28 dezembro 2006

Breve histórico da Igreja Presbiteriana dos EUA

Os puritanos de convicção presbiteriana imigraram para os Estados Unidos da América, quando esta ainda era uma colônia da Inglaterra. Durante a colonização do novo mundo, os presbiterianos chegaram da Europa, e se estabeleceram no hemisfério Norte dos EUA, participando da formação das primeiras treze colônias. Estas treze colônias buscaram a sua independência da Inglaterra, dando origem a Revolução Americana. A história registra que pelo menos catorze presbiterianos assinaram a “Declaração de Independência”, sendo o mais conhecido deles o Rev. John Witherspoon.

O primeiro presbitério se formou na Philadelphia, em 1705. Mas, em 1837, a Igreja Presbiteriana dividiu-se internamente entre dois grupos que ficaram conhecidos como a “Nova Escola” e a “Velha Escola”. O desentendimento era causado pelas questões sobre a cooperação na formação teológica dos ministros e possibilidade de unificação entre a Igreja Presbiteriana e a Igreja Congregacional, pois a Velha Escola era teologicamente mais conservadora, e rejeitou a cooperação por questões de desvios doutrinários da parte de alguns pastores congregacionais.

Em 1861, por causa da Guerra civil, a Igreja Presbiteriana se dividiu em linhas nacionais, ou seja, os presbiterianos do Norte e do Sul separaram-se em duas denominações. Os presbiterianos do Sul se uniram em 1861, e formaram a Presbiterian Church of USA (PCUS), e os do norte se uniram em 1869, e formaram a Presbiterian Church of USA (PCUSA). Esta divisão consolidou-se com a Guerra Civil americana que durou quatro anos, de 1861 a 1865. Este cisma ocorreu devido aos problemas com a interpretação da Escritura acerca da escravatura. Entretanto, os presbiterianos do Sul afirmam que eles não dividiram do norte motivados pela questão da escravatura, mas, por causa da imposição de lei nacional sobre a igreja do Sul. Foi neste período que o Rev. Ashbel G. Simonton foi enviado como missionário para o Brasil pela Junta de New York, da Igreja do Norte, embora posteriormente, a Junta de Nashville, da Igreja do Sul também enviou os seus missionários.

Os presbiterianos do norte e do sul reunificaram-se somente em 1983, cento e vinte e dois anos após o cisma. Naquela época, a Igreja do norte era conhecida como a United Presbyterian Church, porque em 1958 a Presbiterian Church of the United States havia se unido com a United Presbyterian Church, e a nova denominação adotou o nome de United Presbyterian Church. Esta divisão durou mais de meio século, e que terminou em Junho de 1883, quando se reuniram as duas Igrejas conhecidas até esse momento como a United Presbyterian Church of USA (PCUSA que era do norte) e a Presbyterian Church in the U.S. (PCUS do sul). A união das duas denominações forjou a United Presbyterian Church of USA (UPCUSA).

Em 1924, cerca de 1300 ministros presbiterianos assinaram a liberal Declaração de Auburn, que nega a inerrância da Bíblia, e declara que a crença em doutrinas essenciais, como a expiação substitutiva de Cristo e a sua ressurreição corpórea não deveriam ser “testes para a ordenação, ou para a boa norma da nossa igreja.” A United Presbyterian Church in the United States of America (UPCUSA) é um ramo do norte do Presbiterianismo dos EUA. Ela foi formada pela união da Presbyterian Church in the United States of America (PCUSA - o principal ramo da Igreja Presbiteriana do norte) com a United Presbyterian Church of North America (uma pequena igreja de tradição escocesa sucessora dos Pactuantes) em 1958. A UPCUSA mantém a Confissão de Fé e os Catecismos de Westminster, mas acrescentou outras confissões e guias doutrinários (opondo-se aos “restritos” padrões) em seu Book of Confessions, como também criou a Confession of 1967 como uma contemporânea declaração de fé.

O Princeton Theological Seminary em New Jersey, representou por muitas décadas a ortodoxia presbiteriana dentro da UPCUSA. Mas, em 1929, a sua Junta [Conselho Diretor] foi reorganizada com uma decisão de colocar professores liberais para lecionar na faculdade. Quatro professores deixaram o Princeton Theological Seminary e fundaram o Westminster Theological Seminary na Philadelphia como uma instituição independente para dar continuidade ao ensino do Cristianismo bíblico.[1]

O grande opositor ao liberalismo dentro da UPCUSA naqueles dias foi J. Gresham Machen. Era um ministro presbiteriano e professor no Princeton Theological Seminary, e posteriormente no Westminster Theological Seminary. Quando J. Gresham Machen denunciou que o liberalismo teológico havia contaminado a junta de missões da UPCUSA, a Assembléia Geral nada fez acerca do assunto. Por causa disto, em 1933, ele e outros reivindicando a genuína pregação do evangelho estabeleceram The Independent Board for Presbyterian Foreign Missions. Em 1934, a Assembléia condenou a sua ação, e foi deposto do seu ofício. Em resposta, 34 ministros, 17 presbíteros regentes, e 79 leigos reuniram-se na Philadelphia, em 11 de Junho de 1936, para constituir a Presbyterian Church of America, que posteriormente, em 1939, o nome da nova igreja foi mudado para Orthodox Presbyterian Church (OPC). Quando foi organizada, a OPC perdeu para a PCUSA todo o seu patrimônio, especialmente os templos.

A Orthodox Presbyterian Church que começou no norte dos EUA, mas implantou novas igrejas na região Sul. Outro grupo enfraqueceu a OPC, quando dividiram formando a dividiu da Reformed Presbyterian Church, Evangelical Synod. Este grupo separou-se da OPC sob a liderança de Rev. Carl McIntyre, por causa de discussões que envolveram questões da liberdade cristã, adotavam o Dispensacionalismo, mantendo um maior vínculo com o movimento Fundamentalista. O grupo que se separou da OPC em 1937, ficou conhecido como Bible Presbyterian Church, e mais tarde mudou o seu nome para Evangelical Presbiterian Church, e então, tornou-se a Reformed Presbyterian Church, Evangelical Synod (RPC). Em 1982, a Reformed Presbyterian Church, Evangelical Synod, uniu-se com a Presbyterian Church in America. A Reformed Presbyterian Church, Evangelical Synod havia se formado em 1965 por uma união da Evangelical Presbyterian Church e da Reformed Presbyterian Church in North America, General Synod.

Surge outra denominação presbiteriana de orientação teológica Reformada. Em dezembro 1973, delegados, representando cerca de 260 congregações com aproximadamente 41.000 membros comungantes deixaram a Presbyterian Church in the United States (a PCUS da região do sul). Separaram da PCUS em oposição ao liberalismo teológico que negava a divindade de Jesus Cristo, a inerrância e a autoridade de Escritura. A PCA manteve a posição tradicional acerca de que as mulheres não devem receber o governo como oficiais da Igreja. Então, reunidos na Briarwood Presbyterian Church, no Alabama, organizaram a National Presbyterian Church, que se transformou mais tarde, em 1974, na Presbyterian Church in América (PCA). Embora esta denominação tenha iniciado no sul, atualmente tem novas congregações no Norte e no Oeste dos EUA.

A maior das denominações presbiterianas é a PCUSA, mas, está perdendo muitos dos seus membros por causa do seu pluralismo [e liberlismo] teológico. A segunda mais expressiva denominação presbiteriana é a PCA, que está crescendo, como também a OPC, embora ainda sejam pequenas denominações mantém-se como referências da ortodoxia reformada nos EUA.

Rev. Ewerton B. Tokashiki

23 dezembro 2006

Resgatando o significado do Natal

Para aqueles que desejam refletir acerca do significado bíblico do Natal, indico o artigo do Dr. Augustus Nicodemus com o título Não sou totalmente contra o Natal.

No meu blog pode-se ler um artigo mais conciso, com uma abordagem um pouco diferente, com o título Celebrando a nova Aliança no Natal.

Boa leitura, e feliz verdadeiro Natal, em Cristo Jesus

Rev. Ewerton B. Tokashiki

20 dezembro 2006

Carta do Diabão para a Igreja de Cristo

Saudações meus caros!

Quero primeiramente agradecer àqueles que têm facilitado o meu difícil trabalho. Sinceramente me orgulho em ter alguns amigos cooperando comigo, nesta tão querida igreja. Sou grato por estarem fazendo o meu trabalho. Consigo economizar tempo e esforço para planejar outras coisas. Quero agradecer e reforçar solicitando, especialmente, por estes assuntos abaixo:

1. Continuem formando as panelinhas, dividam as opiniões, causando desordem e confusão para que a liderança se estresse tentando resolver;

2. Economizem o seu dízimo e as ofertas. Quem realmente precisa de dinheiro são vocês, meus queridos;

3. Zombem dos professores da Escola Dominical, eles nada têm a ensinar, vocês são os verdadeiros "sabe-tudo";

4. Desprezem a liderança da igreja, critiquem e não contribuam;

5. Orar? Pra quê? Deus já sabe tudo! Afinal, Ele é muito ocupado, para cuidar da sua vida. Não percam tempo orando, façam vocês mesmos. Sejam mais autoconfiantes;

6. Dêem um descanso para as suas Bíblias. Ela está tão surrada, tão usada! Se vocês as amam, guardem-na com carinho. Evitem folheá-las, e quanto menos lê-las, melhor! Vocês poderão preservá-las por muitos anos guardada-as na gaveta. Afinal, vocês já sabem tanto, não há necessidade de se aprender mais. Como seu amigo, me preocupo com vocês, não quero que fiquem loucos de tanto ler a Bíblia;

7. Vocês são os donos da igreja! As melhores idéias são suas. A sua opinião sempre é a mais sábia! Vocês são os mais preparados. Vocês tê0m mais dinheiro. Isso mesmo, vocês são quem mandam;

8. Critiquem uns aos outros. Analisem bem os seus defeitos e notifiquem-se de que todos os membros saberão de todos os erros, pecados e escândalos que ocorrem com as famílias da igreja;

9. Quanto aos músicos não percam tempo ensinando a igreja a cantar. O que ela quer mesmo é vê-los exibindo um bem animado “show”, enquanto assiste admirada os arranjos que vocês conseguem fazer com os seus instrumentos e vozes;

10. Não percam tempo em visitar os enfermos. Sejam realistas, logo, logo, eles estarão bem e sadios, e nem vão te agradecer pela sua visitinha;

11. Não se esqueçam de difamar o pastor. Nem dêem ouvidos ao que ele diz. O pastor só fala de assuntos chatos, como santidade, família, evangelização, comunhão, missões, etc., tudo isso exige muito esforço. É muito importante, também, que vocês ensinem os seus filhos a desrespeitar e criticar o pastor;

12. Não se preocupem em vir aos cultos, vocês não fazem falta! Certamente, vocês possuem bons motivos para faltar nos cultos. Se chover, tem muito barro; se for sol, faz calor; se for frio cuidado com o seu reumatismo. E lembre-se o quanto é cansativo ficar sentado o culto todo! Vocês deveriam desfrutar mais da sua casa, e ir menos nas reuniões da igreja. Não podemos nos esquecer da querida TV, e dos elaborados programas que passam bem no horário dos cultos, que coincidência! Puxa tem tanto filme legal na locadora que seria um crime não assistir na noite de domingo.

Não se preocupem com os novos convertidos, em breve, com o seu exemplo eles estarão tão maduros quanto vocês, no mesmo desânimo e mornidão. O seu mau testemunho sempre é útil para escandalizá-los.

Novamente agradeço por facilitarem o meu difícil trabalho. Sinceramente não sei o que seria de mim se vocês não cooperassem comigo. Não se preocupem com mudanças, nem se esforcem por melhorias, apenas obedeça “a lei do menor esforço”. Continuem assim, e em breve estaremos juntos, tirando umas merecidas férias, por toda a eternidade.

Do seu mui amigo, o Diabão.

Rev. Ewerton B. Tokashiki
Artigo fictício
20/12/2006 revisado

12 dezembro 2006

Chuta que é macumba

Há muitos anos atrás me envolvi com o movimento Batalha Espiritual. Lembro quando o primeiro livro Este Mundo Tenebroso de Frank Peretti foi lançado, foi uma loucura! Implantou-se entre os evangélicos uma percepção da realidade totalmente demonizada! Deus deixou de ser o centro das atenções e a preocupação teve como prioridade "amarrar Satanás". Hoje, graças à Deus, coloquei as idéias no lugar, e estou estudando um pouco mais a Bíblia, e descobri que bem pouco de fidelidade à Escritura existe neste movimento. Num precisa dizer que abandonei este troço!?

O problema central do movimento Batalha Espiritual é que ele é demonologocêntrico (desculpem-me o neologismo), ou seja, tudo é causado pelo demônio! Bom já seria ruim se fosse só isso. Mas, toda cosmovisão tem implicações intensas. Olhando o mundo à partir das lentes do movimento Batalha Espiritual, se vê demônio em tudo. Tem capeta prá tudo que é gosto, lugar e função.

Mesmo enquanto adotava a mentalidade deste movimento, fiquei horrorizado quando, certa feita fui num culto, numa dessas igrejas que você num sabe o que está, nem o que vai acontecer! Pois é, de repente, o pastor [?] gritou: "manifeste-se! Eu sei que você está aqui!" E, olha que aquilo não foi a introdução do sermão, mas uma pausa para pararmos de focalizar a nossa adoração e pensamentos em Cristo, para bater um papo com o Tinhoso. Como nada aconteceu, nenhuma manifestação demoníaca, o tal pastor continuou e teve a coragem de dar a esfarrapa desculpa de que o "Espírito Santo havia lhe revelado que haviam pessoas naquele momento que estavam dando lugar ao diabo". Bom, esse negócio do Espírito Santo ficar falando toda hora, trazendo revelações fresquinhas que não estão na Escritura, é outro negócio muito complicado. Mas, dizer que crentes estavam dando lugar ao diabo, é no mínimo uma frase sem sentido.

Os caras que estão envolvidos no movimento crêem que para evangelizar é necessário antes fazer demarcação territorial para saber quais e quantos demônios mandam naquele pedaço. A maioria das suas orações têm uma boa porcentagem de conversa com o demônio. O culto de adoração inclui na liturgia um momento de exorcismo [no estilo "xô Satanás"]. Simplesmente, porque Deus deixou de ser o soberano Senhor e regente do universo, e os demônios entraram na S/A (sócios anônimos) de toda a propriedade que Deus criou. Não me perguntem como se explica isto, num encontrei este ensino em lugar nenhum da Bíblia!

Tem um pastor por aí que diz que foi expulsar o demônio de uma pessoa e ela vomitou uma cobra! Cada bizarrice que choca o mais crédulo dos evangélicos. Fico muito preocupado, porque em nosso meio se deixa de viver o antigo e puro evangelho de Cristo, e estamos presenciando a prática de uma verdadeira macumbaria evangélica! Se você acha que estou sendo exagerado, ligue a TV e veja alguns canais que apresentam "cultos evangélicos" onde tem pastor até vestindo roupa branca na sexta-feira, parecendo uns "pais-de-santo".

Chego a pensar que a síndrome de Adão não ficou lá no Jardim do Éden. Ainda hoje continuamos com a mania de querer transferir para o Diabo a causa da nossa desobediência [embora, não nego que Satanás tenha a sua significativa parcela de culpa], mas, vamos pôr menos culpa no infeliz do "Coisa ruim", e assumir a nossa responsabilidade diante de Deus, com as pessoas, vivendo o nosso chamado de obediência à Palavra de Deus. Soli Deo Gloria!

Rev Ewerton B Tokashiki

07 dezembro 2006

A origem do ofício de presbítero

A palavra “presbítero” é uma transliteração do grego presbyterós, que significa literalmente “ancião”. No sentido do Novo Testamento, quando se refere à liderança da Igreja Cristã, indica uma pessoa que possuí um ofício de autoridade, mas, em outros contextos do grego coinê,[1] pode-se referir simplesmente a um homem idoso. A palavra presbyterion encontrado em Lc 22:66; At 22:5 e 1 Tm 4:14 significa “concílio de anciãos”. Herman Ridderbos observa que o ofício de presbítero “certamente possuí antecedentes patriarcais e se originou no judaísmo, onde é a designação de uma classe social.”[2] Então, não era necessariamente a liderança realizada somente por homens idosos, mas idôneos. A palavra indica no Novo Testamento não a maturidade biológica, mas a espiritual, ou seja, não especificamente a sua idade, mas a transformação que o discípulo de Cristo alcançou sobressaindo aos demais, deixando de ser considerado neófito (1 Tm 3:6).

Desde o Antigo Testamento o sistema de governo é exercido através de anciãos (presbíteros). Tanto Moisés, como os sacerdotes e levitas, os juízes e os reis de Israel, eram auxiliados pelos “anciãos de Israel” (Êx 3:16-18; 4:39; 17:5-6; 18:13-17; 19:7; 24:1, 9-11; Lv 4:15; 9:1-2; Nm 11:14-25; Dt 5:23; 22:15-17; 27:1; Js 7:6; 8:33; Jz 21:16; 1 Rs 8:1-3; 1 Cr 21:16; Sl 107:32; Ez 8:1). Este era o exercício comum de governo do povo de Deus na antiga Aliança.

A prática do povo de Israel de ser governado pelos anciãos (presbíteros) continuou no Novo Testamento. O julgamento de Jesus foi realizado no amanhecer, quando “reuniu-se a assembléia dos anciãos do povo, tanto os principais sacerdotes como os escribas, e o conduziram ao Sinédrio...” (Lc 22:66; veja também At 22:5).

O sistema de governo pelos anciãos (presbíteros) foi mantido num processo natural de continuidade da antiga para a nova Aliança na Igreja Cristã. Paulo não inventou um novo sistema de governo para as igrejas que implantou, apenas o adaptou para uma perspectiva e necessidade cristã. A pluralidade de anciãos (presbíteros) em cada igreja local era o padrão estipulado para que aquela comunidade pudesse ser governada. Esta era a prática de Paulo (At 14:23), e foi assim que ele instruiu os pastores que lhe sucederam (2 Tm 2:2; Tt 1:5). Rudolf Bultmann conclui que "um conselho dos “presbíteros” é por excelência uma instituição na qual se unem a validade de autoridade ex officio; e justamente por meio dele a autoridade de lideranças pôde ser fortalecida. A formação de um colégio de presbíteros também não foi algo extraordinário, porque a comunidade cristã procedeu também neste ponto conforme o modelo das comunidades sinagogais judaicas; quanto à sua forma, a comunidade primitiva apresentava-se inicialmente como uma sinagoga dentro do judaísmo."[3]

Os presbíteros sucederam aos apóstolos como liderança da Igreja. Enquanto os apóstolos ainda eram vivos, os presbíteros simultaneamente exerciam o governo ao seu lado (At 11:30; 15:2; 20:17-35; Tg 5:14; 1 Pe 5:1-4). Quando o apostolado cessou, os presbíteros continuaram, e são estes que devem governar a Igreja, como substitutos dos apóstolos e representantes da autoridade de Cristo. Como já foi observado o apostolado foi um ofício transitório. Não há apóstolos hoje. Eles formavam um grupo único com as seguintes características:[4]
1. Eles foram pessoalmente escolhidos, chamados, instruídos e designados por Cristo, e não por qualquer outra instituição humana.
2. Eles foram testemunhas oculares do Jesus histórico (Mc 3:14; Jo 15:27; At 1:21,22; 1 Co 9:1; 15:8-9).
3. Foi-lhes prometido uma inspiração especial do Espírito Santo, que iria tanto lembra-los de tudo o que Jesus lhes ensinou, guiando-os à toda verdade (Jo 14:25-26; 16:12-15).

Os apóstolos participaram desta transição de autoridade. (1 Pe 5:1; 2 Jo vs.1; 3 Jo vs.1). Houve uma transferência de autoridade dos apóstolos para os presbíteros. Quando o ofício apostólico desapareceu permaneceram apenas os presbíteros que foram instituídos, ordenados e estabelecidos em todas as igrejas. Esta transição pode ser verificada através de documentos nos primeiros séculos da Igreja. Clemente de Roma, entre 95 a 98 d.C., afirma que os apóstolos "pregavam pelos campos e cidades, e aí produziam suas primícias, provando-as pelo Espírito, a fim de instituir com elas bispos e diáconos dos futuros fiéis. Isso não era algo novo: desde há muito tempo, a Escritura falava dos bispos e dos diáconos. Com efeito, em algum lugar está escrito: 'estabelecerei seus bispos na justiça e seus diáconos na fé.'"[5]

Em outro lugar ele ainda menciona os termos episcopado, geralmente traduzido por bispo ou supervisor, e presbíteros, como sendo intercambiáveis. Ele afirma que os "nossos apóstolos conheciam, da parte do Senhor Jesus Cristo, que haveria disputas por causa da função episcopal. Por esse motivo, prevendo exatamente o futuro, instituíram aqueles de quem falávamos antes, e ordenaram que, por ocasião da morte desses, outros homens provados lhes sucedessem no ministério. Os que foram estabelecidos por eles ou por outros homens eminentes, com a aprovação de toda a igreja, e que serviram irrepreensivelmente ao rebanho de Cristo, com humildade, calma e dignidade, e que durante muito tempo receberam o testemunho de todos, achamos que não é justo demiti-los de suas funções. Para nós, não seria culpa leve se exonerássemos do episcopado aqueles que apresentaram os dons de maneira irrepreensível e santa. Felizes os presbíteros que percorreram seu caminho e cuja vida terminou de modo fecundo e perfeito. Eles não precisam temer que alguém os afaste do lugar que lhes foi designado."[6]

O mais antigo manual de catecúmenos, conhecido como Didaquê, instrui que “escolham para vocês bispos e diáconos dignos do Senhor. Eles devem ser homens mansos, desprendidos do dinheiro, verazes e provados, porque eles também exercem para vocês o ministério de profetas e mestres.”[7] Novamente, usa-se o título bispo em lugar de presbíteros para se referir ao mesmo oficial. Não é ao sistema episcopal que os autores da Didaquê fazem menção, pois estes bispos eram eleitos pela igreja, e não por um colégio episcopal.


Notas:
[1] William D. Mounce, The Anayitical Lexicon to the Greeek New Testament (Zondervan Publishing House, 1992), p. 389.
[2] Herman Ridderbos, El Pensamiento del Apóstol Pablo (Grand Rapids, Libros Desafio, 2000), p. 592.
[3] Rudolf Bultmann, Teologia do Novo Testamento (São Paulo, Editora Teológica, 2004), p. 540-541.
[4] John R.W. Sott, O chamado para líderes cristãos (São Paulo, Ed. Cultura Cristã, 2005), p. 16.
[5] Clemente de Roma in: Padres Apostólicos (São Paulo, Ed. Paulus, 1995), vol. 1, p. 53. Clemente cita o livro de Is 60:17 na versão grega do AT conhecida como Septuaginta.
[6] Clemente de Roma in: Padres Apostólicos, vol. 1, p. 54-55.
[7] Didaquê in: Padres Apostólicos, vol. 1, p. 358.

Rev. Ewerton B. Tokashiki

05 dezembro 2006

Calvino e as novas revelações

Os fanáticos, pondo de lado a Santa Escritura, passam por cima da revelação e subvertem todos os princípios da piedade

APELO DOS FANÁTICOS AO ESPÍRITO EM PREJUÍZO DA ESCRITURA

Além disso aqueles que repudiam as Escrituras, imaginando que podem ter outro caminho que o leve a Deus, devem ser considerado não tanto como dominados pelo erro, mas como tomados por violenta forma de loucura. Recentemente, apareceram certos tipos de mau caráter que atribuindo a si mesmos, com grande presunção, o magistério do Espírito, faziam pouco caso de toda leitura da Bíblia, e riam-se da simplicidade dos que ainda seguem o que esses, de mau caráter, chamam de letra morta e que mata.

Eu gostaria de saber deles, porém, que Espírito é esse por cuja inspiração eles são levados a alturas sublimadas, a ponto de terem a ousadia de desprezar, como infantil e rasteiro, o ensino da Escritura. Se eles responderem que é o Espírito de Cristo quem os inspira, consideramos absurdamente ridículo esse tipo de certeza uma vez que eles, se concordam, como penso que o fazem, que os Apóstolos de Cristo e todos os fiéis, na Igreja Primitiva, foram iluminados por esse mesmo Espírito. O fato é que nenhum dos Apóstolos ou fiéis aprenderam desse Espírito a desprezar a Palavra de Deus. Ao contrário, cada um deles foi antes tomado de profunda reverência (para com a Escritura), como seus escritos o comprovam muito luminosamente. Na verdade, assim foi predito pela boca do Isaías, pois o Profeta não cerca o povo antigo com um ensino meramente externo, como se fosse para o povo como as primeiras letras, mas diz: "O meu Espírito que está sobre ti, e as minhas palavras que pus na tua boca, não se desviarão da tua boca nem da boca tua descendência..." (Is 59.21), considerando antes que a nova Igreja terá, sob o reino de Cristo, a verdadeira e plena felicidade, que consiste em ser regida pela voz de Deus, não menos que pelo seu Espírito. Concluímos daqui que esses fanáticos cometem abominável sacrilégio quando separam estes dois elementos que o Profeta uniu por meio de um vínculo inviolável.

A isto, acrescente-se que Paulo, não obstante ter sido arrebatado até o terceiro céu (II Co 12.2) - não deixou, entretanto, de aproveitar o ensino da Lei e dos Profetas, exortando também a Timóteo - mestre de projeção singular - a que se dedicasse à sua leitura (1 Tm 4.13). É também digno de ser lembrado aqui o que Paulo diz da Escritura: "Que ela é útil para ensinar, admoestar, redargüir, para que os servos de Deus se tornem perfeitos" (II Tm 3.16). Não será, portanto, diabólica loucura imaginar como transitório ou temporário o valor da Escritura, destinada a conduzir os filhos de Deus até a perfeição final?

Quero que esses fanáticos me respondam também o seguinte: Terão eles bebido de outro Espírito e não daquele que o Senhor prometeu aos seus discípulos? Ainda que estejam possuídos de loucura tão extrema, não os considero contudo, arrebatados de tão furiosa demência a ponto de terem a ousadia de gabar-se disso. Mas, ao prometer o Espírito, de que natureza declarou ele haver de ser esse Espírito? Na verdade, era um Espírito que não falaria por si mesmo, mas, ao contrario, sugeriria a mente deles e nela instilaria aquilo que ele mesmo, Jesus, havia transmitido por meio da Palavra (Jo 16.13). Portanto, não é função do Espírito que Cristo nos prometeu desvendar novas e indizíveis revelações, ou forjar novos tipos de doutrina, pelos quais sejamos desviados do ensino do Evangelho já recebido. Ao contrario, a função do Espírito é a de selar, na nossa mente, a mesma doutrina que o Evangelho nos recomenda.

A BÍBLIA É O ÁRBITRO DO ESPÍRITO

Se ansiamos obter algum uso e fruto da parte do Espírito de Deus, podemos entender facilmente como é imperioso para nós aplicar-nos, com grande diligência, tanto a ler quanto a ouvir a Escritura. É por isso que Pedro até louva (II Pe I.19) o zelo dos que estão atentos ao ensino profético, ensino que, todavia, depois de começar a brilhar a luz do Evangelho poderia parecer ter perdido a validade. Muito ao contrário, se algum espírito, desprezando a sabedoria da Palavra de Deus, nos impõe outra doutrina, devemos suspeitar com justa razão, de que seu ensino é vaidade e mentira (Gl. 1:6-9).

Sim, porque se Satanás se transforma em anjo de luz (II Co 11.14), que autoridade poderá ter o Espírito entre nós, se não soubermos discerni-lo por meio de sinal de absoluta certeza? E muito claramente a voz do Senhor no-lo tem apontado, mas esses infelizes (embusteiros) tudo fazem por extraviar-se, buscando a própria ruína, quando buscam o Espírito por si mesmos, ao invés de busca-lo por ele próprio.

Alegam eles que é ofensivo ao Espírito de Deus - a quem tudo deve estar sujeito -, ficar subordinado a Escritura. Como se fosse, na verdade, repulsivo ao Espírito Santo ser igual a si mesmo, por toda parte, ou permanecer de acordo consigo mesmo em todas as coisas, e em não variar em coisa alguma! De fato, se fôssemos obrigados a julgar de acordo com a norma humana, angélica ou estranha, então poder-se-ia considerar o Espírito como reduzido à subordinação, e até a servidão, se se preferir. Quando, porém comparamos o Espírito consigo mesmo, e em si mesmo o consideramos, quem poderá dizer que, com isso, o estejamos ofendendo?

Confesso que o Espírito, desse modo, é submetido a um exame através do qual Ele quis fosse estabelecida a sua majestade entre nós. Ele deve ficar plenamente manifestado a nós tão logo entre no nosso coração. No entanto, para que o Espírito de Satanás não nos persuada em nome do Espírito Santo, este quer ser reconhecido por nós na imagem que imprimiu de si mesmo nas Escrituras, pois sendo ele mesmo o autor da Escritura, não pode variar nem ser inconstante consigo mesmo. Portanto, do modo como nelas se manifestou, tem de permanecer para sempre. Isto não pode ser modificado, a menos que julguemos - como dignificante -, o Espírito abdicar e degenerar de si mesmo!

A BÍBLIA E O ESPÍRITO SANTO NÃO SE SEPARAM

Quando a acusação que fazem contra nós, de que nos apegamos demasiadamente à letra que mata, acabam eles incorrendo na pena de desprezarem a Escritura. Ora, salta aos olhos o fato de Paulo (II Co 3.6), estar contendendo com os falsos apóstolos os quais, insistindo na Lei separada de Cristo, estavam, na realidade, alienando o povo da Nova Aliança, na qual o Senhor prometeu que haveria de gravar a sua Lei nas entranhas dos fiéis, e imprimi-la no coração deles (Jr. 31:33), Portanto, a letra está morta e a Lei do Senhor mata a seus leitores, guando não apenas se divorcia da graça de Cristo, mas, também, não tocando o coração, atinge só os ouvidos. Se ela, porém, por meio do Espírito, se imprime de modo eficaz nos corações e manifesta a Cristo, ela é a Palavra da vida (Fl. 2:16), que converte as almas e da sabedoria aos símplices (Sl. 19:7).

Além disso, nessa mesma passagem (II Co 3.8), Paulo chama a sua pregação de ministério do Espírito, querendo dizer com isso, sem dúvida, que o Espírito Santo de tal modo se prende à sua verdade expressa na Escritura, nela manifestando e patenteando o seu poder, que nos leva a reconhecer na Palavra a devida reverência e dignidade. E isto não contradiz o que foi dito pouco atrás quando afirmamos que a Palavra não é absolutamente certa para nós, se não for confirmada pelo testemunho do Espírito, visto que o Senhor uniu entre si - como se fosse por mútua ligação -, a certeza de sua Palavra e a certeza do seu Espírito, de maneira que a firme religião da Palavra seja implantada em nossa alma, quando brilha o Espírito, fazendo-nos contemplar a face de Deus. Do mesmo modo, reciprocamente, abraçamos ao Espírito sem nenhum temor ou engano, quando o reconhecemos na sua imagem ou, seja, na Palavra! E, de fato, é assim!

Deus não deu a Palavra aos homens tendo em vista uma apresentação passageira, que fosse abolida assim que viesse o seu Espírito. Ao contrário enviou-nos o mesmo Espírito por meio de cujo poder nos deu a Palavra, com o fim de realizar a sua obra, confirmando eficazmente a mesma Palavra. Por isso, Cristo abriu o entendimento dos dois discípulos de Emaús (Lc 24.27, 45), não para que, pondo de lado as Escrituras, esses discípulos se fizessem sábios a si mesmos, mas para que fossem capazes de entender essas Escrituras. Igualmente Paulo, quando exorta os cristãos de Tessalônica (I Ts 5.19-20) a não extinguirem o Espírito, não os eleva as altura com vãs especulações fora da Palavra, mas acrescenta imediatamente que não se deveriam desprezar a profecias. Com isso, o Apóstolo diz, de maneira não duvidosa, que quando se desprezam as profecias, a luz do Espírito fica obscurecida.

Que dirão a respeito destas coisas esses fanáticos que consideram com validas apenas esta iluminação, desprezando e dizendo adeus a Divina Palavra, sem qualquer preocupação? Não menos confiantes e temerários são eles quando se agarram ambiciosamente a qualquer coisa que conceberam enquanto dormiam! Aos filhos de Deus, certamente, convém sobriedade bem diferente, pois eles, ao mesmo tempo que, sem o Espírito, se sentem privados de toda verdadeira luz, não ignoram, todavia, que a Palavra é o instrumento pelo qual o Senhor concede aos fiéis a iluminação do seu Espírito. Os fiéis não conhecem outro Espírito senão aquele mesmo Espírito que habitou nos Apóstolos e falou através deles, e desses oráculos os fiéis são continuamente convocados a ouvir a Palavra.

Extraído de João Calvino, As Institutas da Religião Cristã - Livro I, Capítulo 9

24 novembro 2006

Há veneno na panela

O Supremo Concílio da Igreja Presbiteriana do Brasil em sua última reunião, em Julho, decidiu sair da AMIR - Aliança Mundial das Igrejas Reformadas. Talvez, alguém que esteja descontextualizado se pergunte, porque a IPB, sendo uma denominação histórico e teologicamente "reformada" deixou a AMIR? A resposta é simples, porque embora as denominações que participem da AMIR descendam historicamente da Reforma calvinista, abandonaram a sua identidade doutrinária realmente reformada. Muitos deles poderiam ser classificados como adeptos da teologia feminista e da teologia da libertação, Bultmannianos, Tillichianos, e principalmente Barthianos, mas não calvinistas!

Após ler o artigo[1] da colunista Letícia Ferreira fornecendo uma descrição fiel aos fatos da “24ª Assembléia Geral da Aliança Mundial de Igrejas Reformadas” (AMIR) qualquer um ficaria estarrecido com o seu teor! Ciente de que a apostasia doutrinária, de vários grupos intitulados reformados, têm se tornado uma realidade cada vez maior, é preocupante que se torne também cada vez mais próxima de nós presbiterianos brasileiros.

Deveríamos continuar participando desse banquete pagão e celebrar a comunhão dos que ceiam a comida sacrificada aos ídolos? Nesse caldeirão onde se encontram as mais diversas tendências teológicas neo-ortodoxas, sendo apresentadas com naturalidade, exigindo tolerância ao pecado e, redefinindo o amor cristão como adoção dum pluralismo confessional e sexual, devemos gritar com eloqüência profética “há veneno na panela”!

As fotos da 24ª Assembléia Geral da AMIR podem ser usadas para descrever eventos totalmente diferentes daquilo que chamamos de cristãos. A foto do púlpito (pág. 14) assemelha-se a um altar de Umbanda. O arco-íris cobrindo os participantes do congresso parece mais um encontro da “Parada Gay” (pág. 15). O que seria a celebração da Santa Ceia é um ritual da Nova Era. Mas fazer da cruz um manequim de mãe-de-santo já é o cúmulo do absurdo!

Qual seria a explicação que devo dar àqueles que conhecendo o compromisso teológico da AMIR, me questionam acerca do propósito da participação da IPB nela? Membros da igreja que pastoreio ficaram horrorizados! Alunos de seminários ficaram confusos! Se somos uma denominação confessional calvinista, e creio, que seja num sentido estrito do termo. Se somos conservadores, crendo que a Escritura Sagrada é a Palavra de Deus, padrão absoluto de verdade, única regra de fé e prática. Se somos uma igreja que tem procurado encontrar-se fiel e pura, tanto em doutrina como na prática. Se somos chamados pela graça para pregar acerca do Deus Santo, que odeia o pecado e ama o pecador, chamando-o ao arrependimento e fé em Cristo Jesus e, que nos santifica pela obra do seu Espírito Santo. Então, abertamente, eu mesmo pergunto: o que estaríamos fazendo no meio da AMIR?

O que procuramos na AMIR? Perdemos alguma coisa essencial para reencontrar ali? Está nos faltando alguma coisa que somente eles podem dar? Somos tão ignorantes que apenas eles têm o melhor ensino para passar-nos? Para quem não entendeu ainda, faço uma declaração bastante sincera, saímos desse meio, porque tem veneno na panela.


Rev. Ewerton Barcelos Tokashiki

Nota:
[1] Jornal Brasil Presbiteriano, Outubro de 2004. Ano 46/ No. 601, pp. 14-15

21 novembro 2006

Congresso Fé Reformada




Olá amados

Desculpem-me não atualizar o blog durante todo esse tempo. Estive em Manaus participando do Congresso Fé Reformada. Este foi o 7o. congresso realizado em Manaus, por iniciativa da Igreja Presbiteriana de Cidade Nova. Tivemos dias de banquete espiritual, foi maravilhoso ouvir e compartilhar as exposições bíblicas e teológicas daqueles servos de Deus.

Os palestrantes foram:
1. Jaime Marcelino
A Comunhão do Espírito Santo

2. Iain Murray
O Espírito Santo na História da Igreja

3. Frederico Orr
O Preparo de Obreiros à Seara

4. Solano Portela
A Multiforme Atuação do Espírito Santo

5. Hermisten M.P. Costa
O Espírito Santo e a Palavra

6. Mauro Meister
O Espírito Santo no Antigo Testamento

7. Ronaldo Lidório
O Espírito Santo e as Missões

Acima estão as fotos de alguns dos preletores. Mas, deixo aqui o convite para que agendem para o ano de 2007, que se realizará em 31 de Outubro à 3 de Novembro, sendo o próximo tema "a família na Palavra" [informações do próprio Rev. Jaime, organizador do evento]. Espero que mais servos comprometidos com a Palavra e com a Igreja de Cristo sejam despertados para participar deste congresso tão edificante.

Abraços

Rev. Ewerton B. Tokashiki

14 novembro 2006

A plenitude e batismo com o Espírito

Os equívocos sempre foram inimigos de uma correta ortodoxia e, conseqüentemente, de uma correta ortopraxia. Se não se entender perfeitamente o que se ensina a conseqüência será uma vida marcada por uma prática deficiente e frustrante. Diante disso, este artigo identifica dois pressupostos a respeito do assunto, o carismático e o reformado, e se propõe a expô-los argumentando a favor do pressuposto reformado. Estaremos dando, assim, condições de melhor desfrutar da ação do Espírito Santo em nós. O que se tem visto nos arraiais da igreja evangélica brasileira é que, quando um indivíduo recebe o batismo com o Espírito Santo, ele é autenticado por uma espiritualidade emergente e “num passe de mágica” torna-se um super crente.

Muitas são as doutrinas formuladas em relação ao Batismo com o Espírito Santo. Afinal, em qual momento a pessoa é batizada com o Espírito? É claro que não se tem a intenção de se alongar nesse ponto, pois não é o objetivo primário do artigo, mas algumas coisas devem ser ditas, para que o ensaio seja embasado em uma posição firme e pautada na Bíblia. Iniciaremos a abordagem a respeito do Espírito Santo analisando alguns pressupostos carismáticos, já que estes diferem em pontos vitais sobre a questão, e é o que mais tem assolado as igrejas nesses últimos tempos. E, também, o que mais confunde “plenitude do Espírito” com “batismo com o Espírito”.

Pressupostos Carismáticos

O modelo de Atuação do Espírito Santo na vida do pecador, segundo esse pressuposto, diz que, primeiro, o Espírito Santo batiza o pecador arrependido no corpo, na regeneração e, segundo, Cristo batiza o crente com o Espírito Santo, posteriormente, com poder para servir, mediante busca pessoal. Para isso, usam como argumentação alguns textos das Escrituras, como vemos abaixo:
1.º - João 7.39; 16.7 - Jesus precisava ir/ser glorificado, antes do Espírito Santo ser enviado.
2.º - João 20.1-9 - Jesus ressuscita glorificado.
3.º - João 20.22 - Jesus envia o Espírito Santo sobre os discípulos já convertidos.
4.º - Atos 1.4,5,8 - Jesus manda esperar um batismo/revestimento de poder para testemunhar.
5.º - Atos 2.1-4 - Tal batismo se dá!

Diante desses argumentos carismáticos, faz-se necessária uma contra argumentação para um esclarecimento completo. Primeiramente, deve-se levar em conta que para haver batismo tem que estar presente: o batizador, o batizando, o elemento e o propósito. No modelo carismático, onde o Espírito Santo batiza o pecador arrependido no corpo, na regeneração, a pergunta é: qual o elemento do batismo aqui? Com o que o Espírito Santo batiza? Com o próprio Espírito Santo? Não há como o Espírito Santo ser o batizador e o elemento ao mesmo tempo. Esse modelo carismático trás o Espírito Santo como Batizador; como Batizando o pecador arrependido; como propósito a regeneração. Mas, e o elemento? Nesse modelo carismático fica faltando o elemento para que seja válido e, ainda, o objetivo é somente a regeneração, sendo necessário uma “segunda bênção” para que o propósito seja totalmente completo.

Passemos agora, ao problema dos textos usados pelos carismáticos como argumentação para se afirmar o batismo com o Espírito Santo como uma bênção posterior e distinta da conversão. Trabalharemos com o texto de João 20.22: “E, havendo dito isto, soprou sobre eles e disse-lhes: Recebei o Espírito Santo”.

Decifrando o texto de João 20.22:
Pedro decifra-o ao explicar o fenômeno em Atos 2.1-4. Regra número dois de Hermenêutica: “A Bíblia é seu Intérprete; a Escritura explica melhor a Escritura”.[1]
1.º - Refere-se a Atos 2.4 como sendo a sua experiência inicial com o Espírito Santo (Atos 11.15);
2.º - Identifica a experiência de Cornélio (Atos 11.15-17 – arrependimento/batismo com Espírito Santo) com a sua própria experiência em Pentecostes (Atos 2.4), ambas prometidas em Atos 1.5 (v. Joel 2.28-32);
3.º - Prega o recebimento do dom/promessa do Espírito Santo aos três mil - 3.000 – (Atos 2.38,39), a mesma promessa, derramada em Atos 2.4 (v.2.33) – Atos 2.16-21; 1.5, com base exclusivamente no arrependimento;
4.º - Afirma que somente após a total e completa exaltação de Cristo (cruz, ressurreição, exaltação) [2] é que Cristo derramou o Espírito Santo e não antes (i.e., João 20.22).[3]

Como conclusão inicial observaremos que é Atos 2.1-4 e não João 20.22 o cumprimento da promessa de João 1.33; 7.39; 14.16; 16.7; Atos 1.5; 2.16-21 na experiência atípica dos apóstolos (atípica porque creram em Cristo antes da inauguração da Era do Espírito Santo em Pentecostes) ou mesmo durante o Pentecostes (!?) – ver Atos 11.17.
- Mas... e João 20.22?

1.º - Deve-se atentar para as regras da hermenêutica bíblica, em especial à da ANALOGIA DA ESCRITURA que, considerando a Bíblia como um todo inerrante e auto-explicativo, propõe que uma doutrina, como a da segunda bênção, baseada em João 20.22, deva ser descartada porque:
a) O número de passagens que apóiam a doutrina é extremamente reduzido;
b) João 20.22 é tido pelos estudiosos como texto de difícil interpretação, e não se deve apoiar uma doutrina em cima de um único texto, ainda mais com este grau de dificuldade. Champlin[4] lista seis interpretações para esse texto, somada à interpretação carismática, tem-se sete interpretações para um único texto. Vejamos, brevemente, as seis interpretações de João 20.22:
1. Meramente um anúncio simbólico sobre a futura vinda do Espírito Santo;
2. O Senhor teria transmitido aos discípulos os dons da santificação e do apostolado, embora não ainda os dons plenos do Espírito Santo, que se daria no dia do Pentecostes;
3. Jesus teria soprado “um espírito santo” e não “o Espírito Santo”;
4. Houve ali uma doação preliminar do Espírito Santo, que era a promessa e a garantia de que seria concretizada aquela doação mais completa, quando o Senhor Jesus fosse glorificado;
5. Este texto do Evangelho de João equivale à narrativa sobre o dia do Pentecostes, no segundo capítulo do livro de Atos;
6. Aqueles discípulos receberam uma comissão e uma missão especial (ofício especial de apostolado – v.23).

2.º - Pode-se crer que em João 20.22 aconteceu algo semelhante ao modo de operação do Espírito Santo no Velho Testamento, isto é, o Espírito Santo “habitava com” mas não “estava em” os apóstolos (João 14.17). Qual a finalidade de João 20.22? Missão apostólica (v.23).

3.º - Ou que João 20.22 foi um ato simbólico de Cristo diante da solene hora que se aproximava do início da Nova Aliança, inaugurada pelo Espírito Santo em Atos 2.1-4.
- O simbolismo profético era tipicamente judaico (Ex. Ágabo – Atos 21.10,11);
- Gênesis 2.7 usa o mesmo verbo “soprar” quando da criação do homem (analogia).

Como conclusão final observaremos que a interpretação carismática para João 20.22, das sete possíveis, é a que mais contraria o restante do Novo Testamento, por não levar em conta todos os aspectos mencionados acima.

Pressupostos Reformados

A teologia reformada, ao abordar sobre o batismo com o Espírito Santo, relaciona-o ao ato da conversão. Ato único e restritivo aos que nasceram de novo , ou seja, aos que foram levados pelo Espírito a Cristo para a salvação.[5] Podemos definir este conceito de forma mais clara dizendo que a escritura ensina que a experiência normal do Espírito Santo coincide com a regeneração-conversão, e que são selados por este mesmo Espírito todos os que crêem genericamente em Cristo Jesus. E, qualquer pessoa que tenha sido regenerada pelo Espírito Santo, também foi batizada no Espírito Santo e tem o seu selo do Espírito.

É importante que se diga que o Espírito Santo não batiza, ele é o elemento do batismo interior. Quem batiza é o Senhor Jesus, pois nos diz o texto sagrado: "...e Ele vos batizará com o Espírito Santo, e com fogo" (Mt.3.11).[6] Diante disso, podemos começar dizendo que uma das finalidades do batismo com o Espírito Santo na vida do crente, seria a nossa inclusão na igreja ou corpo de Cristo, que é composta de todos os salvos.[7] Através do batismo somos introduzidos e unidos ao corpo místico de Cristo. Entendendo desta forma não podemos desvencilhar, ou seja, separar o batismo do ato da conversão.

O batismo com o Espírito Santo, segundo a teologia reformada, introduz no cristão selo, a marca de Deus, que o torna separado (Ef.1.13), como propriedade exclusiva de um Deus zeloso (1Pe.2.9). Somos separados do mundo para Deus, e comissionados para irmos ao mundo.
Desta forma ganhamos o direito de sermos chamados filhos de Deus, e o privilégio de sermos co-herdeiros com Cristo das promessas presentes e, também, futuras. Esse selo nos estimula a justificarmos a nossa eleição e vocação, ou seja chamado, através de uma vida de santidade e serviço, aos santos e a Deus (Ef 5.21). O batismo pode ser entendido como algo que transforma o nosso caráter e nos conduz a buscarmos uma vida de fé, pureza e santidade, ao mesmo tempo que nos capacita para a obra de Deus no mundo.

Como já começamos a dizer logo acima, o agente deste batismo é o Senhor Jesus. Os receptores são todos aqueles que crêem nele, e só nele confiam como Senhor e salvador. É desta forma que entende a teologia reformada, pois compreende que, em nenhum momento, as Sagradas Escrituras encorajam o buscar por esse batismo com o Espírito Santo após a conversão ou regeneração, já que é um ato único e restritivo ao momento da conversão.[8]

Na teologia reformada somos encorajados a buscarmos a evidência do Espírito Santo em nós através de um encher diário e constante do Espírito Santo.[9] No modelo reformado, o batismo com o Espírito Santo trás Jesus como Batizador; o pecador arrependido como batizando; o Espírito Santo como o elemento nesse batismo; e, como propósito, a regeneração e a capacitação (dons) do pecador, não sendo necessário, portanto, nenhuma segunda bênção.

Não há, na teologia reformada, algum tipo de ritual para a recepção do Espírito Santo, tal como a crisma na igreja católica ou a oração comunitária no pentecostalismo. Na visão reformada, a experiência do batismo é instantânea e inesperada. Não existe um local marcado para que tal aconteça, como querem os chamados movimentos pentecostais.
Não há nenhum sinal externo específico para aquele que foi batizado com o Espírito Santo. Quando se fala que não há nenhum sinal externo, é bom que fique claro que se refere a manifestações sobrenaturais como evidência de ter se recebido tal batismo. Agora, é claro que aquele que foi batizado pelo Espírito Santo no ato de sua conversão, começa a evidenciar mudanças profundas em seu caráter e modo de vida. O que se pode dizer com certeza, é que os sinais que atestam esta experiência são os mesmos da conversão. O fruto do Espírito, presente na vida do cristão, é que evidencia essa experiência ímpar.

O batismo e plenitude do Espírito Santo sempre foram conceitos confusos para alguns crentes. Muitos confundem tais conceitos, sendo, então, tidos como sinônimos, ou desconhecendo totalmente o que seja plenitude. Portanto, é imprescindível que se diga que o primeiro se refere a um ato único, como já foi dito, restritivo ao momento da conversão. O segundo é um processo constante que, por durar a vida inteira, deve ser estimulado e exercitado pelo crente.

Notas:
[1] Princ. Interp. Bíblia. W. Henrichsen, pp.14-16.
[2] A glorificação de Cristo, iniciada na cruz, inclui sua ressurreição, mas atinge o ápice glorioso quando da Sua designação como Soberano, a direita de Deus (...na ascensão!).
[3] Atos 2.32,33,36; 5.31; João 7.39; 17.5; 14.16; 16.7; Efésios 1.20-23. Ver também João 20.17 (após a ressurreição!!!)e imediatamente antes de João 20.22.
[4] CHAMPLIM, R. N. O Novo Testamento Interpretado – Versículo por Versículo. São Paulo: Candeia, 1995. p.640.
[5] CALVINO, Juan. Breve Instruccion. Baíses Bajos: Felire, 1990. pp.41,42
[6] Sobre isto ver a página 13 deste trabalho, onde desenvolveu-se um pouco sobre a questão de que o Espírito Santo não pode ser o batizador e o elemento ao mesmo tempo. Portanto, no ato do batismo/regeneração, Jesus é o batizador e o Espírito Santo o Elemento.
[7] CALVINO, Juan. Op. Cit., pp.50,51.
[8] Confissão de Fé de Westminster, Cap. XI, da Justificação
[9] Confissão de Fé de Westminster, Cap. XII, da Santificação.

Rev. Baltazar Lopes Fernandes

10 novembro 2006

Recursos para ser cheio do Espírito

O mesmo Espírito que nos convence do pecado, nos purifica, nos sela e nos sustenta é o que nos dá condições de, não só perseverarmos mas, também, de crescermos em santificação e graça. Essas condições proporcionadas pelo Espírito não são reveladas apenas a alguns “iniciados” e ocultas para a maioria, mas são proporcionadas a todos os crentes. E não somente proporcionadas mas incentivadas a serem buscadas e, além disso, recebendo do próprio Espírito, o desejo de assim proceder.

Abaixo, então, observa-se os meios pelos quais somos, a cada dia, repletos do Espírito Santo de Deus.

A Palavra

Diferentemente do catolicismo romano, que considera a igreja e não a Palavra como meio primeiro de graça, sendo os demais meios sujeitos a ela, o calvinismo, segundo o dizer do Dr. Berkhof, honra “a Palavra de Deus nessa qualidade, e até a considera superior aos sacramentos”.[1]

Há uma íntima relação entre a Palavra e o Espírito Santo de Deus, sendo que a Palavra dissociada do Espírito não pode produzir a fé e a conversão. O Espírito é livre para agir, e como um Ser livre poderia agir sem a Palavra, mas não o faz.

Comentando sobre isso Milne irá dizer que "o elo entre o Espírito e a Palavra é uma das chaves para entender todo o seu ministério na igreja. Ao guiar, inspirar, santificar e edificar o povo de Deus, o instrumento supremo do Espírito é a Escritura (2Tm 3.16s). De modo inverso, qualquer reivindicação da presença do Espírito, de sua liderança ou bênção, que não leve em conta ou diminua a autoridade da Palavra, é claramente alheia ao Espírito que guiou e capacitou Jesus e os apóstolos, sendo portanto estranha à fé sincera que dá glória a Deus."[2]

Assim, a atuação do Espírito por meio da Palavra, não se limita apenas à conversão do pecador, mas todo o seu processo de crescimento na sua vida cristã. Berkhof expõe essa idéia da seguinte maneira: “A Bíblia... é também o meio que o Espírito Santo emprega para a propagação da igreja e para a edificação e nutrição dos santos”.[3] Portanto, o crente que negligencia a Palavra como agente eficaz no processo do encher contínuo do Espírito em nós dando, antes, mais ênfase na “experiência” (calafrios, cultos avivados, orações em lugares específicos, etc.) irá ter uma vida marcada por inconstância no que diz respeito ao seu relacionamento com Deus e consigo mesmo. Pois os sentimentos não são base segura para se apoiar, sendo inconstantes e, muitas vezes, não confiáveis. Assim, somente a Palavra pode nos dar um alicerce seguro para prosseguirmos em nosso constante encher do Espírito.

Os Sacramentos

Sabemos que existem várias opiniões sobre a quantidade de sacramentos, como por exemplo, a igreja católica que o admite em número de sete, e os menonitas que, além do batismo e da ceia, acrescentam o “lava pés”.

Também sabemos que existem divergências quanto à sua essência, como a consubstanciação defendida por Lutero e a transubstanciação defendida pelos católicos. Mas não iremos entrar nesses pormenores do assunto. Iremos trabalhar com o conceito aceito pelas igrejas reformadas sem maiores esclarecimentos.

Segundo a Confissão de Fé da Igreja Presbiteriana, existem dois sacramentos devidamente ordenados por Cristo, a saber: batismo e santa ceia.[4] Sabemos que os sacramentos não têm poder em si mesmos e que a sua eficácia não depende daquele que o administra. Então, qual a utilidade dos sacramentos para o processo de santificação na vida do cristão? A Confissão de Fé nos diz que sua eficácia depende “da obra do Espírito e da palavra da instituição, a qual, juntamente com o preceito que autoriza o uso deles, contém uma promessa de benefício aos que dignamente o recebem.”[5] Assim, toda eficácia dos sacramentos repousa na Pessoa do Espírito Santo de Deus que, de maneira poderosa e graciosa, aplica seus benefícios em nossas vidas.
J.I. Packer diz que “os sacramentos são vistos corretamente como meios de graça, pois Deus os faz meios para fé, usando-os para fortalecer a confiança da fé em suas promessas e produzir atos de fé para receber as boas dádivas significadas”.[6]

Como meio de crescimento, encontramos o batismo, sendo um ato único na vida do cristão. Segundo o Novo Testamento, o batismo era o momento em que a fé, expressada anteriormente em Cristo para a salvação, era evidenciada publicamente e, assim, havia uma apropriação de Cristo e das bênçãos da salvação, tais como a purificação dos pecados, a renovação no Espírito, a capacitação para servir e a entrada no corpo de Cristo [7]

A santa ceia, sendo também um meio de crescimento, difere do batismo por não ser um ato único, mas constante. Por ela nós partilhamos Cristo juntamente com aqueles que se aproximam com fé genuína. O próprio Espírito, ao participarmos da ceia, nos coloca em comunhão com Cristo e nutre a nossa fé.

A Mutualidade da Igreja

Viver mutuamente sempre foi um desafio para a igreja de Cristo. Afinal, muitas vezes é menos doloroso desenvolver nossa vida espiritual sozinhos. O fato de encontrarmos no Novo Testamento mandamentos como “aconselhai-vos uns aos outros”, “amai-vos uns aos outros”, “sujeitai-vos uns aos outros”, etc., não nos deixa dúvidas da importância de se viver em comunidade.

Vemos, ainda, que quando Paulo fala em Efésios 5.18 sobre o encher do Espírito, ele dá uma ordem para a comunidade e não para que a pessoa faça isso sozinha. Há, da parte do apóstolo, um chamado à mutualidade em todos os relacionamentos dessa comunidade.
Por mutualidade quer se dizer uma via de mão dupla, onde o eu é importante, determinante e imprescindível para o tu, que por sua vez o é para o eu (eu + tu = nós). Isto faz pensar na consciência cultural ocidentalizada, individualista e egoísta, que leva a igreja a não experimentar algumas práticas bíblicas imprescindível à igreja de Cristo de qualquer geração.

Com impulso para a mutualidade está se querendo dizer aquela vontade de atingir uma consagração a Deus, que leve o indivíduo a experimentar, com a comunidade, e junto dela, o dirigir de Deus, por meio do Espírito, com evidências visíveis. Diante disto, W. Ian Thomas evidencia que “Cristo não morreu meramente para que você pudesse ser livrado de uma má consciência, ou para remover de você a mancha dos fracassos passados, mas a fim de purificar o caminho para a atuação divina”.[8] E isso só é possível quando um grupo quer ser mais do que um grupo, mas quando se quer ser “a comunidade dos discípulos de Cristo em missão no mundo”.[9]

O compromisso de uma igreja com Jesus faz com que o povo tenha uma mutualidade saudável, onde o ideal de ser cheio Espírito Santo ganhará aliados para que, como comunidade, seja posto em prática. Pois Deus reconcilia consigo mesmo o homem que responde afirmativamente ao Seu chamamento, e também torna a comunicar-lhe, na qualidade de pecador perdoado, a presença do Espírito Santo. Logo, a presença do Espírito Santo em cada crente deve despertar a viverem e andarem juntos, orarem juntos, aconselharem uns aos outros, e assim chegarem a “estatura da plenitude de Cristo” (Efésios 4.13b).

Não se crê que sem mutualidade do tipo “cada um por si e Deus para todos” a igreja estará cumprindo com seu papel de ser igreja, mas de forma que reflita a glória de Cristo, pois onde há esta há união em torno de um mesmo propósito. Portanto, qualquer tentativa de viver a vida no Espírito de forma solitária, não encontrando ressonância no nível comunitário, deve ser por nós descartada. A plenitude do Espírito na vida do crente, encontra a sua razão de ser no meio da comunidade dos santos.

Considerações Finais

Como considerações finais não nos propomos, neste momento, fazer qualquer tipo de aplicação de modo geral, mas destacar, dentro deste capítulo, aspectos importantes e relevantes.
Este capítulo se prestou a esclarecer algumas condições para que o crente possa, através da prévia providência do Espírito Santo em proporcionar essas condições, utilizar-se, de forma correta e consciente, das condições ou meios proporcionados pelo Espírito para que aja em sua vida um constante encher-se do Espírito.

De uma forma geral, destacamos que todos os recursos providenciados pelo Espírito para nossa edificação, só são eficazes porque o próprio Espírito se utiliza deles para desenvolver em nós a santificação. Portanto, somente aqueles que foram resgatados por Cristo e, conseqüentemente, possuem o Espírito Santo, podem ser eficazmente desenvolvidos em um processo contínuo e ininterrupto de santificação.

Notas:
[1] BERKHOF, Louis. Teologia Sistemática. Campinas-SP: LPC, 1990. p.615.
[2] MILNE, Bruce. Estudando as Doutrinas da Bíblia.. São Paulo: ABU, 1991.p.209.
[3] Berkhof. Op cit., p.615.
[4] Confissão de Fé.Op. Cit., Cap. XXVII. Ver Também El Catecismo de Heidelberg. Perguntas 65 a 68.
[5] Confissão de Fé de Westminster, cap.XXVII, parte III.
[6] PACKER, J. I. Teologia Concisa: Síntese dos Fundamentos Históricos da Fé Cristã.. p.194.
[7] 1Coríntios 12.12; 1Pedro 3.21
[8] THOMAS, W. Ian. Salvos pela Vida de Cristo: Editora Leitor Cristão, São Paulo, 1961.
[9] Anotações da Disciplina “missões” ministradas pelo professor rev. Ricardo Agreste da Silva.

Rev. Baltazar Lopes Fernandes

07 novembro 2006

A autoridade da Escritura

A Igreja da Idade Média afirmava que a autoridade das Escrituras procedia da Igreja, com base no texto de 1 Timóteo 3:15 que afirma: “A Igreja do Deus vivo, [é], coluna e baluarte da verdade.”

Mas este texto não afirma que a autoridade das Escrituras procede da Igreja. Quando um decreto é colocado numa coluna, a coluna serve para sustentar e proclamar o decreto, mas a autoridade do decreto procede do rei que o assina e não da coluna. A Igreja como coluna sustenta e proclama as verdades das Escrituras. A sua autoridade, porém procede de Deus.[1]

1. AS REIVINDICAÇÕES DO ANTIGO TESTAMENTO DE SUA PRÓPRIA AUTORIDADE

A primeira reivindicação da autoridade das Escrituras está em Êxodo 17:14, quando Moisés foi ordenado por Deus a escrever sobre a vitória contra os Amalequitas, num livro como memorial e foi a instruído a repeti-lo a Josué. Deus ordenou a provisão para preservar a primeira porção do cânon das Escrituras, dentro da Arca da Aliança no Santo dos Santos (Deuteronômio 31:24-26); e a feitura de uma cópia a ser utilizada pelo rei (Deuteronômio 17:18-19).

Após a morte de Moisés, Deus ordenou a Josué a não cessar de falar do livro da lei meditando nele dia e noite para obedecer aos seus ensinos (Josué 1:8). Quando Samuel declarou o direito do reino, ele escreveu-o num livro e o dedicou perante o Senhor (1 Samuel 10:25).
Escritores posteriores referiram-se aos seus predecessores como livros sagrados:

a) Daniel referindo-se a Jeremias (Daniel 9:2), afirmou que a profecia de Jeremias era Palavra do Senhor (Jeremias 25:11).

b) Os profetas Isaías e Jeremias mostraram cuidado em escreve as profecias em seus respectivos ministérios (Isaías 8:16 e Jeremias 36).

c) Zacarias no ano 520 a.C. referiu-se aos profetas anteriores como escritos que tinham status autoritativo em sua visão (Zacarias 1:4-6).[2]

d) O uso das expressões “disse o Senhor”, “falou o Senhor”, “veio a mim a palavra do Senhor”, 3.808 vezes no Antigo Testamento ratificam a autoridade divina das Escrituras.[3]

2. AS REIVINDICAÇÕES DO NOVO TESTAMENTO SOBRE A AUTORIDADE DO ANTIGO TESTAMENTO

Podemos avaliar a autoridade do Antigo Testamento através da visão de Jesus Cristo e da visão dos apóstolos.

2.1. JESUS VIA A ESCRITURA DO ANTIGO TESTAMENTO COMO UM LIVRO DIVINO.

a) Jesus via o Antigo Testamento como um registro fiel dos fatos históricos. Ele fez referências a Abel, Noé, Abraão, à instituição da circuncisão como fatos históricos (Lc. 11:51; Mt. 24:37-39; Jo. 8:56; Jo. 7:22) etc.[4]

b) Jesus usou histórias que muitos críticos consideram inaceitáveis como base de seu ensino, como por exemplo: o dilúvio de Noé (Mt. 24:37-39), Sodoma e Gomorra (Mt. 10:15; 11: 23, 24) e a história de Jonas (Mt. 12:39-41).

c) Jesus usou o A.T. como competente tribunal de apelação em suas controvérsias com os escribas e fariseus (Mt. 19:3-12), com os saduceus (Mt. 22:23-33).[5]
d) Jesus ensinou que nada passaria da lei, até que tudo se cumprisse (Mt. 5:17-20) e que a Escritura não pode falhar (João 10:35).

e) Jesus usou as Escrituras para refutar cada uma das tentações de Satanás. Tanto Jesus como Satanás aceitaram as afirmativas bíblicas como argumentos contra os quais não havia contestação.

2.2. OS APÓSTOLOS VIAM AS ESCRITURAS DO ANTIGO TESTAMENTO COMO AUTORITATIVOS

a) Os usos do Antigo Testamento no Novo Testamento atestam esta autoridade. São cerca de 239 citações formais, 1600 citações sem fórmulas introdutórias e muitas alusões ao Antigo Testamento. O apóstolo Paulo faz 93 citações do Antigo Testamento em suas 13 epístolas sendo 26 somente nos capítulos 9, 10 e 11 de Romanos. O livro de Apocalipse é um belo exemplo de Teologia do Antigo Testamento onde há 278 citações em seus 404 versos sem fórmula introdutória.[6]

b) O uso das fórmulas introdutórias pelos escritores do Novo Testamento demonstra que embora reconhecessem autores humanos das Escrituras, eles viam as Escrituras com autoridade divina. Jesus atribuiu ao Criador a autoria dos livros de Moisés (Mt. 19:3-8). Paulo usou expressões: “como diz Oséias”, “dele Isaías clama”, “como Isaías já disse”, “já Moisés dissera”, e “Isaías mais se atreve e diz” (Rm. 9:25, 27, 29; 10:19, 20). Para os escritores do Novo Testamento quando a Escritura fala, é Deus quem fala: “como está escrito”, “pois ele diz a Moisés”, “a Escritura diz a Faraó” (Atos 13:34, Rm. 9:13, 15, 17).[7]

c) A expressão “oráculos de Deus”, embora apareça apenas quatro vezes no Novo Testamento, para descrever o Antigo Testamento (Atos 7:38; Rm. 3:2; Hb. 5:12 e 1 Pd. 4:11); no texto de Rm. 3:2 refere-se à totalidade do Antigo Testamento, afirmando que todo o Antigo Testamento é a Palavra de Deus.[8]

d) As passagens de 2 Timóteo 3:16 e 2 Pedro 1:19-21, consideradas como clássicas no estudo da doutrina da Inspiração das Escrituras, atestam a autoridade da totalidade das Escrituras do Antigo Testamento.

3. AS REIVINDICAÇÕES DO NOVO TESTAMENTO SOBRE A SUA PRÓPRIA AUTORIDADE

escritores do Novo Testamento viam sua autoridade como procedente de Deus.

3.1. Paulo intitula-se apóstolo, arauto, testemunha e embaixador (Romanos 1:1, 5; Gálatas 1:8, 9; 1 Tessalonicenses 2:13; 1 Timóteo 2:7). Ele declarou que as cartas que escreveu eram para ser lidas na Igreja e obedecidas (Colossenses 4:16; 2 Tessalonicenses 3:14). Esta leitura pública seguia a prática da sinagoga, em que as Escrituras do Antigo Testamento foram lidas (Lucas 4:16, 17; Atos 13:15). A nova palavra profética é agora também para ser lida e obedecida (Apocalipse 1:3). Paulo tinha plena convicção de que seus escritos eram autoritativos. (1 Coríntios 2:13 e 14:37).[9]

3.2. Outros escritores do Novo Testamento deram testemunho semelhante. Lucas no prólogo de seu Evangelho (1:1-4) menciona seu cuidado em escrever de modo que a crença do leitor seja edificada sobre uma irrefutável base histórica.

3.3. João afirma que as coisas que ele escreveu aconteceram e foram de fato feitos na presença de testemunhas (João 20:30) e que seu próprio testemunho ocular sobre Jesus é verdadeiro (João 19:35). No livro de Apocalipse ele afirma que o que escrevia é a Palavra de Deus (Apocalipse 1:1, 2, 11; 22:18-19).

3.4. Alguns escritores do Novo Testamento referem-se a outros como Escritura:

a) Em 1 Timóteo 5:18, Paulo escreve: “Pois a Escritura declara: Não amordaceis o boi quando pisa o grão e ainda: o trabalhador é digno de seu salário”. A primeira citação vem de Deuteronômio 25:4, e a segunda de Lucas 10:7. A conclusão lógica é que Paulo considera tanto Deuteronômio quanto Lucas como Escritura.

b) O apóstolo Pedro em 2 Pedro 3:14-18, no final de sua segunda carta refere-se às Epístolas de Paulo como Escrituras, prevenindo a Igreja contra os falsos mestres que deturpam o ensino das Escrituras.[10]

CONCLUSÃO

O conteúdo ímpar das Escrituras atesta a sua autoridade divina.
Quem poderia conceber a idéia de que a eternidade nasceria?
Que aquele que troveja no céu choraria numa manjedoura?
Que aquele que governa as estrelas nasceria de uma virgem?
Que o príncipe da vida morreria?
Que o Senhor da glória seria envergonhado?
Que o pecado seria punido em sua totalidade, e ainda totalmente perdoado?
Quem poderia conceber a doutrina da ressurreição, que o mesmo corpo que é partido em milhares de pedaços, ressuscitaria o mesmo corpo individual?
Quem poderia conceber toda esta sabedoria, se Deus não houvesse revelado a nós nas Escrituras?

Notas:
[1] Thomas Watson. The Body of Divinity, pág. 21.
[2] Walter Kaiser. Toward Rediscovering The Old Testament, Pág. 39, 40.
[3] Martyn Lloyd Jones. Autoridade, Núcleo. Centro de Publicações Cristãs. Apartado 1. Queluz.
[4] John Wenham. Christ’s View of Scripture in Inerrancy (Norman Geisler), Zondervan Publishing House. Grand Rapids. MI. 1980, pág. 6
[5] Idem, pág. 10
[6] Edwin A. Blum. The Apostle’s View of Scripure in Inerrancy, pág. 41
[7] Idem. Pág. 42
[8] Idem. Pág. 43
[9] Idem. Pág. 51
[10] Idem. Pág. 52

Rev. Robson Pires Gripp

31 outubro 2006

Comemorando a Reforma

Há 489 anos atrás um padre colocava um cartaz, contendo 95 teses, na porta da Catedral de Wittenberg. No dia 31 de Outubro, Martinho Lutero resolveu expor publicamente o que ele descobrira acerca da salvação nos seus estudos da Escritura Sagrada.

Eventos antecedentes à Reforma

A Reforma iniciou num ambiente favorecido pela crise que a Europa sofria durante a Idade Média. Seis eventos podem esclarecer a origem deste movimento:

1. A origem e desenvolvimento da burguesia. Durante a Idade Média uma nova classe social surgiu no sistema feudal. Uma "classe média" interpôs-se entre os senhores feudais e os seus miseráveis vassalos. Artesãos enriqueciam, e começaram a enviar os seus filhos para os monastérios, não com o intuito de tornarem-se monges, mas para aprenderem o uso das letras, para adquirir a cultura necessária para aplicá-la nas transações comerciais emergentes.

2. A origem das universidades. Os monges eram os detentores da cultura, por isso, criaram escolas anexas aos seus monastérios. Os senhores feudais e os burgueses com recurso financeiro enviavam os seus filhos para serem educados por eles. A partir do século XI a Europa passa a ter seis centros culturais nas cidades de Salerno, Bolonha, Salamanca, Coimbra, Orfoxd, e Paris. Este movimento educacional conhecido como Escolasticismo limitava-se ao estudo de quatro áreas especiíficas como a medicina, direito, artes e a teologia, que era o centro unificador destes cursos recebendo o título de rainha das ciências.

3. O enfraquecimento do poder político da Igreja Católica Romana. O evento conhecido como Cativeiro Babilônico, em que o Papa Bonifácio VIII, ficou prisioneiro do rei francês Felipe, causou uma mudança no eixo do controle da Europa medieval. O Papa que então entronizava, ou efetiva maldições sobre reis e reinos, tornava-se detento de sua própria estratégia de centralizar o poder. Em reação, o clero romano propõe anular o seu papado, sob domínio francês, e anunciar um substituto; então, surgem simultaneamente três papas na Europa: Urbano VI, em Roma, Bento XIII, em Avinhão e Clemente VIII, em Anagni. Esta controvérsia ficou conhecida como o Grande Cisma (1378-1423).

4. O grande número de mortes por causa da Peste [bubônica], em 1347. Com a desestruturada migração para as cidades, a falta de recursos básicos em higiene e moradia, bem como a proliferação de animais peçonhentos, propiciou para um ambiente em que uma pandemia como a peste bubônica se alastrasse de uma forma nunca vista antes na Europa medieval. A religião não forneceu respostas, nem garantias para a presente vida. As pessoas procuravam assegurar a sua vida eterna através das exigências da Igreja Romana. Este ambiente religioso gerou um sentimento apocaliptíco na Europa, de modo que a Igreja reconquistou o controle sobre a população européia.

5. A crise moral e doutrinária da Igreja Católica. Apesar dos conflitos internos e externos a Igreja tentava centralizar o poder em Roma, convergindo a atenção da Cristandade na construção da suntuosa Basílica de São Pedro. A simonia tornou-se a prática dominante entre os arrecadores de dinheiro para tamanho empreendimento arquitetônico. Vendia-se de tudo o que era identificado como "sacro", desde unhas, ossos, roupas, objetos de santos, dos apóstolos, e do próprio Cristo. Mas, a indulgência era o produto mais procurado para aquisição, pois, segundo o ensino católico, garantia o perdão dos pecados passados e futuros, bem como o alívio das almas presentes no purgatório. A imoralidade havia se alastrado em todas as áreas da Igreja e da sociedade.

6. O desenvolvimento do movimento Humanista nas universidades. Apesar da maioria da população ser controlada pela Igreja Romana, um grupo pensante questionava as incoerências doutrinárias e morais ensinadas pela Igreja Romana. O espírito pesquisador levou os humanistas a procurarem esclarecimento, não apenas nas respostas prontas da tradição católica, mas a retornarem ad fontes. O estudo dos textos clássicos impulsionaram estes pesquisadores a redescobrirem os antigos filósofos, os Pais da Igreja, mas principalmente, o estudo das Escrituras a partir dos originais hebraico e grego. Assim, descobriram que algumas das doutrinas centrais da fé católica derivaram a sua origem de uma má interpretação e tradução da Vulgata Latina, e de uma tradição distorcida.

O início da Reforma

Dentro deste contexto ocorre uma mudança na vida de Martinho Lutero. A conversão de Lutero aconteceu entre 1516-17, sobre a qual ele descreveu o seguinte: “embora eu vivesse irrepreensível como um monge, percebi que era um pecador diante de Deus, com uma consciência extremamente perturbada. Não conseguia crer que Ele estava satisfeito com a minha dedicação. Eu não o amava; sim, eu odiava o Deus justo que punia pecadores, e secretamente, se não de maneira blasfematória, certamente murmurando, estava com ódio de Deus... Finalmente, pela misericórdia de Deus, meditando dia e noite, dei ouvidos ao contexto das palavras: ‘A justiça de Deus se revela no evangelho, de fé em fé, como está escrito, 'O justo viverá por fé'’ (Rm 1:17). Então, comecei a compreender que a justiça de Deus é aquela mediante a qual o justo vive por uma dádiva de Deus, ou seja, pela fé. E, é este o significado: a justiça de Deus é revelada pelo evangelho, a saber, a justiça passiva com a qual o Deus misericordioso nos justifica pela fé, segundo está escrito: ‘O justo viverá por fé’. Aqui, senti como se renascesse totalmente e entrasse no paraíso pelos portões abertos" (Preface to Writings on Latim, Luther's Works, vol. 34, pp. 336-37).

Houve muita controvérsia dentro da Igreja, por causa dos escritos de Martinho Lutero, porque muitos desejavam uma reforma moral, educacional, social, mas principalmente teológica. Com a excomunhão de Lutero, em 15 de Junho de 1520, ficou consumado a divisão entre reformadores e católicos. Com o reformador alemão outros adotaram o programa de reformar a Igreja e a sociedade, usando o princípio da sola Scriptura [somente a Escritura é fonte e autoridade final], como Ulrich Zuínglio, Felipe Melanchton, Martin Bucer e João Calvino. A Reforma expandiu-se da Alemanha e Suiça para todo o continente europeu.

Breve cronologia biográfica de Lutero

1483 - Nascimento de Lutero em Eisleben
1490 - Foi para a escola de Mansfeld
1497 - Mudou-se para a escola de Magdeburg
1498 - Mudou-se para a escola de São Jorge em Eisenach
1501 - Iniciou na Universidade de Erfurt
1505 - Tornou-se noviço agostiniano
1507 - É ordenado monge
1507 - Enviado para Universidade de Wittemberg por Johann von Staupitz
1510 - Ida à Roma
31/10/1517 - Escreve as 95 teses
1519 - Debate de Leipzig com Johann Eck
1520 - Recebe a bula papal Exsurge Domini decretando a sua exclusão
1521 - Dieta de Worms
1522 - Controvérsia com "os entusiastas" [profetas de Zwickau]
1524-1525 - Ocorre a revolta dos camponeses
1525 - Lutero rompe com os Humanistas [Erasmo de Rotterdam]
1529 - Debate com Zwinglio sobre a Ceia do Senhor
1530 - Escrita a Confissão de Augusburg por Felipe Melanchthon
1531 - União Esmalcada - defesa contra os princípes católicos
18/02/1546 - Lutero falece em Eisleben

Rev. Ewerton B. Tokashiki

30 outubro 2006

Carta de Calvino a Lutero

21 de Janeiro de 1545

Ao mui excelente pastor da Igreja Cristã, Dr M. Lutero, meu tão respeitado pai.[1]

Quando disse que meus compatriotas franceses,[2] que muitos deles foram retirados da obscuridade do Papado para a autêntica fé, nada alteraram da sua pública profissão,[3] e que eles continuam a corromper-se com a sacrílega adoração dos Papistas, como se nunca tivessem experimentado o sabor da verdadeira doutrina, fui totalmente incapaz de conter-me de reprovar tão grande preguiça e negligência, no modo que pensei que ela merece. O que de fato está fazendo esta fé que mente sepultando no coração, senão romper com a confissão de fé? Que espécie de religião pode ser esta, que mentindo submerge sob semelhante idolatria? Não me comprometo, todavia, de tratar o argumento aqui, pois já o tenho feito de modo mais extenso em dois pequenos tratados, e que, se não te for incomodo olha-los, perceberá o que penso com maior clareza em ambos, e através da sua leitura encontrará as razões pelas quais tenho me forçado a formar tais opiniões; de fato, muitos do nosso povo, até aqui estavam em profundo sono numa falsa segurança, mas foram despertados, começando a considerar o que eles deveriam fazer. Mas, por isso que é difícil ignorar toda a consideração que eles têm por mim, para expor as suas vidas ao perigo, ou suscitar o desprazer da humanidade para encontrar a ira do mundo, ou abandonando as suas expectativas do lar em sua terra natal, ao entrar numa vida de exílio voluntário, eles são impedidos ou expulsos pelas dificuldades duma residência forçada. Eles têm outros motivos, entretanto, é algo razoável, pelo que se pode perceber que somente buscam encontrar algum tipo de justificativa. Nestas circunstâncias, eles se apegam na incerteza; por isso, eles estão desejosos em ouvir a sua opinião, a qual eles merecem defender com reverência, assim, ela servirá grandemente para confirmar-lhes. Eles têm requisitado-me de enviar um mensageiro confiável até a ti, que pudesse registrar a tua resposta para nós, sobre esta questão. Pois, penso que foi de grande conseqüência para eles ter o benefício de tua autoridade, para que não continuem vacilando; e eu mesmo estou convicto desta necessidade, estive relutante de recusar o que eles solicitaram.

Agora, entretanto, mui respeitado pai, no Senhor, eu suplico a ti, por Cristo, que você não desprezes receber a preocupação para tua causa e minha; primeiro, que pudesse ler atentamente a epistola escrita em teu nome, e meus pequenos livros, calmamente e nas horas livres, ou que pudesse solicitar a alguém que se ocupasse em ler, e repassasse a substância deles a você. Por último, que escrevesse e nos enviasse de volta a tua opinião em poucas palavras. De fato, estive indisposto em incomodá-lo em meio a tantos fardos e vários empreendimentos; mas tal é o teu senso de justiça, que não poderia supor que eu faria isto a menos que compelido pela necessidade do caso; entretanto, confio que me perdoará.

Quão bom seria se eu pudesse voar até ti, pudera eu em poucas horas desfrutar da alegria da tua companhia; pois, preferiria, e isto seria muito melhor, conversar pessoalmente contigo, não somente nesta questão, mas também sobre tantas outras; mas, vejo que isto não é possível nesta terra, mas espero que em breve venha a ser no reino de Deus.

Adeus, mui renomado senhor, mui distinto ministro de Cristo, e meu sempre honrado pai. O Senhor te governe até o fim, pelo Seu próprio Espírito, que possas perseverar continuamente até o fim, para o benefício e bem comum de Sua própria Igreja.

Notas:
[1] Nota do tradutor: o especial interesse por esta carta, pelo que sabemos, é que ela é a única que Calvino escreveu a Lutero.
[2] Nota do tradutor: pelo que parece Calvino se refere aos huguenotes que embora haviam assumido o compromisso com uma confissão de fé reformada, mas na prática ainda preservavam os ídolos, toda a pompa e ritual da missa católica romana. Esta prática evidenciava uma incoerência entre o ato e a convicção de fé.
[3] Nota do tradutor: Calvino se refere ao culto como uma confissão pública de fé.

Extraído de Letters of John Calvin: Select from the Bonnet Edition with an introductiory biographical sketch (Edinburgh, The Banner of Truth Trust, 1980), pp. 71-73.

Tradução
Rev. Ewerton B.Tokashiki

28 outubro 2006

Um blog de tradução calvinista

O Rev Ewerton B Tokashiki fez um blog só de pequenas traduções. O site chama-se Traductione Reformata - "tradução de textos selecionados de escritores calvinistas". A expressão latina traductione reformata significa "tradução reformada" indicando o conteúdo destes pequenos textos.

O critério para selecionar os textos é a sua brevidade, consistência teológica reformada e fidelidade à Bíblia como nossa única regra de fé e prática. São pequenos diamantes da literatura reformada. Às vezes, se limitam a parágrafos de alguns livros, mas, a proposta é esta: oferecer aos leitores brasileiros porções de livros que estão em inglês, ou espanhol, e que não tenham acesso a estas preciosas obras.

Acesse e divulgue www.textocalvinista.blogspot.com

Boa leitura

27 outubro 2006

Teologia para a Igreja

Não devemos esquecer que o Seminário Teológico, mesmo enquanto instituição, é uma extensão da Igreja, e como tal, deve participar das suas lutas, dúvidas, anseios e dificuldades. O dom de mestre é dado à Igreja, e não apenas aos centros acadêmicos.

Os professores dos nossos Seminários devem ser referenciais de erudição e piedade. O orgulho é um grande mal que persegue aqueles que ensinam, como também aqueles que aprendem (1 Co 8:1-2). A instrução que os mestres cristãos devem transmitir não deve diferir em nada daquele que o Mestre ensinou e viveu. A formação teológica visa lapidar homens aprovados que manejam bem a Palavra de Deus não tendo nada do que se envergonhar (2 Tm 2:15), não contaminados pelo legalismo, nem pela hipocrisia, mas modelos de transformação. Sendo eles mesmos servos que expõem as doutrinas da graça por experiência, ardor e convicção pessoal.

É lamentável que muitos ainda pensem que o treinamento teológico é algo destinado de modo restrito apenas a um grupo seleto. As nossas escolas dominicais poderiam ser transformadas em centros de treinamento teológico. Os nossos presbíteros poderiam receber um curso teológico para melhor supervisionar a saúde doutrinária e espiritual da Igreja. Gordon J. Spykman declara que “uma dogmática saudável está firmemente arraigada na vida religiosa da fé da comunidade cristã”.[1]

O treinamento teológico também visa à formação de cristãos que servirão com melhor capacitação nas igrejas. A Igreja de Cristo é um corpo composto de membros dotados com habilidades espirituais especiais. Se cada membro desenvolver o seu dom espiritual equipando-se com o mais qualificado conhecimento técnico, é muito provável que servirão melhor. Gordon J. Spykman observa que "a dogmática tem que manter abertas as linhas de comunicação com a igreja institucional na variedade de seus ministérios. A missão da igreja é equipar aos crentes com formas práticas para viverem juntos no mundo de Deus (Ef 4:11-16)."[2]

Toda doutrina que refletida e ensinada aos estudantes de teologia também deve ser ensinada à igreja local. É possível que a metodologia de ensino não será a mesma, nem a linguagem técnica teológica, mas, o conteúdo pode ser transmitido com as suas devidas proporções verificando o auditório a ser alcançado. Iain Murray vai um pouco mais longe ao defender que "toda doutrina que pode ser ensinada aos teólogos também pode ser ensinada às crianças. Ensinamos uma criança que Deus é um Espírito, presente em todo lugar e que conhece todas as coisas; e ela consegue entender isto. Falamos lhe que Cristo é Deus e homem em duas distintas naturezas e uma pessoa para sempre. Isto para uma criança é leite, mas em si contêm alimento para os anjos. A verdade expressa nestas proposições podem ser expandidas ilimitadamente, e fornecer alimento para o mais alto intelecto por toda eternidade. A diferença entre o leite e o alimento reforçado, de acordo com esta concepção, é simples, é a distinção entre o maior e o menor desenvolvimento do conteúdo ensinado."[3]

Se ignorarmos a preocupação em termos uma grade de matérias que forme pastores que sairão capacitados para nutrir a Igreja nas suas necessidades, estaremos de fato, alimentando uma desnecessária antipatia. Teremos pastores [talvez] com muito conhecimento, mas que não saberão usa-lo. Pastores frustrados, e igrejas insatisfeitas. Fertilizará apenas a desconfiança entre igrejas e centros teológicos.


A Igreja precisa da Teologia para entender quem ela é. A teologia é indispensável para uma auto-avaliação de sua qualidade de vida. Como saber se o sal não está insípido? Como saberemos que a Igreja está validando a sua existência?

O Cristianismo não é somente uma religião, é uma cosmovisão. Charles Colson afirmar que "o Cristianismo genuíno é mais do que relacionamento com Jesus, tanto quanto se expressa em piedade pessoal, freqüência à igreja, estudo da Bíblia e obras de caridade. É mais do que discipulado, mais do que acreditar em um sistema de doutrinas sobre Deus. O Cristianismo genuíno é uma maneira de ver e compreender toda a realidade. É uma cosmovisão, uma visão de mundo."[4]

Tendo isto em mente, os estudiosos de teologia precisam oferecer respostas e propostas cristãs para todas as áreas da sociedade. Gordon J. Spykman sugere que o esforço teológico "deveria ser moldado por uma estratégia do reino de Deus de tal maneira que possa penetrar o mercado das idéias e a arena das práticas diárias e produzir o impacto reformador do evangelho. A competência de outros eruditos capacita aos dogmáticos a ajudar ao povo de Deus a atuar mais biblicamente em assuntos políticos, econômicos, sociais e educativos."[5]

A Teologia, enquanto uma sistematização fiel da Palavra de Deus, objetiva fortalecer a sua fé. O estudo sistemático das Escrituras deve confirmar o que temos aprendido, restaurar o que temos perdido, reformar o que se tem corrompido, rejeitar o que não foi recebido, e despertar a devoção pela sã doutrina. Os cristãos são chamados por Deus para salvar não apenas a alma das pessoas, mas também as suas mentes. Para isso, os servos do Senhor nunca poderão se esquecer que crer é também pensar!


A proclamação da fé Cristã é extraída do bojo teológico que a Igreja carrega consigo. Ela deve pregar e fazer novos discípulos. Mas anunciar o quê? O seu sistema litúrgico? A sua existência histórica? A sua influência social? Não! Ela não é testemunha de si mesma. Ela fala em nome de Cristo, e tendo o Senhor como o centro de sua mensagem. Sempre preparada para dar razão da fé (1 Pe 3:15) que fora entregue de uma vez aos santos (Jd vs.3).

Notas:
[1] Gordon J. Spykman, Teologia Reformacional (Jenison, TELL, 1994), p. 118
[2] Gordon J. Spykman, op.cit., 118
[3] Iain Murray, Preface in: Collected Writings of John Murray (Edinburgh, The Banner of Truth Trust, 1989), vol. 1, p. xii
[4] Charles Colson & Nancy Pearcey, E Agora Como Viveremos? (Rio de Janeiro, CPAD, 2000), p. 33
[5] Gordon J. Spykman, Teologia Reformacional, p. 121


Rev. Ewerton B. Tokashiki

26 outubro 2006

A Igreja Luterana é teologicamente luterana?

Lendo os escritos confessionais da Igreja Luterana, bem como a teologia expressa por seus dogmáticos, especialmente os de orientação conservadora como John T. Mueller e Edward W.A. Koehler,[1] percebe-se claros elementos de sinergismo na antropologia e na soteriologia. O determinismo teísta e o monergismo teológico de Lutero foram diluídos na teologia luterana, no período do escolasticismo protestante, tendo início esse processo na segunda metade do século XVI com os escritos posteriores e revisados de Felipe Melanchthon.

O historiador luterano Bengt Hägglund observa que para Felipe Melanchthon a conversão “resulta de três fatores: A Palavra, o Espírito Santo e a vontade humana. Num suplemento que apareceu pela primeira vez nos Loci de 1548, a primeira edição publicada após a morte de Lutero, esta idéia foi desenvolvida mais ainda.”[2] Essa mudança doutrinária em direção ao sinergismo teológico, foi um dos principais motivos que deu origem a uma série de controvérsias entre os luteranos, entre aqueles que conservavam a posição original ensinada por Lutero, e o outro grupo que adotava o esquema teológico de Melanchthon.

Felipe Melanchthon em sua Loci Communes Theologici inicialmente também compartilhava da mesma posição antropológica e soteriológica que Lutero, Zwínglio e Calvino, contudo, posteriormente se distanciou, adotando uma posição mais sinergista.[3] Calvino que chegou a prefaciar a edição francesa das Loci Communes Theologici, porém, numa carta posterior, expressou surpresa pela posição sinergista que Melanchthon havia assumido, mesmo assim, manteve amizade com ele, depois de sua mudança de opinião.[4] Deve ser esclarecido que os luteranos, em geral, mantém uma fidelidade com a eclesiologia de Lutero.

O dogmático luterano Carl E. Braaten confirma que "a pequena dogmática de Melanchthon passou por uma série de edições e atingiu sua forma final em 1559 sob o título Loci Praecipui Theologici. O pensamento de Melanchthon havia evoluído neste meio tempo. Na obra anterior, a influência de Lutero era dominante; o impacto do evangelho produziu novas percepções dogmáticas em questões básicas como livre-arbítrio, pecado, lei justificação, fé, obras, Batismo e Ceia do Senhor. Em sua última edição, Melanchthon começou a restaurar certas doutrinas da tradição escolástica, sem revisá-las à luz das novas percepções da Reforma. Os métodos e categorias de Aristóteles, que Lutero havia rejeitado, foram reintroduzidos no sistema teológico. Assim, a obra posterior de Melanchthon formou uma ponte para a subseqüente dogmática do escolasticismo protestante."[5]

Heinrich Heppe comentando as opiniões dos teológos reformados sobre a passividade humana na regeneração, observa que "é neste sentido [monergista] que todos os dogmáticos reformados [calvinistas] falam a respeito da conversão, exceto os antigos mestres reformadores alemães da escola de Melanchthon, Hemming, Sohn, Ursin, Pezel e tantos outros, que semelhante às Confissões Reformadas de Anhalt e Nassau representam a doutrina Melanchthoniana da conversão, em sua inteira peculiariedade, apresentando essenciais modificações." [6]

Outro historiador luterano, Martin N. Dreher, observa que “os Artigos de Esmalcada só passaram a fazer parte do corpo de escritos confessionais da Igreja Luterana em 1580. Essa observação é interessante, pois mostra que, na codificação pública de sua fé, a Igreja Luterana é mais ‘melanchthoniana’ do que ‘luterana’”.[7]

Notas:
[1] Refiro-me aos conservadores por serem comprometidos não somente com a autoridade das Escrituras, mas também com uma séria adoção dos escritos confessionais luteranos, ao contrário de teólogos luteranos como Carl E. Braaten, Robert W. Jenson, Gerhard O. Forde, Phillip J. Hefner, Hans Schwarz que mantém mais intimidade com a neo-ortodoxia do que com o luteranismo histórico.
[2] Bengt Hägglund, História da Teologia (São Leopoldo, Concórdia Editora Ltda, 4a.ed., 1989) p. 213
[3] Paul K. Jewett, Eleicción y Predestinación (Jenison, TELL, 1992) p. 13
[4] Letters of John Calvin Select from the Bonnet Edition (Edinburgh, The Banner of Truth Trust, 1980), p. 159-162. Esta carta é datada de 27 de Agosto de 1554.
[5] Carl E. Braaten & Robert W. Jenson, ed., Dogmática Cristã (São Leopoldo, Editora Sinodal, 1990), vol. 1, p. 56
[6] Heinrich Heppe, Reformed Dogmatics (London, Wakeman Great Reprints, s./d.), p. 521
[7] Martin N. Dreher, A Crise e a Renovação da Igreja no Período da Reforma (São Leopoldo, Editora Sinodal, 1996), p. 38

Rev. Ewerton B. Tokashiki