01 outubro 2010

Conflito entre Teologia Bíblica e Sistemática?

Alguns teólogos por desnecessária teimosia, insistem em perpetuar uma antiga contenda. Querem conflitar os ramos da Teologia Bíblica e da Teologia Sistemática. Parece que isto decorre do método teológico adotado, ou das premissas de cada área, ou até mesmo da tradição teológica esposada por eles. Entretanto, isto não justifica promover a inimizade entre estas duas preciosas e consistentes áreas da ciência teológica.

Por natureza a Teologia Sistemática é o centro de convergência onde todas as matérias teológicas se encontram para compartilhar as suas conquistas! Coerentemente e de modo construtivo formula-se a doutrina à partir da exegese bíblica, da filosofia, da história, e dos padrões confessionais. Aprecio muito a definição que Robert L. Reymond afirma que Teologia Sistemática é o
estudo metodológico da Bíblia que analisa a Escritura Sagrada como uma completa revelação, em distinção das disciplinas de Teologia do Antigo Testamento, Teologia do Novo Testamento e Teologia Bíblica, as quais se aproximam das Escrituras como uma revelação progressiva. Deste modo, o teólogo sistemático analisa as Escrituras como uma revelação completa, buscando entender holisticamente o plano, propósito e a intenção didática da mente divina revelada na Sagrada Escritura, e organizar este plano, propósito e intenção didática de modo ordenado e apresentação coerente como artigos da fé cristã.
[1]

Por definição a Teologia Bíblica é “aquele ramo da teologia cuja preocupação é estudar cada segmento das Escrituras individualmente, especialmente quanto ao seu lugar na história da revelação progressiva de Deus”.[2] Ainda podemos falar desta disciplina como sendo “um estudo do processo da auto-revelação de Deus depositada na Bíblia."[3] Assim, observa-se que são áreas diferentes, mas não conflitantes, pelo contrário, elas são disciplinas co-dependentes.

Geerhardus Vos, que lecionou tanto dogmática como teologia bíblica, esclarece a diferença entre as duas disciplinas declarando que
Teologia Bíblica ocupa uma posição entre Exesege e Sistemática na enciclopédia das disciplinas teológicas. Ela difere da Teologia Sistemática, não porque seja mais bíblica, ou por aderir mais estritamente as verdades da Escritura, mas em que o seu princípio de organizar o material bíblico é mais histórico do que lógico. Considerando que a Teologia Sistemática usa a Bíblia como um todo completo e empenha-se em exibir o seu completo ensino numa forma ordenada e sistemática, a Teologia Bíblica divide os assuntos a partir da perspectiva histórica, buscando demonstrar o crescimento orgânico ou desenvolvimento das verdades da Revelação Especial da primitiva Revelação Especial pré-redentiva entregue no Éden até o fechamento do cânon do Novo Testamento.
[4]

Infelizmente há quem queira continuar a controvérsia entre as áreas de Sistemática e Bíblica. Penso ser um prejuízo acadêmico esta tola controvérsia. Spykman exorta-nos dizendo que
este é o momento apropriado para deixar de lado este falso dilema. Como em toda ciência, assim também na teologia, existem certas divisões de trabalho que coincidem com certas linhas demarcatórias naturais, dentro do campo global. Discerne-se claramente uma diferença de tarefas. Então, fique estabelecido, tanto na teologia bíblica como na dogmática, que cada uma tem sua identidade e integridade. Cada uma tem seu próprio campo de estudo, seus próprios princípios organizadores e suas metodologias. Assim, ambas são chamadas a serem “bíblicas” no sentido de serem fiéis a Bíblia. O fato de que a teologia bíblica trabalhe mais diretamente com pressupostos bíblicos não é garantia de ser mais fiel às escrituras que a dogmática, ainda que, esta última talvez, trabalhe mais diretamente com os dados bíblicos. Juntas devem inclinar-se ante a autoridade da Palavra de Deus como norma vigente para ambas disciplinas. Ambas são respostas teológicas a essa norma permanente. Todavia, são diferentes em suas áreas de investigação, em suas ferramentas e estudo, nos resultados de seus respectivos estudos. Estas diferenças devem ser honradas.
[5]

Como especialista em Teologia Bíblica D.A. Carson sugere que “a teologia bíblica precisa ser sistemática, mesmo que focalize o lugar e o significado históricos de um segmento específico da Bíblia; e a teologia sistemática, se depender de exegese honesta, deve forçosamente depender de considerações históricas.”[6]

NOTAS:
[1] Robert L. Reymond, A New Systematic Theology of the Christian Faith (Nashville, Thomas Nelson Publishers, 1998), pág. xxv-xxvi.
[2] Donald A. Carson, Teologia Bíblica ou Teologia Sistemática (São Paulo, Edições Vida Nova, 1999), pág. 27.
[3] Geerhardus Vos, Biblical Theology – Old and New Testament (Edinburgh, The Banner of Truth Trust, 2000), pág. 13.
[4] Geerhardus Vos, Biblical Theology – Old and New Testament, pág. v-vi.
[5] Gordon J. Spykman, Teologia Reformacional - un nuevo paradogma para hacer la Dogmática (Grand Rapids, TELL, 1994) pág. 10.
[6] Donald A. Carson, Teologia Bíblica ou Teologia Sistemática, pág. 27.

4 comentários:

Dilsilei Monteiro disse...

Olá Rev. Ewerton, saudações fraternas!
Esse tema é sempre muito oportuno. Ótimo post.
Além de Calvino, nas Institutas, outro importante exemplo de que as duas podem andar juntas é a Teologia Sistemática de Robert Reymond. Infelizmente toda essa discussão em torno de TB x TS, esconde algo muito preocupante, que são as proposições de desconstrução do liberalismo teológico. É precisamente isso que os liberais desejam, "fazer" teologia bíblica com a desconstrução da ortodoxia, e para isso faz-se necessário negar a validade da dogmática que a sustenta.
Um abraço fraterno,

Dilsilei

Ricardo Mamedes disse...

Caro Rev. Ewerton,

A diferença entre ambas não é, a rigor, apenas uma questão de método? Assim, ao invés de divergir não seria melhor convergir em tudo que espelhe fielmente as Escrituras, independentemente do método?

Ricardo.

Ewerton B. Tokashiki disse...

Caro Ricardo

Esta é a minha proposta. Por isso prefiro teólogos bíblicos como Gerard Van Groningen, O.Palmer Robertson, Gerhard Vos, Herman Riderbos que são fonte pra mim como teólogo sistemático.

Marivaldo disse...

Bastante útil