
O corte histórico para se começar a estudar a Teologia Contemporânea dá-se início no período da Reforma Protestante do século 16. A definição de teologia contemporânea é sugestiva para se estabelecer o seu escopo: “é o estudo analítico-crítico das manifestações surgidas após a Reforma e, em geral, contrárias ao sistema dela.” Na introdução é declarado que o livro também se limita a não estudar a teologia católica, assim, temos um grande grupo de teólogos deixados de lado, bem como alguns movimentos pós-tridentinos não são considerados em sua relação com o protestantismo moderno, especialmente na sua agridoce relação com o anglicanismo.
No capítulo 1, o autor inicia o seu texto com uma abordagem histórica do Renascimento e do Humanismo e como contribuíram para a formação do pensamento moderno. Surgindo no fim da Idade Média, ambos movimentos libertaram o indivíduo do jugo católico, oferecendo o ambiente universitário para questionar a estrutura romanista desenvolvida durante todo aquele período de obscuridade e opressão. O Dr. Hermisten observa que “o Renascimento – apesar de ser uma decorrência da Idade Média – veio implodir a Idade Média e muito dos seus valores”. O sentimento de ansiedade criado pela insuficiência da provisão dos cuidados e teologia sacramental do catolicismo despertou na sociedade a busca por algo que oferecesse respostas seguras ao clima de angústia e desespero que a Europa vivia diante das guerras, epidemias e da instabilidade social. Não há um consenso absoluto da relação entre o Renascimento e o Humanismo, entretanto, o autor propõe que “o Humanismo foi, de certa forma, a filosofia do Renascimento”. Todavia, o movimento somente pode progredir com a invenção da imprensa, provendo a divulgação das idéias pela escrita e dispondo uma ampla circulação de diferentes questionamentos. O teocentrismo medieval foi substituído pelo antrocentrismo humanista renascentista, assim, este cambio de eixo mudou toda a orientação escolástica.
O capítulo 2 dedica aproximadamente 1 ¼ do livro ao estudo da Reforma do século 16, e mais especificamente a análise da pessoa e obra do reformador João Calvino. Isto demonstra o respeito e dependência do autor, em sua percepção, da influência e contribuição intelectual do reformador francês para o pensamento moderno. A relação da Reforma com o Humanismo é óbvia: os reformadores eram humanistas, todavia, cristãos. Não criam que a necessária reforma que a sociedade precisava eram meramente o enaltecer das virtudes humanas, mas a restauração do ser humano como imagem de Deus, em Cristo Jesus; isto envolve a centralidade da Escritura Sagrada como revelação da vontade de Deus.
No capítulo 3, é realizada uma análise do pensamento moderno em sua relação da filosofia, a ciência moderna e a sua influência na teologia. É afetada a estreita ligação que a filosofia tem com a teologia, que existia desde o inicio do cristianismo, bem como a ciência que teve a sua origem na mentalidade bíblica, agora a despreza. Presume-se que a Era da Razão chega a sua maioridade e Deus torna-se uma hipótese desnecessária.
No capítulo 4, a ortodoxia protestante é definida como sendo “estar de acordo com os princípios da Reforma”. Deste modo, novamente percebe-se o compromisso do autor em manter-se na sua perspectiva calvinista como referência de intérprete da história e dos movimentos. Este período, entre os protestantes, foi marcado pela sua rigidez doutrinária, cristalizada pelas confissões e catecismos escritos. Vários fatores contribuíram para este movimento, como a educação humanista rígida, várias controvérsias entre os protestantes, a dependência e confiança na razão, e o zelo por preservar a identidade confessional de cada segmento, especialmente entre luteranos e calvinistas.
O capítulo 5 analisa o despertamento espiritual promovido pelo movimento alemão conhecido por Pietismo. O objetivo do Pietismo era promover uma reforma na espiritualidade luterana, que se encontrava indiferente com a teologia viva e com a pregação acompanhada por um testemunho cristão contagiante pela experiência religiosa. O movimento influência a missão cristã, especialmente entre os morávios, e conseqüentemente, o jovem John Wesley. O autor faz a ponte da influência do Pietismo sobre o presbiterianismo norte-americano e o surgimento do Princeton Theological Seminary.
O capítulo 6 é o menor de todos, e nele o Iluminismo é estudado no contexto do século 18. Este período foi marcado de forma permanente por este movimento filosófico, que abalou a credibilidade da teologia. As implicações finais do humanismo do século 16 são levadas as suas últimas conseqüências no Iluminismo. O autor comenta que o Iluminismo sustentava que “o homem é a medida de todas as coisas e a razão é o seu instrumento de medição; é o cânon da verdade.”
No último capítulo está a análise do Liberalismo Teológico, que é a transição para adentrar o século 20, onde ocorre os movimentos da Teologia Contemporânea. O Liberalismo Teológico é filho de um adultério do Iluminismo com o cristianismo, e a sua dependência do Renascimento é maior do que da Reforma do século 16. A influência do Iluminismo foi abrangente, de modo que a religião passou a ser considerada um sentimento vazio da verdade divinamente revelada. O sobrenatural tornou-se uma idéia intolerável e a religião de origem divina vista como insustentável, e todas as áreas do cristianismo foi alvo de críticas, até mesmo por teólogos cristãos. É neste contexto de descrédito que o Liberalismo Teológico é pego de surpresa diante de duas grandes guerras mundiais, e então, surge a neo-ortodoxia liderada por Karl Barth, sendo ele mesmo ex-aluno de teólogos liberais.
Os adendos são pequenos artigos finais que complementam a obra. Embora, penso que alguns deles poderiam ser inclusos no corpo do texto enriquecendo a argumentação, em vez de serem postos como anexos de esclarecimento. Digno de nota é o artigo “A Reforma Pombalina” que demonstra como o Iluminismo afetou o Brasil durante o século 18 e 19, e análise de alguns fatores que contribuíram para a tolerância religiosa.
A estrutura do livro segue uma ordem cronológica e temática. A partir da história o autor realiza um estudo sociológico a partir das premissas de cada movimento, descrevendo as suas características e principais pensadores. É uma obra bem documentada resultado de pesquisa comprometida com as fontes.
A identidade teológica do autor é claramente reformada. Não há dubiedade quanto as suas convicções e compromisso com a perspectiva calvinista.
COSTA, Hermisten M.P. da, Raízes da Teologia Contemporânea (São Paulo, Editora Cultura Cristã, 2004).
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