17 junho 2008

Resenha

A obra Raízes da Teologia Contemporânea é um livro que se propõe analisar a relação de alguns movimentos teológicos que contribuíram para a formação da teologia do século 20. A proposta das raízes estabelece que a intenção do autor não é expor cada pensador, ou escola teológica do século 20, mas de estudar como eles surgiram. O texto se presta a ser uma introdução, não no sentido de apresentar superficialmente cada tema, mas de oferecer como uma análise dos movimentos teológicos e filosóficos que antecederam e que criaram o contexto mais amplo da teologia contemporânea. Nenhuma “teologia” surgiu no vácuo das idéias. Não há algo como uma neutralidade de pensamentos que surgem ex nihil, mas todo movimento emerge como uma implicação de sementes que foram postas em tempos anteriores e que tiveram adubo cultural suficiente para que pudessem germinar em solo apropriado. Assim, o autor confessa que “partimos do pressuposto de que a Teologia Contemporânea está ligada às contribuições iluministas” e que o Iluminismo “tem as suas origens próximas e remotas, ligadas a outras manifestações filosóficas, cientificas, econômicas e teológicas, que foram efeito-causa-efeito dos fenômenos históricos.”

O corte histórico para se começar a estudar a Teologia Contemporânea dá-se início no período da Reforma Protestante do século 16. A definição de teologia contemporânea é sugestiva para se estabelecer o seu escopo: “é o estudo analítico-crítico das manifestações surgidas após a Reforma e, em geral, contrárias ao sistema dela.” Na introdução é declarado que o livro também se limita a não estudar a teologia católica, assim, temos um grande grupo de teólogos deixados de lado, bem como alguns movimentos pós-tridentinos não são considerados em sua relação com o protestantismo moderno, especialmente na sua agridoce relação com o anglicanismo.

No capítulo 1, o autor inicia o seu texto com uma abordagem histórica do Renascimento e do Humanismo e como contribuíram para a formação do pensamento moderno. Surgindo no fim da Idade Média, ambos movimentos libertaram o indivíduo do jugo católico, oferecendo o ambiente universitário para questionar a estrutura romanista desenvolvida durante todo aquele período de obscuridade e opressão. O Dr. Hermisten observa que “o Renascimento – apesar de ser uma decorrência da Idade Média – veio implodir a Idade Média e muito dos seus valores”. O sentimento de ansiedade criado pela insuficiência da provisão dos cuidados e teologia sacramental do catolicismo despertou na sociedade a busca por algo que oferecesse respostas seguras ao clima de angústia e desespero que a Europa vivia diante das guerras, epidemias e da instabilidade social. Não há um consenso absoluto da relação entre o Renascimento e o Humanismo, entretanto, o autor propõe que “o Humanismo foi, de certa forma, a filosofia do Renascimento”. Todavia, o movimento somente pode progredir com a invenção da imprensa, provendo a divulgação das idéias pela escrita e dispondo uma ampla circulação de diferentes questionamentos. O teocentrismo medieval foi substituído pelo antrocentrismo humanista renascentista, assim, este cambio de eixo mudou toda a orientação escolástica.

O capítulo 2 dedica aproximadamente 1 ¼ do livro ao estudo da Reforma do século 16, e mais especificamente a análise da pessoa e obra do reformador João Calvino. Isto demonstra o respeito e dependência do autor, em sua percepção, da influência e contribuição intelectual do reformador francês para o pensamento moderno. A relação da Reforma com o Humanismo é óbvia: os reformadores eram humanistas, todavia, cristãos. Não criam que a necessária reforma que a sociedade precisava eram meramente o enaltecer das virtudes humanas, mas a restauração do ser humano como imagem de Deus, em Cristo Jesus; isto envolve a centralidade da Escritura Sagrada como revelação da vontade de Deus.

No capítulo 3, é realizada uma análise do pensamento moderno em sua relação da filosofia, a ciência moderna e a sua influência na teologia. É afetada a estreita ligação que a filosofia tem com a teologia, que existia desde o inicio do cristianismo, bem como a ciência que teve a sua origem na mentalidade bíblica, agora a despreza. Presume-se que a Era da Razão chega a sua maioridade e Deus torna-se uma hipótese desnecessária.

No capítulo 4, a ortodoxia protestante é definida como sendo “estar de acordo com os princípios da Reforma”. Deste modo, novamente percebe-se o compromisso do autor em manter-se na sua perspectiva calvinista como referência de intérprete da história e dos movimentos. Este período, entre os protestantes, foi marcado pela sua rigidez doutrinária, cristalizada pelas confissões e catecismos escritos. Vários fatores contribuíram para este movimento, como a educação humanista rígida, várias controvérsias entre os protestantes, a dependência e confiança na razão, e o zelo por preservar a identidade confessional de cada segmento, especialmente entre luteranos e calvinistas.

O capítulo 5 analisa o despertamento espiritual promovido pelo movimento alemão conhecido por Pietismo. O objetivo do Pietismo era promover uma reforma na espiritualidade luterana, que se encontrava indiferente com a teologia viva e com a pregação acompanhada por um testemunho cristão contagiante pela experiência religiosa. O movimento influência a missão cristã, especialmente entre os morávios, e conseqüentemente, o jovem John Wesley. O autor faz a ponte da influência do Pietismo sobre o presbiterianismo norte-americano e o surgimento do Princeton Theological Seminary.

O capítulo 6 é o menor de todos, e nele o Iluminismo é estudado no contexto do século 18. Este período foi marcado de forma permanente por este movimento filosófico, que abalou a credibilidade da teologia. As implicações finais do humanismo do século 16 são levadas as suas últimas conseqüências no Iluminismo. O autor comenta que o Iluminismo sustentava que “o homem é a medida de todas as coisas e a razão é o seu instrumento de medição; é o cânon da verdade.”

No último capítulo está a análise do Liberalismo Teológico, que é a transição para adentrar o século 20, onde ocorre os movimentos da Teologia Contemporânea. O Liberalismo Teológico é filho de um adultério do Iluminismo com o cristianismo, e a sua dependência do Renascimento é maior do que da Reforma do século 16. A influência do Iluminismo foi abrangente, de modo que a religião passou a ser considerada um sentimento vazio da verdade divinamente revelada. O sobrenatural tornou-se uma idéia intolerável e a religião de origem divina vista como insustentável, e todas as áreas do cristianismo foi alvo de críticas, até mesmo por teólogos cristãos. É neste contexto de descrédito que o Liberalismo Teológico é pego de surpresa diante de duas grandes guerras mundiais, e então, surge a neo-ortodoxia liderada por Karl Barth, sendo ele mesmo ex-aluno de teólogos liberais.

Os adendos são pequenos artigos finais que complementam a obra. Embora, penso que alguns deles poderiam ser inclusos no corpo do texto enriquecendo a argumentação, em vez de serem postos como anexos de esclarecimento. Digno de nota é o artigo “A Reforma Pombalina” que demonstra como o Iluminismo afetou o Brasil durante o século 18 e 19, e análise de alguns fatores que contribuíram para a tolerância religiosa.

A estrutura do livro segue uma ordem cronológica e temática. A partir da história o autor realiza um estudo sociológico a partir das premissas de cada movimento, descrevendo as suas características e principais pensadores. É uma obra bem documentada resultado de pesquisa comprometida com as fontes.

A identidade teológica do autor é claramente reformada. Não há dubiedade quanto as suas convicções e compromisso com a perspectiva calvinista.

COSTA, Hermisten M.P. da, Raízes da Teologia Contemporânea (São Paulo, Editora Cultura Cristã, 2004).

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