27 novembro 2013

Johannes Wollebius e o seu Compedium Theologiae Christianae

John W. Beardslee III traduziu o pequeno manual de dogmática de Johannes W. Wollebius, e ofereceu em sua introdução uma breve descrição da importância desta obra.
Johannes Wollebius (1586-1629) nasceu e foi educado em Basiléia, onde se tornou pastor em 1611, e professor de Antigo Testamento e pregador da catedral em 1618. O Compendium Theologicae Christianae foi publicado em 1626, sendo várias vezes, reimpresso em Latim (Basiléia, 1634; Amsterdã, 1638; 1642; Oxford, 1657; Londres, 1760), e foi traduzido para o holandês e inglês. Ernst Bizer quem reeditou o original em nossa geração, poderia agora prevenir-nos contra superestimar a sua importância, concordando com diversos historiadores do século XIX, mas não seria possível negar que seu extenso uso durante o século XVII, a sua brevidade, clareza e fidelidade, não fosse uma positiva expressão característica dos teólogos reformados nos tempos do Sínodo de Dort e que poderia manter esta afirmação concedendo-lhe o título por considera-lo como uma avenida para uma completa descrição do entendimento “ortodoxo” aceito pela Fé Reformada – o “que comumente é ensinado com aceitação em nossas igrejas” e que pode ser encontrado em Voetius, Turretin e igualmente em outros.

Extraído de Johannes Wollebius, Compendium Theologiae Christianae in: John W. Beardslee III, ed. e transl., Reformed Dogmatics (Grand Rapids: Baker Books House, 1977), pp. 10-11.

Iniciei a tradução do Compendium Theologiae Christianae para o português. Entretanto, esta é uma tarefa a longo prazo e sem compromisso com data. Conforme for traduzindo os capítulos pretendo postar neste blog, e devo comunicar no facebook, mas recomendo que inscreva-se neste blog para receber as atualizações.

Ou você pode obter cópia digital do livro [tradução inglesa] acessando AQUI

22 novembro 2013

Crer e Observar: o cristão e a obediência - Resenha

Este é um livro que oferece um ensino claro para um assunto que necessita ser melhor conhecimento e com certa urgência. Bruce Bickel no prefácio denuncia o problema de nossa época. O pragmatismo e hedonismo predominam na motivação até mesmo dentre os cristãos. Além destes problemas seculares ainda conflita dentro do protestantismo o legalismo e o antinomianismo. Bem observou que o legalismo “comete delito contra a glória da graça e exalta o eu e fere a nossa paz”, enquanto que o antinomianismo “transforma a graça de Deus em licenciosidade, endurece a nossa consciência e nos torna piores do que os descrentes” (p. 9). A proposta destes artigos é mostrar como Deus realizou, em Cristo, a justificação do pecador, para que este crendo, possa viver uma vida de obediência ao Senhor. Assim, a adequação e propriedade das boas obras na vida cristã, se dará entendendo e vivendo harmonicamente a relação da lei e do evangelho.

O livro é de fácil leitura. Embora o assunto Lei e Evangelho seja um tanto complexo, os autores escolheram escrever em linguagem coloquial para torna-lo mais acessível ao público geral. Devido ao uso desgastado dos termos legalismo usando termos teológicos seguidos de breves definições para que o leitor tenha certeza semântica do vocábulo, e possa assimilar o conteúdo. Os autores além de teólogos qualificados possuem ministério pastoral. O conteúdo do livro será uma leitura proveitosa tanto para acadêmicos, como uma boa introdução do assunto, ao mesmo tempo, que também, esclarecedora e prática instrução aos membros da igreja local.

A sua estrutura é composta de seis capítulos e um posfácio. No primeiro capítulo, R.C. Sproul pressupondo a continuidade pactual da lei demonstra que o nosso amor pela lei testifica a nossa comunhão com o povo de Deus, tanto no antigo como no novo pacto. A sua argumentação identifica uma disseminada rejeição pela lei do Antigo Testamento. Mas, a distinção, bem como a relação de lei e evangelho, segundo o autor, encontra igualmente no Antigo como no Novo Testamento. A sua tese é que na unidade pactual de ambos os testamentos o povo escolhido deve amar a Deus, porque a sua lei o revela, em outras palavras, amar a lei de Deus é amar o Deus da lei.

Michael Horton se valendo da metáfora bíblica das roupas, expõe a perfeição da justiça de Cristo imputada ao eleito. Desde o Jardim do Éden, é relatado que o homem, em seu pecado, tentou prover para si uma veste de justiça. Entretanto, com reprovação a Escritura declara que as melhores virtudes e obras do homem merecem condenação, por não satisfazer o perfeito padrão revelado na lei de Deus. A preocupação se a justificação não inibiria a santidade é respondida de duas formas. Primeiro denunciando como desvios como o pelagianismo, antinomianismo místico e perfeccionismo, na verdade não cumpriram a sua proposta de promover uma vida superior, pelo contrário, eles produziram afastamentos irreversíveis do evangelho e falharam em produzir verdadeira piedade na igreja. A segunda metade da resposta é que a doutrina da justificação precisa ser o centro do nosso entendimento em como somos aceitos por Deus. Então, uma correta distinção entre lei e evangelho produz o equilíbrio necessário para uma vida cristã saudável, como também, a confusão destes dois lados da Palavra de Deus causará dano. Horton identifica na atual pregação elementos de moralismo polido, com recomendações úteis para uma vida abundante, todavia, sem ter nela a lei como condenação da ira de Deus. O risco é que uma ignorância da lei os leva a uma segurança com motivações pecaminosas. O autor denuncia que tanto legalistas, como antinomianos erram em crer que a graça leva à licenciosidade “porque nenhum deles compreendeu verdadeiramente o poder de santidade que existe no evangelho” (p. 36).

No terceiro capítulo “obediência: amor ou legalismo?” John MacArthur recorda de uma longa controvérsia sobre o senhorio de Cristo, que alega que alguém pode ser salvo, sem viver uma a obediência cristã. O autor apresenta o ensino das Escrituras de que a obediência nos não torna salvos, porque ela não é uma condição para isso, mas ela deve ser parte da vida cristã, por ser fruto daqueles que vivem um verdadeiro cristianismo. Assim, a sua tese neste capítulo é de que a obediência cristã à lei é um dever, permeada com alegria e gratidão pela salvação, porque obedecer não é algo opcional. A sua interpretação da expressão paulina “sob a lei” como sendo estar “sob a lei como um meio de justificação”, segue de perto a opinião reformada sobre os usos da lei, ou seja, de que não estamos debaixo da lei cerimonial, nem que devemos a nossa justificação por obediência da lei. O único modo de Deus justificar o ímpio é através da obediência impecável de Cristo, que obteve perfeito mérito. Assim, o único mérito aceito por Deus é o mérito de Cristo que e atribuído a nosso favor. MacArthur esclarece que o legalismo é mortal por ser outro evangelho que procura estabelecer a própria justiça como critério de aceitação diante de Deus, enquanto que a obediência cristã diferente do legalismo, tem na doutrina da justificação o seu mais alto incentivo. É dever obedecer a lei, por ser declarado justo, por amar a Cristo, e viver sob a sua misericórdia. Digno de nota é a surpresa que MacArthur causa, pois sendo um teólogo dispensacionalista, que advoga a ruptura entre o antigo e novo pacto, consiga sistematizar a sua interpretação da lei e evangelho de forma correta.

John Armstrong escreve sobre a obediência por fé. Infelizmente parece que o autor falha parcialmente na apresentação seu artigo. Ele dedica uma longa parte introdutória, cerca de dez páginas, interpretando a expressão “obediência por fé” de Rm 1:5, em que cita a opinião de alguns comentaristas, e oferece uma conclusão que não contribuiu em nada, afirmando que “parece melhor para preservar a ambiguidade erudita de Paulo.” O desenvolvimento de sua argumentação é confusão, pois uma subdivisão não se desdobra logicamente com a próxima. É surpreendente ao apresentar corretamente a posição reacionária dos reformadores contra a posição de Roma, de que ela confunde a justificação com a santificação, de modo, que a obediência torna-se meio de justiça própria, mas em seguida, cita com aprovação o escritor Don Garlington que diz “difícil pensar que ‘justificação’ e ‘santificação’ sejam radicalmente distintas porquanto ambas, no emprego principal que é feito dessas palavras no Novo Testamento, fazem referência ao mesmo evento” (p. 77). É isso que a Igreja Romana ensina! O artigo de Armstrong careceu de uma clara definição do que ele crê sobre a doutrina da justificação. Esse capítulo, na minha opinião, é o mais fraco do livro, porque o artigo além de vagar numa argumentação sem desenvolvimento lógico, e fazer afirmações heterodoxas, não cumpriu em esclarecer como a obediência ocorre por fé.

Jonathan Gerstner produz uma rica contribuição para a discussão. A preocupação com o correto entendimento da doutrina da justificação leva o autor a pensar nas implicações soteriológicas daqueles que negando-a, ou de protestantes que aceitam como salvos, aqueles que rejeitam a suficiência da justiça de Cristo. O debate se estende ainda contra os legalistas e antinomistas e a partir de exemplos históricos, alguns bem recentes, Gerstner denuncia sérios desvios de diferentes formas de legalismo, que criaram o seu próprio critério de “boas obras”. O autor vê nesse desejo de ser aceito pela obediência de boas obras um reflexo do pacto das obras, que nunca foi revogado. O problema é a incapacidade causada pela queda no pecado.

Gerstner nota que o legalismo é uma das mais antigas heresias no seio da Igreja. Esta foi a heresia dos gálatas, e reapareceu no período medieval, e foi combatida pelos reformadores. Entretanto, o legalismo manifesta-se na igreja do tempo presente pelo arminianismo, que vê na fé uma obra que participa da sua salvação, ou dos curadores radicais que descrevem a cura como dependente da fé, mas, mais escandaloso é o documento Evangelicals and Catholics Together. Gerstner adverte quanto ao uso desgastado e incorreto do termo “legalismo” percebendo que o mau uso da palavra, em geral, procede de pessoas que atacam grupos que pensam que a lei de Deus exige algum tipo de comportamento, que ela crê não deveria ser exigido. A tradução em geral é de boa qualidade.

Entretanto, algumas falhas precisam ser denunciadas quando se traduz “aquele grupo faz parte de culto legalista e não de uma igreja” (that group to be a legalistic cult and not a church: “aquele grupo é uma seita legalista e não uma igreja”. Trust and Obey, p. 137). O juízo do autor contra o desvio doutrinário do legalismo é mais grave do que a tradução sugere. É interessante a percepção pastoral e conciliadora que o autor demonstra advertindo que o mau emprego do termo legalismo não deveria ser usado contra pessoas que inconscientemente erram nas suas inferências da aplicação de algum princípio bíblico.

O antinomianismo não é menos criticado, nem considerado menos pernicioso. O problema do antinomiano é sua crença que a fé que justifica permite uma vida de imoralidade. Gerstner aponta para alguns casos como Bill Bright, que crê que uma pessoa pode aceitar Jesus como Salvador, mas não necessariamente como Senhor, implicando que ela pode ser salva, mas não ter o senhorio de Cristo. Ainda menciona o dispensacionalismo que em seu sistema teológico causa uma ruptura entre lei e evangelho, criando uma doutrina antinomiana de rejeição à obediência à lei por ser ela de uma dispensação ultrapassada. Por último, cita o que ele chama de “embainhadores” de espada, ou seja, eles rejeitam o antinomianismo, mas diluem o seu ensino ou pregação quando ao que a Escritura afirma contra o pecado. A sua solene advertência final àqueles que pecam por legalismo, ou por antinomia, pesa a seriedade de sua ofensa contra o Deus que justifica.

Em dupla autoria este capítulo encerra apresentando a gratidão como a motivação correta para a obediência no terceiro uso da lei. O terceiro uso da lei, ou uso didático, se refere ao uso diário na vida do cristão em como ele deve expressar sua gratidão a Deus pela justificação. O assim chamado terceiro uso da lei é primeiramente encontrado no pensamento de Melanchthon, embora haja debate se Lutero o ensinou, pelo menos por implicação. Em Calvino a doutrina encontra-se mais amadurecida do que seus antecessores, Beeke observa que ele foi o único e o primeiro dentre os primeiros reformadores a “enfatizar essa terceira função da lei como norma e guia para o crente, é o seu uso ‘exato e principal’” (p. 114). A obediência da lei é entendida não como sendo compulsória, mas agradecida, porque a lei promove uma ética de gratidão, que ao mesmo tempo o encoraja a obediência e o adverte contra o pecado.

Os autores oferecem um estudo de caso baseado no quarto mandamento. Eles demonstram a legitimidade de sua observância, apesar de sofrer a resistência da mentalidade secularizada, do prejuízo teológico causado pelos modernistas quanto à autoridade da Escritura e dos dispensacionalistas em romper com a autoridade da lei do Antigo Testamento. A tradução é prejudicada porque o termo hebraico sabbath que deveria ser preservado, como os escritores de língua inglesa o fizeram, foi traduzido por “sábado” o que pode levar um leitor desavisado a confundir, e talvez não entender o argumento do autor. Parece que este problema é repetido, devido ao fato de que outros livros que abordam o assunto, ou mencionam o termo, também o traduzem por “sábado” (Crer e Observar, pp. 118-127; compare com Trust and Obey, pp. 173-187). A correta obediência da lei em seu uso didático fornece aos cristãos um amor espontâneo e uma autêntica liberdade em Cristo.

Apesar de ser agradável a diagramação, infelizmente a editora optou em colocar as notas no fim do livro. Este modelo torna cansativa a leitura e desestimula com as várias idas e vindas do texto para as notas, por vezes, quebrando o raciocínio do argumento. O livro sendo de brochura possui um acabamento bom, por não ser apenas colado, mas também costurado, aumentando assim a sua vida útil.

FONTE:
Don Kislter, org., Crer e Observar – o cristão e a obediência. São Paulo: Editora Cultura Cristã. 2009.
Don Kistler, org., Trust and Obey – Obedience and the Christian. Morgan: Soli Deo Gloria Publications. 1996.