Documentária do Antigo Testamento

Uma breve exposição histórica
Alguns movimentos como o Deísmo e Racionalismo forneceram o cenário, e contribuíram para o surgimento da Teoria Documentária. Estas duas correntes de pensamento, embora diferentes, concordam numa coisa: a negação de uma relação sobrenatural de Deus com o homem. Negando a premissa sobrenatural, não se pode sustentar a doutrina da inspiração, profecias, a providência divina, etc. A Bíblia torna-se um livro meramente humano. Foi quando começaram a questionar a autoria mosaica, e a sua data de escrita, como também a veracidade de seu conteúdo:
1. Thomas Hobbes em sua obra Leviathan (1651) afirmou que o Pentateuco havia sido editado por Esdras a partir de fontes antigas.
2. Benedicto Spinoza declarou em Tractatus Theologico-Politicus (1670) que Esdras havia editado o Pentateuco com interpolação de Deuteronômio, questionando a autoria mosaica.
3. Jean Astruc, médico francês, foi o primeiro a dar expressão literária a essa teoria (em 1753). Limitou suas dúvidas apenas a autoria de Gn 1. Sua tese era que Moisés havia compilado o livro de Gênesis a partir de duas memórias (memoires), e outros documentos menores. Astruc identificou 2 fontes principais: Fonte A, com o uso da palavra Elohim, e fonte B, o uso da palavra Yahweh. Todavia, aceita Moisés como autor do livro todo. Alegava ter encontrado em Gênesis mais de dez fontes e outras interpolações textuais!
4. Johann G. Eichorn em sua Einleitung (1780-1783), expandiu as idéias de Astruc a todo o Pentateuco e não apenas a Gênesis. Negou a autoria mosaica. Dividiu Gn e Êx 1-2 em fontes designadas J e E, e afirmou que estas foram editadas por um autor desconhecido.
5. Alexander Geddes, padre católico escocês, investigou as “memoires” de Astruc. Em 1792-1800 desenvolveu a teoria fragmentária. Segundo a Teoria Fragmentária o Pentateuco consiste em fragmentos lendários, desconexos entre si e de muitos autores desconhecidos, mas possuindo apenas um redator. Foi o primeiro a sugerir a existência de um Hexateuco. Segundo Geddes o Pentateuco foi compilado por um redator desconhecido a partir de numerosos fragmentos que tiveram sua origem em círculos diferentes, um elohístico, e o outro javístico. A data da composição final do “Hexateuco” teria ocorrido em Jerusalém, durante o reinado de Salomão.
6. J. Vater (1802-1805) fez a divisão do Pentateuco em 39 fragmentos. A data da composição final do Pentateuco foi no exílio babilônico, sendo que nesta época adquiriu a forma que hoje conhecemos.
7. A.T. Hartmann foi o primeiro a dizer que a escrita era desconhecida no tempo de Moisés entre os israelitas (1831). Segundo ele, o Pentateuco era constituído de um grande número de pequenos documentos pós-mosaicos, a que foram feitas adições, de tempos em tempos, até se tornarem nos cinco livros. Considerava o Pentateuco como lenda e mito.
8. Wilhelm M.L. De Wette (1780-1849) em 1805 escreveu um livro, acerca de Deuteronômio, dando este livro como pertencente ao tempo de Josias e escrito um pouco antes da sua reforma religiosa, em 621 a.C.
9. Heinrich Ewald (+1875) rejeitou a autoria mosaica. Segundo ele o Pentateuco é composto de muitos documentos, mas enfatizando o documento E como sendo básico.
10. Tuch foi quem deu expressão clássica à teoria. Deu ênfase a dois documentos básicos, o E e o J, tendo datado o E no tempo de Saul, e o J no tempo de Salomão. Representa uma volta a Teoria Documentária primitiva. Segundo essa teoria, o documento básico, original era um só, o documento E (elohista), combinado com um suplemento principal que era o documento J (jeovísta) formavam a base para o Pentateuco. No decorrer dos séculos novas adições foram feitas a estes documentos, terminando na cristalização do atual conjunto de cinco livros. Todos estes críticos negaram a autoria mosaica do Pentateuco.
11. Hermann Hupfeldt, em 1853, ensinou que, além do Deuteronômio, havia três documentos contínuos que eram J,E1 e E2, combinados por um único redator.
12. E. Riehm (1854) defendeu que os documentos contínuos eram quatro e não três. Foi o primeiro a apresentar um quarto documento principal, chamado D. A forma dos documentos seria E1, E2, J, D.
13. Reuss (1850) acreditava em cinco documentos principais J, E1, E2, d, P. Foi o primeiro a sugerir o documento P como sendo documento básico e também como sendo o último deles. Atribuiu ao tempo de Esdras como data final da redação do Pentateuco.
14. Karl H. Graff, em 1865, afirmou a literatura de Êxodo, Levítico e Números, não pertencia ao período de Josias, mas ao cativeiro babilônico. Rejeitou o documento E1 como sendo um documento independente. Para ele o E1 é igual ao P, um documento procedente do período do reinado de Josias. Para Graff a ordem dos documentos seria P–histórico, E, J, D, P-legal.
15. Abraham Kuenen (1869-1870) desenvolveu a teoria de Graff e a difundiu, principalmente na Alemanha. Em sua obra “A Religião de Israel” (1869) argumentou que o P-histórico não poderia ser separado do documento P-legal. Sua teoria resultou em J, E, D, P.
16. Julius Wellhausen foi quem deu uma popular formulação literária à teoria, em sua obra Die Composition dês Hexateuchs, em 1876. Com ele a teoria adquiriu o nome de Graff-Kuenen-Wellhausen. Causou um grande impulso ao criticismo moderno.
17. Herman Gunkel (1862-1932) e Hugo Gressmann (1877-1927) posicionaram-se contra as tendências do wellhausenismo clássico. Os grandes expoentes na crítica das fontes. Defendiam a necessidade de se descobrir o Sitz im Leben (contexto vital). Comparação com a mitologia antiga.
18. Otto Eissfeldt em sua Einleitung in das Alte Testament (1934) defendia a classificação da literatura do AT em vários gêneros e categorias. Tenta traçar o desenvolvimento (a influência pré-história literária) dos diferentes documentos. Propõem a existência de um documento L (fonte leiga). Não possui uma concepção adequada da revelação, considera a literatura do AT como de origem meramente humana.
19. R.H. Pfeiffer em Introduction to the Old Testament (1941) mostra erudição e apologia, basicamente anticristã. Ensinou a existência de um documento S (Sul ou Seir), mas obteve aceitação popular. Nega a revelação, milagres, etc.. Segundo Pfeiffer estas são cousas subjetivas, sem prova científica e devem ser desconsideradas como fatos históricos.
20. Gerhard Von Rad (1934) defendeu a existência de mais dois documentos Pa e Pb. Propôs a teoria do Hexateuco.
21. Aage Bentzen publicou em 1941 uma obra que esposa o método histórico-crítico que presta dedicada atenção ao estudo das supostas formas da literatura do AT.

Uma avaliação crítica da Teria Documentária
Devemos considerar algumas implicações da Teoria Documentária em afirmar a formação final do Pentateuco num período pós-exílico (entre 500-400 a.C.), quando a religião de Israel já estava bem desenvolvida:
1. A Teoria Documentária não prova a não autoria de Moisés. Falando francamente, esta teoria nem sequer conseguiu provar a sua própria veracidade científica, para tirar de sobre si o estigma de “teoria” a que está vinculada durante todos esses séculos.
2. Mesmo entre os adeptos desta teoria não há concordância acerca da identificação e classificação dos textos e dos grupos documentais a que eles supostamente pertencem.
3. Aceitar a teoria JEDP anula a credibilidade do Pentateuco. Segundo a Teoria Documentária a história bíblica é forjada. O livro de Dt foi inventado pelos profetas para reforçar a idéia da centralização. O uso do nome de Moisés no Pentateuco, era simplesmente para dar autoridade ao texto, mas ele nada tinha a ver com a composição histórica do mesmo. O documento P, composto para assegurar a aceitação do sistema sacerdotal por parte do povo, fora baseado em lendas e crendices folclóricas. Como observa Stanley A. Ellisen “rejeitar a autoria de Moisés é rejeitar o testemunho universal dos escritores bíblicos e solapar a credibilidade do Pentateuco e do resto da Bíblia. É da autoria de Moisés, e não apenas um ‘mosaico’ de diferentes”.[1]
4. Retira todo o caráter normativo do Pentateuco.[2] Não teria qualquer valor para o povo da época, já que nada acrescentaria ao judaísmo. Se o Pentateuco fosse apenas um produto de uma religião tardiamente desenvolvida, e não o princípio regulador, não faria sentido chamá-lo de “a Lei”. Se ele não foi o princípio regulador para os primeiros leitores, não teria valor algum para os crentes de outras épocas, uma vez que os conceitos humanos mudam e o que não foi normativo para um povo, pode não ser para outro.
5. Invalida o esforço de composição. O relato do Pentateuco é rico em detalhes e informações. Possui informações das origens e desenvolvimento dos povos, em especial do povo de Israel. Os supostos autores teriam se dado a um imenso trabalho de imaginação para simplesmente manter uma ordem que já estava estabelecida.
6. Devemos considerar a ausência de evidências histórica, ou manuscritológicas, de que estes supostos documentos (JEDP) tenham circulado em algum período soltos uns dos outros.[3]
7. Considera o autor mal intencionado. A Teoria Documentária implica que um autor (ou autores), com um sentimento profundamente religioso e com o intuito de conduzir o povo diante de Deus, tenha se rebaixado a abandonar valores que quer ensinar e redigir uma mentira, colocando na boca de Deus, o que Ele não disse, inventando “estórias” e fazendo com que todos a considerassem como verdadeiras!
8. Impossibilidade do sobrenatural no AT. Conseqüentemente a intervenção divina é negada: revelação, inspiração, encarnação, milagres, etc.
9. Negação da revelação especial. A Bíblia torna-se meramente uma referência literária semítica. Um livro antigo como outro qualquer, deixando de ser a auto-revelação proposicional de Deus.

Notas:
[1] Stanley A. Ellisen, Conheça Melhor o Antigo Testamento, pág. 13.
[2] Oswald T. Allis, The Five Books of Moses, pág. 10.
[3] Robert D. Wilson, A Scientific Investigation of the Old Testament, pág. 50.

Rev. Ewerton B. Tokashiki