22 abril 2014

A incompatibilidade da fé cristã e do Marxismo [vídeo]

Tenho me preocupado vendo tantos cristãos comprometendo-se com o Marxismo, consciente ou inconscientemente, entendendo as premissas desta ideologia, ou apenas abracando-o pelos mais diferentes motivos. Por isso, resolvi fazer um vídeo explicando a incompatibilidade da fé cristã e do Marxismo. É algo amador, com uma filmagem simples, mas o foco é a argumentação. Apresento 5 pontos de tensão que precisam ser avaliados nesta rival relação entre o Cristianismo e o Marxismo:
1. Ambos propõe uma cosmovisão explicando toda a realidade.
2. Ambos têm uma proposta acerca de Deus.
3. Ambos apresentam um entendimento do que é o homem e o problema do mal moral.
4. Ambos possuem uma clara perspectiva acerca da religião.
5. Ambos afirmam algo essencial acerca da moralidade.

O meu intuito é denunciar esta confusão teológica e ideológica que está causando tanto prejuízo. Se formos coerentes nas premissas, a prática será uma consequência!

Para assistir o vídeo no YOUTUBE [acesse aqui].

17 abril 2014

Karl Marx contra a moralidade

Escrito por Allen Wood

1. Introdução

Os marxistas expressam frequentemente uma atitude depreciativa para com a moralidade, que (segundo dizem) não é mais do que uma forma de ilusão, uma falsa consciência ou ideologia. Mas, outros (tanto os que se consideram marxistas, como quem não) frequentemente consideram difícil de compreender esta atitude. Os marxistas condenam o capitalismo por explorar a classe trabalhadora e condenar à maioria das pessoas a levar uma vida alienada e insatisfeita. Quais razões podem oferecer para isto, e como podem esperar que outros façam o mesmo, se abandonam todo apelo à moralidade? Todavia, a rejeição marxista da moralidade começa com o próprio Marx. E esta é – segundo vou argumentar – uma concepção defensável, uma consequência natural, como a respeito dela disse Marx, da concepção materialista da história. Ainda que não aceitemos as ideias restantes de Marx, o seu ataque à moralidade estabelece questões importantes relativas à maneira em que devemos concebê-la.


2. O antimoralismo de Marx

Marx geralmente permanece em silêncio acerca do tipo de questões que interessam aos moralistas e aos filósofos éticos. Mas deve-se observar que claramente este silêncio não se deve a um complacente descuido. A sua atitude é de hostilidade aberta à teorização moral, aos valores morais e inclusive contra a própria moralidade. Contra Pierre Proudhon, Karl Heinzen e os “socialistas autênticos” alemães, Marx utiliza regularmente os termos “moralidade” e “crítica moralizante” como epítetos insultuosos. Condena amargamente a exigência de “salários justos” e “distribuição justa” do Programa de Gotha, afirmando que estas expressões “confundem a perspectiva realista da classe trabalhadora” com a “verborragia desatualizada” e o “lixo ideológico” que seu enfoque científico se torna obsoleto (MEW 19:22, SW 325). Quando outros persuadem a Marx a que inclua uma retórica moral suave nas regras para a Primeira Internacional, ele sente que deve desculpar-se com Engels por isto: “vi-me obrigado a introduzir duas expressões sobre “dever” e “o correto” ... ou seja, sobre “a verdade, a moralidade e a justiça”, mas, estão situadas de tal forma que não podem causar nenhum dano” (CW 42, p. 18).

Normalmente Marx descreve a moralidade, junto à religião e ao direito, como formas de ideologia taxando-a como “outros tantos preconceitos burgueses pelos quais se escondem outros tantos interesses ideológicos” (MEW 4, p. 472; CW 6, p. 494-495, cf. MEW 3, p. 26; CW 5, p. 36). Porém, não somente condena as ideias burguesas sobre a moralidade. Seu alvo é a própria moralidade, toda moralidade. A ideologia alemã afirma que a concepção materialista da história, ao mostrar a vinculação entre ideologia moral e interesses materiais de classe “quebrou o suporte de toda a moralidade”, independentemente de seu conteúdo ou filiação de classe (MEW 3, p. 404; CW 5, p. 419). Quando um crítico imaginário critica que “o comunismo anula toda a moralidade e religião, em vez de formá-las de novo”, o Manifesto Comunista responde não negando a verdade da acusação, mas por sua vez observando como a revolução comunista significará uma ruptura radical com todas as relações tradicionais de propriedade, também significará o corte mais radical ainda com todas as ideias tradicionais (MEW 4, p. 480-481; CW 6, p. 504). Evidentemente Marx pensou do mesmo modo que a abolição da propriedade burguesa será uma tarefa da revolução comunista, outra será a “abolição de toda moralidade”. Marx inclusive chega a unir-se ao mal moral contra o bem moral. Insiste que na história “é sempre o lado mal o que finalmente triunfa sobre o bem. Pois, o lado mal é o que indica o movimento da vida, o que faz a história levando a luta à sua maturidade” (MEW 4, p. 140; CW 6, p. 174).


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08 abril 2014

Marxismo e Cristianismo - como cosmovisões rivais

Escrito por Leslie Stevenson & David I. Haberma

CONCEPÇÕES RIVAIS DA NATUREZA HUMANA

Há muitas coisas que dependem de nossa concepção da natureza humana: no caso dos indivíduos, o significado e o propósito de nossa vida, o que devemos fazer ou nos empenhar por conseguir, o que podemos alimentar a esperança de realizar ou de vir a ser; no caso das sociedades humanas, rumo a que visão de comunidade humana podemos esperar caminhar ou que tipo de mudanças sociais deveríamos fazer. Nossas respostas a todas essas perguntas tão complexas dependem de pensarmos se existe ou não alguma natureza “verdadeira” ou “inata” dos seres humanos. Se existe, qual é essa natureza? Ela difere entre homens e mulheres? Ou não existe nenhuma natureza humana “essencial”, mas apenas uma capacidade de ser moldado pelo ambiente social – por forças econômicas, políticas e culturais?

Há muitíssimas divergências acerca dessas questões fundamentais sobre a natureza humana. “O que é o homem, para dele te lembrares? ... Tu o fizeste pouco menos do que um deus, e o coroaste de glória e esplendor” – escreveu o autor do Salmo 8 no Antigo Testamento. A Bíblia vê os seres humanos como tendo sido criados por um Deus transcendente com um propósito definido para nossa vida. “A real natureza do homem é a totalidade das relações sociais”, escreveu Karl Marx em meados do século XIX. Marx negou a existência de Deus e sustentou que toda pessoa é um produto do estágio econômico particular da sociedade em que vive. “O homem está condenado a ser livre”, afirmou Jean-Paul Sartre, que escreveu na França ocupada pela Alemanha, nos anos 1940. Sartre também era ateu, mas diferia de Marx ao sustentar que nossa natureza não é determinada pela sociedade, nem por nenhuma outra coisa. Ele sustentava que toda pessoa individual é completamente livre para decidir o que quer ser e fazer. Em contraste com isso, recentes teóricos sociobiológicos trataram os seres humanos como um produto da evolução, sendo nós dotados de padrões de comportamento biologicamente determinados específicos da espécie.

Não há de escapar à atenção dos leitores contemporâneos que essas três citações, da Bíblia, de Marx e de Sartre, usam todas elas a palavra masculina “homem” (em tradução para o português) quando a intenção era presumivelmente fazer referência a todos os seres humanos, incluindo mulheres e crianças. Esse uso tem sido generalizado e costuma ser defendido como uma abreviação conveniente, mas viu-se recentemente criticado por contribuir para pressupostos questionáveis acerca do domínio da natureza humana masculina e para a consequente negligência com a relação à natureza feminina – ou para a consequente opressão desta. Há aqui importantes questões, que implicam bem mais do que o uso linguístico.[1] Tocamos em temas feministas em pontos específicos deste livro, mas não os abordamos diretamente: não há um capítulo sobre teorias especificamente feministas da natureza humana. Esforçamo-nos para evitar linguagem sexista em nossos próprios textos, mas dificilmente a podemos evitar quando se trata de citações.

Concepções diferentes da natureza humana levam a distintas ideias sobre o que devemos fazer e sobre como podemos fazer. Se um Deus todo-poderoso e supremamente bom nos criou, então é Seu propósito que define o que podemos ser e o que devemos fazer, e temos de buscar Sua ajuda. Se, por outro lado, somos produtos da sociedade, e se julgamos nossa vida insatisfatória, não pode haver uma solução real até que a sociedade humana seja transformada. Se somos radicalmente livres e nunca podemos fugir à necessidade da escolha individual, temos de aceitar essa condição e fazer nossas opções com plena consciência do que fazemos. Se nossa natureza biológica nos predispõe ou nos determina a pensar, a sentir e a agir de uma dada maneira, temos de levar isso em conta de forma realista.

Crenças rivais acerca da natureza humana são tipicamente personificadas em diferentes modos de vida individuais, bem como em sistemas políticos e econômicos. A teoria marxista (em alguma de suas versões) dominou a tal ponto os países de regime comunista no século XX que qualquer questionamento dela poderia trazer sérias consequências para seu autor. Podemos facilmente nos esquecer de que, há alguns séculos, o cristianismo exerceu uma posição dominante similar na sociedade ocidental: os hereges e não-crentes eram discriminados, perseguidos e até queimados na fogueira.[2] Mesmo em nossos dias, em alguns países e comunidades há um consenso cristão socialmente estabelecido a que as pessoas só podem se opor pagando algum preço. Na República da Irlanda, por exemplo, a doutrina católica romana tem sido aceita (até recentemente) como uma limitação imposta a políticas relativas a questões sociais como o aborto, a contracepção e o divórcio. A Igreja Católica exerce uma forte influência semelhante na Polônia pós-comunista. Nos Estados Unidos, um ethos cristão protestante informal afeta boa parte das discussões políticas, apesar da separação oficial entre a Igreja e o Estado.

Uma filosofia “existencialista” como a de Sartre pode dar a impressão de ter menos implicações sociais. Mas uma maneira de justificar a moderna democracia “liberal” consiste em recorrer à concepção filosófica segundo a qual não há valores objetivos para a vida humana, mas apenas escolhas individuais subjetivas. Esse pressuposto (que é incompatível tanto com o cristianismo quanto com o marxismo) tem grande influência na sociedade ocidental moderna, indo além de sua manifestação particular na filosofia existencialista francesa da metade do século XX. A democracia liberal se acha entronizada na Declaração de Independência do Estados Unidos, que apresenta uma separação entre política e religião e reconhece o direito de cada pessoa individual no sentido de buscar sua própria concepção de liberdade. (Deve-se, no entanto, observar que alguém que acredita que existem padrões morais objetivos ainda pode dar apoio a um sistema liberal se pensar que não é aconselhável tentar pô-los em prática.)


UMA COMPARAÇÃO ENTRE O CRISTIANISMO E O MARXISMO

Examinemos um pouco mais detalhadamente os cristianismo e o marxismo como teorias rivais da natureza humana. Embora sejam radicalmente diferentes no tocando ao conteúdo, apresentam notáveis semelhanças em termos de estrutura, na maneira como as partes de cada uma das doutrinas se integram entre e si e dão origem a modos de vida.[3] Em primeiro lugar, as suas doutrinas fazem alegações sobre a natureza do universo como um todo. É claro que o cristianismo está comprometido com a crença em Deus, num ser pessoal onipotente, onisciente e perfeitamente bom, o Criador, Dirigente e Juiz de tudo o que existe. Marx condenou a religião como “o ópio do povo”, um sistema de crenças ilusório que desvia as pessoas de seus reais problemas sociais. Ele sustentava que o universo existe sem ninguém por trás ou além dele, e que sua natureza é fundamentalmente material.

Tanto o cristianismo como o marxismo têm crenças acerca da história. Para o cristão, o significado da história é dado pela relação desta com o eterno. Deus usa os eventos da história para concretizar Seus propósitos, revelando-Se ao Seu povo prometido (no Antigo Testamento), mas sobretudo na vida e na morte de Jesus. Marx afirmava ter descoberto um padrão de progresso na história humana que é inteiramente intrínseco a ela. Julgava haver um desenvolvimento inevitável de um estágio econômico para outro, de maneira que, assim como o sistema econômico do feudalismo tinha sido superado pelo capitalismo, este seria substituído pelo comunismo. Ambas as concepções veem na história um padrão e um significado, embora concebam de modos distintos a natureza e a direção da força motriz.

Em segundo lugar, como decorrência das alegações conflitivas acerca do universo, há diferentes descrições da natureza essencial de seres humanos individuais. De acordo com o cristianismo, somos feitos à imagem de Deus, e nosso destino depende de nossa relação com Ele. Todas as pessoas são livres para aceitar ou rejeitar os desígnios de Deus, e serão julgadas de acordo com o modo pelo qual exerceram essa liberdade.[4] Esse juízo ultrapassa tudo o que existe nesta vida, dado que cada um de nós vai sobreviver à morte física. O marxismo nega que exista vida após a morte e qualquer juízo eterno desse gênero. Também descarta a liberdade individual e diz que nossas ideias e atitudes morais são determinadas pelo tipo de sociedade em que vivemos.

Em terceiro lugar, há diferentes diagnósticos sobre o que há de errado com a vida humana e a humanidade. O cristianismo afirma que o mundo não está de acordo com os propósitos de Deus, que nossa relação com Deus se acha desfeita, porque abusamos de nossa liberdade, rejeitamos a vontade de Deus e estamos contaminados pelo pecado. Marx substitui a noção de pecado pelo conceito de “alienação”, que também sugere algum padrão ideal a que a vida humana concreta não atende. A ideia de Marx, porém, parece ser de alienação do homem com relação a si mesmo, de sua verdadeira natureza: ele alega que os seres humanos têm um potencial que as condições socioeconômicas do capitalismo não lhes permite desenvolver.

A prescrição para um problema depende do diagnóstico. Assim, por último, o cristianismo e o marxismo oferecem respostas completamente divergentes aos males da vida humana. O cristão acredita que só o poder do Próprio Deus pode nos salvar de nosso estado de pecado. a declaração surpreendente é a de que, na vida e na morte de Jesus, Deus agiu com vistas a redimir o mundo. Todos precisam aceitar esse perdão divino para então poder iniciar uma nova vida regenerada. A sociedade humana só será de fato redimida quando os indivíduos se transformarem dessa maneira. O marxismo diz o oposto: não pode haver real melhoria das vidas individuais enquanto não ocorrer uma radical mudança da sociedade. O sistema socioeconômico do capitalismo tem de ser substituído pelo comunismo. Afirma o marxismo que essa mudança revolucionária é inevitável como decorrência das leis do desenvolvimento histórico; o que as pessoas têm de fazer é integrar-se ao movimento progressista e ajudar a abreviar as dores do parto da nova era.

Acham-se implícitas nessas prescrições rivais diferentes concepções de um futuro no qual a humanidades estará redimida ou regenerada. A visão cristã é das pessoas restauradas ao estado que Deus lhes destina, amando e obedecendo livremente ao seu Criador. A vida nova começa assim que o indivíduo aceita a salvação de Deus e se integra à comunidade cristã, mas o processo tem de se completar para além da morte, visto que os indivíduos e as comunidades são eternamente imperfeitos nesta vida. A visão marxista é a de um futuro neste mundo, de uma sociedade perfeita em que as pessoas possam ser quem de fato são, já não alienadas pelas condições econômicas, mas livremente ativas na cooperação de umas com as outras. É essa a meta da história, embora não se deva esperar que seja alcançada imediatamente depois da revolução: vai ser necessário um estágio de transição antes que a fase superior da sociedade comunista possa se concretizar.

Temos aqui dois sistemas de crença de alcance total. Tradicionalmente, cristãos e marxistas alegam ser portadores da verdade essencial sobre a totalidade da vida humana: fazem alguma declaração sobre a natureza de todos os seres humanos, em todas as épocas e em todos os lugares. E essas versões de mundo pedem não apenas assentimento intelectual como ação prática; quem de fato acredita em alguma dessas teorias deve aceitar suas implicações no que se refere ao seu próprio modo de viver e agir de acordo com isso.

Como último ponto de comparação, observe-se que, para cada um desses sistemas de crença, tem havido uma organização humana que pede a adesão dos fiéis e afirma ser dotada de uma certa autoridade tanto em termos de doutrina como de prática. Para o cristianismo há a Igreja, e, para o marxismo, o Partido Comunista. Ou, para ser mais preciso, há muito tempo existem igrejas cristãs rivais e uma variedade de partidos marxistas ou comunistas. Cada uma dessas igrejas ou partidos faz declarações concorrentes de que segue a verdadeira doutrina de seu fundador, definindo versões rivais da teoria básica como ortodoxas e seguindo diferentes políticas práticas.


NOTAS:
[1] Quanto à discussão do uso de linguagem sexista tem se tornado comum entre escritores sob a influência do feminismo, o que é lamentável, pois, não há depreciação intencional do valor essencial da mulher no uso tradicional da linguagem comum de dois gêneros.
[2] A diferença básica que os autores deveriam acentuar é que não é essencial à cosmovisão cristã esta postura de totalitarismo político. O marxismo busca o totalitarismo, inclusive pelo extermínio da oposição baseado na premissa básica da luta de classes, agindo coerentemente com a sua ideologia. Algumas facções cristãs, em momentos pontuais na história, exerceram incoerentemente ações políticas [por exemplo, a Inquisição, ou, as Cruzadas] quebrando os dois maiores mandamentos da fé cristã.
[3] É interessante que os autores neste parágrafo apresentem o cristianismo e o marxismo como dois sistemas de cosmovisão diferentes e incompatíveis. Leslie Stevenson e David I. Haberman descrevem neste artigo x forma mais lata de cristianismo abrangendo desde romanistas, ortodoxos, bem como protestantes no seu sentido mais lato. Ainda assim, o essencial da teoria marxista é diametralmente contrário ao essencial à fé cristã. Se levarmos o contraste para o plano de marxismo e calvinismo obviamente a rivalidade acentua mais ainda.
[4] A concepção de liberdade dos autores teologicamente resulta em semipelagianismo.


Extraído de Leslie Stevenson & David I. Haberman, Dez teorias da natureza humana (São Paulo, Editora Martins Fontes, 2005), pp. 5-12.

Os autores:
Leslie Stevenson é professor da University de St. Andrews, Escócia.
David I. Haberman é professor associado na Indiana University, EUA.
Notas de Rev. Ewerton B. Tokashiki.