21 março 2025

A história da teologia do pacto

 por R. Scott Clark

 

Até recentemente, era amplamente sustentado que a teologia do pacto foi criada em meados do século XVII por teólogos como Johannes Cocceius (1609–1669). Na verdade, a teologia do pacto nada mais é do que a teologia da Bíblia. É também a teologia das confissões reformadas. Na história da teologia, os elementos que conhecemos como partes da teologia do pacto — o pacto da redenção antes do tempo entre as pessoas da Trindade, o pacto das obras com Adão e o pacto da graça após a Queda — existem desde a Igreja Primitiva.

 A teologia do pacto e os Pais da Igreja

De fato, os leitores reformados que se voltam para os primeiros pais da igreja (100-500 d.C.) podem se surpreender ao ver com que frequência eles usavam padrões de linguagem e pensamento que são muito familiares para nós. A teologia do pacto dos pais enfatizou a unidade do pacto da graça, a superioridade do novo pacto sobre o antigo pacto (mosaico) e que, como Jesus é a verdadeira semente de Abraão, todos os cristãos, sejam judeus ou gentios, são filhos de Abraão. Eles também enfatizaram as obrigações morais da filiação ao pacto da graça.

 A teologia do pacto e o Período Medieval

A teologia do pacto da igreja medieval (500-1500 d.C.) estava relacionada à dos primeiros pais, mas também era distinta em certos aspectos. Em resposta à crítica de que o cristianismo dava origem à imoralidade, a igreja primitiva tendia a falar sobre a história da redenção como a história de duas leis: a antiga (Moisés) e a nova (Cristo). A tendência era falar da graça como o poder com o qual a lei foi cumprida para que pudéssemos ser justificados. Esse hábito só aumentou na igreja medieval. Os principais teólogos argumentaram que Deus só pode justificar pessoas que são real e inerentemente justas. Eles pensavam que isso acontecia quando os pecadores eram infundidos com graça e, ao cooperar com essa graça, eles se tornavam santos. De acordo com esse esquema, santificação é igual a justificação, fé é obediência e dúvida é a essência da fé.

Na teologia do pacto medieval, a palavra “pacto” tornou-se sinônimo da palavra “lei”. Eles não falaram sobre o pacto das obras e o pacto da graça, como nós fazemos. Em vez disso, foi a graça do pacto que nos permitiu cumprir a Lei. Perto do fim da era medieval [Medieval Tardia], alguns teólogos começaram a enfatizar a ideia de que Deus concedeu uma espécie de graça a todos os seres humanos, fazendo um pacto de que “para aqueles que agem de acordo com o que está dentro de si, Deus não reterá a graça”. Em outras palavras, Deus ajuda aqueles que se ajudam. A Reforma não apenas reformaria a teologia do pacto dos primeiros pais, mas declararia guerra aberta à teologia do pacto da igreja medieval.

 A teologia do pacto e a Reforma

Quando Martinho Lutero (1483–1546) rejeitou a doutrina medieval da salvação por meio da cooperação humana com a graça de Deus, ele estava rejeitando a distinção entre a antiga e a nova lei na compreensão da história redentora. Ele passou a entender que nas Escrituras há duas maneiras de falar: a lei e o evangelho. A lei exige obediência perfeita, enquanto o evangelho proclama a perfeita obediência de Cristo a essa lei, sua morte e sua ressurreição por seu povo.

Pouco depois de Lutero adotar sua visão protestante, outros já estavam reformando a teologia do pacto seguindo as mesmas linhas protestantes. No início da década de 1520, o teólogo reformado suíço Johannes Oecolampadius (1482–1531) ensinava o que mais tarde seria conhecido como “o pacto da redenção” (pactum salutis) entre o Pai e o Filho desde toda a eternidade. Ele também fez uma distinção entre a aliança de obras como um pacto legal e o pacto da graça como um pacto misericordioso.

Alguns anos depois, Heinrich Bullinger (1504–75) publicou o primeiro livro protestante dedicado à explicação do pacto da graça. Seguindo os Pais da Igreja, seu trabalho enfatizou a graça e a unidade dentro do pacto da graça.

João Calvino (1509–1564) tinha uma sólida teologia do pacto e ensinava a substância da teologia federal mais desenvolvida, incluindo o pacto da redenção na eternidade, o pacto das obras antes da Queda e o pacto da graça depois da Queda.

Os teólogos pós-Reforma, depois de Calvino, tiveram que enfrentar sérios desafios, como o ressurgimento da igreja romana, o arminianismo e o amiraldismo. Tudo isso os forçou a articular uma teologia do pacto muito mais detalhada. Era necessário não apenas explicar a história da salvação, mas também como essa história se relaciona com nossa compreensão de como os pecadores são justificados e santificados.

Os teólogos reformados em Heidelberg fizeram isso entrelaçando os fios que os protestantes anteriores não abordaram. Zacharias Ursinus (1534–1583) e Caspar Olevianus (1536–1587) foram dois dos mais importantes teólogos reformados da teologia do pacto no final do século XVI. Foram esses dois teólogos do pacto os principais autores do Catecismo de Heidelberg (1563). Ursinus começou sua teologia do pacto com o pacto de obras pela qual Adão poderia ter entrado em um estado de bem-aventurança eterna obedecendo à lei. A transgressão daquele pacto da Lei teve repercussões eternas. Segundo Ursinus, Cristo cumpriu o pacto das obras por meio de sua obediência representativa em nome dos eleitos e, portanto, suportou a merecida punição por seus pecados. Com base nisso, Deus fez um pacto de graça com os pecadores. A mensagem da aliança da graça é o evangelho do favor imerecido para com os pecadores.

Foi a mesma abordagem do prestigioso livro, escrito por Caspar Olevianus, Sobre a Substância do Pacto da Graça entre Deus e os Eleitos (1585). Ele ensinou que o pacto da graça pode ser considerado tanto em um sentido mais amplo quanto em um sentido mais restrito. No sentido mais estrito, pode-se dizer que o pacto foi feito somente com os escolhidos. São os eleitos que foram unidos a Cristo somente pela graça, somente pela fé, somente por Cristo, que recebem os benefícios do pacto – estritamente falando. Porque somente Deus sabe quem são os eleitos, em sua administração, o pacto da graça, em seu sentido mais amplo, é feita com todos os batizados. É por isso que batizamos com base no mandamento e na promessa divina, e os consideramos filhos do pacto antes mesmo de fazerem sua profissão de fé, e eles são considerados cristãos, a menos que evidências provem o contrário. Aqueles que estão na aliança apenas naquele sentido mais amplo ou externo recebem alguns dos benefícios da aliança (Hb 6.4–6), mas não recebem o que Olevianus chamou de “substância do pacto” ou o “duplo benefício” do pacto: justificação e santificação. Somente aqueles que são verdadeiramente eleitos se apropriam – somente pela graça, somente pela fé – do “duplo benefício” do pacto da graça.

 A teologia do pacto e a Pós-Reforma

Duas das teologias do pacto mais desenvolvidas do século XVII foram as de Johannes Cocceius (1609–1669) e Herman Witsius (1636–1708). Eles ensinavam os pactos da redenção, das obras e da graça — e, também, usavam os pactos bíblicos como uma maneira de organizar a história da redenção. Muitos outros teólogos reformados na Europa e na Grã-Bretanha ensinavam teologia usando as mesmas categorias. Foi também a teologia do pacto da Confissão de Fé de Westminster e dos Catecismos Maior e Breve. Os teólogos reformados confessionais no período moderno (como os teólogos do Seminário de Princeton) seguiram o esquema teológico do pacto dos períodos da Reforma e pós-Reforma.

Desde o século XIX, entretanto, tem havido considerável confusão sobre a teologia do pacto. Parte disso se deve à influência do teólogo suíço Karl Barth (1886–1968). Ele rejeitou amplamente a teologia clássica do pacto da perspectiva reformada, considerando-a legalista, “escolástica” e antibíblica. Julgado pelos padrões históricos, grande parte do restante da teologia do pacto no século XX também deve ser julgada como idiossincrática.

Em meados do século XX, vários teólogos influentes na Holanda e nos Estados Unidos rejeitaram os pactos de redenção e obras. Outros argumentaram que não há distinção entre sentido restrito e amplo no pacto da graça. Outras revisões ou rejeições da teologia ortodoxa do pacto incluem o chamado movimento da visão federal, que não apenas rejeita o pacto da redenção. Ele também rejeita a distinção entre lei e evangelho e a distinção entre os pactos de obras e graça. Segundo eles, todo batizado é escolhido e unido a Cristo por meio do batismo; entretanto, essa eleição e essa união podem ser perdidas pela apostasia.

 Conclusão

Em suma, ao longo da história da igreja sempre houve a teologia do pacto. A Reforma recuperou o evangelho e a distinção bíblica entre graça e obras, o que tornou possível à teologia reformada construir uma teologia do pacto detalhada e frutífera.

Os experimentos do período moderno que querem eliminar os pactos de redenção e obras tendem a transformar o pacto da graça em um pacto legal. Confundir os pactos de obras e graça causa confusão entre a lei e o evangelho, a distinção fundamental entre a Reforma e o evangelho. Em vez de tornar a teologia reformada mais cheia de graça e centrada em Cristo — como prometido — as revisões atuais levaram a uma teologia mais egocêntrica. No entanto, há alguns sinais encorajadores. Alguns estudos bíblicos recentes têm chamado a atenção para a existência de antigos tratados do Oriente Próximo que esclarecem as alianças bíblicas de obras e graça. A teologia histórica renovou seu estudo das fontes originais da teologia do pacto da perspectiva reformada, o que está ajudando a recuperar a teologia do pacto clássica e confessional dos séculos XVI e XVII para o nosso tempo.

14 março 2025

O valor das confissões

 Douglas Kelly

 

Até hoje, as igrejas cristãs, especialmente na tradição da Reforma, usam uma ferramenta poderosa para "manter a forma de sãs palavras" e para espalhar o evangelho ao mundo — seus documentos confessionais. A Reforma protestante do século XVI representou uma grande ruptura na igreja medieval, na qual mais de um terço da Europa teve que voltar à "prancheta" para reformular seu testemunho para o resto do mundo.

 Essa prancheta era a Escritura Sagrada, que pastores-estudiosos consagrados buscavam com base em um novo conhecimento das línguas originais e, também, com base em um compromisso com o agostinianismo tradicional e os pais da igreja. Portanto, eles se viam como verdadeiros católicos (ou reformados), não primariamente um novo grupo denominacional, embora tenham acabado em novas conexões denominacionais devido à feroz resistência da hierarquia católica romana a qualquer reforma eficiente.

 Era necessário definirem-se à luz das acusações católicas romanas de que eles tinham deixado a igreja verdadeira e estavam seguindo ensinos heréticos. Eles realizaram essa tarefa como igrejas com trabalho exegético cuidadoso e dedicado por toda a Escritura, a fim de declarar coerentemente as principais linhas de seu ensino sobre doutrina e dever. Vários sínodos nos séculos XVI e XVII cumpriram essa tarefa com base sólida na Palavra de Deus escrita e em linha com os credos tradicionais dos primeiros cinco séculos da história cristã.

 Os resultados de seu trabalho foram desenvolvidos ao longo do tempo (das primeiras confissões reformadas nas décadas de 1520 e 1530 até a Confissão de Fé de Westminster na década de 1640). Esses padrões apelavam solidamente ao ensino claro da Escritura Sagrada. A Bíblia era sua pedra de toque. De fato, os criadores da Confissão Escocesa de 1560 declararam que se alguém pudesse mostrar a eles que eles estavam em desacordo com as Escrituras, eles estariam dispostos a mudar. Embora sempre respeitando a igreja histórica, eles declararam claramente que a Escritura deve ter a palavra final, pois, nas palavras da Confissão de Westminster: "as igrejas mais puras debaixo do céu estão sujeitas tanto à mistura quanto ao erro" (CFW 25.5).

 Desse ponto de controvérsia surgiram várias confissões que, com brevidade e clareza gerais, expressam o principal impulso dos ensinos da Escritura Sagrada sobre salvação e vida santa. Por causa de seus ensinos bíblicos, eles têm o valor de nos guiar tanto hoje quanto fizeram com nossos antepassados ​​séculos atrás. É uma misericórdia para a igreja hoje não ter que reinventar constantemente a roda. Por meio dos credos e confissões, permanecemos na saúde e segurança da "comunhão dos santos" do passado e presente.

 Essa continuidade doutrinária é contrária ao relativismo de nossa cultura ocidental secularizada, segundo a qual "a verdade antiga é grosseira". Esse relativismo sugere que, em vez da verdade antiga, deve-se seguir febrilmente as últimas modas da intelectualidade em constante mudança. Além disso, o relativismo agressivo de nossa cultura não parou nas portas da igreja. Referir-se apreciativamente aos padrões confessionais causa o levantar de sobrancelhas e, em alguns casos, protesto aberto em não poucas congregações e denominações evangélicas (e reformadas).

 Muitos evangélicos, para evitar os ensinos claros dessas confissões (que são baseadas nas alegações sobrenaturais da Bíblia) e não ofender o relativismo reinante de nossa cultura (que, no final das contas, é antissobrenatural), empregam uma espécie de interpretação "nominalista" dos padrões. Uma interpretação "nominalista" significa evitar o ensino claro dessas confissões baseadas na Bíblia, subscrevendo-as formalmente, enquanto emprega esforços inteligentes e dolorosos para fazê-las dizer outra coisa. Algo que seja menos ofensivo à cultura secular.

 Um exemplo é como os evolucionistas teístas se envolvem em uma espécie de "casuística jesuíta" para forçar os três primeiros capítulos de Gênesis a dizer precisamente o que eles impedem — que havia pecado antes da queda de Adão e que a vida se desenvolveu gradualmente por acaso.

 Um grande valor do ensino da Confissão de Westminster sobre a criação, por exemplo, é que ao segui-la, não somos presas de paradigmas mutáveis ​​da ciência filosófica (que não é a mesma coisa que ciência empírica ou operacional, que, na minha opinião, é totalmente compatível com os ensinos de Gênesis). Aqui, os padrões confessionais podem ajudar-nos muito (se os cumprirmos realisticamente, em vez de nominalisticamente fugir de seu significado): eles dizem claramente à igreja o que a Bíblia sempre disse sobre a criação, em vez de nos levar a uma caça selvagem de filosofias pós-iluministas. Eles ajudam a igreja a ver que abordagens como a evolução teísta não procedem da Bíblia, mas de outro lugar, e precisam ser identificadas como tal. O seu valioso testemunho ajuda-nos a continuar a nos firmar em uma sólida fundação bíblica, que, embora ofensiva ao mundo secular, é o lugar onde encontramos coerência intelectual da verdade no contexto da Palavra e do Espírito, que é vivificante e transformadora para todo o pensamento e cultura.

 Extraído DAQUI