19 abril 2007

Espiritualidade urbana

Introdução
É de conhecimento geral que a maioria da população brasileira reside nas cidades. “Dos 152.322.400 habitantes da terra brasileira, cerca de 74% habitam as cidades e se concentram, em maior número, nas grandes regiões metropolitanas”.[1]

O êxodo rural nas décadas de 60 e 70 trouxe um crescimento significativo às cidades, criando grandes metrópoles e um novo conceito de vida: a vida urbanizada. Juntamente com o crescimento das cidades cresceu também os males sociais. Foi-se o tempo em que achávamos que alguma coisa ruim iria acontecer, no máximo, com o nosso vizinho. Hoje, nas grandes cidades, as pessoas ficam temerosas em sair para o serviço, porque não sabem se irão retornar para casa no fim da tarde, pois uma bala perdida pode tirar a vida de qualquer pessoa a qualquer momento. Também não é mais visto pessoas conversando com seus vizinhos no cair da tarde.

A cidade isolou seus habitantes, trancando-os atrás das grades de ferro e dos altos muros de concreto. Toda uma parafernália eletrônica foi elaborada no sentido de proporcionar aos cidadãos algum sentimento de segurança. Todos clamam por segurança, buscando nela uma alternativa para viver melhor na cidade. O individualismo é algo que caracteriza o cidadão das grandes metrópoles, fazendo com que o próximo seja apenas mais um rosto na multidão.


Diante destas considerações, podemos questionar: É possível ao homem dizer que ama a Deus, mas viver o individualismo das grandes cidades? O que a Igreja, como uma agente proclamadora do reino de Deus, pode fazer para aproximar o homem à presença de Deus?

Nos dias atuais temos presenciado uma busca crescente pelo sagrado. Isso faz com que as pessoas se sintam mais próximas de Deus. Mas mesmo esta busca pelo sagrado se torna infrutífera, pois as pessoas se enganam, porque se estivessem próximas de Deus certamente o mundo atual não experimentaria tantos males sociais como é visto atualmente. Portanto, não há como dizer que amamos a Deus sem um amor pelo próximo, como diz 1 João 4.20: “Se alguém disser: amo a Deus, e odiar a seu irmão, é mentiroso; pois aquele não que ama a seu irmão, a quem vê, não pode amar a Deus, a quem não vê”. Isso reflete muito bem as cidades, pois muitos de seus moradores têm a pretensão de achar que o amor a Deus não tem nada a ver com o amor ao próximo. João, comentando o texto de Abel e Caim, diz que: “Amemos uns aos outros; não segundo Caim, que era do maligno e assassinou a seu irmão; e por que o assassinou? Porque as suas obras eram más e a de seu irmão justas” (1João 3.11,12). Assim, o problema de Caim não foi a invenção da cidade no sentido de suas realizações tecnológicas, pois estas foram e são de grande benefício para a humanidade, mas foi a maldição que o levou a fugir da presença de Deus.

Caim e a Cidade
Em Gênesis 4.1-7 vê-se a situação onde Deus aceita o sacrifício de Abel e rejeita a pessoa e a oferta de Caim, trazendo, assim, a ira de Caim contra o fato de Deus não ter aceitado a sua pessoa e a sua oferta. A resposta de Caim a essa rejeição de Deus lhe causou revolta, e começou a andar amargurado. O que resultou no assassinato de Abel, para que sua ira fosse aplacada. Nas palavras de E. Wielsel:

Ah, se Caim tivesse preferido a palavra à violência, se tivesse falado com Deus da seguinte maneira:

- Senhor do Universo, ouve-me. Tu és minha testemunha como eu sou a tua, tu és meu juiz e eu tenho medo, tenho medo de julgar. Reconhece, porém, que tenho toda razão em clamar a ti mostrando-te minha confusão e minha irritação; tenho todos os meios para opor minha injustiça à tua; reconhece que eu poderia protestar contra as provações que impões aos homens. Eu poderia afogar a humanidade em minhas lágrimas e em meu sangue, eu poderia acabar com essa comédia; pode ser que tu me incites a isso; pode ser que tu me forces a isso. Mas eu não o farei, ó Senhor do Universo, eu não destruirei, não matarei!

Se Caim tivesse falado dessa maneira, a história teria sido bem diferente! Não teria havido a aventura desesperada de dois irmãos, um dos quais se impõe matando e o outro fazendo-se matar, mas sim a gesta bela e apaixonante, pura e purificada, de uma humanidade de nobreza e piedade.

Se Caim tivesse preferido testemunhar a derramar o sangue, seu destino teria sido nosso exemplo e nosso ideal, e não a imagem de nossa maldição. Em vez de ser sugestão da morte, ele ficaria sendo nosso irmão; e nós o invocaríamos não com medo, mas com orgulho.[2]

Mas a história não se deu assim. Caim agiu de forma violenta e revoltosa contra seu irmão Abel. Depois que Abel é preferido por Deus e ele rejeitado, instala-se em seu coração um desejo de vingança, e essa vingança é direcionada contra Abel, já que nada poderia ser feito contra Deus. E esse tipo de vingança dirigida contra a criatura e não contra o Criador já é encontrado em outras partes da Bíblia, como é o caso de satanás que dirige seu ataque contra a coroa da criação de Deus, que é o homem.

A partir do versículo 9 instala-se um diálogo entre Caim e Deus, e o Senhor tenta então conduzir Caim a uma conscientização de seu pecado: “Onde está Abel, teu Irmão?” (v.9). Mas Caim não admite seu pecado e mente sem nenhuma vergonha, escondendo-se atrás de uma frase: “Acaso sou eu guardador de meu irmão?” (vs.9). E isso é uma forma de esconder a verdade, ou seja, responder a uma pergunta com outra.


No versículo 10 Deus abre o jogo: “Que fizeste? A voz do sangue do teu irmão clama a mim desde a terra”. Deus, então, depois de dar a Caim possibilidade de arrependimento, e este se recusa a se arrepender, coloca diante dele seu pecado, dando, em seguida, o veredicto: “Agora maldito és desde a terra, que abriu a sua boca para receber das tuas mãos o sangue do teu irmão” (vs. 11). Essa sentença é um paralelo da sentença que foi dada a Adão em Gênesis 3.17: “Maldita é a terra por tua causa...”, porém, com uma diferença, nela a pessoa de Caim é amaldiçoada, enquanto que na primeira maldição só a terra recebera a maldição, e Adão foi amaldiçoado indiretamente.

O versículo 12 é a descrição desta maldição: “Quando lavrares o solo, não te dará mais a sua força; fugitivo e errante serás pela terra”. Caim teria que procurar outro meio de subsistência, e outra forma de proteção. Aí está o motivo da queixa de Caim descrita nos versículos 13 e 14, dizendo que ele ficaria sem proteção (qualquer um que o achasse poderia matá-lo), e sem como viver, já que ele não poderia mais contar com a produção agrícola (o solo não produziria mais nada a ele). Deus, então, dá uma solução para esse impasse de Caim pondo-lhe um sinal (vs.15). E esse sinal era a possibilidade que Deus dava a Caim de viver em “segurança”, mesmo longe da presença de Deus.

Nos versículos 16 e 17 vemos Caim deixando a presença de Deus para, doravante, viver de acordo com seus próprios intentos. Ele deixa sua terra natal e vai viver em uma terra distante (Node), onde tem um filho (Enoque), constrói uma cidade e dá o nome de seu filho, iniciando a uma nova forma de vida. Como diz Derek Kidner “o nome Enoque tem parentesco com o verbo iniciar. Talvez haja a idéia de um novo princípio no fato de se dar esse nome ao primeiro filho e à primeira cidade de Caim independente”.[3]

A Cidade como alvo de bênção ou maldição de Deus
A perícope de Gênesis 4.8-17 é um elo da perícope que narra o nascimento de Abel e Caim (4.1-7). Um era pastor de ovelhas e o outro era agricultor. Parece que “ambos manifestaram ato de oferenda, fé na existência de Deus e no direito de reverência e culto. Cada um fez a oferenda de acordo com a iniciativa individual [tradução própria]”.[4] Por isso que a oferta de Caim fora do fruto da terra e a de Abel um animal de seu rebanho. A aceitação de Abel e a rejeição de Caim por parte de Deus trouxe uma crise familiar entre os irmãos. Caim não conseguiu se conformar com este fato, e fez de seu irmão o alvo de sua revolta, já que Deus não podia ser tocado por sua vingança ele se vira contra aquele que era amado por Deus, Abel. Caim foi repreendido por Deus quanto à sua atitude de rebelião (vv.6,7), mas parece que Caim já estava resolvido a praticar a maldade que estava em seu coração.

A perícope de Gênesis 4.17-26 narra a descendência de Caim. E essa descendência deu um novo início à civilização humana, introduzindo profissões que jamais se ouvira falar. Mas também a violência começa a crescer (v.23) como é visto no cântico de Lameque. E isto fica claro nas palavras do Dr. Shedd: “A narrativa chama a atenção para a edificação da cidade como se isso marcasse um novo estágio no avanço da civilização. Sem dúvidas foi o aumento da família de Caim e do círculo dos seus dependentes que ocasionou a edificação da cidade. Provavelmente a cidade não passasse de um centro defendido de vida social organizada”.[5]

Dentro do livro de Gênesis podemos observar o tema “cidade” sendo tratado em outra parte, como por exemplo, Gênesis 11. E em referência a isso o ápice dessa narrativa conclui que a mesma condenação da vida urbana será encontrada na narrativa da torre de Babel.

Como na narrativa de Caim a narrativa da torre de Babel mostra o mesmo problema: o homem tentando se esconder de Deus se refugiando nas cidades. Parece que o mesmo medo de Caim de ser fugitivo e errante pela terra (4.14) se encontra no episódio da torre de Babel “...para que não sejamos espalhados por toda terra” (11.4). O ajuntamento não era para viver em comunidade apenas, mas era com o intuito de proteção, visando serem poderosos e invencíveis.

Nas narrativas referentes às cidades encontramos um início e um desfecho parecidos. O início da cidade com Caim foi para proteção, assim como foi com a torre de Babel. No caso de Caim o fim da cidade veio por “que a maldade do homem se havia multiplicado na terra e que era continuamente mau todo desígnio do seu coração” (6.5). Deus assim, envia um dilúvio para destruir a cidade e dá início a uma nova oportunidade para o homem. Após o dilúvio os homens novamente se ajuntam para se protegerem, construindo, assim, uma cidade (11.4). O desfecho que Deus dá para esta história é de novamente fazer com que os homens não confiem em cidades para se protegerem. Ele, então, confunde as línguas (11.7) para que os homens possam ser espalhados pela terra e parem de confiar em cidades para sua proteção (11.8). Mas o ideal de Deus, para o ajuntamento em sociedade, é relatado a partir do capítulo 12 de Gênesis com o chamado de Abraão no qual diz que: “farei de ti um grande povo” (12.2), e ainda diz que a bênção de Deus estaria sobre este povo, e Ele abençoaria os que abençoassem o seu povo, e amaldiçoaria os que amaldiçoassem o seu povo (12.3).


Até o capítulo 11 de Gênesis observamos a tentativa do homem em formar cidades, mas o capítulo 12 fala dos planos de Deus para viver entre um povo escolhido, a nação de Israel, descendentes de Abraão e Isaque. Agora não vemos mais a iniciativa do homem em formar uma cidade, mas, sim, a iniciativa de Deus, que seria o centro desta cidade. Quanto a isto veremos o que outros livros da Bíblia dizem a respeito.

Podemos observar que outros lugares da Bíblia, de forma quase direta, trata do mesmo tema abordado.

Velho Testamento
Em Dt.4.41-43 encontramos a referência das cidades de refúgio por Moisés que serviria de proteção para aquelas pessoas que cometessem algum crime não intencional, desta forma elas não seriam condenadas injustamente. Mas em Josué 20.7-9 é que vemos a instituição das cidades de refúgio, pois agora o povo de Israel estava habitando na terra de Canaã e se fazia necessário a existência de tais cidades.

Já em Juízes 21.25 vemos que a anarquia se instalara em Israel, pois até aquele momento o povo não havia adquirido um sentido religioso e nem monárquico. Por isso que o autor de Juízes disse: “Cada um fazia o que lhe parecia correto”. Isso é notado claramente em todo livro em fatos do tipo pai assassinando filha por votos pessoais, estupro coletivo, vingança desenfreada, religião egoísta e líderes sem padrão de referência. Faltava ao povo alguém que desse um sentido moral e sagrado para a cidade. Sem isso a cidade é apenas um ajuntamento onde dominam os interesses humanos.

No saltério observamos que a idéia da presença de Deus é muito prestigiada, de forma poética, nas palavras do Salmo 46.2: “Deus é o nosso refúgio”, e ainda no versículo 5 diz que “há um rio cujo as correntes alegram a cidade de Deus”. Essas duas alegorias representam a presença de Deus dando sentido à existência de um povo. Fica claro quando recordamos de Gênesis 12.1-3 aonde vemos Deus planejando morar entre seu povo. E a idéia era resgatada toda vez que esse Salmo era cantado pela congregação de Israel.

Novo Testamento
O assunto analisado ganha esclarecimento nas palavras do evangelista Mateus, quando diz que “Jesus acabou de dar instruções aos seus doze discípulos, partiu dali para ensinar e pregar nas cidades deles” (11.1). Esta sentença faz parte da missão de Jesus exposta nos sinópticos, onde com Ele se inaugura a chegada do Reino de Deus. Com isso queremos dizer que na visão de Jesus as cidades eram alvos da preocupação de Deus como é visto em Mateus 11.20-24, que narra a indignação de Jesus por causa da dureza de algumas cidades.

Também em Atos notamos que as cidades são alvos de evangelização da Igreja, pois nelas encontram-se pessoas que não tem sua vida centrada em Deus.

O desfecho final das cidades, em termos escatológicos, é descrito por João em Apocalipse 21 e 22. Nesses capítulos João quer dizer que “a cidade dos eleitos, em total contraste com a Babilônia, é um Dom de Deus. A perspectiva é puramente celeste”[6], onde a intenção humana não faz mais sentido. Isso é descrito no início do capítulo 21 onde João diz: “Vi um novo céu e uma nova terra, pois o primeiro céu e a primeira terra se foram, e o mar já não existe. Vi também descer do céu, de junto de Deus, a Cidade Santa, uma Jerusalém nova”(vv.1,2). O Apocalipse descreve também que o mal social das cidades sem Deus não estaria presente nesta nova cidade (21.8 e 27).


A conclusão chegada é que o Novo Testamento alude todo o estágio da salvação (presente, passado e futuro) no contexto das cidades, ou seja, a cidade é tanto o alvo como o local da realização definitiva de Deus, pois vemos Jesus pregando nas cidades, os apóstolos são enviados às cidades e Apocalipse fala das sete igrejas que estão localizadas em cidades, bem como, a morada definitiva do cristão é descrita como “cidade santa”.

CONCLUSÃO
A Igreja como agente proclamadora do reino de Deus, pode tentar aproximar o homem de Deus de quatro maneiras:

1· Promovendo a evangelização através de relacionamentos pessoais, aproximando-se do homem sem Deus, e para isso, aproveitando as lacunas deixadas pelo sistema das grandes cidades;

2· Oferecendo o convívio sociável, ou seja, a Igreja influenciando os relacionamentos interpessoais, para que as pessoas aprendam que o cristianismo não é apenas vertical, mas, também, horizontal. A Igreja ensinando que mesmo nas cidades é possível viver um relacionamento significativo e saudável com Deus e com o próximo;

3· Desenvolvendo ministérios que atuem na sociedade de forma a oferecer serviço social relevante, que mostre que o cristianismo não está apenas interessado consigo mesmo, ou seja, que tenha a religião como um fim em si mesmo, mas está interessado em proporcionar ao ser humano conforto material (alimentos, vestuários, etc.), e, também, conforto espiritual (aconselhamentos, visitação, ministração da Palavra, etc.). A exemplo de Jesus, que procurava as cidades para manifestar os sinais do reino de Deus, e não somente através da pregação do evangelho, mas, também, através da convivência com os marginalizados e excluídos da sociedade de seu tempo.

4· Incentivando os cristãos a se envolverem com a sociedade e a política de sua época, com o intuito de, através da influência positiva, incutir padrões bíblicos de qual é o ideal de Deus para as cidades.

BIBLIOGRAFIA
1. Bíblia de Jerusalém, Paulus. 1973.
2. Bíblia Hebraica Stuttgartensia. Stuttgart. 1991.
3. JAMIESON, Roberto. Comentario Exegetico y Explicativo de la Biblia. El Paso: Casa Bautista de Publicaciones, 1988.
4. KIDNER, Derek. Gênesis Introdução e Comentário. São Paulo: Mundo Cristão, 1991.
5. McKENZIE, John L. Dicionário Bíblico. São Paulo: Paulus 1983.
6. SHEDD, Russell. O Novo Comentário da Bíblia, vol.1. São Paulo: Vida Nova, 1990.
5. SCHMIDT, Werner H. Introdução ao Antigo Testamento. São Leopoldo: Sinodal, 1994.
6. SCHREINER, J. Palavra e Mensagem. São Paulo: Paulinas, 1987.
8. VIANA, Fernando. Novo Manual Didático de Pesquisas, 2. Ed. São Paulo: Didática Paulista, 1997.
Notas:
[1] Manual Didático de Pesquisas, p.536.
[2] E. Wielsel, pp.61,62.
[3] DEREK KIDNER. Gênesis, Introdução e Comentário. p.72.
[4] Comentario – Exegetico y Explicativo de la Biblia, p.24.
[5] SHEDD. Op. Cit., p.89.
[6] Bíblia de Jerusalém, p.2326.
Rev Baltazar L. Fernandes

17 abril 2007

A explosão das seitas marginais do Protestantismo

Desde a Reforma do século XVI, muitos movimentos têm surgido em redor do mundo. Há, por parte dos cristãos, várias atitudes em relação a isso. Mas, uma dessas atitudes é a que vemos no texto de Atos 5.33-39, a atitude de Gamaliel: “...dai de mão a estes homens, deixai-os...” (v.38). Analisemos rapidamente o texto de Atos. Os novos crentes estavam sendo perseguidos e ameaçados de morte. Levanta-se Gamaliel e faz alusão dos dois líderes de religiões ou seitas daqueles dias. Haviam juntado grande número de seguidores, porém, quando morreram, os grupos desapareceram. Depois desta referência ele faz uma recomendação aos perseguidores acerca da Igreja Cristã: “se esta obra vem de homens perecerá; mas, se é de Deus, não podereis destruí-los...”.

Ao olharmos ao nosso redor e repararmos o crescimento vertiginoso das seitas em nossos dias, uma grande questão ficará sobre as nossas cabeças: “Será que o mesmo raciocínio de Gamaliel poderia ser aplicado às seitas atuais?” Obviamente que não! A própria Bíblia nos alerta de que “...haverá tempos em que não suportarão a sã doutrina...” (2Tm.4.3,4). Isto foi dito pelo apóstolo Paulo que, outrora, possivelmente, fizera parte do grupo que queria apedrejar os cristãos.
Se alguém possui o mesmo raciocínio de Gamaliel em nossos dias e não procura analisar os ensinamentos das seitas sob o padrão de nossa fé – a Bíblia, será tido como um ignorante em assuntos relativos à fé cristã. A fé evangélica pode e deve ser estudada, examinada, etc. Isto irá gerar o que chamamos crescimento espiritual. John Stott deu um título muito sugestivo a um de seus livros: “Crer é também pensar”.

Judas, em sua carta, versículo três, exorta “...a batalhardes diligentemente pela fé que uma vez por todas foi entregue aos santos”, pois nesta batalha não há lugar para alienação.

HISTÓRICO
Nesta parte do artigo iremos analisar historicamente a maneira que surgiram os vários grupos que constituem as seitas marginais do protestantismo nos nossos dias.

Seitas Proféticas
Seitas proféticas são aquelas seitas cujos líderes se acham investidos de uma “missão” e precisam proclamá-la, por acreditarem que o próprio Deus os comissionou para isso. Geralmente se baseiam em um sonho, uma revelação ou em uma interpretação descontextualizada das Escrituras Sagradas.

Ao longo da história do cristianismo encontramos exemplos de homens que, movidos por um sentimento puramente humano, tentam estabelecer novos preceitos que se chocam com a Palavra de Deus. Exemplo disso pode ser visto em Márciom[1], no ano 144 e, mais tarde, Ário[2], dentre outros.

Geralmente as seitas surgiam em um contexto de insatisfação com a religião dominante. Muitas dessas seitas proféticas, como por exemplo, Adventistas, Mormonismo, Testemunhas de Jeová, surgiram no final do século XIX, num contexto de grande desenvolvimento teológico, cultural, científico, etc. A maioria dessas seitas tinha uma perspectiva negativa da situação da humanidade e, em muitas delas, davam-se datas para a volta de Cristo e a destruição da humanidade. Já outros grupos surgiram em um contexto de guerra e pós-guerra, como a 1ª e a 2ª Guerras Mundial, tanto na Europa como nos Estados Unidos.

Com o fim da guerra, cresceu o interesse pela religião, principalmente pelas religiões orientais. Era o movimento hippie que surgia pregando a paz e o amor. Foi nessa época que surgiu a seita “Meninos de Deus”, apregoando uma revolução para Jesus.

No Brasil, vários movimentos encontraram boa acolhida, pelo caráter sincretista do próprio povo brasileiro. Muitos grupos usaram as próprias religiões estabelecidas (como é o caso da Congregação Cristã no Brasil que começaram seus trabalhos graças a uma cisão da Igreja Presbiteriana do Brás)[3]. Mas, veremos no decorrer do artigo, que as seitas que tiveram mais êxito entre o povo brasileiro são as de cunho pentecostal e neopentecostal.

Seitas Neopentecostais
Apesar das seitas proféticas terem, em algumas delas, aspectos pentecostais, é diferenciado do movimento pentecostal como veremos adiante. Iremos abordar o movimento pentecostal mais demoradamente por uma questão de prioridade no que diz respeito ao objetivo do artigoo, pois o mesmo não poderia abordar todos os movimentos religiosos, sendo, portanto, este movimento de maior expressão em nosso contexto brasileiro.

O neopentecostalismo tem suas raízes no pentecostalismo que, por sua vez, é devedor ao inglês John Wesley e seu movimento de santificação. Wesley estabeleceu uma distinção entre os crentes comuns e os santificados, ou seja, aqueles que foram batizados pelo Espírito Santo e aqueles que não foram.

Passaremos a abordar o surgimento do movimento pentecostal que, posteriormente, deu origem ao neopentecostalismo.

ESTADOS UNIDOS – (1906) Em Topeka, Kansas, na escola bíblica dirigida por Charles Parham, foi reconhecido o Dom de línguas como sinal de identificação do batismo do Espírito Santo. Dali se espalhou pelos Estados Unidos. O movimento pentecostal em Los Angeles teve início num velho templo metodista, em Azusa Street. Essa missão – Azusa Street Mission – pode ser considerada como o ponto de partida do movimento pentecostal mundial. O próprio Emílio Conde, que traçou as origens das Assembléias de Deus no Brasil, considerava o avivamento espiritual ocorrido em Azusa Street como o ponto de partida do movimento pentecostal no Brasil.

EUROPA – Expandiu-se pela Finlândia, Noruega, Suécia, Alemanha, Suíça, Grã-Bretanha, a partir de uma visita de B. Barrat, pregador metodista, aos Estados Unidos, para angariar fundos. Durante a viagem, escreveu cartas à Noruega, narrando sobre o avivamento que havia nos Estados Unidos. Quando voltou, foram realizadas grandes reuniões em Oslo (Noruega). A partir daí, se espalha por vários países da Europa.

BRASIL – Em muitos países da América Latina o pentecostalismo é o grupo evangélico mais importante. No Brasil, o movimento pentecostal é o mais importante, numericamente falando. O início, em 1910, das Assembléia de Deus no Pará, por Daniel Berg e Gunnar Vingren e da Congregação Cristã, por Luigi Francescon, pela mesma época, no Paraná e São Paulo, foi o ponto de partida para o movimento se espalhar para o restante do Brasil.

Os anos 60 foram decisivos para a religião. Devido à secularização e o modernismo os estudiosos apostavam na extinção da religião. Duas décadas mais tarde o que se observa é uma explosão de novas seitas. Surgem os neopentecostais, também chamado de pentecostalismo de terceira onda ou pentecostalismo autônomo (p. e., Igreja Universal do Reino de Deus, Igreja Internacional da Graça de Deus, Comunidade Sara a Nossa Terra, Igreja Renascer em Cristo, Igreja Nacional Palavra da Fé, entre outras).

De uma maneira geral, esse neopentecostalismo enfatiza o exorcismo, cura divina, dons espirituais, continuidade da revelação divina através de líderes carismáticos, etc. Esse neopentecostalismo ganhou força no mundo religioso norte-americano nos anos 70, período em que também começou a penetrar na América Latina, provocando o surgimento de novas igrejas, seitas e denominações, assim como cisões nas principais denominações protestantes brasileiras, entre elas Metodistas, Batistas, Presbiterianas, Congregacionais, etc.

DOUTRINA MAIS COMUM E SUA REFUTAÇÃO

Doutrinas
O neopentecostalismo é caracterizado como um grupo com mentalidade pentecostal, mas que se consideram adeptos de uma “renovação espiritual”.
Consideramos que existem hoje várias Igrejas com características neopentecostais, que podem ser classificadas como pentecostalismo clássico ou neopentecostalismo, depende do critério adotado pelo analista. Nós iremos considerar as Igrejas: Universal do Reino de Deus; Internacional da Graça de Deus; Comunidade Sara Nossa Terra; Renascer em Cristo e Igreja Nacional Palavra da Fé.
O movimento neopentecostal enfatiza, de uma forma geral, o exorcismo, cura divina, dons espirituais, continuidade da revelação divina através dos líderes carismáticos, e uma parte deste movimento aceita a “teologia da prosperidade”. Analisemos o seu conceito sobre possessão demoníaca.

Exorcismo
O exorcismo exerce a função de extirpar o medo e o caos. Todos os males recebem um nome, uma origem: o demônio. O ministro ou pastor, dotado de força de Deus, expulsa o maligno e resolve o problema pela raiz.

A visão neopentecostal é tripartida. Separam o Cosmo em três dimensões: Céu, morada de Deus e de seus anjos; Terra, uma criação divina entregue aos seres humanos; Inferno, regiões inferiores destinadas a acolher as almas dos mortos e demônios. O mundo é a arena, onde se dá a luta entre Deus, satanás e seus anjos, essas disputas são conhecidas como batalhas espirituais.
Acreditam que o mal está personificado nos demônios. O que é notado nos hábitos de “amarração de demônios”, que se baseia na premissa de que os demônios estão soltos e podem entrar em animais, objetos, pessoas, principalmente no momento do culto. Esta é uma atividade constante nos movimentos neopentecostais, porque estão sempre escapando dos laços do exorcista. Por isso é preciso constantemente “colocar os demônios sob os pés”, “pisá-los com energia”, demonstrando-se assim o poderio do Senhor Jesus Cristo sobre as forças do mal. Em alguns templos da Comunidade Sara Nossa Terra, durante a celebração da eucaristia, as pessoas pisoteiam os copos plásticos que foram utilizados, para declararem publicamente a derrota dos demônios, que com este gesto são publicamente pisados e humilhados. Algum tempo atrás no templo da Comunidade Sara Nossa Terra em Passos, o pastor após o sermão e celebração da Eucaristia, e com uma bacia com água e um corante vermelho, orou e depois chamou os fiéis até altar para limpá-los com o sangue de Cristo.

Na visão neopentecostal os demônios são espíritos revoltados, porque na criação dos seres humanos, Deus teria deixado de dar a eles – espíritos puros – a predominância original que eles tinham; por isso os demônios se apoderam das pessoas, movidos de inveja, em uma feroz luta, com o objetivo de destruí-los de todas as maneiras possíveis. Uma das maneiras, comum entre IURD[4] e Comunidade Sara Nossa Terra, é através da hereditariedade, pois, há casos de demônios que perseguem várias gerações. Uma outra maneira, é que há pessoas que se tornam possessas ao participarem, diretamente ou não, de rituais espíritas, ou por terem sido alvo de trabalhos, despachos e bruxarias, ou até mesmo por passarem perto, de carro ou a pé, dos lugares que foram utilizados para este tipo de trabalho, ou macumba. Se a pessoa que passou perto deste local, não tem o Espírito Santo na sua vida, fatalmente terá maléficos resultados.

Há também uma corrente que disputa o tempo todo no momento de culto, com os poderes das trevas. E existem ainda, como é freqüente nos templos da IURD, os cultos de guerra cósmica ou batalha espiritual; são conhecidas como “correntes de fé” ou “campanhas”. Dessa maneira, cada milagre, conversão e exorcismo são pequenas amostras de decisivas vitórias de Deus contra as forças diabólicas.

As Igrejas neopentecostais se diferenciam das pentecostais nos rituais de exorcismo, porque os pastores neopentecostais fazem um tipo de entrevista com as entidades diabólicas. A eficiência do exorcismo depende da legitimidade de quem pratica o ato e da instituição ao qual está vinculado o exorcista, o que a IURD atribui para si a autenticidade do exorcismo.

Um outro objetivo do diabo é tornar seres humanos seus prisioneiros, e a ação da Igreja é oferecer tratamento espiritual, atuando como um pronto socorro espiritual. O ritual de exorcismo na IURD deve ser dirigido por pastores e obreiros cuja vida espiritual é supostamente exemplar, exigindo-se por isso mesmo, um longo preparo através de períodos longos de oração e jejum. As pessoas no auditório podem também participar através das suas orações, com declarações (queima Jesus; queima Jesus), com cânticos (sai, sai, sai, em nome de Jesus; ou, tá na hora, tá na hora do diabo ir embora) ou com ações que incluem o bater dos pés no chão, expressando que o diabo esta sendo pisado.

Refutação
Entendemos que estes rituais e atividades desenvolvidas nas Igrejas Neopentecostais são modismos e falta de ensinamento bíblico adequado. A respeito do exorcismo respondemos que, ao invés da pessoa buscar em métodos e rituais uma forma de libertação, ele primeiramente deveria buscar a Deus, todas as vezes que lhe ocorreram pensamentos, atos e atitudes contrárias à vontade Dele. No movimento neopentecostal há pouco, ou nenhum, espaço para os métodos antigos, como arrependimento, confissão e admissão da própria culpa, e uma vida em santificação. Tiago orienta ao crente resistir ao diabo (Tg 4.7). Não se resolve culpa pessoal com exorcismo, nem se substitui a responsabilidade individual por demonização. Estes movimentos privam o cristão de participar da única e verdadeira libertação do domínio do pecado em sua vida. O apóstolo Paulo sugere a mortificação da natureza pecaminosa como um exercício diário (Rm 6, 6; 8,13), e a solução para as obras da carne não é a expulsão de espíritos que supostamente escravizam os cristãos e incita-os a praticar estes pecados, mas é viver uma vida no Espírito (Gl 5, 16-26).

Pode um cristão ter demônios habitando seu corpo, o qual é igualmente habitado pelo Espírito Santo? A questão é realmente aguda, pois a Escritura ensina que o cristão está assentado com Cristo nos lugares celestiais, acima de todos os principados e potestades (Ef 1, 21-22). O cristão está em Cristo, e Cristo nada tem a ver com o maligno (Jo 14,30). E, naturalmente, o diabo não toca os que são de Cristo (1 Jo 5,18), pois o que está no cristão (Espírito Santo) é maior que os espíritos malignos que habitam este mundo (1 Jo 4,4).

O NT não diz absolutamente nada a respeito de cristãos que foram possuídos, e apenas descreve o encontro de Jesus e dos apóstolos com pessoas endemoninhadas, mas em nenhum caso revela como o endemoninhamento aconteceu, se foi causa de pecados pessoais, pelos pecados dos outros, por maldições hereditárias, ou qualquer outro dos motivos alegados pelos proponentes do movimento neopentecostal. Não devemos tentar satisfazer as nossas curiosidades baseadas em especulações e experiências pessoais. Cremos que é possível hoje um descrente ser de tal forma, oprimido e atacado por Satanás o ponto de ocorrer a possessão.
A pergunta 26 do Catecismo Menor diz:
Como exerce Cristo as funções de Rei?
Cristo exerce as funções de Rei sujeitando-nos a si mesmo, governando-nos e protegendo-nos, contendo e subjugando todos os seus e os nossos inimigos.

BIBLIOGRAFIA
1. CAMPOS, Leonildo Silveira. Teatro, Templo e Mercado: organização e marketing de um empreendimento neopentecostal. Petrópolis, R.J.: Vozes; São Paulo: Simpósio Editora e Universidade Metodista de São Paulo, 1997.
2. GONZALEZ, Justo L., A Era dos Novos Horizontes. São Paulo: Vida Nova, 1989.
3. _______________, A Era Inconclusa. São Paulo: Vida Nova, 1995.
4. LEITE FILHO, Tácito da Gama, Seitas Proféticas. Rio de Janeiro: Juerp, 1987.
5. ______________________, Seitas Neopentecostais. Rio de Janeiro: Juerp, 1991.
6. STOTT, John R. W. Crer é também pensar. São Paulo: ABU, 1994.
Notas:
[1] González, Vol.1, p.99. Márciom acreditava que o presente mundo era mau e, portanto, fora criado por um deus igualmente mau. Então, ele fez uma distinção entre o deus do A.T. (Jeová) e o Pai de Jesus Cristo do N.T. (Deus Supremo) superior a Jeová.
[2] González, vol.2, p.90, 91. Segundo Ário, Jesus havia sido criado por Deus, sendo, portanto, uma criatura. Mesmo sendo, no dizer de Ário, a principal criatura de Deus. o que estava em jogo era a divindade de Jesus.
[3] Tácito, Seitas Neopentecostais, p.31.
[4] Igreja Universal do Reino de Deus.

Rev Baltazar L. Fernandes

12 abril 2007

Família: tempo gerúndio

A seqüência de parábolas narradas por Jesus, em Lc 15:3-32, talvez, sejam a melhor ilustração do perdão gracioso de Deus, que salva pecadores. As três parábolas são: a ovelha perdida (vs. 3-7); a dracma perdida (vs. 8-10); e, por fim, o filho pródigo (vs. 11-32). Embora as três narrativas tenham temas comuns, como "a perda", "o encontro", e "a alegria", elas também possuem ênfases diferentes. O famoso exegeta judeu-cristão Alfred Edersheim observa que "na parábola do filho perdido o interesse principal centraliza-se em sua restauração. Não trata da tendência natural, nem do trabalho e o pó da casa como causa atribuída à perda, mas a livre decisão pessoal de um indivíduo. O filho não se perde e se extravia; não cai e se perde da vista, mas marcha voluntariamente, e sob circunstâncias agravantes" (La Vida y los Tiempos de Jesus el Messias,vol.2, CLIE, p.203). Em nenhum momento Cristo apresenta o filho pródigo como vítima, ou como produto do meio, mas é descrito como alguém que impiedosamente age contra o seu pai, que sem afetos abandona o seu lar, e que segue para uma terra distante para ser esquecido e esquecer as suas origens.

Nesta parábola temos três personagens. Não é correto pensarmos no filho pródigo como sendo o personagem principal. O pai amoroso e o filho mais velho não são segundários, mas partes de proporcional importância nesta narrativa, abordando aspectos diferentes da mesma situação. Mas, nos referiremos a ela como tradicionalmente se tem feito: a parábola do filho pródigo. Afinal, o pecado e a manifestação prática da graça é que são os verdadeiros temas centrais nesta história. William Barclay sugere que "seria melhor chamá-la de 'parábola do pai amoroso', porque nos fala mais do amor de um pai do que do pecado de um filho" (Lucas - El Nuevo Testamento Comentado, Ed. La Aurora, p.200). O filho mais novo é um jovem que perdeu a oportunidade de ser o filho prodígio para se tornar o pródigo. Uma família judia comum, como qualquer outra nos tempos de Jesus, foi usada para ilustrar como Deus age para restaurar um relacionamento seriamente prejudicado pelo pecado.

O pecado é inerentemente sem sentido. Se tem um momento que a insensatez do pecado fica esclarecido, é quando tentamos entender o motivo de alguém que teria todos os benefícios possíveis simplesmente escolhendo praticar o amor, e insensivelmente prefere o desprezo, por causa, de algum pecado pessoal. O pecado faz filhos sairem de casa em inimizade. Casais que inicialmente fizeram juras de amor, e viveram sublimes momentos de romance se separam com ferinas palavras de amargura. Continuar desejando fartar-se de comida podre enquanto poderia comer uma refeição decente. Preferir trabalhar para um estranho, em troca de comida, deixando de construir a própria herança com o pai. Consumir todos os bens, vivendo o hoje, e esquecendo que a vida toda se dependerá de sustento. Simplesmente não faz sentido. Mas, além de insensato, o pecado também torna o indivíduo insensível. Neste caso, a maior evidência desta verdade é a insensibilidade com os próprios sentimentos, de modo, que o amor perde o seu brilho e alegria, tornando temporariamente ofuscado, sem valor e propósito.

Rev Ewerton B. Tokashiki

05 abril 2007

A origem do ofício de diácono

A definição do ofício de diácono

O substantivo diácono procede da palavra grega diakonós. Esta palavra ocorre 29 vezes no Novo Testamento, podendo significar:[1]
a)servo Mt 20:26; 22:13; Mc 9:35
b)garçom Jo 2:5,9
c)ministro Rm 13:4
d)auxiliar 2 Co 6:4; Ef 6:21; Cl 1:23,25; 1 Tm 4:6
e)oficial Fp 1:1; 1 Tm 3:8,12

O lexicógrafo J.H. Thayer define esta palavra como “aquele que executa as ordens de outro como um servo, atendente, ou ministro.”[2] Noutro lugar ele nos fornece outra definição mais completa como sendo “aquele que em virtude do ofício designado pela igreja, auxilia aos pobres, recebendo e distribuindo o dinheiro, que para este fim é coletado.”[3] Todavia, esta definição segue a prática da Igreja em seus primeiros séculos. A estrutura da nossa denominação embora não negue a responsabilidade do diaconato de exercer a assistência social, não recomenda nem estimula o seu manuseio financeiro deixando este para o Conselho. A definição de Thayer demonstra alguma deficiência e limitação do ofício do diácono.

Notemos ainda que, segundo William D. Mounce o verbo grego diakonéw significa “atender, cuidar, servir Mt 8:15; Mc 1:31; Lc 4:39; [...] ministrar, ajudar, dar assistência ou suplicar pelo indispensável à vida, providenciar os meios para se viver Mt 4:11; Mt 27:55; Mc 1:13; Mc 15:41; Lc 8:3.”[4] Esta definição é preferível por mostrar-se mais satisfatória as necessidades da Igreja.

A origem dos diáconos no Novo Testamento

Encontramos a narrativa histórica da origem do diaconato em At 6:1-6. Alguns estudiosos, entretanto, negam que esta passagem se refira à origem do ofício, alegando o fato de não haver menção da palavra “diácono” no texto. Todavia, podemos crer que esta passagem seja a narrativa da instituição do diaconato levando em consideração os seguintes argumentos que Louis Berkhof apresenta:
1. O nome diakonoi que, antes do evento narrado em Atos 6, era sempre empregado no sentido geral de servo ou servidor, subseqüentemente começou a ser empregado como designativo daqueles que se dedicavam às obras de misericórdia e caridade, e, com o tempo, veio a ser usado exclusivamente neste sentido. A única razão que se pode atribuir a isto acha-se em Atos 6.
2. Os sete homens ali mencionados foram encarregados da tarefa de distribuir bem as dádivas trazidas para as agapae (festas de amor cristão), ministério que noutras partes é particularmente descrito pela palavra diakonia, At 11:29; m 12:7; 2 Co 8:4; 9:1,12-13; Ap 2:19.
3. Os requisitos para o ofício, como são mencionados em Atos 6, são muitos exigentes, e nesse aspecto, concordam com as exigências mencionadas em 1 Tm 3:8-10. (4) Muito pouco se pode dizer em favor da acariciada idéia de alguns críticos de que o diaconato só foi desenvolvido mais tarde, mais ou menos na época do aparecimento do ofício episcopal.[5]

A tradição cristã reconheceu nesta decisão apostólica a origem do diaconato:
1. Irineu de Lião (130-200 d.C.) em seu livro “Contra as Heresias” 1:26; 3:12; 4:15.
2. Cipriano (200-258 d.C.) em suas “Epístolas” 3:3.
3. Eusébio de Cesaréia (260-340 d.C.) declara em sua “História Eclesiástica” que ali “foram igualmente destacados pelos apóstolos, com oração e imposição de mãos, homens aprovados para o ofício de diáconos, para o serviço público”.[6]

Mesmo numa leitura artificial da passagem de At 6:1-6 é possível verificar um problema de omissão na “mesa das viúvas dos gentios”. Esta omissão certamente não era proposital, pois os apóstolos sendo apenas “os doze” não podiam suprir todos os novos convertidos no ministério de ensino da Palavra de Deus, e ao mesmo tempo “servindo as mesas”. Há pelo menos quatro motivos que podemos enumerar para a instituição do diaconato:
1. Para evitar a desordem nos relacionamentos da Igreja. Surgia o grave problema da murmuração.
2. Para evitar que houvesse partidos dentro da Igreja. A omissão às mesas das viúvas enfatizava as diferenças entre o grupo dos judeus helênicos e judeus palestinos.
3. Para evitar a injustiça na distribuição de alimentos e donativos aos necessitados.
4. Para que os mestres da Palavra sejam dedicados no ensino da mesma. É importante observarmos que os apóstolos não estavam rejeitando o “servir às mesas das viúvas”. John R. W. Stott faz uma importante contribuição ao entendimento deste assunto ao dizer que “não há aqui nenhuma sugestão de que os apóstolos considerassem a obra social inferior à obra pastoral, ou de que a achassem pouco digna para eles. Era apenas uma questão de chamado. Eles não poderiam ser desviados de sua tarefa prioritária”.[7]

Charles R. Erdman sugere algumas idéias sobre a necessidade do diaconato na Igreja Cristã. Vejamos que:
(1) É dever óbvio da Igreja, em toda parte, provar às necessidades dos seus membros.
(2) Essa provisão exige clarividência e cautela, para que os que mais precisam não sejam omitidos.
(3) A administração de tais socorros precisa incluir contato e simpatia pessoais. Não é coisa que se deva fazer mecanicamente, ou porque seja praxe. São socorros que devem resultar em conforto espiritual e, se possível, devem levar as pessoas a ficar em condições de poder dispensá-los mais adiante.
(4) Esse trabalho requer a designação de oficiais especializados. “O ministro” deve ser desembaraçado das particularidades que cercam o levantamento e a aplicação de dinheiro entre os membros de sua Igreja.
(5) Ao ministro se deve permitir que se empregue seu tempo no estudo, na prédica e na oração.
(6) O socorro dos pobres, ou seja a assistência social, de qualquer que seja a natureza, jamais deve tomar o lugar do esforço evangelístico.
(7) Na Igreja todos os seus oficiais são “ministros” ou “servos”, na verdadeira acepção do termo; não são dominadores. E qualquer que seja a forma do serviço, devem procurar fazer dele um meio de testemunhar de Cristo, o que aliás vem sugerido nos episódios de Estevão e Filipe, dois diáconos cujo testemunho constitui uma parte significativa da história que se segue imediatamente.[8]

Notas:
[1] F.W. Gingrich & F.W. Danker, Léxico do N.T. Grego/Português (São Paulo, Ed. Vida Nova, 1993), p. 53
[2] J.H. Thayer, Thayer’s Greek-English Lexicon of the New Testament (Grand Rapids, Associeted Publishers and Authors Inc., 1889), p. 138
[3] Ibidem.
[4] William D. Mounce, The Analytical Lexicon to the Greek New Testament (Grand Rapids, Zondervam Publishing House, 1992), p. 138
[5] Louis Berkhof, Teologia Sistemática (Campinas, LPC, 1990), p. 591.
[6] Eusébio de Cesaréia, História Eclesiástica (Rio de Janeiro, CPAD, 1999), Livro 2. Cap. 1, p. 47
[7] John W.R. Stott, A Mensagem de Atos (São Paulo, Ed. ABU, 1994), p. 134
[8] Charles R. Erdman, Atos dos Apóstolos (São Paulo, Casa Editora Presbiteriana, 1960), pp. 58-59

Rev Ewerton B. Tokashiki