A novidade da transubstanciação
A Igreja
Católica Romana crê na doutrina eucarística da transubstanciação. Isso
significa que a hóstia após o ato da consagração se transforma verdadeira, real
e substancialmente no corpo e sangue de Cristo. Os papistas definiram a sua doutrina
no Concílio de Trento (1545-1563). Esse concílio declarou que
disse Jesus
Cristo nosso Redentor, que era verdadeiramente seu corpo que o oferecia sob a
espécie do pão, a igreja de Deus acreditou perpetuamente e, também, declara
novamente o santo concílio que pela consagração do pão e do vinho, são
convertidas: a substância total do pão no corpo de nosso Senhor, e a substância
total do vinho no sangue de nosso Senhor Jesus Cristo, e essa transformação é
oportuna e propriamente chamada de transubstanciação pela igreja católica.[1]
Quanto à doutrina da presença real de
Jesus Cristo nosso Senhor na eucaristia, o concílio decretou que
claramente, e sinceramente confessa que depois da consagração do pão e do vinho, fica contido no saudável sacramento da santa eucaristia, verdadeira, real e substancialmente nosso Senhor Jesus Cristo, verdadeiro Deus e homem, sob as espécies daqueles materiais sensíveis, pois não existe com efeito, incompatibilidade que o mesmo Cristo nosso salvador esteja sempre sentado, no céu, à direita do Pai, segundo o modo natural de existir e que ao mesmo tempo nos assista sacramentalmente com Sua presença, e em sua própria substância em outros lugares, com existência que ainda que apenas o possamos expressar com palavras, poderemos, não obstante, alcançar com nosso pensamento ilustrado pela fé, que é possível a Deus, e devemos firmemente acreditar. Assim pois, professaram clarissimamente todos os nossos antepassados que viveram a verdadeira Igreja de Cristo, e trataram deste santíssimo e admirável sacramento, a saber: que nosso Redentor o instituiu na última ceia, quando depois de ter benzido o pão e o vinho, atestou a seus apóstolos, com claras e enérgicas palavras que lhes dava seu próprio corpo e seu próprio sangue. E sendo fato consumado que as ditas palavras mencionadas pelos mesmos santos evangelistas e repetidas depois pelo apóstolo são Paulo, incluem em si mesmas aquele próprio e patentíssimo significado, segundo as entenderam os santos pais, é sem dúvida execrável a maldade com que certos homens pretensiosos e corruptos as distorcem, violentam e tentam explicar em sentido figurado, fictício ou imaginário, negando a realidade da carne e sangue de Jesus Cristo contra a inteligência unânime da Igreja, que sendo coluna e apoio da verdade, sempre detestou por serem diabólicas estas ficções expressas por homens ímpios e sempre conservou indelével a memória e gratidão deste tão sobressalente benefício que nos fez Jesus Cristo.[2]
A novidade de dar apenas a hóstia
O rito papista prescreve que somente a hóstia seja dada aos participantes.[3] O Concílio de Trento, na sessão XXI, realizada sob o papado de Pio IV, em 16 de julho de 1562, ratificou a decisão do Concílio de Constança, declarando que
tendo presente
o sacrossanto, ecumênico e geral Concílio de Trento, reunido legitimamente no
Espírito Santo e presidido pelos mesmos legados da Sé Apostólica, os vários e
monstruosos erros que pelos malignos artifícios do demônio aparecem em diversos
lugares acerca do imenso e santíssimo sacramento da eucaristia, pelos quais,
parece que em algumas províncias, muitos se apartaram da fé e obediência à
Igreja Católica, teve por bem expor agora a doutrina respectiva da comunhão em
ambas as espécies e a comunhão das crianças. [...] Em continuidade, o mesmo
Santo concílio, ensinado pelo Espírito Santo, que é o Espírito de sabedoria,
inteligência, conselho e piedade, e seguindo o ditame do costume da Igreja,
declara e ensina que os leigos e os clérigos que não celebram a missa, não
estão obrigados, por preceito divino algum, a receber o sacramento da eucaristia
sob as duas espécies, e que não cabe, absolutamente, dúvida nenhuma, sem faltar
à fé, que lhes basta, para conseguir a salvação, a comunhão de apenas uma das
espécies. Pois, ainda que Cristo, nosso Senhor, tenha instituído na última ceia
este venerável sacramento nas espécies do pão e do vinho, e o tenha dado a seus
apóstolos, sem dúvida, não tem por finalidade aquela instituição e comunhão
estabelecer a obrigação de que todos os fiéis cristãos devam receber devido a
esse estabelecimento de Jesus Cristo, uma e outra espécie. [...] Portanto,
reconhecendo a santa mãe igreja essa autoridade que tem na administração dos sacramentos,
mesmo tendo sido frequente o uso de comungar sob as duas espécies, desde o
princípio da religião cristã, porém verificando, em muitos lugares, com o
passar do tempo, a mudança nesse costume, aprovou, movida por muitas graves e
justas causas, a comunhão sob uma só espécie, decretando que isso fosse
observado como lei, a qual não é permitido mudar ou reprovar arbitrariamente
sem a autorização expressa da igreja. [...] Declara o santo concílio depois
disto, que ainda que nosso Redentor, como já disse antes, instituiu na última
ceia este Sacramento nas duas espécies, e o deu a seus apóstolos, se deve
confessar, porém, que também se recebe em cada uma única espécie a Cristo todo
e inteiro e verdadeiro sacramento. E, que, por conseguinte, as pessoas que
recebem uma única espécie, não ficam prejudicadas a respeito do fruto de
nenhuma graça necessária para conseguir a salvação.[4]
Todos os reformadores rejeitaram a doutrina papista. Eles foram unânimes em reprovar o ensino da Igreja Romana, pois não encontraram nela fundamento bíblico, nem respaldo na própria tradição da igreja e ainda porque ela resulta em superstição. O dogma eucarístico nem sempre foi ensinado pelo critério adotado pelos próprios papistas, pois segundo a regra proposta por Vicent de Lérins[5] um dogma é estabelecido se teneamus quod ubique, quod semper, quod ab omnibus creditum est,[6] não consegue ser provada no caso desta doutrina. O tríplice critério universitatem, antiquitatem, consensionem reprova a transubstanciação, porque antes do Concílio de Trento não havia universalidade, antiguidade nem consenso quanto ao ensino desta doutrina no cristianismo ocidental até o século XII e continuou sendo questionada até o século XVI.[7] Assim, a Igreja Romana ensina e pratica uma novidade eucaristica que não era aceita universalmente no final da Idade Média e que somente foi dogmatizada num concílio de Contrarreforma.
[1] Canones et Decretal Dogmatica Concilii Tridentini in: Philip Schaff, ed., The Creeds Christendom – with a history
and critical notes, vol. 2, p. 130. Thomas A. Baima comenta que “os teólogos
católicos explicam a conversão por meio de um tecnicismo chamado adução. Adução
significa que Cristo vem ao sacramento sem deixar o céu, e sua presença se faz
efetiva em milhares de lugares. Esta explicação responde a um número de
objeções à doutrina da transubstanciação. Isso é muito importante para a
compreensão católica do sacramento. Um sacramento é um sinal que dá lugar ao
que significa. Isso significa que os acidentes não são acidentais. O sinal de
comer e beber – sinais de alimentação – e a unidade dos elementos com nossos
corpos dá lugar ao significado: o alimento espiritual e a unidade com Cristo”. Thomas
A. Baima, “El punto de vista católico romano” in: John H. Armstrong, ed., Cuatro
puntos de vista sobre la santa cena, p. 129.
[2] Canones et Decretal
Dogmatica Concilii Tridentini in: Philip Schaff,
ed., The Creeds Christendom – with a history and critical notes, vol. 2,
pp. 126-127. Ludwig Ott observa que “as três
expressões veré, realiter, substantialiter são dirigidas especialmente
contra as teorias de Zwingli, Oecolampadio e Calvino, e excluem todas as
interpretações metafóricas que pudessem ser dadas às palavras da instituição.”
Ludwig Ott, Manual de Teología Dogmática, p. 555.
[3] A decisão
ocorreu no Concílio de Constança, que é o 16º ecumênico, de 5 novembro de 1414
a 22 abril de 1418, na sessão 13ª, de 15 junho de 1415, no Decreto Cum in
nonnullis, confirmado pelo Papa Martinho V, em 1 setembro de 1425. Este
decreto é repetido nas constituições de In eminentis de 1 setembro de
1425 (BarAE, ao ano de 1425, n. 18 / Theiner 28,27) e Apostolicae sedis
praecellens de 25 de janeiro de 1426, declarando que “em algumas partes do
mundo, alguns ousam temerariamente afirmar que o povo cristão deve receber o
santo sacramento da Eucaristia sob as duas espécies do pão e do vinho e fazem
comungar em geral a assembleia dos leigos não só com a espécie do pão, mas
também com a do vinho, inclusive depois da refeição ou doutro modo sem jejum.
Eles sustentam obstinadamente que este é o modo de se comungar, opondo-se ao
louvável costume da Igreja, justificado também racionalmente, que de modo
condenável procuram reprovar como sacrílego: por isso, este Concílio … declara,
decreta e define que, se bem que Cristo tenha instituído e administrado depois
da refeição aos apóstolos este venerando sacramento sob ambas as espécies do
pão do vinho, não obstante isso, a admirável autoridade dos sagrados cânones e
o autorizado costume da Igreja têm declarado e declaram que este sacramento não
deve ser administrado depois da refeição nem a fiéis que não estão em jejum,
salvo no caso de doença ou de outra necessidade, concedido ou admitido pelo
direito ou pela Igreja. E como este costume foi introduzido, com razão, para
evitar perigos e escândalos, com análoga ou maior razão foi introduzido e
observado este outro: se bem que na Igreja primitiva este sacramento era
recebido pelos fiéis sob ambas as espécies, mais tarde, porém, era recebido
pelos consagrantes sob ambas as espécies, mas pelos leigos somente sob a
espécie do pão, pois é preciso crer com toda a firmeza e sem sombra de dúvida
que o corpo e o sangue de Cristo estão verdadeiramente contidos, na sua
integridade, tanto sob a espécie do pão, como sob a do vinho. Portanto, visto
que foi introduzido com boa razão pela Igreja e pelos santos Padres e observada
durante muitíssimo tempo, este costume deve ser considerado como uma lei que
não pode ser reprovada nem modificada arbitrariamente, sem o consentimento da
Igreja. É errôneo sustentar que a observância deste costume ou lei é sacrílega
ou ilícita; e os que se obstinam em sustentar o contrário devem ser tratados
como hereges ...”. Heinrich Denzinger & Petrus Hünermann, Compêndio dos
símbolos, definições e declarações de fé e moral, pp. 347-348. A igreja
oriental, em distinção da igreja romana, distribui ambos os elementos a todos os
participantes na realização da eucaristia. Veja E.H. Klotsche, Christian Symbolic, p. 47.
[4] Canones et Decretal Dogmatica Concilii Tridentini in: Philip Schaff, The Creeds of Christendom - with a history
and critical notes, vol. 2, pp. 170-176.
[5]
Ele faleceu em 445 d.C..
[6] Ou seja: asseguremos
que seja crido em outros locais, sempre e por todos. Reginald Stewart Moxon, ed., The Commonitorium of
Vincentius of Lerins,
p. xxxii.
[7] O teólogo
romano Ludwig Ott explica que “a palavra transsubstantiatio, resp. transsubstantiare,
foi criada pela teologia do século XII (Mestre Rolando [que mais tarde foi papa
com o nome de Alexandre III] até 1150, Estevan de Tournai até 1160, Pedro
Comestor 1160-1170), e é usada oficialmente pela vez primeira em um decreto
(1202) de Inocêncio III e no Caput Firmiter do Concílio IV de Latrão.”
Ludwig Ott, Manual de Teología Dogmática, p. 562. A transubstanciação
somente foi aprovada definitivamente no Concílio de Trento, na sessão XIII,
realizada sob o papado de Júlio III, em 11 de outubro de 1551. Bem como é
recente o rito em que ambos os elementos, pão e vinho, são comidos pelo clero,
enquanto o fiel católico comum recebe apenas a hóstia. Esta prática é estranha
ao cristianismo oriental e outros grupos cristãos no mundo, tendo iniciado pela
igreja ocidental no século XV, e sendo rejeitada pelos pré-reformadores e
reformadores.