20 novembro 2007

A natureza incomum do milagre

Nem pode a real e própria idéia do que é milagre ser encontrada no fato daquilo que não podemos compreender e explicar como sendo milagre, pois na realidade, não conseguimos nem mesmo compreender os eventos por mais comuns que eles sejam. É verdade que não somos capazes de entender como o Senhor pode multiplicar uns poucos pães em suas mãos divinas, de modo a dar de comer com elas uma considerável multidão (Jo 6:1-14). No entanto, não está dentro dos limites do meu entendimento como uma semente pode cair na terra e morrer para dar fruto cem vezes mais. Certamente é verdade que a minha mente se assombra quando o Salvador chama Lázaro para que saia do sepulcro, estando ali há quatro dias dormindo no pó (Jo 11:1-46); mas, o nascimento de um bebê não transcende menos a minha mais ousada compreensão. Como o Senhor foi capaz de transformar água em vinho, nas bodas de Caná, certamente é mistério para o nosso entendimento (Jo 2:1-11), mas não é menos incompreensível como a videira pode produzir uvas e, dessa maneira transformar diferentes elementos em vinho.

Em outras palavras, para o meu entendimento não há diferença no que Deus por sua onipotência opera na forma comum e conhecida sobre a videira, de modo que produza uvas, ou se pela mesma potência realiza sobre a água para mudá-la em vinho. Se o sol e a lua se detém ante a palavra de Josué, confessamos não sermos capazes de compreender este fenômeno; mas, quando o Senhor a cada manhã constantemente faz com que o sol se levante sobre o horizonte oriental, essa obra de Deus igualmente transcende a minha compreensão.

Milagres nos causam admiração e captam a nossa atenção especial. Mas a causa disto não deve ser achada na compreensão dos eventos e atos comuns da providência de Deus e a incompreensão por serem milagres. Mas, devem ser encontrados no fato de que chegamos a estar tão acostumados com as obras diárias do onipresente poder de Deus que normalmente não lhes prestamos a devida atenção. No milagre, certamente, Deus realiza algo especial que precisamente por seu próprio caráter especial chama a atenção. Todavia, nem no assim chamado caráter sobrenatural, nem no imediato, nem no caráter incompreensível de um milagre pode-se achar a idéia própria do que é um milagre.

Extraído de Herman Hoeksema, Reformed Dogmatics, vol. 1, págs. 344-345


Traduzido por Rev. Ewerton B. Tokashiki

13 novembro 2007

Ordenação feminina: uma análise introdutória

A questão
Porque não ordenamos mulheres para o exercício dos ofícios de liderança? Esta é uma questão que precisa ser respondida. A nossa posição deve ser livre das acusações de machismo, obscurantismo e de que somos alienados às mudanças sociais da pós-modernidade.

Pelo menos três argumentos gerais são usados pelos que advogam a ordenação feminina:
1. Por serem maioria nas igrejas, por que as mulheres devem ser lideradas por uma liderança minoritária de homens?
2. É notório que as mulheres cada vez mais participam em funções de liderança na sociedade, por que não nas igrejas?
3. As denominações protestantes históricas estão ordenando mulheres. Sabemos que denominações como a Igreja Metodista do Brasil, a Igreja Evangélica de Confissão Luterana, a Igreja Episcopal Anglicana do Brasil, e ultimamente a Igreja Presbiteriana Independente do Brasil têm ordenado mulheres em cargos de liderança. O que falta para que a Igreja Presbiteriana do Brasil tome esta decisão?

Diante desta pressão, primeiramente precisamos nos perguntar qual deve ser o critério para decidirmos, ou não, ordenar as nossas irmãs. Deve ser a pressão social, onde a opinião pública encontra-se seduzida pelo movimento feminista, em moldes de igualdade, senão superioridade aos homens? Seria o critério do pragmatismo, reconhecendo que muitas mulheres têm assumido a responsabilidade de liderar, mesmo sem ordenação, enquanto os homens são omissos em seus deveres na família, na igreja e na sociedade? Ou, ainda deveríamos considerar as estatísticas que apresentam mudanças quanto ao número de denominações que têm ordenado mulheres, sem perceber que estes grupos tem mudado não somente práticas históricas, mas doutrinas e talvez ainda, o próprio conceito de verdade?

Uma tríplice resposta
Para responder estas fatídicas perguntas é necessário extrairmos a nossa conclusão a partir de três fontes:

1. O testemunho da história da Igreja cristã. Os cristãos em períodos consecutivos ou esporádicos ordenaram mulheres? Perguntas como, quando, por que e quem certamente esclarecerá a ocorrência da prática e possibilitará uma avaliação da prática da ordenação feminina no desenvolver dos séculos. Quando a tradição preserva a verdade e a sua prática, ela deve ser honrada (1 Co 11:2-3).[1] Logo, a ausente tradição de se ordenar mulheres tem que ter uma explicação, além da acusação simplista das feministas de que a Igreja sempre foi androcêntrica! Deixe-se estabelecido que a história é testemunha e não regra de fé para decidirmos uma prática. Analisando os eventos históricos poderemos entender o desenvolvimento doutrinário e assim concluir se houve de fato progresso ou corrupção doutrinário.

2. A interpretação exegética de textos bíblicos que oferecem alguma possibilidade para a ordenação de mulheres na liderança como um princípio regulador. Há evidências a partir do texto bíblico que a comunidade cristã do primeiro século possuía uma liderança feminina, ou que isto era prescrito como normativo, ou devemos considerar como um assunto aberto? Pressupondo que a Escritura Sagrada é a Palavra de Deus e que o sentido do texto é determinado pelo autor inspirado inerrantemente pelo Espírito Santo, então aceitamos o Escritura como autoridade final, interpretando-a a partir do método gramático-histórico.

3. A formulação teológica sistematizada a partir do ensino geral das Escrituras acerca do princípio de autoridade, e da relação do homem e da mulher, e suas implicações. A atual inclusão feminina na liderança e nos ofícios deve ser interpretada como um desdobramento e progressão da eclesiologia reformada, ou como uma corrupção doutrinária? Existe uma ordem divina estabelecida para a relação homem/mulher? A submissão é um mandato pós-queda, ou uma função de identidade original à mulher num período anterior à histórica Queda no jardim do Éden?

Este não é um assunto fácil de ser discutido por vários fatores. Primeiro, por causa da tensão que existe entre aqueles que são a favor ou, contra. Segundo, a complexidade do assunto. Terceiro, as implicações práticas são intensas e as mudanças também. Por isso, este assunto deve ser estudado com um fiel temor à autoridade das Escrituras Sagradas, um senso crítico na abordagem dos argumentos que sejam a favor ou, contra a ordenação feminina, tendo como alvo final a verdade bíblica, e evitando partidarismo defendido, mas visando o bem comum da Igreja de Cristo.

Para que não ocorra confusão, nem mesmo questionamentos quanto às minhas convicções pessoais, posiciono-me contra a prática da ordenação feminina. Tenho estudado o assunto, entretanto, cada vez mais estou convencido de que ela não é bíblica. Creio que as mulheres têm dons e ministérios no Corpo de Cristo que devem ser exercidos com temor, mas isto não as autoriza receberem a ordenação do oficialato.

Nota:
[1] Gordon J. Spykman declara que “a tradição é o sangue da teologia. Separada da tradição a teologia é como uma flor cortada que sem suas raízes e sem o solo, que murchará na mão. Uma teologia sã nunca nasce do novo. Ao honrar a sã tradição assegura-se a continuidade teológica com o passado. Ao mesmo tempo que a tradição cria a possibilidade de abrir novas portas para o futuro” in: Teologia Refomacional (Jenison, TELL, 1994), pág. 5.

Rev. Ewerton B. Tokashiki