15 maio 2008

Louvorzão karaokê

Há alguns anos os evangélicos vêm sofrendo da síndrome do karaokê “gospel”. Não sei se foram os orientais que inventaram o tal karaokê, mas pelo menos os japoneses e sul coreanos são os maiores consumidores deste recurso musical. O ridículo no karaokê é ver pessoas desafinadas e desengonçadas tentando imitar de forma tão cômica os intérpretes originais da música. Às vezes, falando as mesmas frases de efeito, ou inclinando o microfone, imitando as expressões faciais de alguns dos cantores, usando sotaque regional, dando alguns passinhos e rebolados desconjuntados, e às vezes, no fim gritando “obrigaduuuuuuuuuuu”, como se todo mundo estivesse ali admirando aquela palhaçada toda. Mas, isto é questão de gosto.

Quando se vai numa lanchonete, e por obrigação do ambiente, temos que assistir e suportar tamanha bisonhice ainda assim é difícil, mas quando estamos reunidos com o povo de Deus, com o propósito solene de adorar ao Senhor, então a coisa muda radicalmente. Ao escolhermos cânticos hodiernos devemos ter critérios firmes e alicerçados na Palavra de Deus. A letra tem que ser consistentemente fiel à Escritura Sagrada. Mas o conduzir da música pelo grupo de cânticos deve ser algo natural, refletindo a vida diária que cada integrante experimenta com Deus, pela oração, estudo sério da Escritura, comunhão com o povo de Deus e a vivência dum Cristianismo puro e simples.

Cada grupo de música da igreja local deve ter a sua característica própria. Chega de imitar esta ou aquela banda gospel. Imita-se tudo, o modo como se veste, o timbre de voz, as frases de efeito, os “sermõezinhos” entre os intervalos dos cânticos, o choro em determinadas partes da música, o ajoelhar com as mãos erguidas, e toda encenação do que acaba sendo mais um show do que o ato de conduzir a igreja através da música para adorar a Deus. O que me preocupa, como membro da igreja e pastor, é que os grupos musicais copiam copiosamente tudo o que aparece sem se preocupar em usar o sublime órgão cefálico. Quando questionamos sobre a letra, o ritmo e até a qualidade espiritual dos cantores que gravaram o cântico, geralmente, somos identificados como intolerantes e ultrapassados, ou pejorativamente “tradicionais”, daí a nossa preocupação é interpretada apenas como sendo uma mera questão de gosto individual ou denominacional, e não de zelo pela verdade, pela saúde espiritual da igreja, ou da santidade de Deus!

A nossa geração evangélica alienada do seu dever de pensar reflete esta deficiência na qualidade musical. Alguns cânticos duram de 5 a 8 minutos (sem exagero) repetindo de quatro a cinco frases! É uma vergonha esta pobreza cultural, literária e doutrinária que os nossos compositores estão passando. Se continuarmos assim daqui a algumas décadas quando tentarmos cantar uma música que tenha mais profundidade doutrinária e um português mais culto, muitos sofrerão câimbras entre as orelhas. Mas, a minha mais aguda preocupação é estamos adorando a Deus como Ele requer na Sua Palavra? Ou, estamos aceitando os pacotes e comportamentos prontos rotulados como “os modelos da verdadeira adoração”?

A música está perdendo a sua importância didática. O grande reformador Martinho Lutero observou que “depois, ao lado da teologia, à música o lugar mais próximo e a mais alta honra”.[1] A teologia e a música devem ser honradas somente se elas forem extraídas da Escritura Sagrada com o propósito de instruir o povo do Senhor a buscar a vontade de Deus e conduzi-los à Sua santa presença. Não podemos nos esquecer que as representações externas nem sempre refletem sentimentos aceitáveis (Is 1:10-17).

Nota:
[1] Parcival Módolo, “Impressão” ou “Expressão”: o papel da música na Missa Romana medieval e no Culto Reformado in:Teologia Para Vida (São Paulo, Seminário JMC), vol. 1, no.1 – Janeiro-Junho 2005, pág. 128.