1. Assim, pela lei, vemos a necessidade de redenção; agora precisamos considerar a verdade da redenção no evangelho.
2. O evangelho é as boas novas, ou ensino concernente ao Filho de Deus, que foi enviado ao mundo, de modo que, depois que assumisse a nossa natureza, ele pudesse sujeitar-se à maldição da lei em nosso lugar e pela sua perfeita obediência à ela, conquistasse a vida eterna por nós.
PROPOSIÇÕES
I. O evangelho é como a lei em ter as mesmas causas eficiente e instrumental: Deus e a palavra escrita. Eles diferem com respeito a externa causa instrumental; a lei foi obviamente dada mediante Moisés, e o evangelho por meio de Cristo; deste modo, eles diferem naquilo que a lei é também conhecida ao homem natural, e onde o evangelho é conhecido somente pela graciosa revelação de Deus.
II. Eles são similares por causa do seu comum conteúdo. Ambos exigem a obediência com promessas e com ameaças. Eles diferem por causa do especial conteúdo de cada um: a lei primariamente ensina o que deve ser feito, o evangelho, o que deve ser crido.
III. Eles são similares por causa de sua comum forma: ambos um modelo de perfeita obediência. Eles diferem por causa da especial forma de cada um: a lei ensina o que é perfeita retidão, agradável a Deus; o evangelho ensina onde e em quem podemos encontrar aquela perfeita retidão. A lei nos exige esta retidão; o evangelho a apresenta em Cristo.
IV. Eles são similares por causa de seu propósito final, que é a glória de Deus, e, o próximo em importância, que é a nossa salvação, que pode ser percebida em ambos. Eles diferem em seu especial propósito. A lei dá uma direção para buscarmos a Cristo; o evangelho nos revela Cristo.
V. Eles têm similaridade em seu comum objeto, isto é, o homem caído. Eles diferem em seu especial objeto. O especial objeto da lei é que o homem seja advertido e humilhado.
VI. Eles são similares por causa do comum complemento, santidade, bondade e perfeição, que são consideradas em si mesmos, cada um tendo igualmente. Eles diferem por causa da explicação de circunstâncias particulares, e de nossas fraquezas, a lei sem o evangelho não seria suficiente para salvar.
VII. Do que foi afirmado acima pode ser percebido naquele sentido que, na Escritura, a lei é oposta ao evangelho, e que naquele sentido ela é subordinada à ele.
VIII. Quando homens são considerados como não-regenerados ou regenerados, então, a lei e o evangelho precisam ser entendidos como opostos; quando os homens são considerados como regenerados, então a lei deve ser subordinada ao evangelho.
Tal é a oposição indicada pelo apóstolo: “não estais debaixo da lei, e sim, debaixo da graça” (Rm 6:14, ARA). Aqui ele aponta para o estado do homem antes e depois da regeneração. Do homem incrédulo é afirmado estar “sob a lei”, porque (1) ele é sujeito à maldição da lei; (2) ele é sujeito à severidade da lei, pela qual ela exige a perfeita retidão e obediência; e, (3) por isso, ele olha para a ocasião de pecar como explicação da lei, de acordo com o provérbio: “o pecado, tomando ocasião pelo mandamento, despertou em mim toda sorte de concupiscência; porque, sem lei, está morto o pecado.” (veja Rm 7:8, ARA).
Do homem fiel é afirmado que está debaixo da graça porque (1) ele está livre da maldição da lei; (2) ele está livre da severidade da lei e das exigências da perfeita retidão, desde que Cristo a satisfez; e (3) por isso ele está livre do pecado governando-o, de modo que, ele não cobiça desejos pecaminosos sobre a conta da lei, pelo contrário, começa a fazer o que a lei requer, através do Espírito Santo e por causa da sua gratidão.
A lei é apresentada como subordinada ao evangelho quando Cristo é chamado de “o fim da lei” (Rm 10:4); e a lei é “um tutor até Cristo” (Gl 3:24), e onde a lei diz para que não seja oposta, quem realiza as obras do espírito (Gl 5:22-23). De fato, o evangelho concede ao homem fiel, em Cristo, todas as justiças que a lei requer. E, embora não sejamos capazes de satisfazer a lei nesta vida, todavia, o novo nascimento, através do dom da santificação, iniciará a fazê-lo.
Extraído de John W. Beardslee III, Reformed Dogmatics: seventeenth-century Reformed Theology through the Writings of Wollebius, Voetius, and Turretin (Grand Rapids, Baker Books, 1977), pp. 85-86.
O labor teológico de quem se preocupa em oferecer a sistematização e aplicabilidade das Escrituras para a proclamação do Reino de Deus
11 dezembro 2013
O EVANGELHO E LEI - SIMILARIDADE E DIFERENÇA - Johannes Wollebius
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Ministro presbiteriano, escritor, tradutor, revisor e professor de teologia
27 novembro 2013
Johannes Wollebius e o seu Compedium Theologiae Christianae
John W. Beardslee III traduziu o pequeno manual de dogmática de Johannes W. Wollebius, e ofereceu em sua introdução uma breve descrição da importância desta obra.
Extraído de Johannes Wollebius, Compendium Theologiae Christianae in: John W. Beardslee III, ed. e transl., Reformed Dogmatics (Grand Rapids: Baker Books House, 1977), pp. 10-11.
Iniciei a tradução do Compendium Theologiae Christianae para o português. Entretanto, esta é uma tarefa a longo prazo e sem compromisso com data. Conforme for traduzindo os capítulos pretendo postar neste blog, e devo comunicar no facebook, mas recomendo que inscreva-se neste blog para receber as atualizações.
Ou você pode obter cópia digital do livro [tradução inglesa] acessando AQUI
Johannes Wollebius (1586-1629) nasceu e foi educado em Basiléia, onde se tornou pastor em 1611, e professor de Antigo Testamento e pregador da catedral em 1618. O Compendium Theologicae Christianae foi publicado em 1626, sendo várias vezes, reimpresso em Latim (Basiléia, 1634; Amsterdã, 1638; 1642; Oxford, 1657; Londres, 1760), e foi traduzido para o holandês e inglês. Ernst Bizer quem reeditou o original em nossa geração, poderia agora prevenir-nos contra superestimar a sua importância, concordando com diversos historiadores do século XIX, mas não seria possível negar que seu extenso uso durante o século XVII, a sua brevidade, clareza e fidelidade, não fosse uma positiva expressão característica dos teólogos reformados nos tempos do Sínodo de Dort e que poderia manter esta afirmação concedendo-lhe o título por considera-lo como uma avenida para uma completa descrição do entendimento “ortodoxo” aceito pela Fé Reformada – o “que comumente é ensinado com aceitação em nossas igrejas” e que pode ser encontrado em Voetius, Turretin e igualmente em outros.
Extraído de Johannes Wollebius, Compendium Theologiae Christianae in: John W. Beardslee III, ed. e transl., Reformed Dogmatics (Grand Rapids: Baker Books House, 1977), pp. 10-11.
Iniciei a tradução do Compendium Theologiae Christianae para o português. Entretanto, esta é uma tarefa a longo prazo e sem compromisso com data. Conforme for traduzindo os capítulos pretendo postar neste blog, e devo comunicar no facebook, mas recomendo que inscreva-se neste blog para receber as atualizações.
Ou você pode obter cópia digital do livro [tradução inglesa] acessando AQUI
Ministro presbiteriano, escritor, tradutor, revisor e professor de teologia
22 novembro 2013
Crer e Observar: o cristão e a obediência - Resenha
Este é um livro que oferece um ensino claro para um assunto que necessita ser melhor conhecimento e com certa urgência. Bruce Bickel no prefácio denuncia o problema de nossa época. O pragmatismo e hedonismo predominam na motivação até mesmo dentre os cristãos. Além destes problemas seculares ainda conflita dentro do protestantismo o legalismo e o antinomianismo. Bem observou que o legalismo “comete delito contra a glória da graça e exalta o eu e fere a nossa paz”, enquanto que o antinomianismo “transforma a graça de Deus em licenciosidade, endurece a nossa consciência e nos torna piores do que os descrentes” (p. 9). A proposta destes artigos é mostrar como Deus realizou, em Cristo, a justificação do pecador, para que este crendo, possa viver uma vida de obediência ao Senhor. Assim, a adequação e propriedade das boas obras na vida cristã, se dará entendendo e vivendo harmonicamente a relação da lei e do evangelho.
O livro é de fácil leitura. Embora o assunto Lei e Evangelho seja um tanto complexo, os autores escolheram escrever em linguagem coloquial para torna-lo mais acessível ao público geral. Devido ao uso desgastado dos termos legalismo usando termos teológicos seguidos de breves definições para que o leitor tenha certeza semântica do vocábulo, e possa assimilar o conteúdo. Os autores além de teólogos qualificados possuem ministério pastoral. O conteúdo do livro será uma leitura proveitosa tanto para acadêmicos, como uma boa introdução do assunto, ao mesmo tempo, que também, esclarecedora e prática instrução aos membros da igreja local.
A sua estrutura é composta de seis capítulos e um posfácio. No primeiro capítulo, R.C. Sproul pressupondo a continuidade pactual da lei demonstra que o nosso amor pela lei testifica a nossa comunhão com o povo de Deus, tanto no antigo como no novo pacto. A sua argumentação identifica uma disseminada rejeição pela lei do Antigo Testamento. Mas, a distinção, bem como a relação de lei e evangelho, segundo o autor, encontra igualmente no Antigo como no Novo Testamento. A sua tese é que na unidade pactual de ambos os testamentos o povo escolhido deve amar a Deus, porque a sua lei o revela, em outras palavras, amar a lei de Deus é amar o Deus da lei.
Michael Horton se valendo da metáfora bíblica das roupas, expõe a perfeição da justiça de Cristo imputada ao eleito. Desde o Jardim do Éden, é relatado que o homem, em seu pecado, tentou prover para si uma veste de justiça. Entretanto, com reprovação a Escritura declara que as melhores virtudes e obras do homem merecem condenação, por não satisfazer o perfeito padrão revelado na lei de Deus. A preocupação se a justificação não inibiria a santidade é respondida de duas formas. Primeiro denunciando como desvios como o pelagianismo, antinomianismo místico e perfeccionismo, na verdade não cumpriram a sua proposta de promover uma vida superior, pelo contrário, eles produziram afastamentos irreversíveis do evangelho e falharam em produzir verdadeira piedade na igreja. A segunda metade da resposta é que a doutrina da justificação precisa ser o centro do nosso entendimento em como somos aceitos por Deus. Então, uma correta distinção entre lei e evangelho produz o equilíbrio necessário para uma vida cristã saudável, como também, a confusão destes dois lados da Palavra de Deus causará dano. Horton identifica na atual pregação elementos de moralismo polido, com recomendações úteis para uma vida abundante, todavia, sem ter nela a lei como condenação da ira de Deus. O risco é que uma ignorância da lei os leva a uma segurança com motivações pecaminosas. O autor denuncia que tanto legalistas, como antinomianos erram em crer que a graça leva à licenciosidade “porque nenhum deles compreendeu verdadeiramente o poder de santidade que existe no evangelho” (p. 36).
No terceiro capítulo “obediência: amor ou legalismo?” John MacArthur recorda de uma longa controvérsia sobre o senhorio de Cristo, que alega que alguém pode ser salvo, sem viver uma a obediência cristã. O autor apresenta o ensino das Escrituras de que a obediência nos não torna salvos, porque ela não é uma condição para isso, mas ela deve ser parte da vida cristã, por ser fruto daqueles que vivem um verdadeiro cristianismo. Assim, a sua tese neste capítulo é de que a obediência cristã à lei é um dever, permeada com alegria e gratidão pela salvação, porque obedecer não é algo opcional. A sua interpretação da expressão paulina “sob a lei” como sendo estar “sob a lei como um meio de justificação”, segue de perto a opinião reformada sobre os usos da lei, ou seja, de que não estamos debaixo da lei cerimonial, nem que devemos a nossa justificação por obediência da lei. O único modo de Deus justificar o ímpio é através da obediência impecável de Cristo, que obteve perfeito mérito. Assim, o único mérito aceito por Deus é o mérito de Cristo que e atribuído a nosso favor. MacArthur esclarece que o legalismo é mortal por ser outro evangelho que procura estabelecer a própria justiça como critério de aceitação diante de Deus, enquanto que a obediência cristã diferente do legalismo, tem na doutrina da justificação o seu mais alto incentivo. É dever obedecer a lei, por ser declarado justo, por amar a Cristo, e viver sob a sua misericórdia. Digno de nota é a surpresa que MacArthur causa, pois sendo um teólogo dispensacionalista, que advoga a ruptura entre o antigo e novo pacto, consiga sistematizar a sua interpretação da lei e evangelho de forma correta.
John Armstrong escreve sobre a obediência por fé. Infelizmente parece que o autor falha parcialmente na apresentação seu artigo. Ele dedica uma longa parte introdutória, cerca de dez páginas, interpretando a expressão “obediência por fé” de Rm 1:5, em que cita a opinião de alguns comentaristas, e oferece uma conclusão que não contribuiu em nada, afirmando que “parece melhor para preservar a ambiguidade erudita de Paulo.” O desenvolvimento de sua argumentação é confusão, pois uma subdivisão não se desdobra logicamente com a próxima. É surpreendente ao apresentar corretamente a posição reacionária dos reformadores contra a posição de Roma, de que ela confunde a justificação com a santificação, de modo, que a obediência torna-se meio de justiça própria, mas em seguida, cita com aprovação o escritor Don Garlington que diz “difícil pensar que ‘justificação’ e ‘santificação’ sejam radicalmente distintas porquanto ambas, no emprego principal que é feito dessas palavras no Novo Testamento, fazem referência ao mesmo evento” (p. 77). É isso que a Igreja Romana ensina! O artigo de Armstrong careceu de uma clara definição do que ele crê sobre a doutrina da justificação. Esse capítulo, na minha opinião, é o mais fraco do livro, porque o artigo além de vagar numa argumentação sem desenvolvimento lógico, e fazer afirmações heterodoxas, não cumpriu em esclarecer como a obediência ocorre por fé.
Jonathan Gerstner produz uma rica contribuição para a discussão. A preocupação com o correto entendimento da doutrina da justificação leva o autor a pensar nas implicações soteriológicas daqueles que negando-a, ou de protestantes que aceitam como salvos, aqueles que rejeitam a suficiência da justiça de Cristo. O debate se estende ainda contra os legalistas e antinomistas e a partir de exemplos históricos, alguns bem recentes, Gerstner denuncia sérios desvios de diferentes formas de legalismo, que criaram o seu próprio critério de “boas obras”. O autor vê nesse desejo de ser aceito pela obediência de boas obras um reflexo do pacto das obras, que nunca foi revogado. O problema é a incapacidade causada pela queda no pecado.
Gerstner nota que o legalismo é uma das mais antigas heresias no seio da Igreja. Esta foi a heresia dos gálatas, e reapareceu no período medieval, e foi combatida pelos reformadores. Entretanto, o legalismo manifesta-se na igreja do tempo presente pelo arminianismo, que vê na fé uma obra que participa da sua salvação, ou dos curadores radicais que descrevem a cura como dependente da fé, mas, mais escandaloso é o documento Evangelicals and Catholics Together. Gerstner adverte quanto ao uso desgastado e incorreto do termo “legalismo” percebendo que o mau uso da palavra, em geral, procede de pessoas que atacam grupos que pensam que a lei de Deus exige algum tipo de comportamento, que ela crê não deveria ser exigido. A tradução em geral é de boa qualidade.
Entretanto, algumas falhas precisam ser denunciadas quando se traduz “aquele grupo faz parte de culto legalista e não de uma igreja” (that group to be a legalistic cult and not a church: “aquele grupo é uma seita legalista e não uma igreja”. Trust and Obey, p. 137). O juízo do autor contra o desvio doutrinário do legalismo é mais grave do que a tradução sugere. É interessante a percepção pastoral e conciliadora que o autor demonstra advertindo que o mau emprego do termo legalismo não deveria ser usado contra pessoas que inconscientemente erram nas suas inferências da aplicação de algum princípio bíblico.
O antinomianismo não é menos criticado, nem considerado menos pernicioso. O problema do antinomiano é sua crença que a fé que justifica permite uma vida de imoralidade. Gerstner aponta para alguns casos como Bill Bright, que crê que uma pessoa pode aceitar Jesus como Salvador, mas não necessariamente como Senhor, implicando que ela pode ser salva, mas não ter o senhorio de Cristo. Ainda menciona o dispensacionalismo que em seu sistema teológico causa uma ruptura entre lei e evangelho, criando uma doutrina antinomiana de rejeição à obediência à lei por ser ela de uma dispensação ultrapassada. Por último, cita o que ele chama de “embainhadores” de espada, ou seja, eles rejeitam o antinomianismo, mas diluem o seu ensino ou pregação quando ao que a Escritura afirma contra o pecado. A sua solene advertência final àqueles que pecam por legalismo, ou por antinomia, pesa a seriedade de sua ofensa contra o Deus que justifica.
Em dupla autoria este capítulo encerra apresentando a gratidão como a motivação correta para a obediência no terceiro uso da lei. O terceiro uso da lei, ou uso didático, se refere ao uso diário na vida do cristão em como ele deve expressar sua gratidão a Deus pela justificação. O assim chamado terceiro uso da lei é primeiramente encontrado no pensamento de Melanchthon, embora haja debate se Lutero o ensinou, pelo menos por implicação. Em Calvino a doutrina encontra-se mais amadurecida do que seus antecessores, Beeke observa que ele foi o único e o primeiro dentre os primeiros reformadores a “enfatizar essa terceira função da lei como norma e guia para o crente, é o seu uso ‘exato e principal’” (p. 114). A obediência da lei é entendida não como sendo compulsória, mas agradecida, porque a lei promove uma ética de gratidão, que ao mesmo tempo o encoraja a obediência e o adverte contra o pecado.
Os autores oferecem um estudo de caso baseado no quarto mandamento. Eles demonstram a legitimidade de sua observância, apesar de sofrer a resistência da mentalidade secularizada, do prejuízo teológico causado pelos modernistas quanto à autoridade da Escritura e dos dispensacionalistas em romper com a autoridade da lei do Antigo Testamento. A tradução é prejudicada porque o termo hebraico sabbath que deveria ser preservado, como os escritores de língua inglesa o fizeram, foi traduzido por “sábado” o que pode levar um leitor desavisado a confundir, e talvez não entender o argumento do autor. Parece que este problema é repetido, devido ao fato de que outros livros que abordam o assunto, ou mencionam o termo, também o traduzem por “sábado” (Crer e Observar, pp. 118-127; compare com Trust and Obey, pp. 173-187). A correta obediência da lei em seu uso didático fornece aos cristãos um amor espontâneo e uma autêntica liberdade em Cristo.
Apesar de ser agradável a diagramação, infelizmente a editora optou em colocar as notas no fim do livro. Este modelo torna cansativa a leitura e desestimula com as várias idas e vindas do texto para as notas, por vezes, quebrando o raciocínio do argumento. O livro sendo de brochura possui um acabamento bom, por não ser apenas colado, mas também costurado, aumentando assim a sua vida útil.
FONTE:
Don Kislter, org., Crer e Observar – o cristão e a obediência. São Paulo: Editora Cultura Cristã. 2009.
Don Kistler, org., Trust and Obey – Obedience and the Christian. Morgan: Soli Deo Gloria Publications. 1996.
O livro é de fácil leitura. Embora o assunto Lei e Evangelho seja um tanto complexo, os autores escolheram escrever em linguagem coloquial para torna-lo mais acessível ao público geral. Devido ao uso desgastado dos termos legalismo usando termos teológicos seguidos de breves definições para que o leitor tenha certeza semântica do vocábulo, e possa assimilar o conteúdo. Os autores além de teólogos qualificados possuem ministério pastoral. O conteúdo do livro será uma leitura proveitosa tanto para acadêmicos, como uma boa introdução do assunto, ao mesmo tempo, que também, esclarecedora e prática instrução aos membros da igreja local.
A sua estrutura é composta de seis capítulos e um posfácio. No primeiro capítulo, R.C. Sproul pressupondo a continuidade pactual da lei demonstra que o nosso amor pela lei testifica a nossa comunhão com o povo de Deus, tanto no antigo como no novo pacto. A sua argumentação identifica uma disseminada rejeição pela lei do Antigo Testamento. Mas, a distinção, bem como a relação de lei e evangelho, segundo o autor, encontra igualmente no Antigo como no Novo Testamento. A sua tese é que na unidade pactual de ambos os testamentos o povo escolhido deve amar a Deus, porque a sua lei o revela, em outras palavras, amar a lei de Deus é amar o Deus da lei.
Michael Horton se valendo da metáfora bíblica das roupas, expõe a perfeição da justiça de Cristo imputada ao eleito. Desde o Jardim do Éden, é relatado que o homem, em seu pecado, tentou prover para si uma veste de justiça. Entretanto, com reprovação a Escritura declara que as melhores virtudes e obras do homem merecem condenação, por não satisfazer o perfeito padrão revelado na lei de Deus. A preocupação se a justificação não inibiria a santidade é respondida de duas formas. Primeiro denunciando como desvios como o pelagianismo, antinomianismo místico e perfeccionismo, na verdade não cumpriram a sua proposta de promover uma vida superior, pelo contrário, eles produziram afastamentos irreversíveis do evangelho e falharam em produzir verdadeira piedade na igreja. A segunda metade da resposta é que a doutrina da justificação precisa ser o centro do nosso entendimento em como somos aceitos por Deus. Então, uma correta distinção entre lei e evangelho produz o equilíbrio necessário para uma vida cristã saudável, como também, a confusão destes dois lados da Palavra de Deus causará dano. Horton identifica na atual pregação elementos de moralismo polido, com recomendações úteis para uma vida abundante, todavia, sem ter nela a lei como condenação da ira de Deus. O risco é que uma ignorância da lei os leva a uma segurança com motivações pecaminosas. O autor denuncia que tanto legalistas, como antinomianos erram em crer que a graça leva à licenciosidade “porque nenhum deles compreendeu verdadeiramente o poder de santidade que existe no evangelho” (p. 36).
No terceiro capítulo “obediência: amor ou legalismo?” John MacArthur recorda de uma longa controvérsia sobre o senhorio de Cristo, que alega que alguém pode ser salvo, sem viver uma a obediência cristã. O autor apresenta o ensino das Escrituras de que a obediência nos não torna salvos, porque ela não é uma condição para isso, mas ela deve ser parte da vida cristã, por ser fruto daqueles que vivem um verdadeiro cristianismo. Assim, a sua tese neste capítulo é de que a obediência cristã à lei é um dever, permeada com alegria e gratidão pela salvação, porque obedecer não é algo opcional. A sua interpretação da expressão paulina “sob a lei” como sendo estar “sob a lei como um meio de justificação”, segue de perto a opinião reformada sobre os usos da lei, ou seja, de que não estamos debaixo da lei cerimonial, nem que devemos a nossa justificação por obediência da lei. O único modo de Deus justificar o ímpio é através da obediência impecável de Cristo, que obteve perfeito mérito. Assim, o único mérito aceito por Deus é o mérito de Cristo que e atribuído a nosso favor. MacArthur esclarece que o legalismo é mortal por ser outro evangelho que procura estabelecer a própria justiça como critério de aceitação diante de Deus, enquanto que a obediência cristã diferente do legalismo, tem na doutrina da justificação o seu mais alto incentivo. É dever obedecer a lei, por ser declarado justo, por amar a Cristo, e viver sob a sua misericórdia. Digno de nota é a surpresa que MacArthur causa, pois sendo um teólogo dispensacionalista, que advoga a ruptura entre o antigo e novo pacto, consiga sistematizar a sua interpretação da lei e evangelho de forma correta.
John Armstrong escreve sobre a obediência por fé. Infelizmente parece que o autor falha parcialmente na apresentação seu artigo. Ele dedica uma longa parte introdutória, cerca de dez páginas, interpretando a expressão “obediência por fé” de Rm 1:5, em que cita a opinião de alguns comentaristas, e oferece uma conclusão que não contribuiu em nada, afirmando que “parece melhor para preservar a ambiguidade erudita de Paulo.” O desenvolvimento de sua argumentação é confusão, pois uma subdivisão não se desdobra logicamente com a próxima. É surpreendente ao apresentar corretamente a posição reacionária dos reformadores contra a posição de Roma, de que ela confunde a justificação com a santificação, de modo, que a obediência torna-se meio de justiça própria, mas em seguida, cita com aprovação o escritor Don Garlington que diz “difícil pensar que ‘justificação’ e ‘santificação’ sejam radicalmente distintas porquanto ambas, no emprego principal que é feito dessas palavras no Novo Testamento, fazem referência ao mesmo evento” (p. 77). É isso que a Igreja Romana ensina! O artigo de Armstrong careceu de uma clara definição do que ele crê sobre a doutrina da justificação. Esse capítulo, na minha opinião, é o mais fraco do livro, porque o artigo além de vagar numa argumentação sem desenvolvimento lógico, e fazer afirmações heterodoxas, não cumpriu em esclarecer como a obediência ocorre por fé.
Jonathan Gerstner produz uma rica contribuição para a discussão. A preocupação com o correto entendimento da doutrina da justificação leva o autor a pensar nas implicações soteriológicas daqueles que negando-a, ou de protestantes que aceitam como salvos, aqueles que rejeitam a suficiência da justiça de Cristo. O debate se estende ainda contra os legalistas e antinomistas e a partir de exemplos históricos, alguns bem recentes, Gerstner denuncia sérios desvios de diferentes formas de legalismo, que criaram o seu próprio critério de “boas obras”. O autor vê nesse desejo de ser aceito pela obediência de boas obras um reflexo do pacto das obras, que nunca foi revogado. O problema é a incapacidade causada pela queda no pecado.
Gerstner nota que o legalismo é uma das mais antigas heresias no seio da Igreja. Esta foi a heresia dos gálatas, e reapareceu no período medieval, e foi combatida pelos reformadores. Entretanto, o legalismo manifesta-se na igreja do tempo presente pelo arminianismo, que vê na fé uma obra que participa da sua salvação, ou dos curadores radicais que descrevem a cura como dependente da fé, mas, mais escandaloso é o documento Evangelicals and Catholics Together. Gerstner adverte quanto ao uso desgastado e incorreto do termo “legalismo” percebendo que o mau uso da palavra, em geral, procede de pessoas que atacam grupos que pensam que a lei de Deus exige algum tipo de comportamento, que ela crê não deveria ser exigido. A tradução em geral é de boa qualidade.
Entretanto, algumas falhas precisam ser denunciadas quando se traduz “aquele grupo faz parte de culto legalista e não de uma igreja” (that group to be a legalistic cult and not a church: “aquele grupo é uma seita legalista e não uma igreja”. Trust and Obey, p. 137). O juízo do autor contra o desvio doutrinário do legalismo é mais grave do que a tradução sugere. É interessante a percepção pastoral e conciliadora que o autor demonstra advertindo que o mau emprego do termo legalismo não deveria ser usado contra pessoas que inconscientemente erram nas suas inferências da aplicação de algum princípio bíblico.
O antinomianismo não é menos criticado, nem considerado menos pernicioso. O problema do antinomiano é sua crença que a fé que justifica permite uma vida de imoralidade. Gerstner aponta para alguns casos como Bill Bright, que crê que uma pessoa pode aceitar Jesus como Salvador, mas não necessariamente como Senhor, implicando que ela pode ser salva, mas não ter o senhorio de Cristo. Ainda menciona o dispensacionalismo que em seu sistema teológico causa uma ruptura entre lei e evangelho, criando uma doutrina antinomiana de rejeição à obediência à lei por ser ela de uma dispensação ultrapassada. Por último, cita o que ele chama de “embainhadores” de espada, ou seja, eles rejeitam o antinomianismo, mas diluem o seu ensino ou pregação quando ao que a Escritura afirma contra o pecado. A sua solene advertência final àqueles que pecam por legalismo, ou por antinomia, pesa a seriedade de sua ofensa contra o Deus que justifica.
Em dupla autoria este capítulo encerra apresentando a gratidão como a motivação correta para a obediência no terceiro uso da lei. O terceiro uso da lei, ou uso didático, se refere ao uso diário na vida do cristão em como ele deve expressar sua gratidão a Deus pela justificação. O assim chamado terceiro uso da lei é primeiramente encontrado no pensamento de Melanchthon, embora haja debate se Lutero o ensinou, pelo menos por implicação. Em Calvino a doutrina encontra-se mais amadurecida do que seus antecessores, Beeke observa que ele foi o único e o primeiro dentre os primeiros reformadores a “enfatizar essa terceira função da lei como norma e guia para o crente, é o seu uso ‘exato e principal’” (p. 114). A obediência da lei é entendida não como sendo compulsória, mas agradecida, porque a lei promove uma ética de gratidão, que ao mesmo tempo o encoraja a obediência e o adverte contra o pecado.
Os autores oferecem um estudo de caso baseado no quarto mandamento. Eles demonstram a legitimidade de sua observância, apesar de sofrer a resistência da mentalidade secularizada, do prejuízo teológico causado pelos modernistas quanto à autoridade da Escritura e dos dispensacionalistas em romper com a autoridade da lei do Antigo Testamento. A tradução é prejudicada porque o termo hebraico sabbath que deveria ser preservado, como os escritores de língua inglesa o fizeram, foi traduzido por “sábado” o que pode levar um leitor desavisado a confundir, e talvez não entender o argumento do autor. Parece que este problema é repetido, devido ao fato de que outros livros que abordam o assunto, ou mencionam o termo, também o traduzem por “sábado” (Crer e Observar, pp. 118-127; compare com Trust and Obey, pp. 173-187). A correta obediência da lei em seu uso didático fornece aos cristãos um amor espontâneo e uma autêntica liberdade em Cristo.
Apesar de ser agradável a diagramação, infelizmente a editora optou em colocar as notas no fim do livro. Este modelo torna cansativa a leitura e desestimula com as várias idas e vindas do texto para as notas, por vezes, quebrando o raciocínio do argumento. O livro sendo de brochura possui um acabamento bom, por não ser apenas colado, mas também costurado, aumentando assim a sua vida útil.
FONTE:
Don Kislter, org., Crer e Observar – o cristão e a obediência. São Paulo: Editora Cultura Cristã. 2009.
Don Kistler, org., Trust and Obey – Obedience and the Christian. Morgan: Soli Deo Gloria Publications. 1996.
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Puritanos,
Teologia do AT,
Teologia do NT
Ministro presbiteriano, escritor, tradutor, revisor e professor de teologia
18 outubro 2013
Resenha: Trindade e Reino de Deus de Jürgen Moltmann
O livro é dividido em seis capítulos, apresentando uma clara divisão de subtemas na sua argumentação. O autor justifica que o subtítulo “Uma contribuição para a teologia” não se refere a uma inovação, mesmo porque falar de Trindade se faz com vínculo com a tradição. Entretanto, desde o início do livro, ele deixa claro que não considera a Trindade um dogma inalterável, o que de fato, evidencia-se em seu livro. Isto porque autor entende que “’tradição’ não é nenhum baú de verdades cristalizadas e utilizáveis, mas sim o diálogo teológico vivo, necessário e permanente, que mantemos com o passado, atravessando os tempos, e estendendo-se ao futuro comum” (p. 13). Uma das propostas inovadoras que anuncia é a de superar o conflito Filioque ocorrido em 1054, entre as alas Ocidental e Oriental da igreja cristã, bem como da separação, mas paralela relação mantida entre judaísmo e cristianismo, numa tentativa de promover uma compreensão social da teologia trinitária. Todavia, ele não demonstra essa solução em nenhuma parte do livro. A sua interpretação trinitária se revelará inovadora rompendo com o Teísmo clássico.
A sua tese de uma história trinitária de Deus é desdobrado neste livro. Primeiramente apresentada em seu livro “O Deus Crucificado” (1972), Moltmann afirma que a cruz é a ocasião em que Deus se constitui como Trindade dentro da História. Em outras palavras, a Trindade seria uma versão resumida da narrativa da paixão de Cristo.
A sua leitura trinitária tem um forte tom social. É sua premissa básica que “na história da teologia cristã, o caráter aberto de todos os conhecimentos e de todas as explicações e estrutural, pois pelo fato de estarem em aberto revelam a força da sua esperança escatológica no futuro” (p. 13). Assim, neste intuito de formular uma doutrina social da Trindade ele deseja evitar que a doutrina da Trindade se desintegre no que ele denomina de monoteísmo abstrato. A negação da distinção feita pelo teísmo clássico da Trindade econômica e da imanência, faz com que o pensamento trinitário de Moltmann se torne num panenteísmo de Deus na história, ou até mesmo parece colocar a história dentro do ser de Deus. A sua declaração de que a doutrina tradicional da Trindade foi uma forma de justificar as formas políticas de totalitarismo não tem relação causal que possa ser evidenciada. A dúvida que se levanta aqui é se a sua teologia trinitária possuí bases bíblicas ou padece influência meramente políticas e sociais marxista?
A sua proposta de uma escatologia da esperança, embora seja tema central do seu pensamento, não é completamente explicada. Não há em seu sistema doutrinário lugar para doutrinas de um evento final, manifestando o juízo divino, estabelecendo a restauração da criação, a formação de novo céu, ou, do tormento eterno. A sua teologia propõe ser escatológica sem tratar ou correlacionar com os eventos que envolvem as últimas coisas da história da redenção. Moltmann não foge as falhas comuns de teólogos neo-ortodoxos que se propõe fazer leituras revisionistas de doutrinas clássicas e apresentam sistemas incompletos, cheios de lacunas, reutilizando terminologia do teísmo clássico com definições personalizadas.
Ele propõe expor as três concepções de Deus que se desenvolveram na história ocidental. Moltmann analisando quanto ao método de se conhecer (caminho da experiência, ou caminho da práxis) e de falar em Deus como substância suprema, como sujeito absoluto ou como Deus trino e uno, apresenta na história da teologia como teólogos e filósofos, quer contestando, ou formulando, abordaram os argumentos da existência de Deus. Estranha é a sua depreciação da fórmula trinitária tradicional, ou seja, Deus é uno em essência e trino em pessoas, alegando que ela involuntária e inevitavelmente reduziria “à resolução da doutrina trinitária em um monoteísmo abstrato” (p. 32). Então, a sua conclusão é de que “uma reformulação da doutrina trinitária, hoje, somente poderá ocorrer a partir de uma confrontação crítica com essas tradições filosóficas e teológicas” (p. 32), o que será a sua proposta de desenvolver uma doutrina trinitária social.
Moltmann ao escrever sobre “a paixão de Deus” aborda o tema de modo controverso. Ele levanta a discussão da impassibilidade de Deus alegando que ela tem suas raízes na filosofia grega. Essa conclusão é questionável. A sua argumentação se baseia em alguns casos raros e heterodoxos, ou seja, na doutrina cabalística rabínica da Shekinah; também numa teologia anglicana do “sacrifício do eterno amor”; ainda numa mística espanhola da “dor de Deus”; e, por fim, de uma filosofia religiosa russo-ortodoxa da “tragédia divina”. A doutrina da impassibilidade não pode ser usada para negar que Deus tenha emoções, ou negar que Deus o Filho sofreu real injuria e morte sobre a cruz. O que não se pode admitir é a afirmação de que Deus pode ser influenciado ou afetado emocionalmente por alguma coisa da criação. Porque, Deus em sua natureza transcendental não pode ser prejudicado, nem sofrer danos em seu ser. Entretanto, Moltmann insiste em negar a doutrina da impassibilidade de Deus interpretando de modo duvidoso este mistério trinitário, ou seja, alegando que Deus sendo livre, sofre metafisicamente danos na morte de Cristo.
Moltmann é feliz em sua crítica à esterilidade teológica produzida pelo protestantismo liberal, alegando que desde Kant não se pode extrair nada de prático da doutrina da Trindade. Todavia, aponta Karl Barth como quem resgata uma interpretação bíblica da Trindade e torna possível, pelo seu conceito de Palavra de Deus, aplica-la a todos os aspectos da vida. A premissa de Moltmann é que “o Novo Testamento fala de Deus, na medida em que narra e anuncia as relações comunitárias, extensivas ao mundo, entre o Pai, o Filho e o Espírito Santo” (p. 78). O envio do Filho revela a Trindade e a instituição do seu reino. A história desse relacionamento não pode ser entendida a partir da unicidade de Deus, mas no fato dele ser trino e nessa relação entre o Pai e o Filho, ele envolve os homens, os aflitos e os sobrecarregados. Cristo em sua comunhão com o Pai reside o mistério do reino que ele anuncia aos pobres. Inovadora é a sua abordagem do futuro do Filho em que entregará o reino ao Pai, em que ele apresenta o ordenamento trinitário distinto ao modelo ocidental: Pai – Filho – Espírito, propondo em termos de consumação escatológica e da glorificação a seguinte ordem trinitária: Espírito – Filho – Pai. Moltmann revela parte de seu panenteísmo trinitário nas afirmações “a história do reino é essa história de Deus, trinitariamente aberta e invitativa” e ainda “a união da Trindade divina está aberta à unificação de toda a criação com ela e nela. A unidade da Trindade una e trina, portanto, não é apenas um conceito teológico, mas também, no seu cerne, uma concepção soteriológica” (p. 107).
Mais claro se torna a sua postura panenteísta ao criticar o teísmo clássico e o panteísmo e, propor um meio termo entre “os elementos de verdade do teísmo cristão e do panteísmo crístico” (p. 118). O argumento é uma sequência de premissas que partem do amor de Deus por si, e de cada pessoa da Trindade mantendo uma relação íntima com a criação. E a pergunta a seguir é: existe uma criação para dentro, ou só uma criação para fora de Deus. Moltmann afirma que “a criação, enquanto ação de Deus em Deus, e para fora dele, deve ser designada, antes, como uma representação feminina: Deus cria o mundo enquanto permite que um mundo se forme ‘dentro dele’ e apareça” (p. 120).
No capítulo 5 o autor reconhece nas antigas heresias do arianismo e do sabelianismo não foram superadas, e que como perigo presente, carecem de contestação. Moltmann retomando em parte uma abordagem histórica, analisa ambas heresias. Por ser um teólogo em evidência, Karl Barth é analisado e denunciado como adotando uma Monarquia trinitária. O teólogo católico Karl Rahner desenvolveu sua doutrina trinitária numa abordagem muito similar a de Barth. Este é um capítulo cansativo de se ler, e pouco proveitoso em termos de reflexão teológica. Mesmo quando aborda o tema Trindade doxológica, ele sugere algumas distinções que não existem entre Trindade econômica e imanente, e que evidencia infundadas.
O último capítulo é onde Moltmann expressa a sua interpretação social da Trindade. Segundo ele o monoteísmo político-religioso sempre foi usado como legitimação da dominação social, e consequentemente, a teologia trinitária que se “desenvolve como doutrina teológica da liberdade, deve por sua vez apontar para uma comunidade humana sem prepotência e sem servidões” (p. 197). A sua argumentação aponta seletivamente para momentos da história, em que acusa protestantes de apoiarem a monarquia, sem contudo, demonstrar a relação causal efetiva de como a teologia trinitária poderia favorecer a legitimação da dominação social. Em seguida critica que o episcopado monárquico também é resultado do monoteísmo monárquico, analisando a estrutura episcopal da Igreja Católica Romana, no final do século XIX, criou o dogma da infalibilidade papal. Entretanto, a crítica parece ser fortuita, sem relação causal. Moltmann assume a doutrina trinitária do reino a partir do pensamento de Joaquim de Fiore no intento de desenvolver uma teologia trinitária capaz de superar o dualismo da doutrina eclesiástica do duplo reino da natureza e da graça.
Moltmann adere várias perspectivas teológicas. Embora claras ao esboçar partido pela Teologia da Libertação em sua intenção de contribuir para que a voz dos oprimidos seja ouvida, mantendo um diálogo libertador, que segundo Moltmann “ela é hoje a melhor teologia ética e política, porque, nas indigências dos oprimidos, ela procura fazer o que é imediatamente necessário, e ensina a fazê-lo” (p. 22). Obviamente que como europeu o seu discurso não se assemelha às temáticas, nem ao tom agressivo como as de Leonardo Boff, Clodovis Boff, Frei Honório Rito, J.B. Libânio, e outros teólogos da Teologia da Libertação. Todavia, Moltmann se mantém afinado o suficiente para atrair pesquisadores e adeptos do movimento. Entretanto, deve-se notar que ele não deve ser categorizado como um teólogo da libertação. Em seu bojo teológico alguns conceitos de Karl Barth, Karl Rahner e Paul Tillich podem ser encontrados em sua releitura da doutrina da Trindade.
Dificulta a leitura do livro o fato de alguns termos teológicos sofrerem redefinições no pensamento de Moltmann. Ele não oferece de modo explícito o que realmente quer dizer com palavras como Trindade, História, Reino e ainda apresenta termos e declarações dialéticas como “paixão de Deus”. Outra fraqueza em sua teologia pode ser identificada em que ele enfatiza a imanência em detrimento da transcendência de Deus. Ainda deixa sem explicação algumas de suas declarações em que retrata Deus do futuro escatológico, do Deus da história que sofre, do Deus trinitário que a unidade é futura para ele. Deve-se pontuar aqui que estas declarações abstratas e ininteligíveis não são resultado de profundidade intelectual, mas sim, falta de clareza acadêmica e textual. A leitura do livro é desafiadora, pois, constantemente o autor mescla a ortodoxia, com propostas neo-ortodoxas, bem como uma versão revisionista na doutrina da Trindade. Todavia, não vejo neste livro uma relevante contribuição para a doutrina da Trindade.
Resenha: MOLTMANN, Jürgen, Trindade e reino de Deus – uma contribuição para a teologia (Petrópolis, Editora Vozes, 2000).
A sua tese de uma história trinitária de Deus é desdobrado neste livro. Primeiramente apresentada em seu livro “O Deus Crucificado” (1972), Moltmann afirma que a cruz é a ocasião em que Deus se constitui como Trindade dentro da História. Em outras palavras, a Trindade seria uma versão resumida da narrativa da paixão de Cristo.
A sua leitura trinitária tem um forte tom social. É sua premissa básica que “na história da teologia cristã, o caráter aberto de todos os conhecimentos e de todas as explicações e estrutural, pois pelo fato de estarem em aberto revelam a força da sua esperança escatológica no futuro” (p. 13). Assim, neste intuito de formular uma doutrina social da Trindade ele deseja evitar que a doutrina da Trindade se desintegre no que ele denomina de monoteísmo abstrato. A negação da distinção feita pelo teísmo clássico da Trindade econômica e da imanência, faz com que o pensamento trinitário de Moltmann se torne num panenteísmo de Deus na história, ou até mesmo parece colocar a história dentro do ser de Deus. A sua declaração de que a doutrina tradicional da Trindade foi uma forma de justificar as formas políticas de totalitarismo não tem relação causal que possa ser evidenciada. A dúvida que se levanta aqui é se a sua teologia trinitária possuí bases bíblicas ou padece influência meramente políticas e sociais marxista?
A sua proposta de uma escatologia da esperança, embora seja tema central do seu pensamento, não é completamente explicada. Não há em seu sistema doutrinário lugar para doutrinas de um evento final, manifestando o juízo divino, estabelecendo a restauração da criação, a formação de novo céu, ou, do tormento eterno. A sua teologia propõe ser escatológica sem tratar ou correlacionar com os eventos que envolvem as últimas coisas da história da redenção. Moltmann não foge as falhas comuns de teólogos neo-ortodoxos que se propõe fazer leituras revisionistas de doutrinas clássicas e apresentam sistemas incompletos, cheios de lacunas, reutilizando terminologia do teísmo clássico com definições personalizadas.
Ele propõe expor as três concepções de Deus que se desenvolveram na história ocidental. Moltmann analisando quanto ao método de se conhecer (caminho da experiência, ou caminho da práxis) e de falar em Deus como substância suprema, como sujeito absoluto ou como Deus trino e uno, apresenta na história da teologia como teólogos e filósofos, quer contestando, ou formulando, abordaram os argumentos da existência de Deus. Estranha é a sua depreciação da fórmula trinitária tradicional, ou seja, Deus é uno em essência e trino em pessoas, alegando que ela involuntária e inevitavelmente reduziria “à resolução da doutrina trinitária em um monoteísmo abstrato” (p. 32). Então, a sua conclusão é de que “uma reformulação da doutrina trinitária, hoje, somente poderá ocorrer a partir de uma confrontação crítica com essas tradições filosóficas e teológicas” (p. 32), o que será a sua proposta de desenvolver uma doutrina trinitária social.
Moltmann ao escrever sobre “a paixão de Deus” aborda o tema de modo controverso. Ele levanta a discussão da impassibilidade de Deus alegando que ela tem suas raízes na filosofia grega. Essa conclusão é questionável. A sua argumentação se baseia em alguns casos raros e heterodoxos, ou seja, na doutrina cabalística rabínica da Shekinah; também numa teologia anglicana do “sacrifício do eterno amor”; ainda numa mística espanhola da “dor de Deus”; e, por fim, de uma filosofia religiosa russo-ortodoxa da “tragédia divina”. A doutrina da impassibilidade não pode ser usada para negar que Deus tenha emoções, ou negar que Deus o Filho sofreu real injuria e morte sobre a cruz. O que não se pode admitir é a afirmação de que Deus pode ser influenciado ou afetado emocionalmente por alguma coisa da criação. Porque, Deus em sua natureza transcendental não pode ser prejudicado, nem sofrer danos em seu ser. Entretanto, Moltmann insiste em negar a doutrina da impassibilidade de Deus interpretando de modo duvidoso este mistério trinitário, ou seja, alegando que Deus sendo livre, sofre metafisicamente danos na morte de Cristo.
Moltmann é feliz em sua crítica à esterilidade teológica produzida pelo protestantismo liberal, alegando que desde Kant não se pode extrair nada de prático da doutrina da Trindade. Todavia, aponta Karl Barth como quem resgata uma interpretação bíblica da Trindade e torna possível, pelo seu conceito de Palavra de Deus, aplica-la a todos os aspectos da vida. A premissa de Moltmann é que “o Novo Testamento fala de Deus, na medida em que narra e anuncia as relações comunitárias, extensivas ao mundo, entre o Pai, o Filho e o Espírito Santo” (p. 78). O envio do Filho revela a Trindade e a instituição do seu reino. A história desse relacionamento não pode ser entendida a partir da unicidade de Deus, mas no fato dele ser trino e nessa relação entre o Pai e o Filho, ele envolve os homens, os aflitos e os sobrecarregados. Cristo em sua comunhão com o Pai reside o mistério do reino que ele anuncia aos pobres. Inovadora é a sua abordagem do futuro do Filho em que entregará o reino ao Pai, em que ele apresenta o ordenamento trinitário distinto ao modelo ocidental: Pai – Filho – Espírito, propondo em termos de consumação escatológica e da glorificação a seguinte ordem trinitária: Espírito – Filho – Pai. Moltmann revela parte de seu panenteísmo trinitário nas afirmações “a história do reino é essa história de Deus, trinitariamente aberta e invitativa” e ainda “a união da Trindade divina está aberta à unificação de toda a criação com ela e nela. A unidade da Trindade una e trina, portanto, não é apenas um conceito teológico, mas também, no seu cerne, uma concepção soteriológica” (p. 107).
Mais claro se torna a sua postura panenteísta ao criticar o teísmo clássico e o panteísmo e, propor um meio termo entre “os elementos de verdade do teísmo cristão e do panteísmo crístico” (p. 118). O argumento é uma sequência de premissas que partem do amor de Deus por si, e de cada pessoa da Trindade mantendo uma relação íntima com a criação. E a pergunta a seguir é: existe uma criação para dentro, ou só uma criação para fora de Deus. Moltmann afirma que “a criação, enquanto ação de Deus em Deus, e para fora dele, deve ser designada, antes, como uma representação feminina: Deus cria o mundo enquanto permite que um mundo se forme ‘dentro dele’ e apareça” (p. 120).
No capítulo 5 o autor reconhece nas antigas heresias do arianismo e do sabelianismo não foram superadas, e que como perigo presente, carecem de contestação. Moltmann retomando em parte uma abordagem histórica, analisa ambas heresias. Por ser um teólogo em evidência, Karl Barth é analisado e denunciado como adotando uma Monarquia trinitária. O teólogo católico Karl Rahner desenvolveu sua doutrina trinitária numa abordagem muito similar a de Barth. Este é um capítulo cansativo de se ler, e pouco proveitoso em termos de reflexão teológica. Mesmo quando aborda o tema Trindade doxológica, ele sugere algumas distinções que não existem entre Trindade econômica e imanente, e que evidencia infundadas.
O último capítulo é onde Moltmann expressa a sua interpretação social da Trindade. Segundo ele o monoteísmo político-religioso sempre foi usado como legitimação da dominação social, e consequentemente, a teologia trinitária que se “desenvolve como doutrina teológica da liberdade, deve por sua vez apontar para uma comunidade humana sem prepotência e sem servidões” (p. 197). A sua argumentação aponta seletivamente para momentos da história, em que acusa protestantes de apoiarem a monarquia, sem contudo, demonstrar a relação causal efetiva de como a teologia trinitária poderia favorecer a legitimação da dominação social. Em seguida critica que o episcopado monárquico também é resultado do monoteísmo monárquico, analisando a estrutura episcopal da Igreja Católica Romana, no final do século XIX, criou o dogma da infalibilidade papal. Entretanto, a crítica parece ser fortuita, sem relação causal. Moltmann assume a doutrina trinitária do reino a partir do pensamento de Joaquim de Fiore no intento de desenvolver uma teologia trinitária capaz de superar o dualismo da doutrina eclesiástica do duplo reino da natureza e da graça.
Moltmann adere várias perspectivas teológicas. Embora claras ao esboçar partido pela Teologia da Libertação em sua intenção de contribuir para que a voz dos oprimidos seja ouvida, mantendo um diálogo libertador, que segundo Moltmann “ela é hoje a melhor teologia ética e política, porque, nas indigências dos oprimidos, ela procura fazer o que é imediatamente necessário, e ensina a fazê-lo” (p. 22). Obviamente que como europeu o seu discurso não se assemelha às temáticas, nem ao tom agressivo como as de Leonardo Boff, Clodovis Boff, Frei Honório Rito, J.B. Libânio, e outros teólogos da Teologia da Libertação. Todavia, Moltmann se mantém afinado o suficiente para atrair pesquisadores e adeptos do movimento. Entretanto, deve-se notar que ele não deve ser categorizado como um teólogo da libertação. Em seu bojo teológico alguns conceitos de Karl Barth, Karl Rahner e Paul Tillich podem ser encontrados em sua releitura da doutrina da Trindade.
Dificulta a leitura do livro o fato de alguns termos teológicos sofrerem redefinições no pensamento de Moltmann. Ele não oferece de modo explícito o que realmente quer dizer com palavras como Trindade, História, Reino e ainda apresenta termos e declarações dialéticas como “paixão de Deus”. Outra fraqueza em sua teologia pode ser identificada em que ele enfatiza a imanência em detrimento da transcendência de Deus. Ainda deixa sem explicação algumas de suas declarações em que retrata Deus do futuro escatológico, do Deus da história que sofre, do Deus trinitário que a unidade é futura para ele. Deve-se pontuar aqui que estas declarações abstratas e ininteligíveis não são resultado de profundidade intelectual, mas sim, falta de clareza acadêmica e textual. A leitura do livro é desafiadora, pois, constantemente o autor mescla a ortodoxia, com propostas neo-ortodoxas, bem como uma versão revisionista na doutrina da Trindade. Todavia, não vejo neste livro uma relevante contribuição para a doutrina da Trindade.
Resenha: MOLTMANN, Jürgen, Trindade e reino de Deus – uma contribuição para a teologia (Petrópolis, Editora Vozes, 2000).
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Ministro presbiteriano, escritor, tradutor, revisor e professor de teologia
17 outubro 2013
Uma palavra de advertência acerca de Tim Keller
Tim Keller é uma pessoa muito complicada teologicamente, assim, por favor, preste atenção enquanto explico. Sou um grande admirador do Cristocentrismo de Keller e sua clara explicação do evangelho. De fato, a apresentação do evangelho por parte de Keller é uma das melhores que jamais escutei. Seu entendimento da somente a graça em Cristo somente numa perspectiva Reformada é verdadeiramente magnífico... até mesmo profundo. Proclama em voz alta que "o evangelho NÃO é o que fazemos para Cristo, senão acerca do que Cristo fez por nós" o que é algo que se acha longe da RCC e do Movimento Emergente como se possa imaginar. Pessoalmente sou grandemente abençoado por seu ministério. Promovemos-lhe porque o seu ensino, em geral, é MUITO bom.
Mas, sempre fui um admirador crítico de Tim Keller. Permita-me explicar. Por um lado, ele ama a Jonathan Edwards e aos Puritanos, bem como o experiencialismo Calvinista e o evangelho de somente a graça em Cristo somente. Por outro lado, integra algumas ideias de fora da tradição reformada. E isso nem sempre é algo ruim, pois podemos aprender de outras tradições. Todavia, neste caso, discordo profundamente de algumas de suas posições. 1) É um evolucionista teísta. 2) Às vezes, tende a ter uma ênfase desequilibrada em temas como a justiça social e a renovação cultural (o que tem levado a muitas igrejas locais influenciadas por ele a se envolver nas políticas de esquerda ou direita, cuja "ala" dependendo da localização da igreja), e (3) recentemente tem chamado minha atenção que sua igreja pratica a oração contemplativa, ou o misticismo católico, o que potencialmente poderia conduzir as pessoas a abraçar os perigosos ensinos da Contrarreforma de Ignácio de Loyola, San Juan de la Cruz, Santa Teresa de Ávila (místicos católicos) que ensinam (entre outras coisas) as ideias extra-bíblicas da perfeição cristã, visões e guia mística divina. Em minha opinião, algumas destas acomodações tendem a ser inconsistentes com o evangelho que de outra forma comunica tão poderosamente.
De modo que, uma palavra de precaução aos jovens cristãos que se emocionam demasiadamente com o seu material. Quase há um culto entre os ministros de a RUF e outros jovens que recentemente estão entrando na PCA. Isto poderia ser, potencialmente, algo pouco saudável. Somente quero que os leitores deem um passo à atrás por um segundo, e tomem em consideração estas coisas antes de sinceramente submergirem. Uma vez mais, seus livros sobre a idolatria, o matrimônio, a apologética, e especialmente seus livros sobre o evangelho, etc., são geralmente muito úteis, e essa é a razão pela qual os vendemos sem reservas. Amo seu Cristocentrismo, a sua ênfase na experiência e penso que comunica coisas de uma maneira muito útil, mas aponto com aguda exceção a sua evolução teísta, o seu ecumenismo e sua desequilibrada ênfase na justiça social. E jamais venderíamos, ou promoveríamos conscientemente nenhum recurso que promovesse especificamente estas ideias ou práticas errôneas.
Podemos estar em desacordo com um homem em muitas coisas e ainda assim pensar que as pessoas podem se beneficiar de seu ministério do evangelho. Sei que há um grupo de pessoas que preferiria que o retirássemos totalmente de nossa venda. Eu lhes agradeço por chamar a minha atenção para algumas destas coisas. Mas, depois de buscar conselho sobre isto da parte de outros pastores, sinto que uma advertência deste tipo é a melhor maneira de seguir adiante. Se estas advertências forem consideradas, então, creio que vocês serão abençoados pelo útil ministério do Dr. Tim Keller.
John Hendryx
Monergism Books
Extraído DAQUI em 17/10/2013.
Mas, sempre fui um admirador crítico de Tim Keller. Permita-me explicar. Por um lado, ele ama a Jonathan Edwards e aos Puritanos, bem como o experiencialismo Calvinista e o evangelho de somente a graça em Cristo somente. Por outro lado, integra algumas ideias de fora da tradição reformada. E isso nem sempre é algo ruim, pois podemos aprender de outras tradições. Todavia, neste caso, discordo profundamente de algumas de suas posições. 1) É um evolucionista teísta. 2) Às vezes, tende a ter uma ênfase desequilibrada em temas como a justiça social e a renovação cultural (o que tem levado a muitas igrejas locais influenciadas por ele a se envolver nas políticas de esquerda ou direita, cuja "ala" dependendo da localização da igreja), e (3) recentemente tem chamado minha atenção que sua igreja pratica a oração contemplativa, ou o misticismo católico, o que potencialmente poderia conduzir as pessoas a abraçar os perigosos ensinos da Contrarreforma de Ignácio de Loyola, San Juan de la Cruz, Santa Teresa de Ávila (místicos católicos) que ensinam (entre outras coisas) as ideias extra-bíblicas da perfeição cristã, visões e guia mística divina. Em minha opinião, algumas destas acomodações tendem a ser inconsistentes com o evangelho que de outra forma comunica tão poderosamente.
De modo que, uma palavra de precaução aos jovens cristãos que se emocionam demasiadamente com o seu material. Quase há um culto entre os ministros de a RUF e outros jovens que recentemente estão entrando na PCA. Isto poderia ser, potencialmente, algo pouco saudável. Somente quero que os leitores deem um passo à atrás por um segundo, e tomem em consideração estas coisas antes de sinceramente submergirem. Uma vez mais, seus livros sobre a idolatria, o matrimônio, a apologética, e especialmente seus livros sobre o evangelho, etc., são geralmente muito úteis, e essa é a razão pela qual os vendemos sem reservas. Amo seu Cristocentrismo, a sua ênfase na experiência e penso que comunica coisas de uma maneira muito útil, mas aponto com aguda exceção a sua evolução teísta, o seu ecumenismo e sua desequilibrada ênfase na justiça social. E jamais venderíamos, ou promoveríamos conscientemente nenhum recurso que promovesse especificamente estas ideias ou práticas errôneas.
Podemos estar em desacordo com um homem em muitas coisas e ainda assim pensar que as pessoas podem se beneficiar de seu ministério do evangelho. Sei que há um grupo de pessoas que preferiria que o retirássemos totalmente de nossa venda. Eu lhes agradeço por chamar a minha atenção para algumas destas coisas. Mas, depois de buscar conselho sobre isto da parte de outros pastores, sinto que uma advertência deste tipo é a melhor maneira de seguir adiante. Se estas advertências forem consideradas, então, creio que vocês serão abençoados pelo útil ministério do Dr. Tim Keller.
John Hendryx
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Extraído DAQUI em 17/10/2013.
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15 outubro 2013
Maldição hereditária, ou consequência de pecados pessoais?
Há alguns anos o meio evangélico têm se contaminado com uma perniciosa doutrina. Este ensino diz que: "apesar de você ter Jesus como o seu Salvador, e ser salvo, é possível que existam maldições hereditárias, ou seja, maldições por causa dos pecados de algum antepassado que não tenham sido perdoados, e que conseqüentemente, ainda recaem sobre a sua vida". Então, com esta doutrina se conclui que "por isso, você não é abençoado, não prosperá, e por causa disso você tem doenças e males que não consegue se livrar, apesar de ser salvo". Usam como base bíblica, geralmente, a passagem em que Deus declara que "visito a iniquidade dos pais nos filhos até à terceira e quarta geração daqueles que me aborrecem" (Êx 20:5). A Bíblia mal interpretada é a mãe das heresias! Esta ameaça pronunciada por Deus se refere aos que não eram salvos, e permaneciam na idolatria, desprezando ao único Deus vivo e verdadeiro. O Senhor não está declarando que apesar de convertidos Ele ainda assim persistirá em amaldiçoar por causa dos pecados dos pais! A maldição é para aqueles que aborrecem ao Senhor, e não sobre os que o amam; porque sobre os que amam o Senhor, a misericórdia perdurará até mil gerações! (Keil & Delitzsch, Biblical Commentary on the Old Testament, pp. 117-118).
É verdade que alguns textos nas Escrituras declaram que o pecado dos pais têm influência sobre a vida dos seus filhos (Lv 26:39; Is 55:7; Jr 16:11; Dn 9:16; Am 7:17). Mas, isto deve ser bem entendido, pois não é uma referência à maldição hereditária, mas à persistência dos filhos de não abandonar os pecados dos pais. Sendo fiéis ao contexto histórico de toda a narrativa, perceberemos que estas passagens são exortações ao arrependimento, porque a punição era por pecados que tiveram origem nos pais, ou antepassados mais remotos, mas eram pecados ainda perpetuados e praticados por eles mesmos. Nisto percebemos que o cultivo duma cultura familiar corrompida por vícios, idolatria e imoralidades, pecados que são cometidos em família, ensinados pelos pais aos filhos trará a ausência das bençãos pactuais de Deus, mas, cada um será responsável por si, e enquanto não houver verdadeiro arrependimento não haverá transformação.
Desde o Antigo Testamento esta ideia se fazia presente no meio do povo de Israel. O profeta Ezequiel denuncia o pecado do povo por acreditar "que tendes vós, vós que, acerca da terra de Israel, proferis este provérbio, dizendo: os pais comeram uvas verdes, e os dentes dos filhos é que se embotaram?" (Ez 18:2). Entretanto, após a repreensão segue a instrução do Senhor dizendo: "tão certo como eu vivo, diz o SENHOR Deus, jamais direis este provérbio em Israel. Eis que todas as almas são minhas; como a alma do pai, também a alma do filho é minha; a alma que pecar, essa morrerá (Ez 18:3-4). A argumentação do profeta continua em todo o contexto posterior, deixando bem claro que cada um é responsável pelos seus próprios pecados, e não será o filho punido por causa do pai, nem o pai por causa do filho (versos 5-22).
Os discípulos de Cristo necessitaram ser corrigidos deste erro. Numa certa ocasião encontraram um jovem cego de nascença, e questionaram: "mestre, quem pecou, este ou seus pais, para que nascesse cego?" (Jo 9:2). A redundante resposta de Jesus fechou o assunto, ao dizer que: "nem ele pecou, nem os seus pais; mas foi para que se manifestem nele as obras de Deus" (vs. 3). Os males físicos e temporais são instrumentos da providência de Deus, para que a Sua glória se manifeste no meio do Seu povo escolhido, e assim, a Sua vontade se torne conhecida (Jo 9:35-39; Rm 8:28).
Quando os verdadeiros crentes caem em pecado, mesmo pecados graves e escandalosos, eles não são abandonados por Deus. Deus nunca desiste deles (Rm 8:31-39). Como um Pai restaura os seus filhos, os disciplina “porque o Senhor corrige a quem ama e açoita a todo filho a quem recebe. É para disciplina que perseverais (Deus vos trata como filhos); pois que filho há que o pai não corrige? Mas, se estais sem correção, de que todos se têm tornado participantes, logo, sois bastardos e não filhos”(Hb 12:6, ARA). O apóstolo Paulo afirma esta mesma verdade dizendo que “quando, porém, somos julgados pelo Senhor, estamos sendo disciplinados para que não sejamos condenados com o mundo” (1 Co 11:32). É possível cair em pecado, mas é impossível cair da graça de Deus. O teólogo inglês J.I. Packer declara que "às vezes, os regenerados apostatam e caem em grave pecado. Mas nisto eles agem fora de seu caráter, violentam sua própria nova natureza e fazem-se profundamente miseráveis, até que finalmente buscam e encontram sua restauração à vida de retidão. Ao rever sua falta, ela lhes parece ter sido loucura."[Teologia Concisa, p. 224]. O pecado é corrigido individualmente.
Como individualmente pecamos, também somos chamados ao arrependimento! Não posso me arrepender por outra pessoa; entretanto, devo interceder por ela, se ela estiver viva. Não é possível pedir perdão pelos pecados dos meus filhos, nem irmãos, pais, avós ou qualquer outro antepassado. Pecado é confessado, e somente é perdoado pessoalmente. A Bíblia diz que as bençãos da Aliança acompanharão os nossos filhos, pois eles são filhos da promessa. Se você é filho de Deus, você é co-herdeiro com Cristo Jesus do amor de Deus (Rm 8:16-17), e esta é uma promessa para os seus filhos (At 2:39). Mas a Palavra de Deus não ensina que os nossos pecados serão cobrados dos nossos descendentes. Deus haveria de puni-los por uma irresponsabilidade nossa? A doutrina da maldição hereditária nega tanto a suficiência de Cristo, em perdoar graciosamente os nossos pecados, como a fidelidade de Deus em cumprir as Suas promessas.
Recomendo para uma leitura posterior:
1. David Powlison, Confrontos de Poder (Editora Cultura Cristã).
2. Augustus Nicodemus Lopes, Batalha Espiritual (Editora Cultura Cristã).
É verdade que alguns textos nas Escrituras declaram que o pecado dos pais têm influência sobre a vida dos seus filhos (Lv 26:39; Is 55:7; Jr 16:11; Dn 9:16; Am 7:17). Mas, isto deve ser bem entendido, pois não é uma referência à maldição hereditária, mas à persistência dos filhos de não abandonar os pecados dos pais. Sendo fiéis ao contexto histórico de toda a narrativa, perceberemos que estas passagens são exortações ao arrependimento, porque a punição era por pecados que tiveram origem nos pais, ou antepassados mais remotos, mas eram pecados ainda perpetuados e praticados por eles mesmos. Nisto percebemos que o cultivo duma cultura familiar corrompida por vícios, idolatria e imoralidades, pecados que são cometidos em família, ensinados pelos pais aos filhos trará a ausência das bençãos pactuais de Deus, mas, cada um será responsável por si, e enquanto não houver verdadeiro arrependimento não haverá transformação.
Desde o Antigo Testamento esta ideia se fazia presente no meio do povo de Israel. O profeta Ezequiel denuncia o pecado do povo por acreditar "que tendes vós, vós que, acerca da terra de Israel, proferis este provérbio, dizendo: os pais comeram uvas verdes, e os dentes dos filhos é que se embotaram?" (Ez 18:2). Entretanto, após a repreensão segue a instrução do Senhor dizendo: "tão certo como eu vivo, diz o SENHOR Deus, jamais direis este provérbio em Israel. Eis que todas as almas são minhas; como a alma do pai, também a alma do filho é minha; a alma que pecar, essa morrerá (Ez 18:3-4). A argumentação do profeta continua em todo o contexto posterior, deixando bem claro que cada um é responsável pelos seus próprios pecados, e não será o filho punido por causa do pai, nem o pai por causa do filho (versos 5-22).
Os discípulos de Cristo necessitaram ser corrigidos deste erro. Numa certa ocasião encontraram um jovem cego de nascença, e questionaram: "mestre, quem pecou, este ou seus pais, para que nascesse cego?" (Jo 9:2). A redundante resposta de Jesus fechou o assunto, ao dizer que: "nem ele pecou, nem os seus pais; mas foi para que se manifestem nele as obras de Deus" (vs. 3). Os males físicos e temporais são instrumentos da providência de Deus, para que a Sua glória se manifeste no meio do Seu povo escolhido, e assim, a Sua vontade se torne conhecida (Jo 9:35-39; Rm 8:28).
Quando os verdadeiros crentes caem em pecado, mesmo pecados graves e escandalosos, eles não são abandonados por Deus. Deus nunca desiste deles (Rm 8:31-39). Como um Pai restaura os seus filhos, os disciplina “porque o Senhor corrige a quem ama e açoita a todo filho a quem recebe. É para disciplina que perseverais (Deus vos trata como filhos); pois que filho há que o pai não corrige? Mas, se estais sem correção, de que todos se têm tornado participantes, logo, sois bastardos e não filhos”(Hb 12:6, ARA). O apóstolo Paulo afirma esta mesma verdade dizendo que “quando, porém, somos julgados pelo Senhor, estamos sendo disciplinados para que não sejamos condenados com o mundo” (1 Co 11:32). É possível cair em pecado, mas é impossível cair da graça de Deus. O teólogo inglês J.I. Packer declara que "às vezes, os regenerados apostatam e caem em grave pecado. Mas nisto eles agem fora de seu caráter, violentam sua própria nova natureza e fazem-se profundamente miseráveis, até que finalmente buscam e encontram sua restauração à vida de retidão. Ao rever sua falta, ela lhes parece ter sido loucura."[Teologia Concisa, p. 224]. O pecado é corrigido individualmente.
Como individualmente pecamos, também somos chamados ao arrependimento! Não posso me arrepender por outra pessoa; entretanto, devo interceder por ela, se ela estiver viva. Não é possível pedir perdão pelos pecados dos meus filhos, nem irmãos, pais, avós ou qualquer outro antepassado. Pecado é confessado, e somente é perdoado pessoalmente. A Bíblia diz que as bençãos da Aliança acompanharão os nossos filhos, pois eles são filhos da promessa. Se você é filho de Deus, você é co-herdeiro com Cristo Jesus do amor de Deus (Rm 8:16-17), e esta é uma promessa para os seus filhos (At 2:39). Mas a Palavra de Deus não ensina que os nossos pecados serão cobrados dos nossos descendentes. Deus haveria de puni-los por uma irresponsabilidade nossa? A doutrina da maldição hereditária nega tanto a suficiência de Cristo, em perdoar graciosamente os nossos pecados, como a fidelidade de Deus em cumprir as Suas promessas.
Recomendo para uma leitura posterior:
1. David Powlison, Confrontos de Poder (Editora Cultura Cristã).
2. Augustus Nicodemus Lopes, Batalha Espiritual (Editora Cultura Cristã).
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Ministro presbiteriano, escritor, tradutor, revisor e professor de teologia
05 outubro 2013
Ellen G. White falou a verdade? O testemunho dos Pais da Igreja.
Evidências históricas anteriores à Constantino
Sem recorrermos ao Novo Testamento como prova histórica,[1] é possível evidenciar documentalmente que os cristãos observaram o primeiro dia da semana desde os seus primórdios? Devemos recordar que o argumento de Ellen G. White é que o abandono do sétimo dia para a guarda do domingo somente ocorreu em 321 d.C. quando Constantino promulgou a “Lei Dominical”. Leiamos o que registraram os pais da Igreja, nos séculos que antecederam à Constantino, e a nossa conclusão poderá descansar sobre o firme alicerce da verdade.
Didaquê
O mais antigo manual de preparação de batismo e discipulado da Igreja Cristã (80-90 d.C.) conhecido por Didaquê instrui como deveria ser a vida comunitária. A orientação era de que “reúnam-se no dia do Senhor para partir o pão e agradecer, depois de ter confessado os pecados, para que o sacríficio de vocês seja puro.”[2] A expressão dia do Senhor, em grego kuriakê heméra e, em latim Dies Domini tornou-se o termo para indicar o primeiro dia da semana, a que chamamos de Domingo, o dia em que o Senhor ressuscitou!
Inácio de Antioquia
Inácio de Antioquia em sua Carta aos Magnésios (110 d.C.) declara que
A sistematização doutrinária exposta por Inácio aponta para a transição da antiga para a nova aliança. Esclarece que a ressurreição de Cristo é a causa da descontinuidade e acomodação para a nova ordem, e, isto inevitavelmente envolve a mudança do dia de descanso do sétimo para o primeiro dia da semana, inaugurando uma nova era.
Plínio “o jovem”
Conhecido por ser justo em seus julgamentos, Plínio “o jovem”, segundo o seu relato, procurava através de tortura e questionamentos descobrir o grau de culpabilidade do réu. Num período em que o imperador romano Trajano exigia a prisão, tortura, e dependendo do caso a pena de morte dos cristãos, e, neste contexto Plínio escreve uma carta questionando do motivo de prender e executá-los, se neles nenhum motivo de culpa era encontrado. Em 113 d.C., o relator descreve que os cristãos, sob tortura, confessaram que “unânimes em reconhecer que sua culpa se reduzia apenas a isso: em determinados dias, costumavam comer antes da alvorada e rezar responsivamente hinos a Cristo como a um deus...”.[4]
O testemunho do governador pagão expressou admiração com o costume cristão. Não havia nada de absurdo, nem ofensivo naquela religião. A menção de determinados dias confirma que as suas reuniões seguiam uma norma semanal, e que antes do amanhecer se reuniam.
A carta a Diogneto
O desconhecido escritor da Carta a Diogneto afirma que “não creio que tenhas necessidade de que eu te informe sobre o escrúpulo deles a respeito de certos alimentos, a sua superstição sobre os sábados...”.[5] Em 120 d.C., o contraste entre cristãos e judeus estava estabelecido, de modo que a guarda do sétimo dia era visto pelos cristãos como sendo uma superstição judaica, e não como algo normativo para a Igreja.
A carta de Bárnabé
Um importante documento histórico apresenta alguns traços do Cristianismo do século II. A “carta de Barnabé” não tem autoria certa, mas pelo seu conteúdo a crítica literária especializada em patrística é de consenso datá-la entre 134-135 d.C.. O autor interpreta o significado do sábado. Ele declara que
O seu conteúdo é abertamente contrário aos sistemas judaizantes. Nesta interpretação acerca do sábado, o autor contrasta entre o entendimento do Judaísmo e o Cristianismo.
Justino de Roma
O apologista cristão expressou que “no dia que se chama do sol, celebra-se uma reunião de todos os que moram nas cidades ou nos campos, e aí se lêem, enquanto o tempo o permite, as memórias dos apóstolos ou os escritos dos profetas.” Noutro lugar ele continua
A preocupação de Justino não era de firmar novas doutrinas, mas apenas de expor aos seus inquisitores o que era crença e prática tradional dentro do Cristianismo. A sua I Apologia é datada em 155 d.C. apontando para a proximidade da era apostólica, um período de pureza na fé cristã.
Irineu de Lião
Enquanto Justino defendia os cristãos diante dos governadores pagãos, Irineu se dedicava a atacar as heresias que brotavam dentro do Cristianismo. Irineu como apologista analisava os desvios doutrinários que haviam se infiltrado dentre os cristãos. Especificamente para o nosso propósito selecionamos os heréticos que se nomeavam ebionitas,[8] que segundo Irineu eles “praticam a circuncisão e continuam a observar a Lei e os costumes judaicos da vida e até adoram Jerusalém como se fosse a casa de Deus.”[9] Além de negar a salvação somente pela graça e a sua suficiência em Cristo, os ebionitas ensinavam uma redenção por meio da obediência da lei. Dentre os “costumes judaicos da vida” incluíam a prática de guardar o sétimo dia. Eles não entenderam a cessação dos aspectos civis da lei, nem o seu cumprimento cerimonial em Cristo, de modo que, persistiam em exigi-los como complemento da salvação, e nisto consistia a sua heresia. O livro Contra as Heresias é datado entre 180 a 190 d.C..
Tertuliano
No início do século III os cristãos demonstravam desprezo pelos costumes judaizantes. Em seu livro Da Idolatria, escrito entre os anos 200 e 210 d.C., Tertuliano declara que “não temos praticado os Shabbats ou, outras festividades judaicas, do mesmo modo que evitamos as práticas pagãs.”[10] A sua afirmação esclarece que, tanto a idolatria quanto práticas judaicas, eram evitadas no mesmo pé de igualdade. Não há dúvidas de que o descanso cristão no fim do século II era marcadamente o domingo, da mesma forma que o exclusivismo cristão testemunhava contra pagãos e judeus!
Conclusão
As evidências exigem um veredicto! A declaração da senhora Ellen G. White é insustentável por causa da ausência de fontes e de provas. A verdade está contra ela, pois todo testemunho histórico aponta para a celebração do primeiro dia da semana como sendo o santo dia de descanso, de comunhão e de celebração dos cristãos primitivos que antecederam a “Lei Dominical” de Constantino.
Todos os editos e leis foram promulgados para que os seus súditos incentivados por benefícios civis adotassem a religião cristã. O império romano estava se adaptando ao Cristianismo e não o contrário. Assim, o primeiro dia da semana tornou-se descanso civil, por ser tradicionalmente desde o final do primeiro século um dia reservado para o culto cristão.
Evidências históricas apontam para o favorecimento do imperador romano para o Cristianismo. O que vimos foi que a Igreja no período da Patrística não somente evitava a guarda do sétimo dia, mas desprezava-a como sendo superstição, idolatria e heresia judaizante! Não há no puro Cristianismo nenhum grupo, em nenhum lugar e período que celebrasse o sábado como o dia cristão.
Notas:
[1] Deixo esclarecido que aceito a plena inerrância e historicidade do Novo Testamento. Apenas não recorrerei a textos do NT para evitar uma discussão exegética, mantendo-me apenas na análise histórica extrabíblica. Aqueles que têm alguma dúvida quanto à historicidade do NT sugiro a leitura de Eta Linnermann, Crítica Histórica da Bíblia (São Paulo, Editora Cultura Cristã, 2009). Embora tenha pronto a argumentação bíblica, aqui será exposto apenas as evidências históricas.
[2] Didaquê in: Patrística (São Paulo, Editora Paulus, 1995), vol. 1, pág. 357.
[3] Inácio de Antioquia – Epístola aos Magnésios – Padres Apostólicos in: Patrística (São Paulo, Editora Paulus, 1995), vol. 1, pág. 94.
[4] Henry Bettenson, ed., Documentos da Igreja Cristã (São Paulo, ASTE, 4ªed., 2001), págs. 29-30.
[5] Carta a Diogneto – Pais Apologistas in: Patrística (São Paulo, Editora Paulus, 1995), vol. 2, pág. 21.
[6] Carta de Barnabé – Pais Apologistas in: Patrística (São Paulo, Editora Paulus, 1995), vol. 1, pág. 311.
[7] Justino de Roma, I Apologia in: Patrística (São Paulo, Editora Paulus, 2ªed., 1995), vol. 3, págs. 83-84.
[8] Sabe-se que “eram judeus que aceitavam Jesus como o Messias ao mesmo tempo em que continuavam a afirmar que Paulo era um apóstota da lei, negavam o nascimento virginal, praticavam a circuncisão, observavam o Sábado, a Páscoa e outras festividades judaicas”. Robert G. Clouse, et. al., Dois reinos (São Paulo, Editora Cultura Cristã, 2003), pág. 33.
[9] Irineu de Lião, Contra as Heresias in: Patrística (São Paulo, Editora Paulus, 2ª ed., 1995), vol. 4, pág. 108.
[10] Tertulian, On Idolatry in: Ante-Nicene Fathers, vol. 3, pág. 70 citado em G.H. Waterman, Sabbath in: The Zondervan Pictorial Encyclopedia of the Bible (Grand Rapids, Zondervan Publishing, 1977), vol. 5, pág. 187. Este pai da Igreja é conhecido por causa da sua ortodoxia trinitária. O termo “Trindade” foi cunhado por ele, e Philip Schaff concede-lhe o título de fundador do Cristianismo Latino.
Sem recorrermos ao Novo Testamento como prova histórica,[1] é possível evidenciar documentalmente que os cristãos observaram o primeiro dia da semana desde os seus primórdios? Devemos recordar que o argumento de Ellen G. White é que o abandono do sétimo dia para a guarda do domingo somente ocorreu em 321 d.C. quando Constantino promulgou a “Lei Dominical”. Leiamos o que registraram os pais da Igreja, nos séculos que antecederam à Constantino, e a nossa conclusão poderá descansar sobre o firme alicerce da verdade.
Didaquê
O mais antigo manual de preparação de batismo e discipulado da Igreja Cristã (80-90 d.C.) conhecido por Didaquê instrui como deveria ser a vida comunitária. A orientação era de que “reúnam-se no dia do Senhor para partir o pão e agradecer, depois de ter confessado os pecados, para que o sacríficio de vocês seja puro.”[2] A expressão dia do Senhor, em grego kuriakê heméra e, em latim Dies Domini tornou-se o termo para indicar o primeiro dia da semana, a que chamamos de Domingo, o dia em que o Senhor ressuscitou!
Inácio de Antioquia
Inácio de Antioquia em sua Carta aos Magnésios (110 d.C.) declara que
aqueles que viviam na antiga ordem de coisas chegaram à nova esperança, e não observam mais o sábado, mas o dia do Senhor, em que a nossa vida se levantou por meio dele e da sua morte. Alguns negam isso, mas é por meio desse mistério que recebemos a fé e no qual perseveramos para ser discípulos de Jesus Cristo, nosso único Mestre.[3]
A sistematização doutrinária exposta por Inácio aponta para a transição da antiga para a nova aliança. Esclarece que a ressurreição de Cristo é a causa da descontinuidade e acomodação para a nova ordem, e, isto inevitavelmente envolve a mudança do dia de descanso do sétimo para o primeiro dia da semana, inaugurando uma nova era.
Plínio “o jovem”
Conhecido por ser justo em seus julgamentos, Plínio “o jovem”, segundo o seu relato, procurava através de tortura e questionamentos descobrir o grau de culpabilidade do réu. Num período em que o imperador romano Trajano exigia a prisão, tortura, e dependendo do caso a pena de morte dos cristãos, e, neste contexto Plínio escreve uma carta questionando do motivo de prender e executá-los, se neles nenhum motivo de culpa era encontrado. Em 113 d.C., o relator descreve que os cristãos, sob tortura, confessaram que “unânimes em reconhecer que sua culpa se reduzia apenas a isso: em determinados dias, costumavam comer antes da alvorada e rezar responsivamente hinos a Cristo como a um deus...”.[4]
O testemunho do governador pagão expressou admiração com o costume cristão. Não havia nada de absurdo, nem ofensivo naquela religião. A menção de determinados dias confirma que as suas reuniões seguiam uma norma semanal, e que antes do amanhecer se reuniam.
A carta a Diogneto
O desconhecido escritor da Carta a Diogneto afirma que “não creio que tenhas necessidade de que eu te informe sobre o escrúpulo deles a respeito de certos alimentos, a sua superstição sobre os sábados...”.[5] Em 120 d.C., o contraste entre cristãos e judeus estava estabelecido, de modo que a guarda do sétimo dia era visto pelos cristãos como sendo uma superstição judaica, e não como algo normativo para a Igreja.
A carta de Bárnabé
Um importante documento histórico apresenta alguns traços do Cristianismo do século II. A “carta de Barnabé” não tem autoria certa, mas pelo seu conteúdo a crítica literária especializada em patrística é de consenso datá-la entre 134-135 d.C.. O autor interpreta o significado do sábado. Ele declara que
vede como ele diz: não são os sábados atuais que me agradam, mas aquele que eu fiz e no qual, depois de ter levado todas as coisas ao repouso, farei o início do oitavo dia, isto é, o começo de outro mundo. Eis por que celebramos como festa alegre o oitavo dia, no qual Jesus ressuscitou dos mortos e, depois de se manifestar, subiu aos céus.[6]
O seu conteúdo é abertamente contrário aos sistemas judaizantes. Nesta interpretação acerca do sábado, o autor contrasta entre o entendimento do Judaísmo e o Cristianismo.
Justino de Roma
O apologista cristão expressou que “no dia que se chama do sol, celebra-se uma reunião de todos os que moram nas cidades ou nos campos, e aí se lêem, enquanto o tempo o permite, as memórias dos apóstolos ou os escritos dos profetas.” Noutro lugar ele continua
celebramos essa reunião geral no dia do sol, porque foi o primeiro dia em que Deus transformando as trevas e a matéria, fez o mundo, e também o dia em que Jesus Cristo, nosso Salvador, ressuscitou dos mortos. Com efeito, sabe-se que o crucificaram um dia antes do dia de Saturno e no dia seguinte ao de Saturno, que é o dia do Sol, ele apareceu a seus apóstolos e discípulos, e nos ensinou essas mesmas doutrinas que estamos expondo para vosso exame.[7]
A preocupação de Justino não era de firmar novas doutrinas, mas apenas de expor aos seus inquisitores o que era crença e prática tradional dentro do Cristianismo. A sua I Apologia é datada em 155 d.C. apontando para a proximidade da era apostólica, um período de pureza na fé cristã.
Irineu de Lião
Enquanto Justino defendia os cristãos diante dos governadores pagãos, Irineu se dedicava a atacar as heresias que brotavam dentro do Cristianismo. Irineu como apologista analisava os desvios doutrinários que haviam se infiltrado dentre os cristãos. Especificamente para o nosso propósito selecionamos os heréticos que se nomeavam ebionitas,[8] que segundo Irineu eles “praticam a circuncisão e continuam a observar a Lei e os costumes judaicos da vida e até adoram Jerusalém como se fosse a casa de Deus.”[9] Além de negar a salvação somente pela graça e a sua suficiência em Cristo, os ebionitas ensinavam uma redenção por meio da obediência da lei. Dentre os “costumes judaicos da vida” incluíam a prática de guardar o sétimo dia. Eles não entenderam a cessação dos aspectos civis da lei, nem o seu cumprimento cerimonial em Cristo, de modo que, persistiam em exigi-los como complemento da salvação, e nisto consistia a sua heresia. O livro Contra as Heresias é datado entre 180 a 190 d.C..
Tertuliano
No início do século III os cristãos demonstravam desprezo pelos costumes judaizantes. Em seu livro Da Idolatria, escrito entre os anos 200 e 210 d.C., Tertuliano declara que “não temos praticado os Shabbats ou, outras festividades judaicas, do mesmo modo que evitamos as práticas pagãs.”[10] A sua afirmação esclarece que, tanto a idolatria quanto práticas judaicas, eram evitadas no mesmo pé de igualdade. Não há dúvidas de que o descanso cristão no fim do século II era marcadamente o domingo, da mesma forma que o exclusivismo cristão testemunhava contra pagãos e judeus!
Conclusão
As evidências exigem um veredicto! A declaração da senhora Ellen G. White é insustentável por causa da ausência de fontes e de provas. A verdade está contra ela, pois todo testemunho histórico aponta para a celebração do primeiro dia da semana como sendo o santo dia de descanso, de comunhão e de celebração dos cristãos primitivos que antecederam a “Lei Dominical” de Constantino.
Todos os editos e leis foram promulgados para que os seus súditos incentivados por benefícios civis adotassem a religião cristã. O império romano estava se adaptando ao Cristianismo e não o contrário. Assim, o primeiro dia da semana tornou-se descanso civil, por ser tradicionalmente desde o final do primeiro século um dia reservado para o culto cristão.
Evidências históricas apontam para o favorecimento do imperador romano para o Cristianismo. O que vimos foi que a Igreja no período da Patrística não somente evitava a guarda do sétimo dia, mas desprezava-a como sendo superstição, idolatria e heresia judaizante! Não há no puro Cristianismo nenhum grupo, em nenhum lugar e período que celebrasse o sábado como o dia cristão.
Notas:
[1] Deixo esclarecido que aceito a plena inerrância e historicidade do Novo Testamento. Apenas não recorrerei a textos do NT para evitar uma discussão exegética, mantendo-me apenas na análise histórica extrabíblica. Aqueles que têm alguma dúvida quanto à historicidade do NT sugiro a leitura de Eta Linnermann, Crítica Histórica da Bíblia (São Paulo, Editora Cultura Cristã, 2009). Embora tenha pronto a argumentação bíblica, aqui será exposto apenas as evidências históricas.
[2] Didaquê in: Patrística (São Paulo, Editora Paulus, 1995), vol. 1, pág. 357.
[3] Inácio de Antioquia – Epístola aos Magnésios – Padres Apostólicos in: Patrística (São Paulo, Editora Paulus, 1995), vol. 1, pág. 94.
[4] Henry Bettenson, ed., Documentos da Igreja Cristã (São Paulo, ASTE, 4ªed., 2001), págs. 29-30.
[5] Carta a Diogneto – Pais Apologistas in: Patrística (São Paulo, Editora Paulus, 1995), vol. 2, pág. 21.
[6] Carta de Barnabé – Pais Apologistas in: Patrística (São Paulo, Editora Paulus, 1995), vol. 1, pág. 311.
[7] Justino de Roma, I Apologia in: Patrística (São Paulo, Editora Paulus, 2ªed., 1995), vol. 3, págs. 83-84.
[8] Sabe-se que “eram judeus que aceitavam Jesus como o Messias ao mesmo tempo em que continuavam a afirmar que Paulo era um apóstota da lei, negavam o nascimento virginal, praticavam a circuncisão, observavam o Sábado, a Páscoa e outras festividades judaicas”. Robert G. Clouse, et. al., Dois reinos (São Paulo, Editora Cultura Cristã, 2003), pág. 33.
[9] Irineu de Lião, Contra as Heresias in: Patrística (São Paulo, Editora Paulus, 2ª ed., 1995), vol. 4, pág. 108.
[10] Tertulian, On Idolatry in: Ante-Nicene Fathers, vol. 3, pág. 70 citado em G.H. Waterman, Sabbath in: The Zondervan Pictorial Encyclopedia of the Bible (Grand Rapids, Zondervan Publishing, 1977), vol. 5, pág. 187. Este pai da Igreja é conhecido por causa da sua ortodoxia trinitária. O termo “Trindade” foi cunhado por ele, e Philip Schaff concede-lhe o título de fundador do Cristianismo Latino.
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04 outubro 2013
Visio Dei - a visão beatífica de Deus no Novo Céu
Os teólogos reformados falam da visão beatífica de Deus referindo-se àquele conhecimento que fará os glorificados plenamente felizes. R.J. Bauckman ainda nota que esta visão de Deus também tem “um contraste entre o conhecimento de Deus indireto, fragmentário e obscuro, que temos nesta vida, e a apreensão clara e direta de Deus, como ele é, a que aspiramos (1 Co 13:12).”[1] A ideia é de que na glorificação ao ver a Deus atingirão o ápice da satisfação celestial por ser ele o bem supremo. François Turretin a define como sendo “o perfeitíssimo e claro conhecimento de Deus e das coisas divinas, tais como podem pertencer a uma criatura finita, oposto ao conhecimento imperfeito e obscuro que é possuído aqui mediante a fé”.[2] No estado glorificado os salvos não precisarão mais da fé, porque eles verão a Deus sem a mediação da Escritura Sagrada. Assim, o futuro conhecimento de Deus será perfeito, sem interpretações errôneas, nem obscuras, porque eles receberão uma imediata revelação.
Deus nunca poderá ser visto pelos olhos físicos, mesmo estando os bem-aventurados em corpos glorificados. Quanto a isto Turretin argumenta que
A expectativa de uma visão de Deus é alimentada pelos crentes no decorrer de ambas as administrações da aliança. Na antiga aliança embora a revelação da consumação estivesse ainda um tanto que obscura, pode-se ler o registro do anseio que membros da aliança nutriam quanto à esperança futura de estarem ante a face de Deus (Sl 17:15; Mt 5:8; 1 Co 13:12; 1 Jo 3:2; Ap 22:3-4).
Quando olhamos para a história da igreja, percebe-se que Agostinho, no período da Patrística, foi quem melhor desenvolveu o conceito da visão beatífica. Alister McGrath nota que Agostinho ensinou que
Agostinho pressupondo a transformação do corpo para uma adaptada realidade espiritual, fala do modo como os glorificados verão a Deus. Ele declara que
Agostinho crê que após a transformação do corpo e de toda a criação, a revelação de Deus será imediata, de modo que o conhecimento no estado de glória ocorrerá além do que é físico.[6] Entretanto, ele declara confusamente que “por meio de olhos que em poder se assemelharão ao espírito” que é sua especulação, pois é “coisa difícil ou impossível de justificar por testemunhos das divinas Escrituras.”
A tradição medieval romana ensina que Deus pode ser visto em sua essência. J. Van Engen esclarece que
Diferentemente dos escolásticos romanos, os reformados assumiram que o conhecimento de Deus permaneceria limitado. Jacobus Altingius declara que os glorificados verão “a mais clara visão de Deus, que é a intuitiva percepção de Deus; e mental [visão] se a essência espiritual está na visão, e a ocular [visão] no Deus encarnado tal como os anjos têm.”[8] Embora haja desacordo entre os antigos reformados, luteranos e calvinistas, quanto ao modo que ocorrerá a visão beatífica, Antonius Walaeus afirma que “concordamos que a glória de Deus será mais plenamente vista na natureza humana de Cristo – todavia, admitimos que esta verdadeira visão, que é a suprema base da vida eterna, não será do que é corporal, mas com os olhos da alma”.[9] Por vezes, este conhecimento que será adquirido pelos glorificados é chamado de theologia beatorum. Richard A. Muller define a teologia beatífica, na perspectiva dos protestantes escolásticos, como sendo “a teologia que os benditos eleitos são capazes de conhecer no céu, em harmonia com o liber gloriae, o ‘o livro da glória’, e o lumen gloriae, a ‘luz da glória’.”[10] Este conhecimento não será uma visio Dei per essentiam, ou seja, de Deus em si, mas dado por ele através da criação redimida, do que será revelado em Cristo, e do que pode ser conhecido por intuição. O conhecimento dos glorificados será sempre uma theologia ectypa por ser finita e uma reflexão da divina theologia archetypa, que é o perfeito conhecimento de Deus de si mesmo.[11]
Klaas Schilder está correto em refutar a ideia de que poderemos ver a essência de Deus. Ele escreve que “estritamente falando não podemos conceber uma visio per essentiam de Deus. De fato, é uma tolice esperar que o homem possa um dia ver Deus em sua essência.”[12] Embora a revelação na nova terra seja àqueles que estarão num estado glorificado, ausentes de qualquer limitação imposta pelo pecado, ainda serão finitos, isto é, haverá uma incapacidade física, e Deus sempre será infinito. O corpo glorificado estará adaptado para receber o conhecimento que teremos de Deus, mas não será por meio de olhos físicos que veremos o Pai.
Como então conheceremos a Deus face a face, se não seremos capazes de ver a sua essência divina? Resumindo a perspectiva reformada, Herman Bavink declara que
Assim, embora teremos um conhecimento sobrenatural, e nunca antes experimentado, cremos que não veremos a Deus em essência com os nossos olhos físicos. Por isso, A.A. Hoekema afirma que “existência na nova terra será marcada por um perfeito conhecimento de Deus, perfeito gozo de Deus e perfeito serviço de Deus.”[14] E, teremos um conhecimento que será imediato, intuitivo, e uma percepção da luz da glória da sua presença.
Jesus Cristo continuará como mediador revelacional no futuro. Ele é Deus, e uma manifestação permanente de Deus ao seu povo. Durante a sua humilhação o nosso Redentor disse a Felipe que “há tanto tempo estou convosco, e não me tens conhecido? Quem me vê a mim vê o Pai” (Jo 14:9). Nele sempre veremos o Pai. Recentemente, dentre os reformados, quem mais escreveu acerca deste assunto foi Jonathan Edwards. Ele declarou que a visio Dei não será alguma coisa vista com os olhos físico, mas, que será uma visão intelectual pela qual Deus será visto. Noutro lugar ele completa que
Como atualmente no céu esta revelação continua sendo pela sua mediação, do mesmo modo, na nova terra continuará sendo Cristo o revelador da Trindade. Prudentemente pode-se concordar com G.C. Berkouwer que “a visão de Deus não é algo que nos está explicado, mas algo que é-nos prometido neste tempo que vemos somente através de um espelho de enigmas (1 Co 13:12).”[17] Assim, podemos inferir, sem todavia, avançar muito além dos limites da Escritura.
NOTAS:
[1] R.J. Bauckman, “Visão de Deus” in: Sinclair B. Ferguson, D.F. Wright & J.I. Packer, org., Novo Dicionário de Teologia (São Paulo, Editora Hagnos, 2009), p. 1192.
[2] François Turretin, Compêndio de Teologia Apologética (São Paulo, Editora Cultura Cristã, 2011), vol. 4, p. 729.
[3] François Turretin, Compêndio de Teologia Apologética, vol. 4, p. 729.
[4] Alister McGrath, Teologia – os fundamentos (São Paulo, Edições Loyola, 2009), pp. 223-224.
[5] Santo Agostinho, A Cidade de Deus (Bragança Paulista, Editora Universitária São Francisco, 7ª.ed., 2006), pp. 584-585.
[6] Os luteranos entendem a visão beatífica de Deus como não sucedendo meramente por contemplação mental (visio corporalis), mas especialmente pelos olhos físicos glorificados. John Theodore Mueller, Dogmática Cristã (Porto Alegre, Concórdia Editora, 4ª ed. rev., 2004), p. 593.
[7] J. Van Engen, “Visão Beatífica” in: Walter A. Elwell, ed., Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã (São Paulo, Edições Vida Nova, reimpressão em 1 volume, 2009), p. 628.
[8] Jacobus Altingius, Methodus Theologiae Didactiae (Opera, Amsterdam, 1687) citado em Heinrich Heppe, Reformed Dogmatics (London, Wakeman Great Reprints, s./.), p. 707.
[9] Antonius Walaeus, Loci communes s. Theologiae (Leiden, 1640) citado em Heinrich Heppe, Reformed Dogmatics, p. 707.
[10] Richard A. Muller, Dictionary of Latin and Greek Theological Terms (Grand Rapids, Baker Academics, 2006), p. 300.
[11] Richard A. Muller, Dictionary of Latin and Greek Theological Terms, pp. 299-300.
[12] Klaas Schilder, Heaven, What Is It? (Grand Rapids, Wm. B. Eerdmans Publishing Co., 1950), p. 64.
[13] Herman Bavink, Dogmática Reformada (São Paulo, Editora Cultura Cristã, 2011), vol. 4, pp. 721-722.
[14] A.A. Hoekema, A Bíblia e o futuro (São Paulo, Editora Cultura Cristã, 2010), p. 382
[15] Jonahtan Edwards, The works of Jonathan Edwards (Edinburgh, The Banner of Truth, 1997), vol. 2, p. 905-907.
[16] Jonanthan Edwards, The Sermons of Jonathan Edwards: A Reader, ed., Wilson H. Kimmach, Kenneth P. Minkema e Douglas A. Sweeney (New Heaven, Yale University Press, 1999), pp. 74-75 citado por Randon , El Cielo(Tyndale House publishers, 2004), p. 125.
[17] G.C. Berkouwer, The Return of Christ – Studies in Dogmatics (Grand Rapids, Wm. B. Eerdmans Publishing Co., 1972), p. 382.
Deus nunca poderá ser visto pelos olhos físicos, mesmo estando os bem-aventurados em corpos glorificados. Quanto a isto Turretin argumenta que
as Escrituras enumeram a invisibilidade entre as propriedades essenciais e imutáveis de Deus e negam ao homem não só o ato, mas também o poder de vê-lo. As passagens são: Cl 1:15; 1 Tm 1:17; 6:16; Hb 11:27; Êx 33:20. Deus é um Espírito incórporeo e simples, que consequentemente não pode enquadrar-se à sensação do corpo, porque o poder não vai além de seu próprio objeto. Terceiro, a visão ótica na outra vida sucederá à fé (2 Co 5:7). Ora, esta é mental e intelectual, não sensível. Finalmente, nem a totalidade da essência pode assim ser vista (porque não há proporção entre a faculdade e o objeto, entre o finito e o infinito), nem uma parte dela (porque assim ela viria a ser divisível e mortal).[3]
A expectativa de uma visão de Deus é alimentada pelos crentes no decorrer de ambas as administrações da aliança. Na antiga aliança embora a revelação da consumação estivesse ainda um tanto que obscura, pode-se ler o registro do anseio que membros da aliança nutriam quanto à esperança futura de estarem ante a face de Deus (Sl 17:15; Mt 5:8; 1 Co 13:12; 1 Jo 3:2; Ap 22:3-4).
Quando olhamos para a história da igreja, percebe-se que Agostinho, no período da Patrística, foi quem melhor desenvolveu o conceito da visão beatífica. Alister McGrath nota que Agostinho ensinou que
a visão de Deus possui uma capacidade única de satisfazer o desejo humano, ultrapassando absolutamente a capacidade de todo ser ou toda coisa criada. Tal visão é o summum bonum, o sumo bem, “a luz pela qual a verdade é recebida e a fonte da qual as bênçãos são absorvidas”.[4]
Agostinho pressupondo a transformação do corpo para uma adaptada realidade espiritual, fala do modo como os glorificados verão a Deus. Ele declara que
é possível e muito crível que na outra vida veremos de tal maneira os corpos mundanos do novo céu e da nova terra, que com clareza assombrosa veremos a Deus, que está presente em todas as partes e governa todas as coisas corporais; vê-lo-emos, por intermédio de nossos corpos transformados, e em todos os corpos a que volvermos os olhos. Vê-lo-emos não como agora vemos as coisas invisíveis de Deus, pelas coisas criadas, em espelho, em enigma e em parte, onde vale mais a fé com que cremos que a espécie das coisas corporais que vemos por meio dos olhos corpóreos. [...] Logo, veremos Deus por meio de olhos que em poder se assemelharão ao espírito, o que lhes permitirá ver também a natureza incorpórea, coisa difícil ou impossível de justificar por testemunhos das divinas Escrituras, ou, o que é mais fácil de entender, Deus ser-nos-á tão conhecido e tão visível, que com o espírito o veremos em nós, nos outros, em si mesmo, no novo céu e na nova terra, e em todo ser então subsistente. Vê-lo-emos também, pelo corpo, em todo corpo, aonde quer que os olhos espirituais do corpo espiritual se dirijam. Nossos pensamentos serão patentes a todos e mutuamente.[5]
Agostinho crê que após a transformação do corpo e de toda a criação, a revelação de Deus será imediata, de modo que o conhecimento no estado de glória ocorrerá além do que é físico.[6] Entretanto, ele declara confusamente que “por meio de olhos que em poder se assemelharão ao espírito” que é sua especulação, pois é “coisa difícil ou impossível de justificar por testemunhos das divinas Escrituras.”
A tradição medieval romana ensina que Deus pode ser visto em sua essência. J. Van Engen esclarece que
os teólogos medievais, especialmente Tomás de Aquino e outros, fortemente influenciados pela filosofia aristotélica, definiam a visão de Deus como uma intuição ou percepção direta da Sua própria existência (essentia) como um ato eterno do intelecto e como algo totalmente sobrenatural no seu caráter.[7]
Diferentemente dos escolásticos romanos, os reformados assumiram que o conhecimento de Deus permaneceria limitado. Jacobus Altingius declara que os glorificados verão “a mais clara visão de Deus, que é a intuitiva percepção de Deus; e mental [visão] se a essência espiritual está na visão, e a ocular [visão] no Deus encarnado tal como os anjos têm.”[8] Embora haja desacordo entre os antigos reformados, luteranos e calvinistas, quanto ao modo que ocorrerá a visão beatífica, Antonius Walaeus afirma que “concordamos que a glória de Deus será mais plenamente vista na natureza humana de Cristo – todavia, admitimos que esta verdadeira visão, que é a suprema base da vida eterna, não será do que é corporal, mas com os olhos da alma”.[9] Por vezes, este conhecimento que será adquirido pelos glorificados é chamado de theologia beatorum. Richard A. Muller define a teologia beatífica, na perspectiva dos protestantes escolásticos, como sendo “a teologia que os benditos eleitos são capazes de conhecer no céu, em harmonia com o liber gloriae, o ‘o livro da glória’, e o lumen gloriae, a ‘luz da glória’.”[10] Este conhecimento não será uma visio Dei per essentiam, ou seja, de Deus em si, mas dado por ele através da criação redimida, do que será revelado em Cristo, e do que pode ser conhecido por intuição. O conhecimento dos glorificados será sempre uma theologia ectypa por ser finita e uma reflexão da divina theologia archetypa, que é o perfeito conhecimento de Deus de si mesmo.[11]
Klaas Schilder está correto em refutar a ideia de que poderemos ver a essência de Deus. Ele escreve que “estritamente falando não podemos conceber uma visio per essentiam de Deus. De fato, é uma tolice esperar que o homem possa um dia ver Deus em sua essência.”[12] Embora a revelação na nova terra seja àqueles que estarão num estado glorificado, ausentes de qualquer limitação imposta pelo pecado, ainda serão finitos, isto é, haverá uma incapacidade física, e Deus sempre será infinito. O corpo glorificado estará adaptado para receber o conhecimento que teremos de Deus, mas não será por meio de olhos físicos que veremos o Pai.
Como então conheceremos a Deus face a face, se não seremos capazes de ver a sua essência divina? Resumindo a perspectiva reformada, Herman Bavink declara que
quando olhamos o espelho da revelação de Deus, vemos apenas sua imagem, mas então o veremos face à face e conheceremos como também somos conhecidos. Contemplação (visio), compreensão (comprehensio) e o desfrutar de Deus (fruitio Dei) compõem a essência de nossa bem-aventurança futura. Os redimidos veem Deus – de fato – não com olhos físicos, mas de uma forma que sobrepuja toda a revelação nesta dispensação feita por meio da natureza ou da Escritura. Assim, todos o conhecerão, cada um na medida de sua capacidade mental, com um conhecimento que tem sua imagem e semelhança no conhecimento de Deus – de forma direta, imediata, pura e sem ambiguidade. Então, eles receberão e possuirão tudo o que aguardam aqui, em esperança. Assim, contemplando e possuindo Deus, eles desfrutam dele e são abençoados em sua comunhão: abençoados em corpo e alma, intelecto e vontade.[13]
Assim, embora teremos um conhecimento sobrenatural, e nunca antes experimentado, cremos que não veremos a Deus em essência com os nossos olhos físicos. Por isso, A.A. Hoekema afirma que “existência na nova terra será marcada por um perfeito conhecimento de Deus, perfeito gozo de Deus e perfeito serviço de Deus.”[14] E, teremos um conhecimento que será imediato, intuitivo, e uma percepção da luz da glória da sua presença.
Jesus Cristo continuará como mediador revelacional no futuro. Ele é Deus, e uma manifestação permanente de Deus ao seu povo. Durante a sua humilhação o nosso Redentor disse a Felipe que “há tanto tempo estou convosco, e não me tens conhecido? Quem me vê a mim vê o Pai” (Jo 14:9). Nele sempre veremos o Pai. Recentemente, dentre os reformados, quem mais escreveu acerca deste assunto foi Jonathan Edwards. Ele declarou que a visio Dei não será alguma coisa vista com os olhos físico, mas, que será uma visão intelectual pela qual Deus será visto. Noutro lugar ele completa que
ver a Deus no corpo glorificado de Cristo é a maneira mais perfeita que existe de se ver a Deus com os olhos do corpo; porque se verá um corpo real, em que uma das pessoas da Trindade assumiu como seu corpo e nele habita para sempre como seu próprio corpo, no que a majestade divina e excelência aparecem tanto como é possível que se manifeste em forma visível ou figura.[16]
Como atualmente no céu esta revelação continua sendo pela sua mediação, do mesmo modo, na nova terra continuará sendo Cristo o revelador da Trindade. Prudentemente pode-se concordar com G.C. Berkouwer que “a visão de Deus não é algo que nos está explicado, mas algo que é-nos prometido neste tempo que vemos somente através de um espelho de enigmas (1 Co 13:12).”[17] Assim, podemos inferir, sem todavia, avançar muito além dos limites da Escritura.
NOTAS:
[1] R.J. Bauckman, “Visão de Deus” in: Sinclair B. Ferguson, D.F. Wright & J.I. Packer, org., Novo Dicionário de Teologia (São Paulo, Editora Hagnos, 2009), p. 1192.
[2] François Turretin, Compêndio de Teologia Apologética (São Paulo, Editora Cultura Cristã, 2011), vol. 4, p. 729.
[3] François Turretin, Compêndio de Teologia Apologética, vol. 4, p. 729.
[4] Alister McGrath, Teologia – os fundamentos (São Paulo, Edições Loyola, 2009), pp. 223-224.
[5] Santo Agostinho, A Cidade de Deus (Bragança Paulista, Editora Universitária São Francisco, 7ª.ed., 2006), pp. 584-585.
[6] Os luteranos entendem a visão beatífica de Deus como não sucedendo meramente por contemplação mental (visio corporalis), mas especialmente pelos olhos físicos glorificados. John Theodore Mueller, Dogmática Cristã (Porto Alegre, Concórdia Editora, 4ª ed. rev., 2004), p. 593.
[7] J. Van Engen, “Visão Beatífica” in: Walter A. Elwell, ed., Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã (São Paulo, Edições Vida Nova, reimpressão em 1 volume, 2009), p. 628.
[8] Jacobus Altingius, Methodus Theologiae Didactiae (Opera, Amsterdam, 1687) citado em Heinrich Heppe, Reformed Dogmatics (London, Wakeman Great Reprints, s./.), p. 707.
[9] Antonius Walaeus, Loci communes s. Theologiae (Leiden, 1640) citado em Heinrich Heppe, Reformed Dogmatics, p. 707.
[10] Richard A. Muller, Dictionary of Latin and Greek Theological Terms (Grand Rapids, Baker Academics, 2006), p. 300.
[11] Richard A. Muller, Dictionary of Latin and Greek Theological Terms, pp. 299-300.
[12] Klaas Schilder, Heaven, What Is It? (Grand Rapids, Wm. B. Eerdmans Publishing Co., 1950), p. 64.
[13] Herman Bavink, Dogmática Reformada (São Paulo, Editora Cultura Cristã, 2011), vol. 4, pp. 721-722.
[14] A.A. Hoekema, A Bíblia e o futuro (São Paulo, Editora Cultura Cristã, 2010), p. 382
[15] Jonahtan Edwards, The works of Jonathan Edwards (Edinburgh, The Banner of Truth, 1997), vol. 2, p. 905-907.
[16] Jonanthan Edwards, The Sermons of Jonathan Edwards: A Reader, ed., Wilson H. Kimmach, Kenneth P. Minkema e Douglas A. Sweeney (New Heaven, Yale University Press, 1999), pp. 74-75 citado por Randon , El Cielo(Tyndale House publishers, 2004), p. 125.
[17] G.C. Berkouwer, The Return of Christ – Studies in Dogmatics (Grand Rapids, Wm. B. Eerdmans Publishing Co., 1972), p. 382.
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27 setembro 2013
A disciplina de presbíteros e diáconos
O Senhor Jesus afirma que a quem maior autoridade é dada, maior será o grau de responsabilidade diante dele. Na parábola do servo vigilante lemos que “àquele, porém, que não soube a vontade do seu senhor e fez cousas dignas de reprovação levará poucos açoites. Mas aquele quem muito foi dado, muito lhe será exigido; e aquele a quem muito se confia, muito mais lhe pedirão” (Lc 12:48, ARA). Os presbíteros e diáconos são capacitados com dons específicos, e recebem o reconhecimento da igreja e são revestidos de autoridade por Cristo para liderarem o rebanho. Por estes motivos, não podem ser relapsos, nem irresponsáveis com os seus deveres cristãos em todas as áreas da sua vida. Eles prestarão contas, de um modo especial. Se fiéis em seu dever a sua honra será maior, entretanto, também será proporcional o escândalo se houver queda.[1]
A sábia orientação do apóstolo deve ser observada diligentemente. Escrevendo ao jovem pastor Timóteo adverte que “não aceites denúncia contra presbítero, senão exclusivamente sob o depoimento de duas ou três testemunhas. Quanto aos que vivem no pecado, repreende-os na presença de todos, para que também os demais temam (1 Tm 5:19-20, ARA). Não se deve aceitar qualquer acusação contra um presbítero, a não ser que seja endossado pelo testemunho verbal de duas ou três pessoas, e que sejam fidedignas. William Hendriksen comenta que “não se deve prejudicar desnecessariamente a reputação de um presbítero, e sua obra não deve sofrer uma interrupção desnecessária.”[2] O mesmo poderia ser concluído acerca dos diáconos. O livro de Provérbios observa que “mais vale o bom nome do que as muitas riquezas; e o ser estimado é melhor do que a prata e o ouro” (Pv 22:1).
Uma vez comprovado que um presbítero tenha realmente cometido pecado que exija disciplina pública os demais não podem se omitir de repreendê-lo. Hendriksen esclarece que
Porque Paulo evoca a indispensável presença de testemunhas para se acusar um presbítero? Este é um direito de todo crente, tanto na antiga como na nova Aliança (Nm 35:30; Dt 17:6; Mt 18:16; Jo 5:31; 8:14). Comentando este verso, João Calvino sugere que
O reformador genebrino sabia pessoalmente o que era ser acusado, e ter o nome caluniado na boca de pessoas perversas. É inevitável as falsas acusações, o próprio Senhor Jesus as sofreu, mas, elas não devem encontrar provas. Não quero dizer com isto que os pecados devem ser encobertos, mas, sim, que o oficial deve ser irrepreensível, de tal modo que, não haja do que acusá-lo com provas!
Em seu ofício de governo os presbíteros não podem se iludir pensando que se tornaram intocáveis. O Conselho não possui imunidade diante da justiça de Deus. John Murray comenta que
Os pecados dos presbíteros e dos diáconos são como os de qualquer outro membro da igreja local. Mas, por causa da sua posição dentro do corpo de Cristo e a sua responsabilidade de ser exemplo dos fiéis, o seu escândalo tem maior repercussão.
NOTAS:
[1] Na eclesiologia presbiteriana os ofícios são apenas dois: presbíteros e diáconos. Entretanto, o presbítero pode ser regente ou docente, sendo este último, comumente chamado de pastor.
[2] William Hendriksen, Comentário do Novo Testamento – 1 Timóteo, 2 Timóteo e Tito (São Paulo, Editora Cultura Cristã), p. 228.
[3] William Hendriksen, Comentário do Novo Testamento – 1 Timóteo, 2 Timóteo e Tito, p. 228.
[4] João Calvino, Comentário do Novo Testamento das Pastorais – 1 Timóteo, 2 Timóteo e Tito (São Paulo, Edições Parácletos), p. 150, 151.
[5] John Murray, Collected Writings: The Claims of Truth (Edinburgh, The Truth of Trust), vol.1, p. 262.
A sábia orientação do apóstolo deve ser observada diligentemente. Escrevendo ao jovem pastor Timóteo adverte que “não aceites denúncia contra presbítero, senão exclusivamente sob o depoimento de duas ou três testemunhas. Quanto aos que vivem no pecado, repreende-os na presença de todos, para que também os demais temam (1 Tm 5:19-20, ARA). Não se deve aceitar qualquer acusação contra um presbítero, a não ser que seja endossado pelo testemunho verbal de duas ou três pessoas, e que sejam fidedignas. William Hendriksen comenta que “não se deve prejudicar desnecessariamente a reputação de um presbítero, e sua obra não deve sofrer uma interrupção desnecessária.”[2] O mesmo poderia ser concluído acerca dos diáconos. O livro de Provérbios observa que “mais vale o bom nome do que as muitas riquezas; e o ser estimado é melhor do que a prata e o ouro” (Pv 22:1).
Uma vez comprovado que um presbítero tenha realmente cometido pecado que exija disciplina pública os demais não podem se omitir de repreendê-lo. Hendriksen esclarece que
os presbíteros que andam por vias pecaminosas não devem ser poupados. Aliás, seus pecados devem ser punidos ainda com mais severidade do que os demais. A lei fazia a mesma distinção (Lv 4:22, 27). Timóteo devia não só fazer com que seu pecado ferisse sua consciência, mas que, no caso deles, isso fosse feito não privativamente, nem na presença de apenas uns poucos (Mt 18:15-17), mas publicamente, ou seja, na presença de todo o consistório, para que os demais presbíteros também viessem a sentir-se cheios de um piedoso temor de praticar o mal (cf. Gn 39:9; Sl 19:13).[3]
Porque Paulo evoca a indispensável presença de testemunhas para se acusar um presbítero? Este é um direito de todo crente, tanto na antiga como na nova Aliança (Nm 35:30; Dt 17:6; Mt 18:16; Jo 5:31; 8:14). Comentando este verso, João Calvino sugere que
ninguém é mais exposto a calúnias e insultos do que os mestres piedosos. E isso provém não só das dificuldades de seus deveres, os quais são às vezes tão volumosos que, ou vão a pique, ou cambaleiam, ou param hesitantes, ou dão um passo em falso, de maneira que os perversos encontram muitas ocasiões de deparar-se com algum defeito deles; mas também que, mesmo quando executam corretamente todos os seus deveres, e não cometem nem sequer um erro mínimo, jamais conseguem evitar mil e uma críticas. (...) Satanás faz com muitas pessoas, na verdade quase todas, sejam tão crédulas que, sem qualquer investigação, pressurosamente condenam seus pastores, cujo bom nome deveriam esforçar-se a defender.[4]
O reformador genebrino sabia pessoalmente o que era ser acusado, e ter o nome caluniado na boca de pessoas perversas. É inevitável as falsas acusações, o próprio Senhor Jesus as sofreu, mas, elas não devem encontrar provas. Não quero dizer com isto que os pecados devem ser encobertos, mas, sim, que o oficial deve ser irrepreensível, de tal modo que, não haja do que acusá-lo com provas!
Em seu ofício de governo os presbíteros não podem se iludir pensando que se tornaram intocáveis. O Conselho não possui imunidade diante da justiça de Deus. John Murray comenta que
é na igreja que a supervisão é exercida. Existe aqui uma sutil e necessária distinção. Enquanto a supervisão é sobre a igreja, ela não está acima de algo da qual os presbíteros se isentam. Os presbíteros não são senhores sobre a herança do Senhor; eles mesmos fazem parte do rebanho e devem ser exemplos para ele. A Escritura tem um modo singular de enfatizar a unidade e diversidade, e neste caso, a diversidade que reside no exercício do governo é mantida na mesma proporção em que lembramos que os presbíteros também são sujeitos ao governo que eles exercem sobre outros. Presbíteros são membros do corpo de Cristo e estão sujeitos à mesma espécie de governo da qual eles são administradores.[5]
Os pecados dos presbíteros e dos diáconos são como os de qualquer outro membro da igreja local. Mas, por causa da sua posição dentro do corpo de Cristo e a sua responsabilidade de ser exemplo dos fiéis, o seu escândalo tem maior repercussão.
NOTAS:
[1] Na eclesiologia presbiteriana os ofícios são apenas dois: presbíteros e diáconos. Entretanto, o presbítero pode ser regente ou docente, sendo este último, comumente chamado de pastor.
[2] William Hendriksen, Comentário do Novo Testamento – 1 Timóteo, 2 Timóteo e Tito (São Paulo, Editora Cultura Cristã), p. 228.
[3] William Hendriksen, Comentário do Novo Testamento – 1 Timóteo, 2 Timóteo e Tito, p. 228.
[4] João Calvino, Comentário do Novo Testamento das Pastorais – 1 Timóteo, 2 Timóteo e Tito (São Paulo, Edições Parácletos), p. 150, 151.
[5] John Murray, Collected Writings: The Claims of Truth (Edinburgh, The Truth of Trust), vol.1, p. 262.
Ministro presbiteriano, escritor, tradutor, revisor e professor de teologia
21 setembro 2013
Para estudar o Catecismo de Heidelberg
A minha primeira leitura do Catecismo de Heidelberg foi quase fortuita. Eu era um calouro no Seminário Teológico Presbiteriano JMC e havia recebido alguns livros do Editorial FeLiRe, dentre eles veio uma cópia do CH[1] em espanhol. Desde a primeira leitura fiquei fascinado pela simplicidade da linguagem e profundidade teológica contida numa estrutura tão bem elaborada. Recordo que no decorrer dos cinco anos de estudos teológicos, por motivo devocional, li o texto pelo menos dez vezes. E desde então, continuo estudando e sendo confortado e instruído por ele. O meu interesse em usá-lo com certa assiduidade aumentou, apesar de não ser um documento confessional exigido pela IPB.
O que desejo fazer neste breve artigo, que melhor seria nomeado de nota sugestiva, é indicar alguns recursos literários para o estudo continuado e tirar melhor proveito do Catecismo de Heidelberg. Há pouca produção literária no Brasil acerca do CH. Embora a Editora Cultura Cristã e a Editora Os Puritanos tenham publicado boas traduções e tornado acessível ao público comum para o uso litúrgico [em especial como diretório para pregação], ou discipulado e preparo de novos membros e, ou ainda como estudo continuado para treinamento de líderes das igrejas locais, há muito o que se estudar acerca do Catecismo de Heidelberg, bem como do seu conteúdo. Comemorando hoje os 450 anos do CH, deixo esta introdução como um desafio aos novos estudantes de teologia do século XXI.
TEXTOS DO CATECISMO DE HEIDELBERG DE DIFERENTES TRADUÇÕES
1. Claúdio A. Marra, ed., Confissão Belga e Catecismo de Heidelberg (São Paulo, Editora Cultura Cristã, 2005). Tradução pela comissão da Missão Reformada no Brasil a partir do texto francês.
2. Heraldo F. de Almeida, ed., As Três Formas de Unidade – Confissão Belga, Catecismo de Heidelberg e Cânones de Dort (Recife, CLIRE, 2ª ed., 2009). Tradução pelo Marcos Vasconcelos a partir do texto inglês.
3. Philip Schaff, “The Heidelberg Catechism” in: The Creeds of Christendom – with a History and Critical Notes (Grand Rapids, Baker Books, 6ª ed., 2007), vol. 3, pp. 307-355. Tradução feita em 1859 pela comissão da Igreja Reformada Alemã dos EUA [GRCUS] a partir do texto alemão.
4. El Catecismo de Heidelberg – Enseñanza de la Doctrina Cristiana (Barcelona, FeLiRe, 1993). Traduzido por Juan T. Sanz a partir do francês e latim.
5. James T. Dennison, Jr., org., “The Heidelberg Catechism (1563)” in: Reformed Confessions of the 16th and 17th Centuries in English Translation – 1552-1566 (Grand Rapids, Reformed Heritage Books, 2008), vol. 2, pp. 769-799. Tradução feita em 1978 pela comissão da Igreja Reformada dos EUA [RCUS] a partir do texto alemão.
Recentemente foram publicadas outras traduções comemorativas dos 450 anos do CH. Estas foram vertidas para o inglês moderno com breves notas históricas. Embora existam versões inglesas preparadas por comissões denominacionais que exprimem a pesquisa crítica de variantes e a comparação de traduções antigas como o alemão, latim e francês, as traduções recentes propõe apresentar o texto numa linguagem contemporâneo com qualidade acadêmica. Estas novas traduções podem ser compradas em alguns sites.
RECURSOS DIGITAIS PARA O ESTUDO DO CH:
1. Uma tradução livre do texto do catecismo – [ clique aqui ]
2. Um artigo introdutório da histórica - [ clique aqui ]
3. Site com subsídios para estudo do CH - [ clique aqui ]
RECURSO PARA A PESQUISA HISTÓRICA
1. Lyle D. Bierma, org., A Firm Foundation – An Aid to Interpreting the Heidelberg Catechism – Capar Olevianus (Carlisle, Paternoster Press & Grand Rapids, Baker Books, 1995). O texto é uma tradução do comentário de Caspar Olevianus, escrito em 1567 sobre parte do CH. Este comentário é feito a partir da seção da “Nossa Libertação” – Domingos 7 e 8 - abrangendo as perguntas 20 a 25 que é o Credo Apostólico. O título original “Um firme fundamento, que são os artigos da antiga, verdadeira e indubitável fé cristã” revela a importância do Credo Apostólico para Olevianus.
2. Karin Maag, ed., Melanchthon in Europe – His Work and Influence beyond Wittenberg (Carlisle, Paternoster Press & Grand Rapids, Baker Books, 1999). O livro pesquisa o contexto histórico, o desenvolvimento e a influência teologia de Philip Melanchthon na Europa. O Dr. Lyle D. Bierma, no capítulo 5, dedica-se a resolver a problematização de como o preceptor da Alemanha teria influenciado na teologia do CH. Como o assunto é tema de debate, Bierma levanta a questão com o provocador título “What hath Wittenberg to do with Heidelberg? Philip Melanchthon and the Heidelberg Catechism” [Qual a relação de Wittenberg com Heidelberg? Philip Melanchthon e o Catecismo de Heidelberg]. O artigo aponta e examina os argumentos da vasta literatura que sugere a dependência direta, temática e estrutural. Entretanto, apesar de encontrar similaridades, e de Zacharias Ursinus ter se formado sob a tutela de Melanchthon, Bierma questiona a relação de ambos a partir de desenvolvimentos contextuais temáticos comuns a possibilidade de dependência indireta, bem indica outras possíveis fontes literárias para a formação do CH. No fim de seu artigo ele conclui que “a dificuldade de demonstrar a influência é agravada pelo fato de que conhecemos tão pouco da verdadeira preparação do catecismo e do que Frederick III estava buscando com um consenso confessional entre os partidos protestantes de Heidelberg.”[2] Assim, se houve uma influência de Melanchthon sobre a teologia do CH esta foi indireta, pela formação de Ursinus e por desenvolvimento dos temas que concorriam no contexto reformado alemão, tanto luterano como calvinista.
3. Lyle D. Bierma, ed., Introdução ao Catecismo de Heidelberg – fonte, história – teologia (São Paulo, Editora Cultura Cristã, 2010). O livro é resultado de um desafio proposto pelo Dr. Fred H. Klooster ao Dr. Bierma para a produção de artigos acadêmicos sobre o CH. O livro é dividido em 2 partes: na primeira parte [pp. 15-151], os autores oferecem uma introdução histórica abrangendo a Reforma no Palatinado, bem como as origens, autoria, fontes e a orientação teológica do CH. A Dra. Karin Y. Maag prepara o capítulo 4 indica as primeiras edições e traduções do CH. E, para quem deseja continuar os estudos nesta área, o capítulo 5 apresenta uma vasta bibliografia de pesquisa sobre o CH desde 1900. Na segunda parte [pp. 155-239], Bierma trás uma tradução revisada dos Catecismos de Zacharias Ursinus, acrescida uma introdução histórica. A importância destes dois documentos confessionais é que eles constituem em fonte para o CH, e possibilidade um estudo comparativo do que seria a posição teológica exclusiva de Ursinus.
4. Lyle D. Bierma, The Theology of the Heidelberg Catechism: A Reformation Synthesis – Columbia Series in Reformed Theology (Louisville, Westminster John Konx Press, 2013).
5. Jon D. Payne & Sebastian Heck, org., A Faith Worth Teaching: The Heidelberg’s Enduring Heritage (Grand Rapids, Reformed Heritage Books, 2013).
COMENTÁRIOS DO CATECISMO:
1. Fred H. Klooster, Our only comfort: a comprehensive commentary on the Heidelberg Catechism (Grand Rapids, CRC Publications, 2001), 2 volumes.
2. J.C. Janse, La confesión de la iglesia – comentario al Catecismo de Heidelberg (Barcelona, FeLiRe, 2000).
3. Herman Hofman, El Catecismo de Heidelberg – uma explicación (Moral de Calatrava, Editorial Peregrino, 2010).
4. G.H. Kersten, The Heidelberg Catechism in Fifty-two Sermons (Sioux Center, Netherlands Reformed Book and Publishing, 1992).
5. Herman Hoeksema, Triple Knowledge – An exposition of the Heidelberg Catechism (Grand Rapids, Reformed Free Publishing Association., 1990), 3 volumes.
6. George W. Bethune, Guilt, Grace and Gratitude: Lectures on Heidelberg Catechism (Edinbrugh, The Banner of Truth, 2001), 2 volumes.
7. G.I. Williamson, The Heidelberg Catechism: A Study Guide (Philladelphia, P&R Publishing Company, 1993).
8. Otto Thelemann, An aid to the Heidelberg Catechism (Grand Rapids, Douma Publications, 1959).
9. Zacharias Ursinus, The Commentary of Dr. Zacharias Ursinus on the Heidelberg Catechism (Phillipsburg, P&R Publishing Company, s./d.).
NOTAS:
[1] Doravante usarei a sigla CH para Catecismo de Heidelberg.
[2] Lyle D. Bierma, “What hath Wittenberg to do with Heidelberg? Philip Melanchthon and the Heidelberg Catechism” in: Melanchthon in Europe – His work and influence beyond Wittenberg, p. 120.
O que desejo fazer neste breve artigo, que melhor seria nomeado de nota sugestiva, é indicar alguns recursos literários para o estudo continuado e tirar melhor proveito do Catecismo de Heidelberg. Há pouca produção literária no Brasil acerca do CH. Embora a Editora Cultura Cristã e a Editora Os Puritanos tenham publicado boas traduções e tornado acessível ao público comum para o uso litúrgico [em especial como diretório para pregação], ou discipulado e preparo de novos membros e, ou ainda como estudo continuado para treinamento de líderes das igrejas locais, há muito o que se estudar acerca do Catecismo de Heidelberg, bem como do seu conteúdo. Comemorando hoje os 450 anos do CH, deixo esta introdução como um desafio aos novos estudantes de teologia do século XXI.
TEXTOS DO CATECISMO DE HEIDELBERG DE DIFERENTES TRADUÇÕES
1. Claúdio A. Marra, ed., Confissão Belga e Catecismo de Heidelberg (São Paulo, Editora Cultura Cristã, 2005). Tradução pela comissão da Missão Reformada no Brasil a partir do texto francês.
2. Heraldo F. de Almeida, ed., As Três Formas de Unidade – Confissão Belga, Catecismo de Heidelberg e Cânones de Dort (Recife, CLIRE, 2ª ed., 2009). Tradução pelo Marcos Vasconcelos a partir do texto inglês.
3. Philip Schaff, “The Heidelberg Catechism” in: The Creeds of Christendom – with a History and Critical Notes (Grand Rapids, Baker Books, 6ª ed., 2007), vol. 3, pp. 307-355. Tradução feita em 1859 pela comissão da Igreja Reformada Alemã dos EUA [GRCUS] a partir do texto alemão.
4. El Catecismo de Heidelberg – Enseñanza de la Doctrina Cristiana (Barcelona, FeLiRe, 1993). Traduzido por Juan T. Sanz a partir do francês e latim.
5. James T. Dennison, Jr., org., “The Heidelberg Catechism (1563)” in: Reformed Confessions of the 16th and 17th Centuries in English Translation – 1552-1566 (Grand Rapids, Reformed Heritage Books, 2008), vol. 2, pp. 769-799. Tradução feita em 1978 pela comissão da Igreja Reformada dos EUA [RCUS] a partir do texto alemão.
Recentemente foram publicadas outras traduções comemorativas dos 450 anos do CH. Estas foram vertidas para o inglês moderno com breves notas históricas. Embora existam versões inglesas preparadas por comissões denominacionais que exprimem a pesquisa crítica de variantes e a comparação de traduções antigas como o alemão, latim e francês, as traduções recentes propõe apresentar o texto numa linguagem contemporâneo com qualidade acadêmica. Estas novas traduções podem ser compradas em alguns sites.
RECURSOS DIGITAIS PARA O ESTUDO DO CH:
1. Uma tradução livre do texto do catecismo – [ clique aqui ]
2. Um artigo introdutório da histórica - [ clique aqui ]
3. Site com subsídios para estudo do CH - [ clique aqui ]
RECURSO PARA A PESQUISA HISTÓRICA
1. Lyle D. Bierma, org., A Firm Foundation – An Aid to Interpreting the Heidelberg Catechism – Capar Olevianus (Carlisle, Paternoster Press & Grand Rapids, Baker Books, 1995). O texto é uma tradução do comentário de Caspar Olevianus, escrito em 1567 sobre parte do CH. Este comentário é feito a partir da seção da “Nossa Libertação” – Domingos 7 e 8 - abrangendo as perguntas 20 a 25 que é o Credo Apostólico. O título original “Um firme fundamento, que são os artigos da antiga, verdadeira e indubitável fé cristã” revela a importância do Credo Apostólico para Olevianus.
2. Karin Maag, ed., Melanchthon in Europe – His Work and Influence beyond Wittenberg (Carlisle, Paternoster Press & Grand Rapids, Baker Books, 1999). O livro pesquisa o contexto histórico, o desenvolvimento e a influência teologia de Philip Melanchthon na Europa. O Dr. Lyle D. Bierma, no capítulo 5, dedica-se a resolver a problematização de como o preceptor da Alemanha teria influenciado na teologia do CH. Como o assunto é tema de debate, Bierma levanta a questão com o provocador título “What hath Wittenberg to do with Heidelberg? Philip Melanchthon and the Heidelberg Catechism” [Qual a relação de Wittenberg com Heidelberg? Philip Melanchthon e o Catecismo de Heidelberg]. O artigo aponta e examina os argumentos da vasta literatura que sugere a dependência direta, temática e estrutural. Entretanto, apesar de encontrar similaridades, e de Zacharias Ursinus ter se formado sob a tutela de Melanchthon, Bierma questiona a relação de ambos a partir de desenvolvimentos contextuais temáticos comuns a possibilidade de dependência indireta, bem indica outras possíveis fontes literárias para a formação do CH. No fim de seu artigo ele conclui que “a dificuldade de demonstrar a influência é agravada pelo fato de que conhecemos tão pouco da verdadeira preparação do catecismo e do que Frederick III estava buscando com um consenso confessional entre os partidos protestantes de Heidelberg.”[2] Assim, se houve uma influência de Melanchthon sobre a teologia do CH esta foi indireta, pela formação de Ursinus e por desenvolvimento dos temas que concorriam no contexto reformado alemão, tanto luterano como calvinista.
3. Lyle D. Bierma, ed., Introdução ao Catecismo de Heidelberg – fonte, história – teologia (São Paulo, Editora Cultura Cristã, 2010). O livro é resultado de um desafio proposto pelo Dr. Fred H. Klooster ao Dr. Bierma para a produção de artigos acadêmicos sobre o CH. O livro é dividido em 2 partes: na primeira parte [pp. 15-151], os autores oferecem uma introdução histórica abrangendo a Reforma no Palatinado, bem como as origens, autoria, fontes e a orientação teológica do CH. A Dra. Karin Y. Maag prepara o capítulo 4 indica as primeiras edições e traduções do CH. E, para quem deseja continuar os estudos nesta área, o capítulo 5 apresenta uma vasta bibliografia de pesquisa sobre o CH desde 1900. Na segunda parte [pp. 155-239], Bierma trás uma tradução revisada dos Catecismos de Zacharias Ursinus, acrescida uma introdução histórica. A importância destes dois documentos confessionais é que eles constituem em fonte para o CH, e possibilidade um estudo comparativo do que seria a posição teológica exclusiva de Ursinus.
4. Lyle D. Bierma, The Theology of the Heidelberg Catechism: A Reformation Synthesis – Columbia Series in Reformed Theology (Louisville, Westminster John Konx Press, 2013).
5. Jon D. Payne & Sebastian Heck, org., A Faith Worth Teaching: The Heidelberg’s Enduring Heritage (Grand Rapids, Reformed Heritage Books, 2013).
COMENTÁRIOS DO CATECISMO:
1. Fred H. Klooster, Our only comfort: a comprehensive commentary on the Heidelberg Catechism (Grand Rapids, CRC Publications, 2001), 2 volumes.
2. J.C. Janse, La confesión de la iglesia – comentario al Catecismo de Heidelberg (Barcelona, FeLiRe, 2000).
3. Herman Hofman, El Catecismo de Heidelberg – uma explicación (Moral de Calatrava, Editorial Peregrino, 2010).
4. G.H. Kersten, The Heidelberg Catechism in Fifty-two Sermons (Sioux Center, Netherlands Reformed Book and Publishing, 1992).
5. Herman Hoeksema, Triple Knowledge – An exposition of the Heidelberg Catechism (Grand Rapids, Reformed Free Publishing Association., 1990), 3 volumes.
6. George W. Bethune, Guilt, Grace and Gratitude: Lectures on Heidelberg Catechism (Edinbrugh, The Banner of Truth, 2001), 2 volumes.
7. G.I. Williamson, The Heidelberg Catechism: A Study Guide (Philladelphia, P&R Publishing Company, 1993).
8. Otto Thelemann, An aid to the Heidelberg Catechism (Grand Rapids, Douma Publications, 1959).
9. Zacharias Ursinus, The Commentary of Dr. Zacharias Ursinus on the Heidelberg Catechism (Phillipsburg, P&R Publishing Company, s./d.).
NOTAS:
[1] Doravante usarei a sigla CH para Catecismo de Heidelberg.
[2] Lyle D. Bierma, “What hath Wittenberg to do with Heidelberg? Philip Melanchthon and the Heidelberg Catechism” in: Melanchthon in Europe – His work and influence beyond Wittenberg, p. 120.
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Ministro presbiteriano, escritor, tradutor, revisor e professor de teologia
07 agosto 2013
A memória dos glorificados
O que conheceremos no estado de glorificação não anulará o que aprendemos no tempo presente. Então, surge a questão se teremos lembrança de quem fomos aqui, de nossos parentes e amigos, das coisas boas e tristes que ocorreram conosco quando estivermos no novo céu e nova terra? Mas será que a Escritura nada tem a nos dizer acerca disto?
Este estudo não se refere à memória dos salvos ou condenados durante o estado intermediário, comumente chamado céu e inferno, mas ao seu estado eterno após o juízo final. Pelas evidências bíblicas sabemos que aqueles que estão no céu ou no inferno usufruem de consciência e memória dos seus sofrimentos, ou, clamam dia e noite para que Deus manifeste a sua justiça sobre os ímpios (Lc 16:19-31; Ap 6:9-11).
A problematização toda se resume no fato de que há quem pense que, após o juízo final, não haverá nenhuma recordação dos eventos passados. Concluem que quando Deus estabelecer definitivamente a realidade do novo céu e da nova terra, Ele anulará toda lembrança que envolve sofrimento. Um escritor afirmou que “sequer recordaremos deste velho mundo a que chamamos terra... não poderemos ainda que o queiramos. Simplesmente não virá às nossas mentes.”[1] De modo semelhante Millard Erickson opina que
Ele crê que haveria completa descontinuidade de conhecimento entre o tempo presente e o futuro. Seria como se Deus simplesmente apagasse a memória dos glorificados, fazendo-os esquecer de tudo o que se refere ao sofrimento em seu estado decaído e, desfazendo toda relação mental com aqueles que foram condenados à punição eterna, cancelando deste modo as suas recordações acerca de quem eram, ou quais vínculos afetivos tiveram anteriormente. Erickson ainda pressupõe que saber que os seus amados não desfrutarão da vida celestial, causaria um sofrimento desnecessário e impróprio, visto ser este eterno estado somente de satisfação na presença gozosa do Senhor Deus. Entretanto, esse pensamento não condiz com o ensino das Escrituras, e preserva uma errônea premissa de que será anulada a recordação dos efeitos do pecado naquele estado de glória.
Pensemos em algumas questões para que cheguemos a uma conclusão segura neste assunto. Não há na Escritura claro ensino de que Deus apagará a memória dos salvos que estão no céu, neste tempo intermediário; nem mesmo há indicação bíblica de que no futuro os glorificados não terão memória das coisas passadas. Memória e identidade mantêm relações inseparáveis. O que Carter Lindberg afirma da memória no tempo presente também pode ser declarado para os que estarão no estado de glorificação, ou seja, a “perda da memória não é apenas a ausência de ‘fatos’ – é a perda da identidade pessoal, familiar, amigos e de todo o complexo de significados da vida.”[3] Deus ressuscitará a uns e transformará a outros, mas a glorificação não anulará a identidade essencial de ninguém. Os ressurretos serão funcionalmente perfeitos em todas as suas faculdades.
Será que na perfeita eternidade seremos menos inteligentes do que no presente tempo afetado pelo pecado? Wayne Grudem comentando 1 Co 13:12 interpreta que Paulo “diz apenas que conheceremos de modo mais completo ou intenso, ‘como também somos conhecidos’, ou seja, sem nenhum erro nem interpretação incorreta em nosso conhecimento.”[4] O discernimento e a sabedoria serão dominantes em nosso senso crítico e conheceremos perfeitamente com a mente de Cristo.
Após a glorificação usufruiremos de uma inteligência que será capaz de assimilar e relacionar informações entre si, e mais, uma inteligência emocional glorificada. Não estaremos mais sujeitos a afeições pecaminosas, nem tenderemos a sentimentos desordenados e, deste modo, a memória não será instigada com emoções corrompidas por vingança, amargura, insatisfação, trauma ou algo que possa causar sofrimento como neste tempo presente. Mesmo que nos lembremos de situações entristecedoras, eventos dolorosos e pecados vergonhosos, estas recordações não produzirão algum tipo de depressão, nem suscitarão traumas, mas exaltará a misericórdia de Deus!
No estado futuro o corpo será glorificado como o do nosso Senhor Jesus (1 Co 15:35-49). Embora houvesse descontinuidade da aparência afetada pelas consequências do pecado e da terrível tortura sofrida antes e durante a crucificação, podemos perceber que a mente de nosso Senhor permaneceu intacta após a ressurreição. Ele sabia, recordava e ainda repreendeu os discípulos por não crerem naquilo que ele havia ensinado antes de ser preso. No céu os filhos de Deus têm a sua memória preservada, então, por que devemos crer que no novo céu ela deixará de existir?
Lemos nas Escrituras, que os redimidos no céu estão louvando a Deus cantando “Santo, Santo, Santo é o Senhor Deus, o Todo-Poderoso, aquele que era, que é e que há de vir” (Ap 4:8). Em sua visão o apóstolo João descreve que “quando ele abriu o quinto selo, vi debaixo do altar as almas daqueles que haviam sido mortos por causa da palavra de Deus e do testemunho que deram. Eles clamavam em alta voz: ‘Até quando, ó Soberano santo e verdadeiro, esperarás para julgar os habitantes da terra e vingar o nosso sangue?’ Então cada um deles recebeu uma veste branca, e foi-lhes dito que esperassem um pouco mais, até que se completasse o número dos seus conservos e irmãos, que deveriam ser mortos como eles” (Ap 6:9-11). Há neles uma consciência das coisas passadas que lhes ocorreram por causa de sua submissão ao Evangelho de Cristo. Eles não estão invocando por algo que não sabem, nem clamando por alguma coisa que não recordam!
A perda de memória afetaria os motivos de gratidão de louvor a Deus realizado no passado.[5] Eles adorariam a Deus por tão grande salvação, ou, pelos livramentos, e ainda, pela providência nas necessidades, ou, pelo conforto em meio à dor e perseguições e à humilhação desmedida? A história exemplifica o testemunho de milhares de mártires que viveram e morreram, cantando adoração fielmente a Cristo Jesus.
Os saduceus em sua capciosa questão, pressupondo a não ressurreição futura, interpelam a Jesus acerca de quem seria o esposo da mulher que tivesse se casado sucessivamente com sete irmãos (Mt 22:23-29). Tanto a pergunta dos saduceus, como a resposta de Cristo, implicam que a viúva e os seus maridos se reconheceriam na ressurreição, por haver continuidade de memória, entretanto, não seriam mais cônjuges, pois haverá uma descontinuidade de relação marital entre eles.[6]
Devemos considerar que a perda de memória de tudo o que viveram e dos seus conhecidos, também seria uma forma de sofrimento. Aqueles que convivem com pessoas que padecem do mal de Alzheimer sabem o quanto é doloroso a anulação de suas lembranças, porque envolve a anulação de identidade e vínculos afetivos. A memória preservada poderá trazer algum sofrimento inicial, mas seremos suficientemente confortados na nova terra. A lembrança de eventos dolorosos será interpretada à luz da providência de Deus. Ali entenderemos tudo o que o Senhor quiser nos revelar, pois, por enquanto somos incapazes de compreender.
A ausência de pessoas amadas será aceita por submissão à soberania de Deus (Rm 9:1-18; 11:33-36). A nossa percepção da justiça de Deus será perfeita em contraste com a perversidade de seus pecados contra a divina santidade, e a sua consequente e merecida condenação eterna. Neste aspecto se o nosso amor por nossos familiares e amigos for maior do que o nosso amor e temor pelo Senhor, então estamos desalinhados do propósito de Deus. Os maiores motivos de consolo diante de possíveis lembranças tristes será uma visão gloriosa, bem como a gozosa presença e a comunhão perfeita de Deus (Ap 22:1-4). Jonathan Edwards sustentou que “a felicidade do [novo] céu é progressiva e tem vários períodos nos quais tem um novo e glorioso avanço que consiste em contemplar as manifestações que Deus fez de si mesmo na obra da redenção.”[7] Todos os salvos de todas as épocas se reconhecerão porque Deus revelará a identidade de cada um.
Não há motivos para temermos ter memória no novo céu e nova terra. Tudo o que lembrarmos em estado perfeito de glorificação, sem conflitos e desordens, será conforme a finalidade para a qual fomos primeiramente criados: a glória do Senhor!
NOTAS:
[1] Salem Kirban, What is Heaven like? (Huntingdon Valley, Second Coming, 1991), p. 8.
[2] Millard Erickson, Teología Sistemática (Barcelona, Editorial CLIE, 2a.ed., 2008), p. 1236.
[3] Carter Lindberg, Uma Breve História do Cristianismo (São Paulo, Edições Loyola, 2008), p. 15.
[4] Wayne Grudem, Teologia Sistemática (São Paulo, Edições Vida Nova, 1999), p. 994.
[5] No ano de 1546, Felipe Melanchton pronunciou um discurso em memória ao falecido Martinho Lutero. Nesta preleção ele disse “recordemos com grande deleite como [Lutero] narrou a trajetória, os conselhos, os perigos e aventuras dos profetas e a erudição com que dissertou sobre os períodos da Igreja, mostrando dessa forma que estava ardendo com uma paixão extraordinária por esses maravilhosos homens. Agora eles o recebem com alegria como um companheiro e agradecem a Deus com ele por tê-los reunido e preservado a Igreja.” W. Robertson Nicoll, Reunion in Eternity (New York, George H. Doran Publishers, 1919), p. 117-118.
[6] E.H. Jonhson, An Outline of Systematic Theology (Philadelphia, American Baptist Publication Society, 1895), p. 308.
[7] John Gerstner, Jonathan Edwards on Heaven and Hell (Grand Rapids, Baker Books, 1980), p. 24.
Este estudo não se refere à memória dos salvos ou condenados durante o estado intermediário, comumente chamado céu e inferno, mas ao seu estado eterno após o juízo final. Pelas evidências bíblicas sabemos que aqueles que estão no céu ou no inferno usufruem de consciência e memória dos seus sofrimentos, ou, clamam dia e noite para que Deus manifeste a sua justiça sobre os ímpios (Lc 16:19-31; Ap 6:9-11).
A problematização toda se resume no fato de que há quem pense que, após o juízo final, não haverá nenhuma recordação dos eventos passados. Concluem que quando Deus estabelecer definitivamente a realidade do novo céu e da nova terra, Ele anulará toda lembrança que envolve sofrimento. Um escritor afirmou que “sequer recordaremos deste velho mundo a que chamamos terra... não poderemos ainda que o queiramos. Simplesmente não virá às nossas mentes.”[1] De modo semelhante Millard Erickson opina que
poderíamos deduzir que não recordaremos de nossos fracassos, pecados passados, nem das pessoas amadas que tenhamos perdido, pois isto introduziria uma pena que é incompatível com “Deus enxugará toda dos seus olhos; e não mais haverá a morte, nem pranto, nem clamor ou dor, porque as primeiras coisas passaram” (Ap 21:4).[2]
Ele crê que haveria completa descontinuidade de conhecimento entre o tempo presente e o futuro. Seria como se Deus simplesmente apagasse a memória dos glorificados, fazendo-os esquecer de tudo o que se refere ao sofrimento em seu estado decaído e, desfazendo toda relação mental com aqueles que foram condenados à punição eterna, cancelando deste modo as suas recordações acerca de quem eram, ou quais vínculos afetivos tiveram anteriormente. Erickson ainda pressupõe que saber que os seus amados não desfrutarão da vida celestial, causaria um sofrimento desnecessário e impróprio, visto ser este eterno estado somente de satisfação na presença gozosa do Senhor Deus. Entretanto, esse pensamento não condiz com o ensino das Escrituras, e preserva uma errônea premissa de que será anulada a recordação dos efeitos do pecado naquele estado de glória.
Pensemos em algumas questões para que cheguemos a uma conclusão segura neste assunto. Não há na Escritura claro ensino de que Deus apagará a memória dos salvos que estão no céu, neste tempo intermediário; nem mesmo há indicação bíblica de que no futuro os glorificados não terão memória das coisas passadas. Memória e identidade mantêm relações inseparáveis. O que Carter Lindberg afirma da memória no tempo presente também pode ser declarado para os que estarão no estado de glorificação, ou seja, a “perda da memória não é apenas a ausência de ‘fatos’ – é a perda da identidade pessoal, familiar, amigos e de todo o complexo de significados da vida.”[3] Deus ressuscitará a uns e transformará a outros, mas a glorificação não anulará a identidade essencial de ninguém. Os ressurretos serão funcionalmente perfeitos em todas as suas faculdades.
Será que na perfeita eternidade seremos menos inteligentes do que no presente tempo afetado pelo pecado? Wayne Grudem comentando 1 Co 13:12 interpreta que Paulo “diz apenas que conheceremos de modo mais completo ou intenso, ‘como também somos conhecidos’, ou seja, sem nenhum erro nem interpretação incorreta em nosso conhecimento.”[4] O discernimento e a sabedoria serão dominantes em nosso senso crítico e conheceremos perfeitamente com a mente de Cristo.
Após a glorificação usufruiremos de uma inteligência que será capaz de assimilar e relacionar informações entre si, e mais, uma inteligência emocional glorificada. Não estaremos mais sujeitos a afeições pecaminosas, nem tenderemos a sentimentos desordenados e, deste modo, a memória não será instigada com emoções corrompidas por vingança, amargura, insatisfação, trauma ou algo que possa causar sofrimento como neste tempo presente. Mesmo que nos lembremos de situações entristecedoras, eventos dolorosos e pecados vergonhosos, estas recordações não produzirão algum tipo de depressão, nem suscitarão traumas, mas exaltará a misericórdia de Deus!
No estado futuro o corpo será glorificado como o do nosso Senhor Jesus (1 Co 15:35-49). Embora houvesse descontinuidade da aparência afetada pelas consequências do pecado e da terrível tortura sofrida antes e durante a crucificação, podemos perceber que a mente de nosso Senhor permaneceu intacta após a ressurreição. Ele sabia, recordava e ainda repreendeu os discípulos por não crerem naquilo que ele havia ensinado antes de ser preso. No céu os filhos de Deus têm a sua memória preservada, então, por que devemos crer que no novo céu ela deixará de existir?
Lemos nas Escrituras, que os redimidos no céu estão louvando a Deus cantando “Santo, Santo, Santo é o Senhor Deus, o Todo-Poderoso, aquele que era, que é e que há de vir” (Ap 4:8). Em sua visão o apóstolo João descreve que “quando ele abriu o quinto selo, vi debaixo do altar as almas daqueles que haviam sido mortos por causa da palavra de Deus e do testemunho que deram. Eles clamavam em alta voz: ‘Até quando, ó Soberano santo e verdadeiro, esperarás para julgar os habitantes da terra e vingar o nosso sangue?’ Então cada um deles recebeu uma veste branca, e foi-lhes dito que esperassem um pouco mais, até que se completasse o número dos seus conservos e irmãos, que deveriam ser mortos como eles” (Ap 6:9-11). Há neles uma consciência das coisas passadas que lhes ocorreram por causa de sua submissão ao Evangelho de Cristo. Eles não estão invocando por algo que não sabem, nem clamando por alguma coisa que não recordam!
A perda de memória afetaria os motivos de gratidão de louvor a Deus realizado no passado.[5] Eles adorariam a Deus por tão grande salvação, ou, pelos livramentos, e ainda, pela providência nas necessidades, ou, pelo conforto em meio à dor e perseguições e à humilhação desmedida? A história exemplifica o testemunho de milhares de mártires que viveram e morreram, cantando adoração fielmente a Cristo Jesus.
Os saduceus em sua capciosa questão, pressupondo a não ressurreição futura, interpelam a Jesus acerca de quem seria o esposo da mulher que tivesse se casado sucessivamente com sete irmãos (Mt 22:23-29). Tanto a pergunta dos saduceus, como a resposta de Cristo, implicam que a viúva e os seus maridos se reconheceriam na ressurreição, por haver continuidade de memória, entretanto, não seriam mais cônjuges, pois haverá uma descontinuidade de relação marital entre eles.[6]
Devemos considerar que a perda de memória de tudo o que viveram e dos seus conhecidos, também seria uma forma de sofrimento. Aqueles que convivem com pessoas que padecem do mal de Alzheimer sabem o quanto é doloroso a anulação de suas lembranças, porque envolve a anulação de identidade e vínculos afetivos. A memória preservada poderá trazer algum sofrimento inicial, mas seremos suficientemente confortados na nova terra. A lembrança de eventos dolorosos será interpretada à luz da providência de Deus. Ali entenderemos tudo o que o Senhor quiser nos revelar, pois, por enquanto somos incapazes de compreender.
A ausência de pessoas amadas será aceita por submissão à soberania de Deus (Rm 9:1-18; 11:33-36). A nossa percepção da justiça de Deus será perfeita em contraste com a perversidade de seus pecados contra a divina santidade, e a sua consequente e merecida condenação eterna. Neste aspecto se o nosso amor por nossos familiares e amigos for maior do que o nosso amor e temor pelo Senhor, então estamos desalinhados do propósito de Deus. Os maiores motivos de consolo diante de possíveis lembranças tristes será uma visão gloriosa, bem como a gozosa presença e a comunhão perfeita de Deus (Ap 22:1-4). Jonathan Edwards sustentou que “a felicidade do [novo] céu é progressiva e tem vários períodos nos quais tem um novo e glorioso avanço que consiste em contemplar as manifestações que Deus fez de si mesmo na obra da redenção.”[7] Todos os salvos de todas as épocas se reconhecerão porque Deus revelará a identidade de cada um.
Não há motivos para temermos ter memória no novo céu e nova terra. Tudo o que lembrarmos em estado perfeito de glorificação, sem conflitos e desordens, será conforme a finalidade para a qual fomos primeiramente criados: a glória do Senhor!
NOTAS:
[1] Salem Kirban, What is Heaven like? (Huntingdon Valley, Second Coming, 1991), p. 8.
[2] Millard Erickson, Teología Sistemática (Barcelona, Editorial CLIE, 2a.ed., 2008), p. 1236.
[3] Carter Lindberg, Uma Breve História do Cristianismo (São Paulo, Edições Loyola, 2008), p. 15.
[4] Wayne Grudem, Teologia Sistemática (São Paulo, Edições Vida Nova, 1999), p. 994.
[5] No ano de 1546, Felipe Melanchton pronunciou um discurso em memória ao falecido Martinho Lutero. Nesta preleção ele disse “recordemos com grande deleite como [Lutero] narrou a trajetória, os conselhos, os perigos e aventuras dos profetas e a erudição com que dissertou sobre os períodos da Igreja, mostrando dessa forma que estava ardendo com uma paixão extraordinária por esses maravilhosos homens. Agora eles o recebem com alegria como um companheiro e agradecem a Deus com ele por tê-los reunido e preservado a Igreja.” W. Robertson Nicoll, Reunion in Eternity (New York, George H. Doran Publishers, 1919), p. 117-118.
[6] E.H. Jonhson, An Outline of Systematic Theology (Philadelphia, American Baptist Publication Society, 1895), p. 308.
[7] John Gerstner, Jonathan Edwards on Heaven and Hell (Grand Rapids, Baker Books, 1980), p. 24.
Ministro presbiteriano, escritor, tradutor, revisor e professor de teologia
29 junho 2013
Eu amo o Brasil e não é Capitalismo ou Socialismo que o salvará!
Amo o Brasil. Permita-me dizer isso mais alto: AMO O BRASIL! E penso que não é levantando bandeira capitalista ou socialista que tudo se resolverá.
Em poucos países usufruo de liberdade como nele. Aqui eu posso falar, escrever e expressar o que penso e o que creio. Posso me reunir com quem quiser e onde quiser. Trabalho onde quero, e no que amo, e ganho o suficiente para sustentar dignamente a minha família. Tenho a opção de colocar os meus filhos pra estudar em escola pública ou privada. Posso lanchar em qualquer lugar, e comer em restaurantes [onde o meu limitado, planejado e suado dinheiro consegue pagar - é óbvio kkkk].
O meu computador não é um MAC, mas não tenho inveja de quem tem, nem demonizo-o por tê-lo "em detrimento da miséria que há no meu país". Pelo contrário, fico feliz por quem pode ter tão boa tecnologia. Não tenho IPad, mas tenho o privilégio de ter um IPhone [... pagando em muitos meses] e gosto do conforto que ele me dá.
Não penso que temos que alimentar ódio por quem tem dinheiro, ou riquezas. Nem que devemos saquear dos ricos para dar aos pobres. Roubar sempre é pecado! Mas acredito que pessoas devem trabalhar em condições dignas. Precisam ter oportunidades para o estudo e profissionalização para que possam empreender, ou empregar-se no mercado de trabalho com possibilidade de sustento próprio. A Bíblia reprova enfaticamente a avareza, a preguiça, a procrastinação e a inveja ou a ganância, e não o enriquecer licitamente pelo trabalho ou justo investimento no mercado.
Ainda não tenho casa própria, mas pretendo ter. Por assim, dizer "sou sem-teto" kkkk, mas não pretendo invadir nenhuma propriedade e tomá-la à força. Pretendo financiar, e se Deus me capacitar, penso que conseguirei pagá-la em 20 ou 30 anos. E quando estiver velhinho desejo ter a consciência tranquila de que o tenho, não obtive de modo vergonhoso e racionalizado.
Talvez, você me pergunte se me preocupo com os que vivem na miséria e abaixo da linha da pobreza. Se a sua pergunta pressupõe que não, confesso que me sinto ofendido com ela. Mas, ainda assim prefiro te responder o seguinte: por causa do meu compromisso com o Senhor Deus, que é um Deus justo e verdadeiro, tenho sim, compromisso com a justiça, definida biblicamente, em defender o direito do "órfão, da viúva e do estrangeiro". E entendo que qualquer transformação social somente ocorrerá pela pregação e aplicação do evangelho de Cristo. Afirmo: o Cristianismo não é capitalista bem como também não é socialista.
Sinto vergonha de muita coisa, apesar de muito amar o Brasil. Sinto vergonha quando políticos corruptos roubam nossa pátria amada. Também sinto profunda tristeza das favelas, e mendigos que clamam por um pedaço de pão murcho, ou de viciados que andarilham às ruas sem sentido em sua vida. A fome é algo que dói e a miséria mata sonhos e alegrias do tempo presente. Reconheço que o problema é maior do que o próprio governo consegue resolver, porque países de "primeiro mundo" também os têm, pois o problema em última análise não é social ou econômico e, sim existencial e desestruturas familiares.
Desde os meus 17 anos me sustento e não moro com meus pais. Há completos 20 anos que não dependo financeiramente de meus pais, embora seja verdade que em alguns momentos precisei deles, e prontamente me ajudaram. Gostaria de ter certeza de que essa moçada que saí as ruas e gritam mudança por um país melhor, pelo menos ajudam a mãe a lavar a louça em casa, ou que não precisam pedir dinheiro pro pai para pagar o lanche para a namorada ou recarregar o seu celular. Se quisermos justiça primeiro temos que ser maduros e ter o mínimo de competência para saber o que queremos e somos capazes de fazer.
Quero que o meu país mude, e mude para melhor, com mais justiça cristã na educação, saúde e segurança. Não é desrespeitando, xingando, nem com vandalismos que isso será possível. Não creio que a ganância tão comum no Capitalismo, ou o pseudo-igualitarismo no Socialismo fará a nossa nação um paraíso onde todos gozarão de justiça.
Amo o Brasil e se quero construir um futuro melhor, não será ofendendo ou agredindo aqueles que amo, ou que ainda considero meus amigos. Se quero justiça, não posso fazer injustiça com eles. A Escritura nos ordena para que "não nos cansemos de fazer o bem, pois no tempo próprio colheremos, se não desanimarmos.Portanto, enquanto temos oportunidade, façamos o bem a todos, especialmente aos da família da fé" (Gálatas 6:9-10, NVI).
"Quero, pois, que os homens orem em todo lugar, levantando mãos santas, sem ira e sem discussões" (1 Timóteo 2:8, NVI)
Deus nos abençoe nestes dias conturbados.
Em poucos países usufruo de liberdade como nele. Aqui eu posso falar, escrever e expressar o que penso e o que creio. Posso me reunir com quem quiser e onde quiser. Trabalho onde quero, e no que amo, e ganho o suficiente para sustentar dignamente a minha família. Tenho a opção de colocar os meus filhos pra estudar em escola pública ou privada. Posso lanchar em qualquer lugar, e comer em restaurantes [onde o meu limitado, planejado e suado dinheiro consegue pagar - é óbvio kkkk].
O meu computador não é um MAC, mas não tenho inveja de quem tem, nem demonizo-o por tê-lo "em detrimento da miséria que há no meu país". Pelo contrário, fico feliz por quem pode ter tão boa tecnologia. Não tenho IPad, mas tenho o privilégio de ter um IPhone [... pagando em muitos meses] e gosto do conforto que ele me dá.
Não penso que temos que alimentar ódio por quem tem dinheiro, ou riquezas. Nem que devemos saquear dos ricos para dar aos pobres. Roubar sempre é pecado! Mas acredito que pessoas devem trabalhar em condições dignas. Precisam ter oportunidades para o estudo e profissionalização para que possam empreender, ou empregar-se no mercado de trabalho com possibilidade de sustento próprio. A Bíblia reprova enfaticamente a avareza, a preguiça, a procrastinação e a inveja ou a ganância, e não o enriquecer licitamente pelo trabalho ou justo investimento no mercado.
Ainda não tenho casa própria, mas pretendo ter. Por assim, dizer "sou sem-teto" kkkk, mas não pretendo invadir nenhuma propriedade e tomá-la à força. Pretendo financiar, e se Deus me capacitar, penso que conseguirei pagá-la em 20 ou 30 anos. E quando estiver velhinho desejo ter a consciência tranquila de que o tenho, não obtive de modo vergonhoso e racionalizado.
Talvez, você me pergunte se me preocupo com os que vivem na miséria e abaixo da linha da pobreza. Se a sua pergunta pressupõe que não, confesso que me sinto ofendido com ela. Mas, ainda assim prefiro te responder o seguinte: por causa do meu compromisso com o Senhor Deus, que é um Deus justo e verdadeiro, tenho sim, compromisso com a justiça, definida biblicamente, em defender o direito do "órfão, da viúva e do estrangeiro". E entendo que qualquer transformação social somente ocorrerá pela pregação e aplicação do evangelho de Cristo. Afirmo: o Cristianismo não é capitalista bem como também não é socialista.
Sinto vergonha de muita coisa, apesar de muito amar o Brasil. Sinto vergonha quando políticos corruptos roubam nossa pátria amada. Também sinto profunda tristeza das favelas, e mendigos que clamam por um pedaço de pão murcho, ou de viciados que andarilham às ruas sem sentido em sua vida. A fome é algo que dói e a miséria mata sonhos e alegrias do tempo presente. Reconheço que o problema é maior do que o próprio governo consegue resolver, porque países de "primeiro mundo" também os têm, pois o problema em última análise não é social ou econômico e, sim existencial e desestruturas familiares.
Desde os meus 17 anos me sustento e não moro com meus pais. Há completos 20 anos que não dependo financeiramente de meus pais, embora seja verdade que em alguns momentos precisei deles, e prontamente me ajudaram. Gostaria de ter certeza de que essa moçada que saí as ruas e gritam mudança por um país melhor, pelo menos ajudam a mãe a lavar a louça em casa, ou que não precisam pedir dinheiro pro pai para pagar o lanche para a namorada ou recarregar o seu celular. Se quisermos justiça primeiro temos que ser maduros e ter o mínimo de competência para saber o que queremos e somos capazes de fazer.
Quero que o meu país mude, e mude para melhor, com mais justiça cristã na educação, saúde e segurança. Não é desrespeitando, xingando, nem com vandalismos que isso será possível. Não creio que a ganância tão comum no Capitalismo, ou o pseudo-igualitarismo no Socialismo fará a nossa nação um paraíso onde todos gozarão de justiça.
Amo o Brasil e se quero construir um futuro melhor, não será ofendendo ou agredindo aqueles que amo, ou que ainda considero meus amigos. Se quero justiça, não posso fazer injustiça com eles. A Escritura nos ordena para que "não nos cansemos de fazer o bem, pois no tempo próprio colheremos, se não desanimarmos.Portanto, enquanto temos oportunidade, façamos o bem a todos, especialmente aos da família da fé" (Gálatas 6:9-10, NVI).
"Quero, pois, que os homens orem em todo lugar, levantando mãos santas, sem ira e sem discussões" (1 Timóteo 2:8, NVI)
Deus nos abençoe nestes dias conturbados.
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