10 novembro 2006

Recursos para ser cheio do Espírito

O mesmo Espírito que nos convence do pecado, nos purifica, nos sela e nos sustenta é o que nos dá condições de, não só perseverarmos mas, também, de crescermos em santificação e graça. Essas condições proporcionadas pelo Espírito não são reveladas apenas a alguns “iniciados” e ocultas para a maioria, mas são proporcionadas a todos os crentes. E não somente proporcionadas mas incentivadas a serem buscadas e, além disso, recebendo do próprio Espírito, o desejo de assim proceder.

Abaixo, então, observa-se os meios pelos quais somos, a cada dia, repletos do Espírito Santo de Deus.

A Palavra

Diferentemente do catolicismo romano, que considera a igreja e não a Palavra como meio primeiro de graça, sendo os demais meios sujeitos a ela, o calvinismo, segundo o dizer do Dr. Berkhof, honra “a Palavra de Deus nessa qualidade, e até a considera superior aos sacramentos”.[1]

Há uma íntima relação entre a Palavra e o Espírito Santo de Deus, sendo que a Palavra dissociada do Espírito não pode produzir a fé e a conversão. O Espírito é livre para agir, e como um Ser livre poderia agir sem a Palavra, mas não o faz.

Comentando sobre isso Milne irá dizer que "o elo entre o Espírito e a Palavra é uma das chaves para entender todo o seu ministério na igreja. Ao guiar, inspirar, santificar e edificar o povo de Deus, o instrumento supremo do Espírito é a Escritura (2Tm 3.16s). De modo inverso, qualquer reivindicação da presença do Espírito, de sua liderança ou bênção, que não leve em conta ou diminua a autoridade da Palavra, é claramente alheia ao Espírito que guiou e capacitou Jesus e os apóstolos, sendo portanto estranha à fé sincera que dá glória a Deus."[2]

Assim, a atuação do Espírito por meio da Palavra, não se limita apenas à conversão do pecador, mas todo o seu processo de crescimento na sua vida cristã. Berkhof expõe essa idéia da seguinte maneira: “A Bíblia... é também o meio que o Espírito Santo emprega para a propagação da igreja e para a edificação e nutrição dos santos”.[3] Portanto, o crente que negligencia a Palavra como agente eficaz no processo do encher contínuo do Espírito em nós dando, antes, mais ênfase na “experiência” (calafrios, cultos avivados, orações em lugares específicos, etc.) irá ter uma vida marcada por inconstância no que diz respeito ao seu relacionamento com Deus e consigo mesmo. Pois os sentimentos não são base segura para se apoiar, sendo inconstantes e, muitas vezes, não confiáveis. Assim, somente a Palavra pode nos dar um alicerce seguro para prosseguirmos em nosso constante encher do Espírito.

Os Sacramentos

Sabemos que existem várias opiniões sobre a quantidade de sacramentos, como por exemplo, a igreja católica que o admite em número de sete, e os menonitas que, além do batismo e da ceia, acrescentam o “lava pés”.

Também sabemos que existem divergências quanto à sua essência, como a consubstanciação defendida por Lutero e a transubstanciação defendida pelos católicos. Mas não iremos entrar nesses pormenores do assunto. Iremos trabalhar com o conceito aceito pelas igrejas reformadas sem maiores esclarecimentos.

Segundo a Confissão de Fé da Igreja Presbiteriana, existem dois sacramentos devidamente ordenados por Cristo, a saber: batismo e santa ceia.[4] Sabemos que os sacramentos não têm poder em si mesmos e que a sua eficácia não depende daquele que o administra. Então, qual a utilidade dos sacramentos para o processo de santificação na vida do cristão? A Confissão de Fé nos diz que sua eficácia depende “da obra do Espírito e da palavra da instituição, a qual, juntamente com o preceito que autoriza o uso deles, contém uma promessa de benefício aos que dignamente o recebem.”[5] Assim, toda eficácia dos sacramentos repousa na Pessoa do Espírito Santo de Deus que, de maneira poderosa e graciosa, aplica seus benefícios em nossas vidas.
J.I. Packer diz que “os sacramentos são vistos corretamente como meios de graça, pois Deus os faz meios para fé, usando-os para fortalecer a confiança da fé em suas promessas e produzir atos de fé para receber as boas dádivas significadas”.[6]

Como meio de crescimento, encontramos o batismo, sendo um ato único na vida do cristão. Segundo o Novo Testamento, o batismo era o momento em que a fé, expressada anteriormente em Cristo para a salvação, era evidenciada publicamente e, assim, havia uma apropriação de Cristo e das bênçãos da salvação, tais como a purificação dos pecados, a renovação no Espírito, a capacitação para servir e a entrada no corpo de Cristo [7]

A santa ceia, sendo também um meio de crescimento, difere do batismo por não ser um ato único, mas constante. Por ela nós partilhamos Cristo juntamente com aqueles que se aproximam com fé genuína. O próprio Espírito, ao participarmos da ceia, nos coloca em comunhão com Cristo e nutre a nossa fé.

A Mutualidade da Igreja

Viver mutuamente sempre foi um desafio para a igreja de Cristo. Afinal, muitas vezes é menos doloroso desenvolver nossa vida espiritual sozinhos. O fato de encontrarmos no Novo Testamento mandamentos como “aconselhai-vos uns aos outros”, “amai-vos uns aos outros”, “sujeitai-vos uns aos outros”, etc., não nos deixa dúvidas da importância de se viver em comunidade.

Vemos, ainda, que quando Paulo fala em Efésios 5.18 sobre o encher do Espírito, ele dá uma ordem para a comunidade e não para que a pessoa faça isso sozinha. Há, da parte do apóstolo, um chamado à mutualidade em todos os relacionamentos dessa comunidade.
Por mutualidade quer se dizer uma via de mão dupla, onde o eu é importante, determinante e imprescindível para o tu, que por sua vez o é para o eu (eu + tu = nós). Isto faz pensar na consciência cultural ocidentalizada, individualista e egoísta, que leva a igreja a não experimentar algumas práticas bíblicas imprescindível à igreja de Cristo de qualquer geração.

Com impulso para a mutualidade está se querendo dizer aquela vontade de atingir uma consagração a Deus, que leve o indivíduo a experimentar, com a comunidade, e junto dela, o dirigir de Deus, por meio do Espírito, com evidências visíveis. Diante disto, W. Ian Thomas evidencia que “Cristo não morreu meramente para que você pudesse ser livrado de uma má consciência, ou para remover de você a mancha dos fracassos passados, mas a fim de purificar o caminho para a atuação divina”.[8] E isso só é possível quando um grupo quer ser mais do que um grupo, mas quando se quer ser “a comunidade dos discípulos de Cristo em missão no mundo”.[9]

O compromisso de uma igreja com Jesus faz com que o povo tenha uma mutualidade saudável, onde o ideal de ser cheio Espírito Santo ganhará aliados para que, como comunidade, seja posto em prática. Pois Deus reconcilia consigo mesmo o homem que responde afirmativamente ao Seu chamamento, e também torna a comunicar-lhe, na qualidade de pecador perdoado, a presença do Espírito Santo. Logo, a presença do Espírito Santo em cada crente deve despertar a viverem e andarem juntos, orarem juntos, aconselharem uns aos outros, e assim chegarem a “estatura da plenitude de Cristo” (Efésios 4.13b).

Não se crê que sem mutualidade do tipo “cada um por si e Deus para todos” a igreja estará cumprindo com seu papel de ser igreja, mas de forma que reflita a glória de Cristo, pois onde há esta há união em torno de um mesmo propósito. Portanto, qualquer tentativa de viver a vida no Espírito de forma solitária, não encontrando ressonância no nível comunitário, deve ser por nós descartada. A plenitude do Espírito na vida do crente, encontra a sua razão de ser no meio da comunidade dos santos.

Considerações Finais

Como considerações finais não nos propomos, neste momento, fazer qualquer tipo de aplicação de modo geral, mas destacar, dentro deste capítulo, aspectos importantes e relevantes.
Este capítulo se prestou a esclarecer algumas condições para que o crente possa, através da prévia providência do Espírito Santo em proporcionar essas condições, utilizar-se, de forma correta e consciente, das condições ou meios proporcionados pelo Espírito para que aja em sua vida um constante encher-se do Espírito.

De uma forma geral, destacamos que todos os recursos providenciados pelo Espírito para nossa edificação, só são eficazes porque o próprio Espírito se utiliza deles para desenvolver em nós a santificação. Portanto, somente aqueles que foram resgatados por Cristo e, conseqüentemente, possuem o Espírito Santo, podem ser eficazmente desenvolvidos em um processo contínuo e ininterrupto de santificação.

Notas:
[1] BERKHOF, Louis. Teologia Sistemática. Campinas-SP: LPC, 1990. p.615.
[2] MILNE, Bruce. Estudando as Doutrinas da Bíblia.. São Paulo: ABU, 1991.p.209.
[3] Berkhof. Op cit., p.615.
[4] Confissão de Fé.Op. Cit., Cap. XXVII. Ver Também El Catecismo de Heidelberg. Perguntas 65 a 68.
[5] Confissão de Fé de Westminster, cap.XXVII, parte III.
[6] PACKER, J. I. Teologia Concisa: Síntese dos Fundamentos Históricos da Fé Cristã.. p.194.
[7] 1Coríntios 12.12; 1Pedro 3.21
[8] THOMAS, W. Ian. Salvos pela Vida de Cristo: Editora Leitor Cristão, São Paulo, 1961.
[9] Anotações da Disciplina “missões” ministradas pelo professor rev. Ricardo Agreste da Silva.

Rev. Baltazar Lopes Fernandes

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