19 junho 2008

Resenha

Alister McGrath é um autor que tem se popularizado entre os leitores brasileiros. Alguns dos seus livros estão publicados em português por editoras de diferentes orientações teológicas. Isto demonstra a sua capacidade de discutir assuntos de interesses comuns aos vários segmentos do cristianismo. Entretanto, a sua identidade anglicana/evangélica é declarada com firme convicção. Apesar de ter lançado uma excelente biografia sobre João Calvino, McGrath é incoerentemente um arminiano.

O livro Paixão pela verdade é uma obra que, às vezes, dá aquela noção de que deveríamos ter lido outro livro antes dele. E, isto é verdade, pois o próprio autor, tanto nos Agradecimentos como nas notas finais, remete o leitor para outro livro de publicação anterior, com o nome Evangelicalism and the Future of Christianity, que inclui discussões pormenorizadas de temas que são apenas mencionadas neste segundo.

A proposta de McGrath é simples, mas um desafio expressivo. Segundo ele, esta obra pretende fazer uma “consideração da coerência intelectual do evangelicalismo com vistas a considerar qual poderá ser seu futuro num mundo ocidental pós-moderno, com suas ideologias competitivas e teorias de legitimação amplamente divergentes.” Adenda a esta tese o autor menciona o fato de que o evangelicalismo, enquanto movimento, chegou a maturidade e respeitabilidade acadêmica deixando de ser necessário uma postura desgastantemente defensiva. Ele possui coerência, vigor intelectual e credibilidade suficiente que lhe dá um lugar respeitoso no universo acadêmico.

O livro está estruturado em cinco partes. Uma introdução necessária que discute algumas virtudes e também dificuldades dentro do evangelicalismo. Os capítulos seguintes demonstram o aspecto positivo do movimento em apresentar a singularidade de Jesus Cristo e a autoridade da Escritura como temas centrais. Mas, nos capítulos finais, o autor evidencia a coerência intelectual do evangelicalismo contra três perigos contemporâneos para o cristianismo, isto é, o pós-liberalismo, o pós-modernismo e o pluralismo religioso.

No capítulo 1, sobre “a singularidade de Jesus Cristo”, o autor desenvolve a tese de que “Jesus Cristo é de importância constitutiva e definitiva para o cristianismo; retém autoridade intrínseca fundamentada e enfocada nele mesmo e em sua obra”. Apesar do liberalismo e neo-ortodoxia tentarem “reconstruir” uma imagem de Cristo através da “busca do Jesus histórico”, nada conseguiram, por abandonarem Cristo como está revelado na Escritura. Com este desprezo da narrativa inspirada acerca de Jesus Cristo, perdem a noção de importância revelacional, soteriológica, exemplar/ética, doxológica e querigmática do Filho de Deus.

O capítulo 2 discute a “autoridade da Escritura”. Este ponto é um aspecto que retrocede à Reforma do século 16. A sua identificação como sendo a Palavra de Deus lhe outorga autoridade inerente. Embora o modernismo tentou estabelecer uma concepção de que havia uma crise na autoridade bíblica, isto apenas demonstrou o compromisso do liberalismo teológico com a ideologia cultural dominante. McGrath conclui que “toda tentativa de conformar o cristianismo às crenças de um grupo social demonstra ser esse grupo irrelevante para o outro. O paradoxo subjacente de toda iniciativa liberalista é que para alguém que tenha o evangelho como ‘relevante’, há mais alguém para quem ele é irrelevante.” Ao mesmo tempo a experiência deve ser orientada, interpretada e transformada pela Escritura, e não o contrário. O uso da razão na teologia como serva e não como princípio regulador, porque “o Deus da pura razão está preso dentro dos limites de mentes humanas. E mentes pequenas contribuem para um Deus pequeno”.

No capítulo 3 a intenção do autor é declarada que “não é apresentar uma alternativa evangélica a tais abordagens, e sim indicar as bases sobre as quais elas podem ser criticadas”. Assim, McGrath demonstra aspectos positivos que servem de contato entre o evangelicalismo e o pós-modernismo, mas também aponta perigos e as suas implicações. Neste capítulo ele descreve a origem e o desenvolvimento do liberalismo, enquanto movimento social e cultural, e a sua absorção pela teologia e os seus resultados.

O capítulo 4 sobre a relação do “evangelicalismo e o pós-modernismo” traça a origem deste último movimento como rejeitando o Iluminismo como fraudulento e prejudicial. Na história da igreja, sabe-se que o evangelicalismo não ficou imune ao Iluminismo. A morte da modernidade se deu no questionamento dos absolutos. O autor declara que “o pós-modernismo elimina o impulso para se universalizar, criando um meio em que diferenças incompatíveis podem ser toleradas”.

No último capítulo, o autor acusa a insustentabilidade do pluralismo religioso propondo adotar como válidos fatos contraditórios e absurdamente inaceitáveis. Aplicando isto às religiões comparadas tanta conciliar religiões como o judaísmo, cristianismo e o islamismo, como sendo percepções complementares do mesmo Ser divino. Entretanto, conceitos nestas religiões divergem em grau e essência tornando impossível qualquer tipo de sincretismo.

Os temas que se encontram dentro de cada assunto demonstram a sua relevância atual dentro da proposta geral do autor. A interação com autores demonstra a capacidade de McGrath como apologista evangélico. Os seus argumentos demonstram vigor e coerência lógica, bem como fidelidade com os princípios bíblicos. Numa declaração final em seu livro, ele reconhece que “aspirar a erudição intelectual é a coisa mais fácil do mundo; já desenvolver isto enquanto se permanece firmemente em contato com as realidades da vida cristã comum é tarefa um tanto mais intimidante”.

Outra característica positiva do livro é que ele é bem documentado em fontes que também servem de indicação bibliográfica. É notório que o autor usou citar algumas obras com a intenção de referendá-las, sem necessariamente concordar com o seu conteúdo, mas, para indicar uma fonte respeitável sobre aquele assunto.

A editora Shedd Publicações tem lançado no mercado literário brasileiro, várias obras de excelente qualidade. Esta é mais uma que veio somar em nossas bibliotecas. Entretanto, a formação do livro mereceria uma qualidade ao nível do seu conteúdo. Como por exemplo, as notas que postas no fim do livro torna tediosa e desconcertante as idas e vindas, do texto para o fim do livro, quebrando por vezes a seqüência do raciocínio. Pequenos erros de revisão são cometidos, mas nada que prejudique a obra. Outro pecado, sendo este imperdoável para uma obra acadêmica como esta, é a ausência de um índice remissivo!

MCGRATH, Alister, Paixão Pela Verdade a coerência intelectual do evangelicalismo (São Paulo, Shedd Publicações, 2007).

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