O impacto do Calvinismo entre os protestantes forjou um grupo de cristãos que se fizeram respeitar em todas as esferas da sociedade européia. James Orr afirma que
o sistema de Calvino é reflexo de sua mente - severa, grande, lógica, ousada - para elevar-se às alturas; contudo, humilde em retornar sempre às Escrituras como sua base. Fundamentando-se no trono de Deus, Calvino percebe tudo à luz do decreto eterno divino. O homem em seu estado de pecado perdeu a sua liberdade espiritual e o poder de fazer algo que seja verdadeiramente bom, ainda que Calvino admita livremente a existência da virtude natural, e a atribua à operação da divina graça, inclusive em seu estado não regenerado (Institutas II. 2. 12-17). A providência de Deus governa e abrange tudo, tanto o natural como o espiritual. Tudo o que acontece é o iluminar do conselho eterno. Tudo o que é atraído ao reino de Deus, o é por um ato livre da graça, e ainda assim a omissão dos não salvos deve ser atribuída a uma origem na vontade divina eterna, por mais misteriosa que seja. A vontade de Deus, deste modo, contém em si as razões últimas de tudo o que existe. Não é arbitrária, mas, uma vontade santa e boa, ainda que as razões do que ocorre na realidade no governo do mundo nos sejam inescrutáveis. A comunidade de sua Igreja se estende a muitos países. O seu sistema entra como um ferro no sangue das nações que a receberam. Levantaram-se os huguenotes franceses, os puritanos ingleses, os escoceses, os holandeses, os da Nova Inglaterra; gente valorosa, livre e temente a Deus. Prostrando o homem diante de Deus, mas exaltando-o novamente na consciência de uma liberdade, nascida de novo em Cristo; mostrando a sua escravidão por causa do pecado, mas restaurando-o na liberdade mediante a graça; guiando-o para que veja todas as coisas à luz da eternidade, contribuiu para formar um tipo vigoroso, mas nobre e elevado de caráter, criou uma raça que não se intimida em levantar a cabeça diante dos reis.[2]
Aqueles que se interessam em estudar o pensamento de Calvino precisam ler as suas obras. Há um bom material secundário disponível em português, bem como algumas editoras brasileiras estão se empenhando em publicar algumas de suas obras. Aqueles que desejarem verificar o que está publicado em português pode clicar aqui. Todas as obras de João Calvino contabilizam 59 volumes no Corpus Reformatorum [especificamente os volumes 29 a 87] e estamos longe de ter todo este material em nosso idioma, sendo este um desafio para as novas gerações de teólogos e estudantes de teologia que podem se comprometer com este desafio.
Alguns dos seus escritos merecem distinta menção:
1. Institutio Christianae Religionis [Tratato da Religião Cristã] em sua edição final de 1559. As Institutas é a sua opus magno, deve se lembrar que Calvino iniciou a sua redação em 1536, publicada primeiramente em latim, na cidade Basiléia na Suiça, sendo a sua edição final, em latim, publicada em 1559, na cidade de Genebra.[3] Ela passou por várias alterações, restrutura, e arranjos quanto a ordem dos assuntos,[4] sendo inclusive traduzida pelo próprio Calvino para a sua língua mater, o francês.[5]
2. Epistola ad Senatum Populumque Genevensem, qua in obedientiam Romani Pontificis eos reducere conatur. Joannis Calvini responsio [Epístola ao Senado e ao povo de Genebra, a quem o Pontificado Romano pretende forçar retornar. A resposta de João Calvino] escrito em 1539. Este livreto é comumente conhecido como “Epístola ao Cardeal Sadoleto”. Uma tradução francesa, de autor desconhecido surgiu em 1540.
3. Petit traicté de la saincte Cene de nostre Seigneur Jesus Christ. Auquel est demonstré la vraye institution, proffit et utilité d'icelle: ensemble la cause pourquoy plusieurs des modernes semblent en avoir escrit diversement [Pequeno tratato da Santa Ceia de nosso Senhor Jesus Cristo, no qual são demonstrados a sua verdadeira instituição, o seu proveito e utilidade; e, o motivo porque vários escritores contemporâneos tiveram perspectivas diferentes] escrito originalmente em francês, em 1541.
4. Acta synodi tridentinæ. Cum antidote [Atas do Concílio de Trento. Com um antídoto]. Reproduz e critica os decretos do Concilio de Trento, especialmente as sessões de 1545-1547. Escrito em 1547, e sendo traduzido para o francês em 1548, provavelmente pelo próprio Calvino.
5. Consensio mutua in re Sacramentaria Ministrorum Tigurianae Ecclesiae, et D. Joannis Calvini Ministri Genevensis Ecclesiae, jam nunca v ipsis authoribus edita.[Acordo mútuo relativo aos sacramentos adotado entre os Ministros da Igreja de Zurique e de João Calvino, ministro da Igreja de Genebra, publicado agora por aqueles que o planejaram] O Acordo de Zurique, ou como é mais conhecido o "Consenso Tigurino", foi escrito em 1549. O nome deste documento se deve a região de Zurique, na Suíça, que tinha o nome latino de Tigurinus. Este documento é uma declaração de fé escrita visando a unidade teológica nas comunidades reformadas quanto a doutrina da Ceia do Senhor. A controvérsia não envolvia os luteranos, mas apenas os adeptos da perspectiva de João Calvino e de Henrich Bullinger, sucessor de Ulrich Zwínglio. Entretanto, após a morte prematura de Zwínglio, em 1531, na região de Kappel, Lutero renovou os seus ataques contra a perspectiva do reformador suíço a partir de 1544. Por este motivo Bullinger procurou Calvino para que pudessem chegar a um acordo, pois as suas opiniões eram mais próximas do reformador genebrino do que da perspectiva de Lutero. Calvino, William Farel e Henrich Bullinger se reuniram em Zurique, em 1549, e escreveram o Consensus Tigurinus.
6. De æterna Dei prædestinatione, qua in salutem alios ex hominibus elegit, alios suo exitio reliquit: item de providentia qua res humanas gubernat, consensus pastorum Genevensis Ecclesiæ, a Jo. Calvino expositus [Acerca da eterna Predestinação de Deus, que salva os eleitos para outro fim, a fim de tirá-los da morte: do mesmo modo, acerca da providência pela qual os seres humanos são governados, consenso dos pastores da Igreja de Genebra, uma exposição de João Calvino] escrito em 1552.
7. Johannis Calvini Commentariis [Os comentários de João Calvino]. A edição inglesa soma um total de 22 volumes. Infelizmente Calvino não comentou todos os livros da Bíblia. Os seus comentários são proveitosos e a Editora Fiel está publicando uma versão traduzida do inglês.[6]
NOTAS:
[1] A.H. Newman, A Manual of Church History (Philadelphia, The American Baptist Publication Society, ed.rev., 1953), vol. 2, p. 568.
[2] James Orr, El Progreso del Dogma (Terrassa, CLIE, 1988), pág. 233.
[3] Para uma lista completa das edições das Institutas de Calvino de 1536 até 1600 veja Alister McGrath, A vida de João Calvino (São Paulo, Editora Cultura Cristã, 2004), pp. 165-166. Uma edição especial com notas para estudo e pesquisa foi publicada pela Editora Cultura Cristã em 2006, o texto procede da edição de 1541 da edição francesa, com tradução realizada pelo Dr. Odayr Olivetti, bem como acrescidas notas escritas pelo Dr. Hermisten M.P. da Costa.
[4] João Calvino, As Institutas – Edição especial com notas para estudo e pesquisa (São Paulo, Editora Cultura Cristã, 2006), vol. 1, p. 8. A edição original em francês trás no seu título a seguinte apresentação Institution de la religion chrestienne: en laquelle est comprinse une somme de pieté, et quasi tout ce qui est necessaire a congnoistre en la doctrine de salut. Composée en latin par Jean Calvin, et translatée en françois, par luymesme. Avec la preface addressée au treschrestien Roy de France, Françoys premier de ce nom: par laquelle ce present livre luy est offert pour confession de foy.
[5] Para um estudo detalhado sobre a história literária das edições e revisões das Intitutas consulte Alister McGrath, A vida de João Calvino (São Paulo, Editora Cultura Cultura, 200), pp. 161-202. E, também B.B. Warfield, “Calvin and Calvinism” in: The Works of Benjamin B. Warfield (Grand Rapids, Baker Books, 2003), vol. 5, pp. 370-428.
[6] Deve-se lembrar que como protestante, Calvino aceitava apenas 66 livros inspirados, rejeitando os apócrifos que foram acrescentados ao cânon da Bíblia católica, em 8 de Abril de 1546, no Concílio de Trento.