15 abril 2019

As Ordenanças Eclesiásticas no século XVI

Por Robert M. Kingdon


Quando tornou-se claro que os primeiros protestantes não seriam capazes de realizar as reformas que desejavam dentro da estrutura da Igreja Católica Romana, eles começaram a criar novas instituições eclesiásticas. Para dar forma a essas instituições, eles redigiram novas leis ou decretos que, de fato, se tornaram constituições para as igrejas reformadas. Essas Ordenanças Eclesiásticas eram, normalmente, elaboradas inicialmente por um clérigo para uma cidade e depois adotadas, geralmente, com algumas revisões e emendas pelo governo da cidade. Muitas dessas Ordenanças foram, posteriormente, revisadas e ampliadas para cobrir áreas mais amplas, uma província inteira e até um reino. Talvez, o primeiro conjunto completo de Ordenanças Eclesiásticas foi elaborado para a cidade hanseática de Stralsund pelo teólogo luterano Johannes Aepinus (1499-1553) em 1525. Ele previa a seleção de clérigos cuja função primária seria pregar, proporcionando assim uma significativa ruptura com padres paroquiais católicos cuja função primordial era administrar os sacramentos. Previa que as escolas ensinassem habilidades básicas às crianças e a instrução das Escrituras, com provisão adicional de escolas latinas para que se preparasse os estudantes para profissões. Também previa o cuidado dos pobres através da criação de um cofre comunitário. O Conselho de Stralsund acrescentou a cláusula de que um dos pregadores teria o cargo geral de toda a instituição, tornando-se o seu superintendente.

Esse padrão foi, repetidas vezes, reproduzido pelos clérigos de toda a Europa. Houve alguns que se tornaram particularmente bem conhecidos pelas Ordenanças Eclesiásticas, que elaboraram e muitas vezes implementaram. Um deles foi Johannes Brenz (1499–1570), que elaborou uma Ordenança para a cidade de Hall e para o território circunvizinho em 1526, e depois se tornou um dos principais criadores e líderes de novas Ordenanças Eclesiásticas no principado de Württemberg. Outro foi Johannes Bugenhagen (1485-1558) que elaborou decretos para várias cidades importantes no norte da Alemanha, incluindo Braunschweig em 1528, Hamburgo em 1529 e Lübeck em 1531. Ele também ajudou a criar decretos para territórios mais amplos, incluindo a Pomerânia em 1535, a Dinamarca entre 1537 e 1539 e Schleswig-Holstein em 1542. As Ordenanças elaboradas por Bugenhagen seguiram o mesmo padrão básico que as de Aepinus e Brenz. Eles criaram um cargo modelo de superintendente e previam a seleção e supervisão da pregação do clero, o estabelecimento de escolas (tanto elementares quanto avançadas), e um cofre comum para financiar a igreja e ajudar aos pobres.

Eles também, no entanto, acrescentaram boas decisões. Bugenhagen começou a prática de acrescentar detalhes sobre os rituais que seriam praticados pelos clérigos que se tornariam uma característica cada vez mais importante das posteriores Ordenanças Eclesiásticas luteranas. Eles muitas vezes se tornaram manuais litúrgicos tanto quanto constituições, às vezes, até acrescentando todo um catecismo ou uma confissão de fé.

Um padrão significativamente diferente foi elaborado por João Calvino (1509-1564) para a cidade de Genebra em 1541. Diferente das Ordenanças Eclesiásticas luteranas, não previa um superintendente. Incluiu provisão para selecionar uma primeira ordem de ministros chamados pastores, com base em sua disposição de aceitar a teologia oficial, suas habilidades como pregadores e sua disposição de viver de acordo com rigorosos preceitos morais.

A segunda ordem de ministros, chamada de doutores, ensinava nas escolas, tanto nos níveis elementares quanto nos avançados. A quarta ordem de ministros, chamada de diáconos, coletava e administrava os bens para o conforto dos pobres. A sua inovação mais importante, no entanto, foi uma terceira ordem de ministros, chamada de presbíteros. A sua função era reunir com os pastores uma vez por semana, numa nova instituição chamada Consistório, supervisionar o comportamento de todos os membros da comunidade, e fazer com que os cidadãos genebrinos não apenas aceitassem a doutrina correta, mas também se comportassem de uma maneira verdadeiramente cristã; em suma, a sua tarefa era para que exercessem a disciplina. Os únicos poderes que eles usariam na execução de seus julgamentos, era a admoestação e a excomunhão, e demorou algum tempo até que seu direito de excomungar fosse geralmente aceito. Uma vez aceito, no entanto, moldaram a comunidade genebrina de forma poderosa e fizeram dela um modelo temido ou respeitado em toda a Europa.

Este padrão genebrino provou ser amplamente influente. Ele foi estendido e imitado em todas as partes da Europa que se tornaram reformadas ou calvinistas, ao invés de luteranas, e foi revisado e adaptado por algumas nações como sendo seus livros de disciplina, notavelmente adotado pelos protestantes da França em 1559 e pela Escócia em 1560.

As Ordenanças Eclesiásticas serviram, assim, em toda a Europa para consolidar a Reforma protestante e dar-lhe uma importante estrutura continuidade.

Referências para leitura posterior:
1. Richter, Aemilius Ludwig, ed. Die evangelischen Kirchenordungen des sechzehnten. Jahrhunderts.
2. Nieuwkoop: B.de Graaf 1846, reprinted 1967. (Completa compilação das ordenanças eclesiásticas deste período).
3. Sehling, Emil, et al. Die evangelischen Kirchenordnungen des XVL Jahrhunderts. Leipzig: O.R.Reisland 1902.
4. Rivoire, Emile e Victor van Berchem. Les sources du droit du canton de Genève. Arau: Sauerländer, vol. 2. 1930, 377–390.


Extraído de Robert M. Kingdon, “Ecclesiastical Ordenances” in: Hans J. Hillerbrand, ed., The Encyclopedia of Protestantism (London, Routledge, 2004), vol. 2, pp, 163-164.
Traduzido por Ewerton B. Tokashiki

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