21 julho 2007

A manhã em que eu ouvi a voz de Deus

por John Piper

Deixem-me falar-lhes sobre uma experiência das mais maravilhosas que eu tive na manhã de segunda-feira, 19 de março de 2007, pouco depois das seis da manhã. Deus falou de verdade comigo. Não há nenhuma dúvida de que era Deus. Eu ouvi as palavras em minha cabeça com a mesma clareza com que a memória de uma conversa passa pela consciência. As palavras eram em inglês, mas elas tinham sobre si uma absoluta auto-autenticação da verdade. Eu estou certo sem a menor sombra de dúvida de que Deus ainda fala hoje.

Eu não conseguia dormir por alguma razão. Eu estava em Shalom House no norte de Minnesota em um retiro de casais. Eram aproximadamente cinco e trinta da manhã. Fiquei lá deitado decidindo se eu deveria me levantar ou esperar até que pegasse no sono novamente. Por Sua misericórdia, Deus me tirou da cama. Estava ainda muito escuro, mas eu consegui achar minha roupa, vesti-me, peguei minha pasta, e saí suavemente do quarto sem acordar Nöel [esposa de John Piper – N.T.]. Na sala principal lá embaixo, estava tudo absolutamente tranqüilo. Ninguém mais parecia estar acordado. Assim eu me sentei em um sofá num canto para orar.

Enquanto eu orava e meditava, de repente aconteceu. Deus disse, "venha e veja o que eu fiz." Não havia a menor dúvida em minha mente de que estas eram mesmo palavras de Deus. Naquele mesmo instante. Naquele mesmo lugar no século vinte e um, no ano 2007, Deus estava falando comigo com autoridade absoluta e realidade auto-evidenciada. Eu parei para tentar entender a dimensão do que estava acontecendo. Havia uma doçura naquilo tudo. O tempo parecia ter pouca importância. Deus estava próximo. Ele estava me vendo. Ele tinha algo a dizer para mim. Quando Deus se aproxima, a pressa deixa de existir. O tempo pára.

Eu queria saber o que ele quis dizer com "venha e veja". Ele me levaria a algum lugar, como fez com Paulo levando-o ao céu para ver aquilo que não pode ser descrito? Será que "ver" significava que eu teria uma visão de alguma grande obra de Deus que ninguém jamais havia visto? Não estou certo de quanto tempo decorreu entre a palavra inicial de Deus, " Venha e veja o que eu fiz", e as palavras seguintes. Não importa. Eu estava sendo envolvido no amor da comunicação pessoal com Ele. O Deus do universo estava falando comigo.

Então ele disse, tão claramente quanto qualquer palavra que alguma vez tenha entrado em minha mente: "Fiz coisas tremendas para com os filhos dos homens!". Meu coração acelerou, "Sim, Senhor! Tu és tremendo em todas as tuas obras. Sim, para com todos os homens quer eles percebam isto ou não. Sim! E agora? O que mais me mostrarás?"

As palavras vieram novamente. Tão claramente quanto antes, mas cada vez mais específicas: "Converti o mar em terra seca; atravessaram o rio a pé; ali, eles se alegraram em Mim". De repente percebi que Deus estava me levando de volta milhares de anos no tempo, até a época em que ele secou o Mar Vermelho e o Rio Jordão. Eu estava sendo transportado na história, pela palavra dEle, até essas grandes obras. Era isso que Ele queria dizer quando disse "Venha e veja". Ele estava me conduzindo ao passado pelas Suas palavras até essas duas gloriosas obras que ele fez diante de crianças e homens. Estas eram as "coisas tremendas" a que Ele havia se referido. O próprio Deus estava narrando as poderosas obras de Deus. Ele estava fazendo isso para mim. Ele fazia isto com palavras que estavam ressoando em minha própria mente.

Então me cobriu uma maravilhosa reverência. Uma palpável paz desceu sobre mim. Este era um momento santo e um lugar santo do mundo ali no norte de Minnesota. O Deus Todo-Poderoso tinha descido e estava me dando a quietude, a abertura e a disposição de ouvir a Sua voz. Enquanto eu me maravilhava do Seu poder para secar o mar e o rio, ele falou novamente: "Os meus olhos vigiam as nações, não se exaltem os rebeldes."

Isso era empolgante. Era muito sério. Era quase uma repreensão. No mínimo uma advertência. Ele poderia da mesma forma ter me arrastado pelo colarinho, me erguido do chão com uma mão, e ter dito, com uma mistura incomparável de ferocidade e amor, "Nunca, nunca, nunca te exaltes a ti mesmo. Nunca te rebeles contra mim."

Eu sentei, olhando para o vazio. Minha mente estava cheia da glória universal de Deus. "Meus olhos vigiam as nações." Ele tinha dito isto para mim. Não era só que ele tinha dito. Sim, isso já seria glorioso. Mas ele tinha dito isto para mim. As próprias palavras de Deus estavam em minha cabeça. Elas estavam lá em minha cabeça da mesma maneira que as palavras que eu estou escrevendo neste momento estão na minha cabeça. Elas foram ouvidas tão claramente quanto se neste momento eu recordasse que minha esposa havia dito, "Desça para jantar assim que estiver pronto." Eu sei que aquelas são palavras da minha esposa. E eu sei que estas são palavras de Deus.

"O Deus Todo-Poderoso tinha descido e estava me dando a quietude, a abertura e a disposição de ouvir a Sua voz."

Pense nisso. Maravilhe-se com isso. Trema diante disso. O Deus cujos olhos vigiam as nações, como algumas pessoas vigiam o gado ou o mercados de ações ou locais de construção - esse Deus ainda fala no século vinte e um. Eu ouvi as próprias palavras dEle. Ele falou pessoalmente comigo.

Que efeito teve isso sobre mim? Encheu-me de um senso renovado da realidade de Deus. Assegurou-me mais profundamente de que ele age na história e no nosso tempo. Fortaleceu minha fé de que ele é por mim e cuida de mim e usará o seu poder universal para tomar conta de mim. Por que mais ele viria e me contaria essas coisas?

Aumentou meu amor pela Bíblia como a verdadeira palavra de Deus, porque foi pela Bíblia que eu ouvi estas palavras divinas, e através da Bíblia eu tenho experiências como estas quase diariamente. O próprio Deus do universo fala em cada página à minha mente – e à sua mente também. Nós ouvimos as Suas próprias palavras. Deus mesmo multiplicou as Suas obras e Seus pensamentos maravilhosos para nós; ninguém pode se comparar a ele! Eu quisera anunciá-los e deles falar, mas são mais do que se pode contar. (Salmo 40:5).

E, melhor de tudo, eles estão disponíveis a todos. Se você quiser ouvir as mesmas palavras que eu ouvi no sofá no norte de Minnesota, leia o Salmo 66:5-7. Foi ali que eu as ouvi. Quão preciosa é a Bíblia. É a própria palavra de Deus. Nela Deus fala em pleno século vinte e um. Ela é a própria voz de Deus. Por esta voz, Ele fala com verdade absoluta e força pessoal. Por esta voz, Ele revela a Sua transcendente beleza. Por esta voz, Ele revela os segredos mais profundos de nossos corações. Nenhuma voz pode em qualquer lugar e a qualquer tempo ir tão fundo ou erguer-se tão alto ou levar tão longe quanto a voz de Deus que nós ouvimos na Bíblia. É uma grande maravilha que Deus ainda fale hoje através da Bíblia com maior força, maior glória, maior certeza, maior doçura, maior esperança, maior orientação, maior poder transformador e maior verdade cristocêntrica do que pode ser ouvida de qualquer voz em qualquer alma humana no planeta fora da Bíblia.

É por isso que fiquei triste com o artigo "My Conversation with God" ("Minha Conversa com Deus" – N.T.) na Christianity Today (Cristianismo Hoje – N.T.) deste mês. Escrito por um professor anônimo de uma "conhecida Universidade Cristã", conta a sua experiência de ouvir Deus. O que Deus disse era que ele deveria dar todos os royalties de um novo livro para pagar os estudos de um estudante necessitado. O que me deixa triste sobre o artigo não é que não é verdade ou que não aconteceu. O que me entristece é que realmente dá a impressão de que a comunicação extra-bíblica com Deus é infinitamente maravilhosa e fortalecedora da fé. O tempo todo, a supremamente gloriosa comunicação do Deus vivo que pessoalmente e poderosamente e transformadoramente explode todos os dias no coração receptivo através da Bíblia é ignorada em absoluto silêncio.

Tenho certeza que esse professor de teologia não quis dizer isso deste modo, mas o que ele disse de fato foi: "Durante anos ensinei que Deus ainda fala hoje, mas não pude testemunhar isso pessoalmente. Eu só posso fazer isso agora de forma anônima, por razões que eu espero fiquem claras" (ênfase acrescentada por Piper). Certamente ele não quer dizer o que ele parece inferir – que somente quando a pessoa ouve uma voz extra-bíblica como, "O dinheiro não é seu", você pode testemunhar pessoalmente que Deus ainda fala. Seguramente ele não pretende depreciar a voz de Deus na Bíblia que fala neste mesmo dia com poder, verdade, sabedoria, glória, alegria, esperança, maravilha e utilidade, dez mil vezes mais decisivamente que qualquer coisa que possamos ouvir fora da Bíblia.

Eu me aflijo com o que está sendo comunicado aqui. A grande necessidade de nosso tempo é que as pessoas experimentem a realidade viva de Deus ouvindo a Sua Palavra pessoalmente e de forma transformadora nas Escrituras. Algo está inacreditavelmente errado quando as palavras que nós ouvimos fora da Bíblia são mais poderosas e mais influentes para nós do que a Palavra inspirada de Deus. Clamemos com o salmista: "Inclina-me o coração aos teus testemunhos (Salmo 119:36)". "Desvenda os meus olhos, para que eu contemple as maravilhas da tua lei (Salmo 119:18)". Que sejam iluminados os olhos do vosso coração, para saberdes qual é a esperança do seu chamamento, qual a riqueza da glória da sua herança nos santos e conheçais o amor de Cristo, que excede todo entendimento, para que sejais tomados de toda a plenitude de Deus (Efésios 1:18; 3:19). Ó Deus, não nos deixes sermos tão surdos à tua Palavra e tão indiferentes à Sua inefável excelência evidencial a ponto de celebramos coisas menores como mais emocionantes, e até mesmo considerarmos esse maravilhar-se completamente fora de lugar merecedor de ser impresso em uma revista de circulação nacional.

Ainda ouvindo a Sua voz na Bíblia,
Pastor John Piper

Extraído de http://www.bomcaminho.com/jp001.htm

20 julho 2007

Por amor da verdade: julgue!

Cada vez mais tenho percebido que os "evangélicos" e seus líderes estão vivendo um estranho evangelho sem entendimento e subjetivista. O emocionalismo dita o comportamento e, no final de tudo é só atribuir ao Espírito Santo, que ninguém terá a ousadia de questionar! Qualquer critério que possibilite uma honesta verificação dos fatos é anulada, simplesmente porque não podemos julgar! Exercer a mente usando a Escritura, a nossa única regra de fé e prática, nos autoriza a encontrar a verdade e exige que julguemos com integridade e, assim desprezemos todo erro que tenha origem no meio do povo de Deus.

Situação bem recente e que se delongará é o modismo das "unções". Sinceramente não encontro na minha Bíblia estas tais unções modernas. Reli estas páginas amassadas várias vezes e, algumas outras com uma concordância exaustiva, mas é pavoroso como o que se ensina e pratica por aí como "unção" hoje é tão diferente do que os profetas e apóstolos experimentaram. Pelo menos Jesus não recebeu nenhuma "unção" do cajado, do sapatinho de fogo, do riso, do cair, do rolar, [engatinhar] do leão, etc.. Temo até mesmo o imaginar o Santo de Israel se comportando de modo tão ridículo! O meu Salvador nunca fez papel de palhaço, nem perdeu a sua integridade em momento algum. Se devo ser Seu imitador, então não posso desonrá-Lo.

Mas, se alguém com um pouco de bom senso questiona, se pronunciando quanto aos absurdos de líderes evangélicos que têm manipulado os membros de suas comunidades, então, logo a resposta surge, quase que decorado: quem somos nós, não podemos julgar ninguém! Quando o Senhor Jesus advertiu contra o juízo temerário (Mt 7:1-5), Ele não estava declarando pecaminoso e proibido toda e qualquer forma de juízo. Ele não nos ordenou que nos tornássemos subjetivistas e anulássemos o nosso entendimento passando a adotar um pluralismo epistemológico. O amado de minha alma me desafia a julgar pelo que é justo (Lc 12:57); bem como que DEVO julgar segundo a reta justiça (Jo 7:24). Por isso, não posso ser omisso diante dos absurdos, dos comportamentos esquizofrênicos, e ensinamentos de um evangelho que não é o Evangelho do meu Jesus, conforme as Escrituras Sagradas. Dentro do contexto de Mt 7:1-5, no verso 6, Ele mesmo nos induz a discernir o que/quem é cão e porco [palavras desamorosas?] para que não se desperdice a graça de Deus. Julgar não é pecado! Afinal o próprio Deus exerce juízo. Ele mesmo nos ordena exercer o discernimento, que diga-se de passagem é o dom mais ignorado, e talvez o mais odiado hoje em dia. Ao exercer o "discernimento" você inevitavelmente julga, ou não julga?

O Senhor Jesus Cristo julgou os escribas e fariseus pelo seu comportamento hipócrita e doutrinariamente distorcido (Mt 23:1-36). Se o julgar não é o papel de um homem de Deus, então creio que tanto os profetas do Antigo Testamento como Cristo e os apóstolos devem ser despidos deste título! Creio que os crentes deveriam ler a Bíblia mais atentamente. Talvez, a mentalidade mundana pós-moderna seja incapaz de tolerar o julgamento inspirado dos escritores da Escritura Sagrada.

Vou ficar com a minha Bíblia e desprezo toda e qualquer experiência subjetiva e duvidosa que queira se colocar no mesmo pé de igualdade que a autoridade das Escrituras. Insisto que SOMENTE A ESCRITURA SAGRADA É A ÚNICA REGRA DE FÉ E PRÁTICA. Vou continuar lendo e me alimentando com a única e verdadeira Palavra de Deus. Não perco o meu tempo interpretando e espiritualizando gente que quer gritar, rolar, vomitar [!], cair, desmaiar, engatinhar, sapatear, etc., e ainda assim dizem que estas aberrações são obra do poder e santificação do Espírito Santo! Negar o poder do Espírito é perigoso, mas atribuir ação da carne e, talvez, de demônios, ao Espírito Santo é mais perigoso ainda (Ap 22:18-19). E o ponto de referência para se discernir o que é acréscimo ou descrécimo da verdadeira obra do Espírito Santo é a ESCRITURA SAGRADA e não as experiências.

Não estou criticando apenas por mero prazer, ou, por comodidade. Os evangélicos deveriam ler, ou talvez reler mais atentamente alguns textos do Novo Testamento que falam do dever dos verdadeiros cristãos lutarem pela pureza da fé que lhes foi entregue pelo Senhor Jesus (Gl 1:6-9; Fp 1:15-17; Cl 2:8-9; 2Ts 2:9-12; 1 Tm 1:18-20; 1 Tm 4; 1 Tm 6:1-5; 2 Tm 2:14-26; Tt 1:10-16;2 Pe 2; 1 Jo 4:1-6; 2 Jo vs. 7-11; Jd vs. 3-4). São advertências contra gente que estava dentro da Igreja, e todavia, ensinavam coisas estranhas ao Evangelho de Jesus. Os apóstolos, inspirados pelo Espírito Santo, nos ordenam discernir, resistir, refutar e acusar o erro e todo desvio e, ao mesmo tempo firmar a verdade da Palavra deDeus.

Exorto a todos os que amam ao Senhor Jesus Cristo que se arrependam do seu desvio doutrinário e voltem ao puro e antigo Evangelho, e amem e obedeçam somente o ensino da Escritura Sagrada (2 Tm 4:1-5).

Rev. Ewerton B. Tokashiki

12 julho 2007

Sobre a última declaração do Papa

Não sei porquê tem gente se surpreendendo com a última declaração do Papa Bento XVI?! Penso ser ignorância histórica ou ingenuidade voluntária. A Igreja Romana nunca arredou um milímetro de sua opinião acerca de si mesma, e sobre os protestantes, mesmo quando fez política da boa vizinhança durante o Concílio Vaticano II. Tanto a posição teológica quanto a prática moral dos papistas tem demonstrado no que eles diferem, e radicalmente constrastam dos protestantes durante todos estes séculos.[1]

O Movimento Ecumênico iniciado a partir da Conferência Missionária de Edinburgh, em 1910, e promovido majoritariamente pelos protestantes de orientação teológica liberal (com todas as suas variantes e elasticidades do termo)[2] desejam manter uma relação de mútuo reconhecimento de "irmandade" com a Igreja Católica Apostólica Romana. Pois é, depois desta declaração do Joseph Ratzinger, descobriram que deram "um tiro no próprio pé"! Em vez de receberem a benção papal, levaram um coice desprevenidos.

Os romanistas nunca prometeram, oficialmente ex cathedra, o reconhecimento do protestantismo, ou de qualquer outro ramo histórico ocidental ou oriental do Cristianismo, como membro da "verdadeira" Igreja.[3] O historiador David S. Schaff observa que "os protestantes sustentam que há unidade onde haja obediência a Cristo; o romanista pensa que há unidade onde haja obediência ao papa. Leão XIII, em sua encíclica sobre a unidade da Igreja, acompanhou os seus predecessores, Bonifácio VIII e Leão X, ensinando que a unidade de comunhão - unitas communionis - acompanha a unidade da fé e unidade de governo - unitas regiminis - pelos quais se entendem o sistema doutrinário romano e o governo papal".[4] O máximo que fizeram foi nos chamar de "irmãos separados", mas deve-se ao fato da influência de teólogos da ala progressista ser influente na comissão de relações ecumênicas durante o Concílio Vaticano II.

A opinião do atual Papa quanto ao Ecumenismo não é novidade! O maior ataque de Ratzinger contra o diálogo inter-religioso foi a declaração da Congregação para a Doutrina da Fé Dominus Iesus, de 2000, que abriu uma brecha profunda entre as denominadas igrejas cristãs, ao mesmo tempo em que dinamitou todas as pontes que estavam se estabelecendo entre a Igreja Católica e as diferentes religiões. Ratzinger afirmava ali que a igreja católica é “a Igreja verdadeira” e que as “igrejas particulares” (ortodoxas) e as comunidades eclesiais (protestantes) “não são Igreja em sentido próprio” (n. 17). Não era de se esperar que ele mudasse de opinião, nem que intentasse mudar esta doutrina, sendo ele mesmo a autoridade máxima da Igreja Católica.

Os protestantes são chamados pela Igreja Romana de comunidades eclesiais separadas. Desde os dias do Concílio Vaticano II o critério de apreciação das Igrejas Protestantes era muito simples: a proximidade ou distanciamento da doutrina sacramentalista e sacerdotal romana define como os papistas devem julgar todos os protestantes.[5] Segundo a cúria católica os protestantes não são reconhecidos como participantes da verdadeira Igreja, porque não são propriamente uma igreja; por não possuirem sacramentos reconhecidos, nem uma ordenação que descende a sucessão apostólica.

A Igreja Católica Romana não pode usurpar a prerrogativa de ser a verdadeira Igreja enquanto negar os sola's da Reforma. Esta corrompida instituição não pode apresentar-se como a autoridade reguladora final, roubando das Escrituras a posição que pertence somente a Palavra de Deus. Ela é impotente de assumir o papel de dispenseira da graça, pelos sacramentos ou qualquer outro meio, enquanto negar a suficiência e eficiência da graça para salvar o pecador. Nem mesmo pode atribuir ao seu sumo Pontíficie, o Papa, o papel de vigário de Cristo, negando a perfeição da obra redentora do Filho de Deus. Não pode apresentar-se como detentora da fé, acrescentando méritos pessoais e superstições ao puro evangelho. É inconcebível que ela declare que a sua liturgia e missa, quer em língua vulgar ou em latim, é o único culto aceito, enquanto negar que toda glória, honra e adoração sejam dadas exclusivamente ao soberano e trino Deus.

Notas:
[1] O estudo apologético realizado por Loraine Boettner, Catolicismo Romano (São Paulo, Imprensa Batista Regular, 1985) demonstra este distanciamento irredutível.
[2] Uma obra esgotada, mas muito interessante para se conhecer o desenvolvimento histórico de como o Ecumenismo se processou no Brasil, é o livro publicado pela ASTE sob o título de O Catolicismo Romano - um simpósio protestante (São Paulo, ASTE, 1962). São as teses escritas que foram entregues num dos simpósios promovidos pela ASTE, instituição que dispensa apresentações, nos dias 5 a 9 de Novembro de 1959. Na época o presidente desta editora era o Rev. Júlio A. Ferreira, pastor da IPB. As 8 palestras possuem um tom ecumênico, sendo um dos articulista um católico dominicano, e os demais membros de denominações do protestantismo histórico como Igreja Metodista do Brasil, Igreja Evangélica Luterano do Brasil, Igreja Evangélica da Confissão Luterana, Igreja Anglicana do Brasil, Igreja Presbiteriana Independente do Brasil e o conhecido Rubem A. Alves, então pastor da Igreja Presbiteriana do Brasil.
[3] Há muitos oficiais da Igreja Católica que defendem a prática do Ecumenismo, entretanto, não representam coerentemente o pensamento tradicional romanista. Adeptos desta posição alguns livros-textos podem ser mencionados como Francis S. Fiorenza - John P. Galvin, Teologia Sistemática - Perspectivas Católico-Romanas (São Paulo, Editora Paulus, 1997), 2 vols..
[4] David S. Schaff, Nossa Crença e a de Nossos Pais (São Paulo, Imprensa Metodista, 2a.ed., 1964), pág. 208.
[5] José Grau, Catolicismo Romano - origenes y desarrollo (Barcelona, Ediciones Evangélicas Europeas, 2a.ed., 1990), vol. 2, pág. 1144.

09 julho 2007

O significado da palavra "indigno" em 1 Co 11:27

A palavra grega traduzida por indignamente (anaziôs) é uma hapax legomena.[1] Em outras palavras, em todo o Novo Testamento ela somente ocorre nesta passagem. Se Paulo quisesse exigir um caráter digno dos participantes da Ceia em Corinto, teria empregado a palavra anaziós e não anaziôs. A diferença entre as duas é realmente pequena, se limita apenas a um trocadilho entre as vogais ómicron e ômega. Todavia, a palavra anaziós é um adjetivo, o que qualificaria o caráter do participante. Enquanto que anaziôs é um advérbio que descreve o modo da ação do participante.

Por ser uma hapax legomena dificulta uma análise comparativa da palavra pelo número de ocorrências. Entretanto, é possível fazê-lo de seu antônimo. Pode-se concluir que, enquanto a palavra anaxiôs é “agir de modo digno”, a palavra anaziôs significa “agir de modo indigno”. O articulista E. Tiedtke observa que “nas epístolas, axios freqüentemente tem o significado de ‘apropriado’, ‘de acordo com’. Este uso é especialmente evidente no uso do adv. axios nas exortações que exigem a maneira de vida à altura do evangelho de Cristo (Fp 1:27), do Senhor (Cl 1:10; 1 Ts 2:12), ou da nossa vocação (Ef 4:1). De modo semelhante em 1 Co 11:27, Paulo adverte contra a celebração da Ceia do Senhor de modo indigno (anaziôs). Não é tanto uma exigência de qualidades morais nos participantes, mas, sim, procurar um modo de vida de acordo com o evangelho, i.é, o amor mútuo (cf. o contexto, 1 Co 11:17-34).”[2]

O advérbio “indignamente” possui na língua portuguesa um sentido moral que não corresponde com exatidão ao significado da palavra grega anaziôs. O Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa fornece as seguintes explicações dos verbetes correlatos: desprezível, torpe, inconveniente, impróprio. Neste caso, somente a palavra “impróprio” aproxima-se do significado original. Por isso, traduzir anaziôs por indignamente, como ocorre na Versão Revista e Atualizada, embora esteja correto, não esclarece completamente o seu sentido original. Na língua portuguesa a palavra indigno tem a sua origem no latim, significa “algo que não convém, indigno, que não merece, não merecedor, injusto, vergonhoso, infamante.”[3] Daí o entendimento popular, de que para participar da Ceia do Senhor a pessoa necessita ser “digna”, subentendendo as suas virtudes pessoais, ou boa conduta como mérito.

A palavra anaziôs não sugere mérito pessoal do participante. Esta palavra simplesmente acusa a maneira como se procedeu. Spiros Zodhiates comenta que este verbete grego significa “indignamente, irreverente, de uma maneira indigna (1 Co 11:27, 29), tratando a Ceia do Senhor como se fosse um alimento comum, sem atribuir-lhe, e aos seus elementos o valor próprio.”[4]

Notas:
[1] Algumas versões que adotam o Texto Majoritário (Zane C. hodges & Arthur L. Farstad, The Greek New Testament According to the Majoritary Text [Nashville, Thomas Nelson Publishers, 2a.ed., 1985], pág. 532) trazem no verso 29 o acréscimo “indignamente” (Edição Revista e Corrida da Imprensa Bíblica Brasileira, a Edição Contemporânea da Editora Vida e a Edição Corrigida e Revisada da Sociedade Bíblica Trinitariana do Brasil). Gordon Fee observa que “esta adição e a que segue são intentos compreensíveis para conformar esta oração ao vs. 27, mas ao fazê-lo alteram consideravelmente o sentido.” Gordon Fee, Primera Epistola a los Corintios (Buenos Aires, Nueva Creación, 1994), p. 632
[2] E. Tiedtke, in: Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento (São Paulo, Ed. Vida Nova, 2ª ed., 2000) vol.2, p. 2106.
[3] Ernesto Faria, Dicionário Escolar Latino-Português (Rio de Janeiro, FAE, 1994) p. 274.
[4] Spiros Zodhiates, ed., The Complete Word Study Dictionary New Testament (Chattanooga, 1993), p. 156. Outro dicionário diz “não correspondendo ao que poderia acontecer – impropriedade, de uma maneira imprópria, alguém que come do pão e bebe do cálice do Senhor de uma maneira imprópria 1 Co 11:27” in: J.P. Louw & E.A. Nida, eds., Greek-English Lexicon of the New Testament Based on Semantic Domains (New York, United Bible Societies, 2ªed., 1989), p. 628.

04 julho 2007

Análise comparativa de 1 Co 11:27

A constatação do apóstolo Paulo de que os cristãos coríntios participavam da Ceia do Senhor de maneira indigna tem trazido divergência de interpretação quanto ao seu exato significado. Algumas dessas interpretações serão expostas a seguir numa análise comparativa.

Thomas C. Oden prefere uma interpretação moral para indignamente. Em vez de recorrer a palavra grega original, ou, ao contexto próximo da passagem, ele busca uma relação com a desqualificação moral do caráter de alguns cristãos coríntios. Citando alguns versículos Oden concebe a seguinte ponte “aqueles que tem um procedimento desordenado são admoestados (2 Ts 3:6-15). Alguns ‘devem examinar a si mesmos antes de comer do pão e beber do cálice. Pois o que come e bebe sem discernir o corpo do Senhor, come e bebe juízo para si’ (1 Co 11:28-29). Paulo especificamente instrui os coríntios que ele não deveriam comer ‘com alguém que chamasse a si mesmo de irmão, mas que era sexualmente imoral ou ganancioso, um idólatra ou um caluniador, beberrão ou mentiroso’ (1 Co 5:11).”[1] Entretanto, o advérbio indignamente refere-se ao modo da ação, não especificamente ao caráter do agente.

Leon Morris sugere que a participação digna da Ceia deve ser com fé. Ele declara que “mas noutro sentido podemos vir dignamente, isto é, com fé, e com a devida realização de tudo que é pertinente a tão solene rito. Negligenciar nisto é vir indignamente no sentido aqui censurado.”[2] Todavia, os que participavam da Ceia não estavam sendo reprovados por sua falta de fé. Nem por permitirem a participação de incrédulos. A sua reprovação era por desprezar o cerimonial da Ceia e a comunhão dos irmãos.

O teólogo da antiga Princeton Charles Hodge defende que a participação indigna significa participar com espírito negligente e irreverente. Ele diz que “se a Ceia do Senhor é em sua própria natureza uma proclamação da morte de Cristo, conseqüentemente que os que participam dela como se fosse uma comida ordinária, ou de maneira irreverente, ou com qualquer outro propósito que o moveu a realizá-la, são culpados do corpo e do sangue do Senhor.”[3] Em seguida define dizendo que “comer ou beber indignamente é, em geral, vir a mesa do Senhor com espírito negligente e irreverente; sem intenção nem desejo de comemorar a morte de Cristo como sacrifício por nossos pecados, e sem o propósito de cumprir as obrigações que com ela contraímos.”[4] Hodge cai no erro de interpretar a participação indigna como sendo um problema subjetivo.

O comentarista F.W. Grosheide relaciona o significado da indignidade ao errôneo uso da Ceia. Ele argumenta que “indignamente: isto implica que uma certa dignidade, ou valor está relacionado com o pão e o cálice. Aquele que os utiliza sem levar em conta o seu valor, os usa de um modo indigno, ou seja, não está de acordo com o seu valor. Um tão indigno uso os coríntios fizeram da Comunhão quando serviram-na, seguida duma festa do amor unida pela discórdia.”[5] Embora Grosheide capte o significado original da palavra indignamente, ele o erra em sua aplicação. Defende que o erro dos coríntios era ter a Ceia do Senhor como sendo de inferior valor, por realizá-la após uma festa. Deve-se notar que ele pressupõe um modelo de ceia greco-romana. A igreja de Corinto teria apenas feito uma ligeira adaptação para celebrar a Ceia do Senhor após a refeição principal. Como nas refeições greco-romanas, a principal e mais importante era a primeira refeição, servida para a nutrição, a que era servido em seguida objetivava encerrar o jantar, mas não tinha valor nutritivo. Esta concepção torna-se insustentável pelo fato, que não é provável que a Igreja Primitiva tenha mudado a sua prática litúrgica tão cedo, abandonando o modelo da ceia pascal judaica, pela ceia greco-romana. A história aponta para a preservação da tradição original, pelo menos nos primeiros dois séculos.[6]

C.K. Barret interpreta que o indignamente é posicionar-se com hostilidade aos irmãos durante a Ceia. Barret declara “o que Paulo entende por indignamente é explicado pelos versos 21 em diante; ele pensa das falhas morais de partidarismo e ganância que marcavam a reunião dos coríntios.”[7] Continua esclarecendo que “comer e beber indignamente (no sentido indicado acima) é contradizer tanto o propósito da auto-entrega de Cristo, e o espírito no qual foi feito, e situar-se entre aqueles que foram responsáveis pela crucificação, e não entre aqueles que pela fé receberam o seu fruto.”[8] A segunda citação possuí uma implicação lógica que é verdadeira. Mas, ela não se encontra de modo objetivo na passagem (11:17-34). Logo, não é possível incluí-la como um aspecto da indignidade que Paulo estava reprovando.

John F. MacArthur Jr. sustenta que a indignidade refere-se a uma depreciação da cerimônia. Comenta que “vir indignamente à Comunhão é uma simples desonra a cerimônia; é uma desonra Àquele a quem a honra é celebrada. Tornamo-nos culpados de desonrar o seu corpo e sangue, que representam a Sua obra e completa graça por nós, Seu sofrimento e morte em nosso favor.”[9] A interpretação de MacArthur é parcial. Ao expor que os coríntios estavam desonrando a cerimônia, omite os abusos cometidos entre os cristãos coríntios (cf. vs. 17-22, 33-34).

Simon Kistemaker prefere uma interpretação inclusiva. Reconhece que há uma variada gama de definições acerca do significado da maneira indigna que a Ceia foi realizada. Simplesmente prefere assumir que "talvez Paulo tenha pretendido que o advérbio indignamente fosse interpretado de modo mais amplo possível. É verdade que alguns dos coríntios mostravam falta de amor, enquanto outros deixaram de distinguir entre a festa de fraternidade e a observância da Santa Ceia. Ambos estavam errados, e Paulo os confronta. Mas o texto tem uma mensagem para a Igreja universal, também. Os cristãos nunca devem considerar a celebração um mero ritual. Ao contrário, os crentes sinceros devem aguardar com alegria a Ceia do Senhor. Os cristãos devem confessar não serem dignos por causa do pecado, mas terem sua posição de dignidade por causa de Cristo. Paulo não está exigindo perfeição antes que se permita aos crentes virem à mesa da comunhão. Ele defende um estilo de vida governado pelas reivindicações do evangelho de Cristo, e que tribute o mais alto louvor a Deus."[10] É possível que Kistemaker tenha razão. Mas, parece que a passagem trata de um problema bem específico. Entretanto, pelo fato do apóstolo exigir um auto-exame, e indicar a ocorrência de disciplinas distintas, e por fim fazer uma recomendação dirigida a mutualidade (esperai uns pelos outros, vs. 33), é mais correto pensar que a participação indigna na Ceia também poderia ser um problema específico.

Notas:
[1] Thomas C. Oden, Life in the Spirit: Systematic Theology (Peabody, Prince Press, 2001), vol. 3, p. 326.
[2] Leon Morris, 1 Coríntios Introdução e Comentário (São Paulo, Ed. Vida Nova e Mundo Cristão, 1988), p. 131.
[3] Charles Hodge, Comentário de 1 Corintios (Edinburg, El Estandarte de la Verdad, 1996), p. 212.
[4] Charles Hodge, Comentário de 1 Corintios, p. 213.
[5] F.W. Grosheide, Commentary on the First Epistle to the Corinthians (Grand Rapids, Wm. B. Eerdmans Publishing Company, 1953), pp. 273-274.
[6] Justino (100-165 d.C) descreve a celebração da Ceia da seguinte forma “depois àquele que preside aos irmãos é oferecido pão e uma vasilha com água e vinho; pegando-os, ele louva e glorifica ao Pai do universo através do nome do Filho e do Espírito Santo (...) depois que o presidente deu ação de graças e todo o povo aclamou, os que entre nós se chamam ministros ou diáconos dão a cada um dos presentes parte do pão e do vinho e da água sobre os quais se pronunciou a ação de graças e os levam aos ausentes.”Justino de Roma, 1 Apologia in: Patrística (São Paulo, Ed. Paulus, 1995), pp. 81-82.
[7] C.K. Barret, The First Epistle to the Corinthians (Peabody, Hendrickson Publishers, 1996), p. 272.
[8] C.K. Barret, The First Epistle to the Corinthians, p. 273.
[9] John F. MacArthur, Jr., The MacArthur New Testament Commentary 1 Corinthians (Chicago, Mood Press, 1984), p. 274.
[10] Simon Kistemaker, Comentário do Novo Testamento: 1 Coríntios (São Paulo, Ed. Cultura Cristã, 2004), p. 557.