29 dezembro 2012

Forma de subscrição do Sínodo de Dort

Nós, os ministros[1] que subscrevemos a divina Palavra, sob a jurisdição da Classe _____________________ [2] e, declaramos sinceramente e de boa consciência diante de Deus, sendo esta a nossa subscrição, que de coração entendemos e cremos que todos os artigos e particulares pontos de doutrina contidos nesta Confissão e Catecismo da Igreja Reformada Holandesa, juntos com a declaração de alguns pontos desta doutrina, produzidos no Sínodo Nacional realizado em Dordrecht em 1619, concordam em cada detalhe com a Palavra de Deus. Por isso, prometemos diligentemente ensinar e fielmente defender toda esta doutrina, seja pública ou privadamente, direta ou indiretamente ensinando ou escrevendo, contra qualquer coisa que seja oposta a esta doutrina. Não só rejeitamos todos os erros contrários a esta doutrina que foram condenados pelo Sínodo de Dort, mas, também, desejamos refutar e opor a todo esforço, de modo que, eles se mantenham afastados da igreja. E se em algum momento posterior acontecer de adotarmos alguma diferente consideração ou sentimento contra esta doutrina, prometemos que nem pública ou privadamente proporemos, ensinaremos, ou defenderemos semelhante concepção quer seja em pregação ou escrito, mas, primeiramente revelaremos esta opinião ao consistório,[3] a classe e ao sínodo, de modo que ela possa ser examinada. De imediato, nos submeteremos com espírito voluntário para o juízo do consistório, classe ou sínodo, sob pena de que se agirmos de modo contrário disso, estaremos de pronto suspensos de nossos ofícios. Mas se o consistório, classe ou sínodo ainda com sérias razões de suspeita, de modo a preservar a unidade e sinceridade da doutrina, queira indagar-nos que expliquemos mais plenamente a nossa opinião acerca de algum artigo desta Confissão, Catecismo ou das declarações do Sínodo, também prometemos nos dispor de imediato e voluntariamente responder a qualquer pergunta, sob a mesma pena declarada acima, todavia, reservando a nós mesmos o direito de apelar, se viermos a crer que fomos prejudicados pelo julgamento do consistório, classe ou sínodo, durante o apelo nos submeteremos ao julgamento e determinação do sínodo provincial.

NOTAS:
[1] Tornou-se obrigatório aos ministros da Palavra e demais oficiais a subscrição das "Três Formas de Unidade" das Igrejas Reformadas, ou seja, A Confissão Belga, o Catecismo de Heidelberg e os Cânones de Dort.
[2] Classe ou presbitério. Aqui escreveria o nome da Classe que era membro.
[3] Consistório ou conselho.

Tradução livre:
Ewerton B. Tokashiki
Extraído de Daniel R. Hyde, With Heart and Mouth - An Exposition of the Belgic Confession (Grandville, Reformed Felloship, Inc., 2008), pp. 22-23.

13 dezembro 2012

Aos pastores, presbíteros e diáconos que mentiram em sua ordenação

A sua ordenação foi um ato de singular importância. No Conselho da Igreja local, ou numa Reunião do Presbitério, ou num culto público, você respondeu solenemente algumas perguntas, diante de Deus, das autoridades instituídas por Ele, tendo parte da Igreja de Cristo como testemunha. Após ter se comprometido com um claro e audível SIM, você se ajoelhou, num ato de submissão, e demonstrando verbalmente aceitação e compromisso confessional, foram impostas mãos sobre a sua cabeça para a ordenação como um oficial da IPB!

Alguns dias depois você começa em suas conversações a desdizer o que declarou publicamente. Os seus sermões, estudos, e simples conversas informais levantam discordância da identidade confessional da IPB. Apresenta-se mais "aberto", mais tolerante, e fala num tom mais inteligente e atraente do que os tradicionais, a quem se refere como obscurantistas e frios! Critica o crescimento da igreja local e da IPB, questiona a rigidez da teologia, bem como o desprezo gratuito pelo neopentecostalismo, e começa a afirmar que precisamos de sermos mais práticos, mais piedosos, mais fervorosos, entretanto, o seu discurso não é em direção da verdadeira piedade e sim para uma mudança de paradigma. A liderança adota nova linguagem: vivemos para relacionamentos e para uma nova visão! Assim, se investe em estrutura, marketing, slogans, expressões afetivas e menos conteúdo doutrinário, menos profundidade bíblica.

Em seguida, você fala abertamente de suas discordâncias doutrinárias. Por exemplo, afirma ser a favor da contemporaneidade dos dons revelacionais! Dá oportunidade para que os irmãos "manifestem" estes dons [línguas e profecias] casos os tenham ou queiram buscá-los! E que não tenham medo do presbitério, afinal, eles têm a chancela do pastor e dos presbíteros. Toda experiência espiritual é válida e deve ser buscada ...

O culto passa a ser mais musical, menos pregação, mais oportunidade aos irmãos, mais experiência e menos Escritura. O emocionalismo toma conta! O fervor emocional, sincero acima de tudo, domina o ambiente e faz com que as pessoas comecem a manifestar as suas experiências "com o Espírito". A partir daí algumas caem, outras choram, pulam, ou andam de um lado para o outro, e outros ficam assustados por não saberem discernir o que está acontecendo. Então o pastor declara, ratificando o momento, que tudo é obra do Espírito Santo. Duvidar é pecar contra Ele, é correr o risco de blasfemar! E, quem é que vai questionar?

A identidade confessional acabou. Acabou a ordem, acabou a centralidade da Escritura, findou a ordem e decência do culto, esgotou a vergonha de mentir, não existe mais qualquer compromisso com os juramentos feitos no dia da ordenação! A santidade divorciou-se da ética. Manter a palavra do juramento solene é algo completamente ignorado, senão intencionalmente desprezado. Nesta altura o "seja o seu ‘sim’, ‘sim’, e o seu ‘não’, ‘não’" (Mateus 5:37) é esquecido. A desonestidade causa amnésia ética confessional.

Tudo virou uma mentira. Você é um oficial presbiteriano, quer seja pastor, presbítero ou diácono, mas na realidade, intencionalmente ignora, despreza, ou ridiculariza a identidade confessional da IPB. Tudo o que você herdou é substituído por modelos do pentecostalismo. Todo seu treinamento teológico é cambiado por livretos, doutrinas e materiais que afrontam as decisões do Supremo Concílio da IPB, bem como os Padrões de Fé de Westminster.


Por isso, desejo apenas lembrar as perguntas que algum tempo foram questionadas em sua ordenação:

Perguntas constitucionais de ordenação

1º. Vocês confessam crer que as Escrituras do Velho e Novo Testamento são a Palavra de Deus, e que esta palavra é a única regra infalível de fé e prática?

2º. Vocês recebem e adotam a Confissão de Fé e os Catecismos desta Igreja como fiel exposição do sistema de doutrina ensinado nas Santas Escrituras?

3º. Vocês sustentam e aprovam o Governo e a Disciplina da Igreja Presbiteriana do Brasil?

4º. Vocês aceitam o ofício [presbíteros regentes e diáconos] desta Igreja, e prometem desempenhar fielmente todos os deveres deste cargo?

5º. Prometem, ainda, procurar manter e promover a paz, a unidade, a edificação e a pureza da Igreja?


A Escritura Sagrada adverte: "não mintam uns aos outros, visto que vocês já se despiram do velho homem com suas práticas e se revestiram do novo, o qual está sendo renovado em conhecimento, à imagem do seu Criador." (Colossenses 3:9-10)

21 outubro 2012

A Caixa Preta de Darwin - Entrevista com Michael Behe

Michael J. Behe nasceu em 1952 e cresceu em Harrisburg, Pennsylvania, EUA. Bacharelou-se em Química, em 1974, pela Universidade Drexel, em Philadelphia. Fez pós-graduação em Bioquímica, na Universidade da Pennsylvania, e obteve seu doutorado 1978, sendo o tema de sua tese a anemia falciforme. De 1978 a 1982 fez pós-doutorado sobre a estrutura do DNA, no National Institute of Health. Entre 1982 e 1985 foi professor assistente de Química no Queens College, na cidade de New York. Em 1985 mudou-se para a Universidade Lehigh, onde atualmente é professor de Bioquímica.

Em sua carreira profissional escreveu mais de 40 artigos técnicos e um livro, Darwin’s Black Box: The Biochemical Challenge to Evoolution (A Caixa Preta de Darwin: O desafio da Bioquímica à Teoria da Evolução, publicado no Brasil pela Jorge Zahar), no qual argumenta que os sistemas vivos, em nível molecular, são melhor aplicados como sendo o resultado de planejamento inteligente. Esse livro foi resenhado por mais de uma centena de periódicos, entre eles: The New York Times, Nature, Philosophy of Science e Cristianity Today. Atualmente, o Dr. Behe e sua esposa residem nas proximidades de Bethlehem, Pennsylvania, com seus oitos filhos.

Em seu livro A Caixa Preta de Darwin o senhor descreve os sistemas de complexidade irredutível. O que são eles?

Sistemas de complexidade irredutível são aqueles que necessitam de partes múltiplas para funcionarem; se uma parte é removida, o sistema não funciona mais.

Para Darwin e seus contemporâneos do século 19, a célula, por exemplo, era uma “caixa preta”. Era simplesmente muito pequena, e a ciência daquela época não dispunha de ferramentas para investigá-la. Os microscópios daquele tempo eram bem rudimentares e as pessoas podiam ver só os contornos das células. Assim, muitos cientistas pensavam que a célula era bastante simples, como um pedacinho de gelatina microscópica.

A partir daquela época, a ciência tem mostrado que a célula é um sistema extremamente complexo, que contém proteínas, ácidos nucléicos e diversos tipos de “máquinas miniaturizadas”. No meu livro eu examino várias dessas “máquinas” e argumento que a seleção natural darwiniana não pode tê-las produzido justamente por causa do problema da complexidade irredutível.

Acredito que tais sistemas são melhores explicados como resultado de um deliberado planejamento inteligente. E eu cheguei a essa conclusão por um tipo de argumento lógico indutivo: sempre que vemos tais sistemas no mundo real, no mundo macroscópico de nossa vida cotidiana, concluímos naturalmente que eles foram, de fato, projetados. Ninguém se depara com uma ratoeira e se pregunta se foi projetada ou não.

Essa é uma das analogias usadas em seu livro. Explique melhor que relação o senhor estabelece entre uma ratoeira e os sistemas bioquímicos?

Certo. Suponhamos que queiramos fabricar uma ratoeira. Na garagem, podemos ter uma tábua de madeira velha (para a plataforma ou base), a mola de um velho relógio de corda, uma peça de metal (para servir como martelo) na forma de uma alavanca, uma agulha de cezir para segurar a barra, e uma tampinha metálica de garrafa, que julgamos poder usar como trava. Essas peças, no entanto, não poderiam formar uma ratoeira funcional sem modificações excessivas e, enquanto elas estivessem sendo feitas, as partes não poderiam funcionar como ratoeira. Suas funções anteriores às teriam tornado impróprias para quase qualquer novo papel como parte de um sistema complexo.

Assim, para que a ratoeira exista e funcione, é preciso que todas as suas partes funcionem perfeitamente, da mesma forma como deve ocorrer com os sistemas bioquímicos. Nada pode faltar e, por isso, não podem ter evoluído em etapas sucessivas.

Poderiam mencionar alguns desses sistemas irredutivelmente complexo?

Os sistemas de complexidades biológicas irredutível incluem o flagelo bacteriano, que é literalmente um motor externo que algumas bactérias usam para nadar: tem hélice, eixo acionador, motor, uma parte fixa, um mancal e outras partes mais. Outro exemplo é o sistema de transporte intracelular, que é um sistema de “rodovias”, “sinais de trânsito” e “vagões moleculares” que transportam carga por toda a célula.

Por contestar o paradigma evolutivo, seu livro tem causado bastante polêmica nos meios científicos. O senhor já previa isso? Quais foram os principais tipos de contestação?

Com certeza, eu previa que meu livro causaria controvérsia. Os darwinistas têm replicado dizendo, principalmente, que explicarão os sistemas moleculares no futuro, talvez dentro de dez ou vinte anos. Para dizer no mínimo, sou bastante cético quanto a essa pretensão.

A primeira reação da maioria dos críticos é dizer: “Isso é apenas criacionismo levemente disfarçado”. E em resenhas escritas por cientistas eles falam frequentemente sobre os primeiros capítulos de Gêneses e do “Julgamento da Criação”, de Arkansas, nenhum dos quais eu menciono no livro. Assim, eles tentam condenar meu trabalho através de processos de associação. Eles também não veem que há uma distinção entre chegar a uma conclusão simplesmente pela observação do mundo físico, como se espera que um cientista faça, e chegar a uma conclusão baseado na Bíblia ou em convicção religiosas.

Que influência o livro de Michael Denton (Evolution: A Theory in Crisis) teve em sua mudança de pensamento em relação ao evolucionismo?

O livro de Michael Denton foi muito importante para o meu ponto de vista. Ele foi o primeiro cientistas, dos que eu li, que questionava a evolução baseado estritamente na ciência. Era algo novo para mim e me mostrou que havia muitos problemas inexplicáveis no Darwinismo.

A partir de então, procurei por pesquisas que pudessem dizer como os sistemas bioquímicos foram gradualmente produzidos durante a evolução. Descobri rapidamente que tais documentos não existiam. Assim, com o passar do tempo, percebi que, de fato, esses sistemas só poderiam ser resultado de um planejamento inteligente.

Estive isolado durante algum tempo. Então li o livro Darwin on Trial, de Phillip Johnson, e gostei bastante. Vi num número da Revista Science que havia uma resenha do livro de Johnson. Eu fiquei muito entusiasmado e pensei: “Isso é demais! Eles terão que discutir alguns desses assuntos, e verei o que eles têm a dizer sobre isso”. Mas quando li mais detidamente o texto, percebi que não era uma resenha, era simplesmente uma advertência dizendo: “Este livro é antievolucionista. Advirta seus estudantes, pois ele está confundindo o público”. Fiquei bastante desapontado, pois eles não discutiam o conteúdo do livro. Pensei: Não é assim que a ciência deve ser.

Escrevi uma carta ao editor de Science, mostrando que eles deveriam discutir os assuntos envolvidos, e não apenas rejeitá-los. Science publicou minha carta, Johnson a viu e me escreveu. Foi assim que nós começamos a nos corresponder. Desde então tenho sido convidado a algumas reuniões nas quais ele está envolvido, e essa é a maneira como eu me envolvi nesta comunidade de pessoas interessadas no assunto Intelligent Design (Planejamento Inteligente).

No que seu livro difere de outros sobre evolucionismo?

O argumento a favor da evolução é melhor resumido no livro O Relojoeiro Cego, de Richard Dawkins. É uma leitura fascinante, e é interessante notar como Dawkins e Denton usam exemplos semelhantes, mas chegam a conclusões completamente diferentes. Denton usa uma analogia com o idioma inglês dizendo que frases são difíceis de criar. Dawkins tem uma seção onde ele usa um computador para gerar uma frase, tentando mostrar com isso que a evolução é fácil. Eu percebi que esses livros discutiam o problema num nível muito básico, não apenas em relação á cinema á ciência, mas ao conhecimento em geral. Quer dizer, como você sabe algo? Como você apoia uma teoria com evidência? E quais extrapolações são legítimas? Em meu livro, procurei aprofundar a questão.

Por que, na sua opinião, movimentos como o Intelligent Design (Planejamento Inteligente) têm crescido tanto?

Porque o Intelligent Design incorpora o ceticismo que muitas pessoas têm acerca do Darwinismo, e desafia a evolução em seu próprio território, como uma teoria científica.

Como sua mudança de foco, no que concerne á evolução bioquímica, afetou sua forma de lecionar?

Não afetou muito minha forma de lecionar, exceto pelo fato de que eu mostro aos alunos a natureza intricada dos sistemas bioquímicos e saliento que ninguém demostrou como eles podem ser produzidos através de processos aleatórios.

No fim de 1980, a Universidade Lehigh decidiu desenvolver um programa de seminários para calouros. São cursos que têm o objetivo de fazer os novatos ficarem entusiasmados com a carreira que escolheram. Assim, a administração estava procurando voluntários que sugerissem cursos. Eu criei um curso que chamei de “Argumentos populares sobre evolução”, no lemos Denton e Dawkins. Esses cursos têm sido muito populares entre os estudantes. A maioria deles entra para a universidade acreditando na teoria da evolução, mas muitos deles, quando terminam o curso, dizem que, embora ainda acreditem na evolução, agora veem o assunto como muito mais complexo e problemático. Como professor é meu objetivo fazê-los pensar por si mesmos e não simplesmente confiar no que as pessoas dizem como eu fiz uma vez.

Pode-se aceitar a teoria do Intelligent Design como puramente científica, sem apelar para a religião?

Sim, o Intelligent Design pode ser uma teoria puramente cientifica, porque está totalmente baseada em evidências físicas – a estrutura de sistemas celulares. Não se baseia em argumentos filosóficos, teológicos ou bíblicos, mas em evidências físicas.

Uma analogia que eu gosto de traçar é com a Física: muitos físicos estavam infelizes com a ideia do Big Bang porque parecia ter implicações teológicas óbvias. Todavia, os físicos a aceitaram como uma teoria científica legítima e trabalharam sobre ela. Eu vejo o Intelligent Design do mesmo modo: pode ter implicações religiosas, mas é uma teoria cientifica clara baseada apenas em observações de sistemas bioquímicos, e nós deveríamos aceitá-la e trabalhar a partir dela.

O senhor fez diversas pesquisas em publicações de divulgação cientifica como o Journal of Molecular Evolution, em busca de explicações para os mecanismos da evolução biológica. O que concluiu?

As publicações científicas não apresentam detalhes, modelos testáveis, nem evidências experimentais mostrando que os processos darwinianos poderiam desenvolver sistemas de complexidade irredutível. Concluo que a evidência está faltando porque sistemas complexos não podem ser desenvolvidos por forças aleatórias.

O Journal Of Molecular Evolution tem aproximadamente 25 anos e publicou mais de mil artigos desde sua primeira edição. Essa revista publica muitos artigos sobre comparações de sequencias de moléculas de proteínas, DNA e outras, na tentativa de determinar uma ancestralidade comum. Assim, organismos que possuíssem sequências semelhantes de aminoácidos em uma determinada proteína, por exemplo, seriam descendentes de um ancestral comum. Isso pode ser interessante, e pode ser uma questão legítima, mas comparar sequencia simplesmente não lhe diz nada sobre como essas complexas máquinas moleculares surgiram. Assim, durante os seus 25 anos de existência, o Journal of Molecular Evolution evitou completamente a questão de como esses sistemas extremamente complexos poderiam ter surgido.

Lamentavelmente, a maioria dos cientistas ignora completamente a evolução no seu funcionamento, e aqueles que pensam no assunto simplesmente procuram por associações e não se preocupam com o Darwinismo em si. Extraordinariamente, isso tem muito pouco a ver com o trabalho cotidiano da ciência e serve basicamente como um suporte filosófico que, na minha opinião, está apenas inibindo a verdadeira pesquisa sobre como a vida se desenvolveu.

Já que a ciência procura se caracterizar pela busca da verdade, por que é tão difícil, por exemplo, publicar um artigo com opinião discordante do evolucionismo?
Apesar da imagem popular, os cientistas são pessoas normais, com seus próprios preconceitos. Se alguém pretende desafiar uma crença profundamente defendida, pode esperar resistência.

Em entrevista concedida a uma revista brasileira de divulgação cientifica, a professora de história da ciência da Universidade da Florida, Vassiliki Betty Smocovitis, disse, referindo-se aos criacionistas, que eles são “especialistas autoproclamados”, sem credenciais cientificas. O que o senhor pensa a respeito?

Alguns criacionistas não têm credenciais, mas outros têm. Os que têm credenciais incontestáveis têm chamado a atenção para muitos problemas sérios no Darwinismo, os quais não se pode honestamente descartar.

O senhor vislumbra algum tipo de mudança de paradigma no futuro? Quem deverá mudar mais: a igreja ou a ciência?

A ciência muda á medida que mudam os dados, embora leve tempo. Acredito que a ciência acabará se voltando ao Intelligent Design, pois é nessa direção que os dados apontam. Ao contrário da ciência, a essência da religião não muda.

Vários cientistas, como o zoólogo adventista Dr. Ariel Roth, defendem uma integração entre fé e ciência. Como cientista cristão, o senhor acha possível conciliar a visão cientifica com a religião?

Acredito que por fim a ciência e a religião convergirão para a mesma verdade, pois só existe uma verdade.

O que a Teologia tem a oferecer á ciência na busca da verdade?

A Teologia pode mostrar á ciência que existe algo mais além da matéria e do movimento que o mundo é mais complicado do que muitos cientistas creem. A Teologia também pode salvaguardar a ciência do orgulho que acompanha a tentativa de explicar todas as coisas.

Fonte: Por que Doze Pesquisadores falam Creio sobre ciência e religião, págs.179-189

Obs.* Agradeço à nossa secretária Miriam Glaucea por digitar este texto.

24 setembro 2012

O pacto da graça por Johannes Wollebius

1. O resultado e benefício do chamado são a externa comunhão [communio] do pacto da graça e da igreja.

2. A externa comunhão do pacto da graça é de que aqueles que são chamados são considerados um povo do pacto e de Deus.

3. Isto é declarado por analogia; pois de fato, alguns são realmente povo de Deus, enquanto outros somente manifestam uma confissão externa.

4. Tanto a doação [oblatio] como o selar [obsignatio] do pacto da graça devem ser considerados.

5. A doação do pacto da graça é o ato pelo qual Deus promete a si mesmo, como o Pai em Cristo ao eleito, se eles viverem numa filial obediência.


PROPOSIÇÕES

1. Isto não deve ser entendido como um pacto universal que Deus fez com todas as criaturas, como o pacto das obras com os nossos primeiros pais, mas como o pacto que Deus fez conosco, a partir da pura misericórdia, após a queda.

2. Ela também é chamada de um testamento, porque Deus teria, por meio dela, como resultado da mediação de seu filho Jesus Cristo, designando uma herança celestial para os seus filhos. “Porque esta é a aliança que firmarei com a casa de Israel, depois daqueles dias, diz o Senhor: na sua mente imprimirei as minhas leis, também sobre o seu coração as inscreverei; e eu serei o seu Deus, e eles serão o meu povo” (Hb 8:10, ARA). “Por isso mesmo, ele é o Mediador da nova aliança, a fim de que, intervindo a morte para remissão das transgressões que havia sob a primeira aliança recebam a promessa da eterna herança aqueles que têm sido chamados. Porque, onde há testamento, é necessário que intervenha a morte do testador” (Hb 9:15-16, ARA).

3. A causa eficiente [do pacto da graça] é toda a Santa Trindade, em particular [singulariter] Cristo o Deus-homem, o anjo do pacto. “Eis que eu envio o meu mensageiro [João Batista], que preparará o caminho diante de mim; de repente, virá ao seu templo o Senhor, a quem vós bUscais, o Anjo da Aliança, a quem vós desejais; eis que ele vem, diz o SENHOR dos Exércitos” (Ml 3:1).

4. O conteúdo [materia] do pacto da graça é a concordância entre as duas partes, Deus e o homem. Deus promete ser o nosso Deus em Cristo o Senhor; o homem, em contrapartida, promete obediência de fé e vida.

5. A forma do pacto consiste numa mútua obrigação, mas a relação não é entre iguais; a promessa e obrigação de Deus são livres, enquanto que a do homem é um dever e exigência.

6. O propósito da oferta do pacto é, do mesmo modo que o comum chamado, a glória de Deus e a salvação do eleito.

7. O sujeito e objeto a quem o pacto é oferecido é a todos que são chamados, mas estritamente falando [proprie], ela é somente ao eleito. O pacto é oferecido a todos que são chamados, mas somente o eleito goza das promessas do pacto.

8. A administração do pacto da graça deve ser vista em seus complementos.

9. A administração é distinta, com respeito ao tempo, no antigo e novo pacto ou testamento.

10. O antigo testamento é o pacto da graça administrado até o tempo da manifestação de Cristo.

11. Há três formas sob a qual ela foi administrada: primeiro do período de Adão até Abraão, o segundo de Abraão até Moisés, e o terceiro de Moisés até Cristo.

12. O primeiro e segundo desses períodos diferem nestes modos: (1) o primeiro foi marcado pelas palavras da promessa, bem breve pela certeza, mas inconfundivelmente evidente; o segundo não somente por uma promessa, mas também por uma expressa condição da obediência. (2) No primeiro teve somente o ritual do sacrifício, o segundo do mesmo modo a circuncisão. (3) No primeiro o pacto foi oferecido a toda a raça humana; no segundo ela foi restrita aos filhos de Abraão.

13. Entre os primeiros dois e o último período há uma diferença: o terceiro é mais perfeito e verdadeiramente testamentário, adornado não somente pela páscoa, mas por muitos outros tipos da morte de Cristo.

14. O novo testamento é o pacto da graça como administrada após a vinda de Cristo.

15. O antigo e novo testamento é da mesma substância; Cristo é o testador de ambos, tendo a mesma promessa da graça nele, e em cada um possuem igual exigência de obediência de fé e vida.

16. Por isso, aqueles que ensinam que há real diferença entre o antigo e novo testamento, tais como as diferenças entre o pacto das obras e aquela da fé, ou entre a lei e o evangelho, estão errados; cada testamento ou pacto é um pacto da graça. E cada um contém lei e evangelho.

17. A administração do antigo testamento difere do novo de vários modos:
1.Quanto ao tempo: o antigo testamento realizou-se antes da vinda de Cristo, e as novas posteriores.
2.Quanto ao lugar ou extensão: o anterior foi oferecido ao povo israelita, e o posterior estende-se através de toda a terra.
3.Quanto à clareza: as promessas da graça em Cristo são proclamadas mais amplamente sob o novo testamento, mas são simbolizadas [sob o antigo] por meio de sombras dos tipos e cerimônias, que agora estão abolidas.
4.Quanto à simplicidade da operação: sob o antigo testamento a administração [do pacto] requereu muito mais atenção aos detalhes [longe fuit operosior] mais do que sob o novo.
5.Quanto à conformidade [suavitas]: sob o antigo testamento a perfeita obediência à lei era frequentemente exigida, não de fato para a exclusão das promessas evangélicas, mas para o fim de que, pela rigorosa exatidão da obediência pudéssemos ser dirigidos, como por um tutor [paedagogus], para buscar a Cristo. Sob o novo testamento as promessas evangélicas predominam, apesar da lei de uma nova obediência motivada pela gratidão de tão gloriosa graça não é excluída.

18. O sentido em que o antigo pacto é oposto ao novo conforme declarado por Jeremias, é por esta razão óbvia. “Não conforme a aliança que fiz com seus pais, no dia em que os tomei pela mão, para tirá-los da terra do Egito; porquanto eles anularam a minha aliança, não obstante eu os haver desposado, diz o SENHOR” (Jr 31:32). “Porque esta é a aliança que firmarei com a casa de Israel, depois daqueles dias, diz o SENHOR: na mente, lhes imprimirei as minhas leis, também no coração lhas inscreverei; serei o seu Deus, e eles serão o meu povo” (Jr 31:33).

Nestas palavras há uma referência a terceira e quinta distinções acima: para a quinta especialmente quando elam falam das leis como formalmente escritas sobre tábuas de pedra, mas posteriormente no coração, e quanto ao terceiro quando elas prometem um mais claro conhecimento.


Extraído de Johannes Wollebius, Compendium Theologicae Christianae in: John W. Beardslee III, Reformed Dogmatics – Seventeenth-century Reformed Theology through the writings of Wollebius, Voetius, and Turretin (Grand Rapids, Baker Book House, 1977), pp. 117-120.

Traduzido por Rev. Ewerton B. Tokashiki

27 agosto 2012

A Bíblia e o cânon - perspectiva calvinista

O calvinista sustenta que a autoridade da Bíblia é absoluta. Não considera a Bíblia simplesmente como um livro de bons conselhos que o homem pode adotar livremente, se assim o considera conveniente, ou rejeitar se assim lhe parece mais oportuno. A Bíblia é para o calvinista uma norma absoluta à que deve submeter-se totalmente. A Bíblia lhe dita o que deve crer e o que deve fazer; fala com força imperativa. Calvino era muito enfático neste ponto. Se a Bíblia fala, somente há uma alternativa: obedecer.

A razão que explica este alto conceito da Bíblia procede, naturalmente, do que é a Palavra de Deus. Tendo Deus falado e em sua revelação nos mostrou a sua vontade para as nossas vidas, consequentemente, devemos obedecê-la. Para o calvinista ao contrário do modernista, a Bíblia não é uma mera interpretação pessoal da religião e a vida dada em diferentes modelos religiosos, senão que detrás dos escritores da Bíblia descobre a infalível mão de Deus. Quando pensa na maneira como estes homens escreveram a Bíblia, o calvinista insiste no fato de que estes foram organicamente – não mecanicamente – inspirados; significando com isto que Deus serviu-se destes homens e de seus dons para dar-nos a sua revelação; e de tal maneira, isto foi assim, que o que escreveram era nada menos do que os pensamentos de Deus. Quando o calvinista contempla o conteúdo da Bíblia mantém que esta foi verbalmente e realmente inspirada; e, quando pensa no propósito que moveu Deus a impulsionar a estes homens a escrever, o calvinista descobre uma inspiração plena, ou seja, uma inspiração que inclui de um modo completo tudo o que Deus havia proposto revelar.

Aqui surge uma importante pergunta: como sabe o calvinista que a Bíblia é a Palavra de Deus? Sobre que base se apoia para afirmar que a Bíblia é um livro divino? Esta é uma pergunta muito importante e que a consideraremos no próximo capítulo.


Extraído de H. Henry Meeter, La Iglesia y el Estado (Grand Rapids, TELL, 1963), pp. 31-32. Este livro originalmente foi publicado sob o título de THE BASIC IDEAS OF CALVINISM.

27 julho 2012

Escolhi pregar expositivamente

Em 1994 fui para o Instituto Bíblico de Rondônia, ali iniciei os meus estudos teológicos. Então, comecei a pregar com preparo acadêmico ao aprender a normas e estruturas da homilética, entretanto, a ênfase era o modelo de sermão temático. Na época apenas li superficialmente acerca da pregação expositiva, e não conhecia nenhum pastor que pregasse deste modo. O sermão temático é fácil de preparar exigindo a imaginação e um simples jogo de palavras a partir do tema de um texto da Escritura. Mas sempre me causou insatisfação, sabendo que eu correria o risco de dizer algo que não estava no texto, ou até mesmo de pregar algo que não era o texto.

Durante os meus estudos no STPJMC recebi nova ênfase homilética. Desta vez, a pregação expositiva foi ensinada e exigida nas avaliações de prática de pregação. Li pelo menos três livros sobre pregação expositiva, pois não havia muita coisa em português, e os modelos pregadores brasileiros que eu conhecia eram ainda mais escassos. Terminei a minha graduação convencido que deveria pregar sermões expositivos, mas a prática não estava clara. Eu não sabia direito como isso poderia ser feito.

Após dois anos de pastorado pregando sermões temáticos abandonei este método. Quando decidi pregar expositivamente como parte permanente do meu ministério, não iniciei repentinamente. Primeiro comecei explicando à igreja que pastoreava, os motivos de doravante pregar expositivamente. Também expliquei que faria análises de textos continuados, e não apenas textos isolados a cada Domingo. Em cada sermão comecei a oferecer o contexto histórico, da intencionalidade do autor, da problematização dos destinatários e analisando a estrutura gramatical do texto no esforço de extrair o significado original que o autor inspirado quis comunicar. Confesso que algumas vezes tive receio de estar fazendo errado, e como pastoreava uma igreja do interior de Rondônia, e tinha pouco contato com o meio acadêmico bem como os grandes centros, tive que tentar descobrir e seguir as complicadas orientações que os autores de homilética ofereciam. Ainda continuo lendo, ouvindo, vendo acerca de sermões expositivos e atentamente aprendendo com pregadores que estão comprometidos com este método.

Se você ainda não se decidiu quanto a se prega ou não expositivamente, permita-me neste artigo sugerir que repense acerca da possibilidade de comprometer-se com a pregação expositiva.


Motivos práticos para pregar expositivamente

Posso elencar pelo menos três motivos para se pregar expositivamente: 1) pastoral, 2) exegético e, 3) homilética. Em breves sentenças farei algumas considerações para que você possa refletir e, o faço na esperança de que você assuma este compromisso. A minha intenção é compartilhar algumas sugestões de como fazer algo, que apesar da ampla divulgação recebida, ainda percebo dúvidas e erros no processo do fazer.


Algumas dicas pastorais

1. A direção do Espírito de Deus é vital para que o pregador exponha e aplique a Escritura Sagrada na igreja local. Ao escolher o que pregar, e isto não significa apenas um texto isolado, o pregador carece discernir que alimento deve entregar ao rebanho. Esta necessidade, seja de natureza preventiva ou corretiva, precisa ser identificada com santo discernimento e oração. O pregador que teme ao Senhor, também anseia por ser-lhe fiel, e ao mesmo tempo por amor e zelo, deseja ensinar e corrigir persuadindo os seus ouvintes acerca da vontade de Deus.

2. O pastor trabalha para que a igreja sob seus cuidados seja saudável. Para isto o seu sermão é fogo santo, pão do céu e poder de Deus para comunicar graça aos que ouvem, persuadir os que duvidam e fazer calar os que se opõe ao evangelho de Cristo! Tamanha tarefa não pode ser realizada superficialmente! Deste modo aconselho: ore, ore e ore! Estude, estude e estude! Sob o perigo de ainda assim, ser encontrado inapto para tão grandiosa tarefa. Este compromisso somos chamados para cumpri-lo dominicalmente diante de pessoas que estão sob o nosso cuidado.

3. É uma atitude irresponsável não ter um plano de pregação. Como relatei antes de ser persuadido da necessidade da pregação expositiva, iniciei meus dois primeiros anos de ministério pastoral pregando sermões temáticos. Confesso que cheguei algumas vezes próximo de 1 hora antes de começar o culto e não sabia o que pregaria naquela noite! Pregando expositivamente, especialmente livros inteiros, tenho o texto definido meses com antecedência oportunizando-me tempo para pesquisa, meditação e compreensão estrutural do livro. Outro aspecto prático é perceber que os membros interagem comigo no preparo do sermão, fornecendo dicas de leitura ou ilustrações de situações relacionadas ao texto que serão pregados na sequência.


Algumas dicas exegéticas

1. Eu poderia iniciar aqui pressupondo que você aprendeu a fazer exegese. Se você o sabe, perdoe-me se minhas dicas parecerem primárias, assim, peço que tenha paciência e continue lendo. Estas sugestões têm basicamente o intuito de ser um “como fazer”, e escrevi pensando em seminaristas, pastores inexperientes e pregadores leigos que desejam aperfeiçoar-se na honrada tarefa da pregação.

2. Ok, sigamos então selecionando o livro ou porção das Escrituras. Leia-o todo, e faça isso repetidas vezes, até que seu conteúdo esteja claro em sua mente e consiga resumi-lo em sentenças curtas.

3. Seja diligente em fazer a reconstrução do contexto histórico. Ao ler o texto a data, local, autoria, as circunstâncias, aspectos geográficos, político, culturais, etc. precisam estar vívidos em sua mente. Caso não possa adquirir manuais de introdução sobre o AT ou NT, tenha à mão uma Bíblia de Estudo de Genebra, porque ela oferece na parte introdutória de cada grupo de livros e em cada livro estas informações.

4. Descobrir o ensino intencional do autor é o objetivo do pregador. O que determina significado no texto é responder: o que ele quis dizer? Em havendo, qual problema atacava? Bem como qual dúvida ele esclarecia. E ainda o que ensinou neste texto aos seus leitores? Estruturalmente deve-se observar como do primeiro ao último versículo ele desenvolve o seu raciocínio. Isto resume ao abordar cada passagem qual era a interação do autor em relação aos seus destinatários no contexto original.

5. As conjunções devem ser respeitadas na divisão das perícopes a serem pregadas. E quando possível deve-se observá-las ao fazer as divisões do seu sermão. Estas divisões não são arbitrárias, mas direcionadas pela estrutura gramatical do próprio texto. Se o pregador tem noções gramaticais da língua original isto facilita muito, se não tem, então observe como as traduções mais recentes têm seguido as divisões das perícopes conforme a estrutura do idioma original.

6. No texto escolhido identifique as palavras-chaves ou expressões características do autor e como elas reforçam seu argumento. Verifique se ele recorre aos mesmos argumentos em outros livros que escreveu.

7. Faça a ponte da exegese para a homilética. A verdade descoberta exegeticamente precisa ser afirmada homileticamente. Em outras palavras, você precisa preparar frases tão curtas quanto possível, que resumam a ideia do autor, e fazer isso o mais didático possível. Neste ponto recomendo enfaticamente que você leia um livro de homilética, ou converse com um pregador experiente em como fazer isso. Não se esqueça: na pregação expositiva a estrutura homilética a ênfase do autor precisa ser colocada em relevo apontando a sequência do seu raciocínio em todo o livro.

8. Caso o pregador não domine a gramática das línguas originais recorra às diferentes versões. Entretanto, sempre é recomendável verificar como os tradutores percebem nuanças semânticas ou variações por causa da sintaxe ou da etimologia das línguas originais. Este recurso além de enriquece o conteúdo do sermão, também dinamiza a formulação das divisões do sermão.


Algumas dicas homiléticas

1. Por causa da inexperiência não corra o risco de se frustrar ou entediar seus ouvintes com exageros. Se você decidiu pregar expositivamente e não sabe como iniciar, sugiro que escolha pregar em pequenas porções, livros ou epístolas pequenas. Permita-me ser mais claro: não inicie preparando a sua série expositiva de sermões em livros como Isaías, Ezequiel, Jeremias, Provérbios, ou em Romanos, 1 Coríntios, Hebreus, pelo contrário, a humildade e a sensatez previnem e nos levam a pensar em começar com porções menores como os Dez Mandamentos, algum dos profetas menores, as Bem-aventuranças, ou mesmo todo o Sermão do Monte, Judas, Tiago, etc. Lembre-se se você não tem a experiência, nem a igreja local tem o costume de ouvir sermões, tome cuidado para não estragar algo tão bom por falta de tato pastoral.

2. Acompanhado o estudo de toda porção ou livro, identifique a estrutura dos assuntos. Isto pode ser verificado de dois modos: 1) Na introdução de cada livro da Bíblia de Estudo de Genebra há uma estrutura do conteúdo de todo o livro. Ou, 2) veja como as versões modernas trazem indicadores das divisões naturais. Aqui você saberá no seu planejamento quantos sermões pregará apenas subdividindo as perícopes.

3. Não comece cada sermão apenas pedindo para abrir no texto da sequência como algo mecânico. A introdução do sermão tem evocar a atenção, e convergir os pensamentos do público para a mensagem do texto. Há pregadores expositivos que entendiam os seus ouvintes no início do sermão, pois pensam que pregar lectio continua, ou seja, sequenciado texto após texto do mesmo livro dispensa uma introdução que apresente a relevância do sermão.

4. Lembre-se que um sermão expositivo não é mero comentário exegético do texto. Por vezes a pregação expositiva é antes de tudo um SERMÃO, e abrange todos os seus elementos essenciais. Alguns pregadores expositivos deixam de recorrer à proposição (chamadas por alguns de ideia homilética) e também pensam erroneamente ser dispensável o uso de divisões. Seja didático, você está instruindo e o modo como se faz a fixação da mensagem é importante. A fidelidade não dispensa a clareza.

5. Extraía do texto quais verdades ou princípios são ensinados e contra que pecados são aplicados. Aplique-os de modo prático, com linguagem que não desconsidere a inteligência nem a simplicidade dos seus ouvintes. A aplicação é uma das mais presentes falhas nos pregadores, que se preocupam apenas de expor, explicar, apresentar a verdade, indicar os princípios, mas em geral, omitem em aplicar e nisto não ensinam os presentes a viver de modo prático a Palavra de Deus.


Quais são alguns benefícios de se pregar expositivamente?

1. Edificar crentes com mentes treinadas a raciocinar sistemática, estrutural e gramaticalmente quando estudam e meditam no texto bíblico. A começar com o pregador que numa autodisciplina aprende a estudar e preparar sermões metodicamente construindo uma teologia mais bíblica a partir da exegese, ao mesmo tempo membros que ouvindo estes sermões aprendem como estudar e analisar a Escritura Sagrada. Assim, quer explicita ou implicitamente, pelo exemplo da pregação expositiva, demonstrará como os membros sob seu pastoreio podem efetivamente examinar as Escrituras.

2. O pregador torna a aquisição de literatura criteriosamente seletiva. Todo pregador precisa ter uma biblioteca básica que lhe seja útil no preparo de sermões. Por isso, ele não comprará aleatoriamente todo livro que lhe seduz, e sim aqueles que diante das necessidades de pregar, e adicionar conteúdo possa somar e facilitar o preparo do sermão, dentre as muitas tarefas pastorais.

3. O preparo do sermão expositivo é um hábito saudável no ministério pastoral. Nunca deixará de ser trabalhoso, mas com o tempo a experiência habilitará o pregador a ter facilidade e a satisfação de fazê-lo com menos embaraços técnicos. Uma vez familiarizado com este método possivelmente o pregador não se interessará em expor a Escritura doutro modo.

4. Crie o hábito de ouvir pregadores expositivos. Há pregadores que atravessam o mundo para pregar, mas se indispõe em cruzar a rua para ouvir um sermão! Ouvindo os que sabem fazer é um excelente recurso para se aprender. Atualmente na internet há vídeos de como preparar sermões expositivos. Após ler este artigo acesso-os e continue aprendendo!

21 julho 2012

A ideia de mito na teologia

por Bernard Ramm


O conceito de mito não tem um significado uniforme na teologia contemporânea. A única forma em que este conceito pode ser tratado é observando como usam o termo os diferentes eruditos.

1. “Mito” usado no sentido bom. Emil Brunner y Reinhold Niebuhr são os teólogos que creem que as Escrituras contêm num bom sentido. O raciocínio básico destes homens é que a linguagem acerca de Deus deve, necessariamente, tomar a forma de um mito. As declarações acerca de Deus não são afirmações de fato, tais como as que fazem os cientistas, nem declarações vazias de significado tais como se encontram na mitologia pagã. O “mito” bíblico é o meio de comunicação pelo qual um Deus transcendente faz a sua vontade conhecida ao homem. O meio de expressar aquilo que é histórico e teológico acerca da existência do homem.

Brunner retorna ao conceito de mito diversas vezes em seus escritos. Segundo ele, o elemento importante do mítico no Cristianismo, é que conserva intacto o caráter histórico do Cristianismo. Se removermos o mítico do Cristianismo o fazemos não-histórico e então, se torna uma religião abstrata e insípida. Mas ao mesmo tempo o mito bíblico não foi confundido com o mito pagão. Segundo Brunner há quatro mitos principais: a criação, a queda, a reconciliação e a redenção. O assunto importante em cada um destes mitos é que se referem à linha divisória entre o tempo e eternidade. Também caracteriza o mítico como o que é supra-histórico, escatológico, remoto do sensorial, mas relacionado com este único e essencial. Na análise final é uma maneira balbuciante de expressar a verdade cristã, mas é melhor maneira disponível (TM, pp. 227-396; RR, cap. 26; D, II, 268ss).

O pensamento de Niebuhr é paralelo ao de Brunner de modo muito próximo. Ele contempla o mito como o modo necessário para o qual o Deus eterno se comunica com o homem temporal. (NDM). Cullmann também usa o conceito do mito de modo aprobatório. O princípio do tempo e o fim do tempo são representados miticamente na Escritura (CT, pp. 94ss).

2. “Mito usado num sentido mal, mas aceitável. Bultmann crê que o kerigma primitivo foi marcado por mitos judeus e gregos (KM, pp. 1ss). Bultmann aparentemente opera com dois critérios para assinalar o mitológico. Positivamente o mitológico é qualquer mito redentor gnóstico, típico do grego, ou qualquer mito apocalíptico judaico. Negativamente o mítico é aquilo que vai contra o entendimento científico de ordem do universo. Bultmann não crê que devamos aceitar o mito como tal, mas, por outro lado, não crê que devamos rejeitar abertamente o mito. O mito contém o kerygma, portanto, temos de adentrar através do mito e descobrir o kerygma original. Daí que propõe o seu famoso programa de demitologização para reiniciar a rejeição total do mito pelos eruditos do século XIX, que localizaram propriamente o mitológico das Escrituras cristãs, mas foram muito longe em sua rejeição. Com a ajuda da filosofia existencialista podemos desnudar o mito e indicar o evangelho original.

3. “Mito” usado num sentido mal e inaceitável. Karl Barth define os mitos como contos acerca dos deuses e, portanto, inaceitáveis na teologia cristã. Crê que há mitos, ou fragmentos de mitos nas Escrituras, mas estes mitos não pertencem à substância do testemunho da Escritura enquanto revelação. Por exemplo, diz que o relato de Gênesis da criação é lenda, não mito. “As histórias da criação da Bíblia, não são mitos, nem contos de fadas. Isto não é negar que haja mitos, e acaso contos de fadas nos materiais dos quais foram construídos.” (CD, III/1. p. 84). Enquanto ao programa total de demitologização de Bultmann, Barth foi um crítico persistente. Disse, por exemplo, que toda a primeira parte do Quarto Tema de sua Church Dogmatics é um debate intenso com Bultmann (CD, IV/1, p. ix). Por exemplo, Bultmann em relação à ressurreição declara que não crê no reavivamento de um cadáver (KM, p. 8). Barth, de modo contrário, defende fortemente a ressurreição corporal de Cristo.

Extraído de Bernard Ramm, Diccionario de Teología Contemporánea (El Paso, Casa Bautista de Publicaciones, 3ªed., 1978), pp. 93-95.

03 julho 2012

Indicação novo site reformado!


Queridos leitores

Recomendo a leitura assídua do site POLÍTICA REFORMADA criado pelo nosso irmão Lucas Grassi Freire. Segundo ele a proposta deste site é produzir textos que apresentem uma cosmovisão reformada. O próprio Lucas declara que
os princípios dos textos são: (1) Simplicidade conceitual e escrita, para alcançar pessoas sem muita educação formal; (2) Informativo, explicando o assunto primeiro e depois aplicando os princípios bíblicos; (3) confessional, omitindo quaisquer ensinos contrários à fé reformada; (4) irênico, levando em consideração que irmãos podem genuinamente ter opinião distinta em certas questões mais polêmicas; (5) profissional, emergindo de anos de estudo e ensino na área.

Além de serem escritos boa parte do material também será gravado para transmitir no radio e influenciar mais pessoas.

Expresso a minha admiração pelo zelo acadêmico e amor pela cosmovisão reformada firmemente defendida pelo Lucas.

04 junho 2012

Os 5 Artigos do Arminianismo - 1610

Introdução

O documento foi escrito pelo grupo dos remonstrantes, em 1610. O seu título holandês é De Remonstrantie en het Remonstrantisme [O protesto do protestantismo] e o latim trás Articuli Arminiani sive Remonstrantia [Os artigos arminianos com protesto]. Deve-se ter o cuidado de discernir que o termo “protestante” não é usado em seu significado comum. Diferente de como historicamente o termo “protestante” é usado, ou seja, uma reação contra a doutrina da Igreja Católica Romana, o partido arminiano protestava contra a posição teológica oficial do estado holandês, que era o Calvinismo.

Estou disponibilizando a tradução de Os 5 Artigos do Arminianismo para que estudantes de teologia tenham acesso ao conteúdo teológico essencial dos remonstrantes. Estou escrevendo um pequeno livro em que ofereço o contexto histórico e teológico da controvérsia que deu origem aos Arminianismo, se Deus quiser, pretendo publicá-lo. Aos que desejam ler a resposta calvinista que o Sínodo de Dort ofereceu aos remonstrantes acesse aqui.

Segue abaixo o texto dos arminianos traduzido na íntegra.[1]


Artigo 1
A eleição realizada com base na presciência
[2]

Que Deus, pelo propósito eterno e imutável em seu Filho Jesus Cristo, desde antes da fundação do mundo, Ele determinou a respeito da raça humana pecadora e caída, salvar em Cristo, pelo amor de Cristo e, através de Cristo, a quem, pela graça do Espírito Santo, crerão em seu Filho Jesus e perseverarão nesta fé e obediência da fé, por meio desta graça, até o final; e, por outra parte, deixar aos incorrigíveis e incrédulos no pecado e sob a ira, condená-los como alienados de Cristo, de acordo com a palavra no Evangelho de João 3:36: “O que crê no Filho tem a vida eterna; mas, o que se recusa a crer no Filho não verá a vida, senão que a ira de Deus permanece sobre ele”, e, também de acordo com outras passagens das Escrituras.


Artigo 2
A expiação ilimitada


Que, de acordo com isto, Jesus Cristo, o Salvador do mundo, morreu por todos e cada um dos homens, de modo que, por sua morte na cruz, obteve para todos eles a redenção e o perdão dos pecados; ainda que, ninguém que não seja crente na realidade desfruta deste perdão, de acordo com João 3:16: “porque Deus amou o mundo de tal maneira, que deu o seu Filho unigênito, para que todo o que nele crê, não pereça, mas tenha vida eterna.” E, em 1 João 2:2: “e, é a propiciação por nossos pecados; e, não somente pelos nossos, mas também pelos do mundo todo.”


Artigo 3
A incapacidade natural


Que o homem não tem a graça salvadora por si mesmo, nem pela energia do seu livre arbítrio, no entanto, como ele, em estado de apostasia e pecado, não é capaz dele e por ele mesmo pensar, desejar, nem mesmo fazer coisa alguma que seja realmente boa (tal como eminentemente é a fé salvadora); mas, que lhe é necessário nascer de novo de Deus em Cristo, por meio do Espírito Santo e, renovar o entendimento, inclinação ou vontade e todos os seus poderes, para que possa entender, pensar, desejar e efetuar corretamente o que é verdadeiramente bom, de acordo com a Palavra de Cristo em João 15:5: “separados de mim, nada podeis fazer.”


Artigo 4
A graça preveniente


Que esta graça de Deus é o princípio, continuidade e alcance de todo o bem, até o ponto em que o homem regenerado, sem a graça preveniente ou assistida, que desperta, continue e coopere, não pode pensar, desejar, nem fazer o bem e muito menos resistir as tentações do mal; de modo que, todas as obras e movimentos que se podem conceber são atribuídas à graça de Deus em Cristo. Mas, acerca do modo de como opera esta graça, não é irresistível, pois, está escrito acerca de muitos que resistiram ao Espírito Santo. Atos 7 e, também, em muitos outros lugares.


Artigo 5
A perseverança condicional

Aqueles que são incorporados em Cristo pela fé verdadeira e com ela se fizeram partícipes de seu Espírito doador da vida, tem por essa razão pode completo para lutar contra Satanás, o pecado, o mundo e sua própria carne e, obter a vitória; entende-se bem que isto é sempre através da graça da assistência do Espírito Santo; e, que Jesus Cristo sempre os assiste em todas as suas tentações por meio de seu Espírito, estendendo-lhes a sua mão, e, se estão preparados para o conflito e, desejam o seu auxílio, e não estão inativos, [Cristo] os guarda de cair, de modo que, nem pela artimanha ou poder de Satanás, eles não se desviem, nem sejam arrebatados das mãos de Cristo, de acordo com a sua Palavra em João 10:28: “ninguém as arrebata de minha mão.” Mas, se eles são capazes por causa de sua negligência de esquecer dos começos de sua vida em Cristo, de retornar a este presente mundo mal, de apostar-se da sã doutrina que os libertou, de perder a boa consciência, de cair desprovidos da graça, e isto pode-se determinar mais particularmente pelas Santas Escrituras, antes do que ensinemos com a persuasão completa de nossas mentes.

Estes artigos que, afirmam e ensinam, os Remonstrantes considerando estar de acordo com a Palavra de Deus, idôneos para edificar, e apreciando este argumento como suficiente para a salvação, de modo que, eles não são necessários ou edificante para um ascensão mais alta, ou mais inferior.


NOTAS:
[1] Para a tradução dos 5 Artigos Arminianos recorri à tradução inglesa de Philip Schaff, The Creeds of Christendom (Grand Rapids, Baker Books, 2007), vol. 3, pp. 545-549. Schaff registra em colunas paralelas o texto holandês a partir da primeira edição de 1612, o texto latino da edição de 1616, e numa terceira coluna a sua tradução em inglês. Também revisei a partir de outra tradução de inglês moderno por Peter Y. De Jong, ed., Crisis in the Reformed Churches – Essays in Commemoration of the Great Synod of Dort 1618-1619 (Granville, Reformed Fellowship, Inc., 2008), pp. 243-245. Homer Hoeksema oferece uma tradução do holandês em seu livro The voice of our fathers – an exposition of the Canons of Dordrecht (Grand Rapids, Reformed Free Publishing Association, 1980), pp. 10-14.
[2] Os títulos de cada artigo não fazem parte do texto original, apenas os acrescentei para indicar o seu conteúdo.

04 maio 2012

Resumo: Afeições Religiosas de Jonathan Edwards

Jonathan Edwards (1703-1758) escreveu um tratado com o título The Religious Affections (As Emoções Religiosas). Esta é provavelmente a mais penetrante análise já produzida sobre o assunto da experiência espiritual.

Os títulos dos capítulos, que seguem como citação direta do tratado de Edwards, não apenas revelam o pensamento notável do autor, mas também fornecem um comentário revelador sobre no que consiste a experiência espiritual genuína.


Demonstrando que não há sinais seguros de que as emoções religiosas são verdadeiramente da graça, ou que não sejam, têm-se:

1. Que as emoções religiosas são muito grandes não é sinal
2. Grandes efeitos no corpo não são sinal
3. Fluência e fervor não são sinais
4. Que não são estimulados por nós não é sinal
5. Que vêm com textos da Escritura não é sinal
6. Que há uma aparência de amor não é sinal
7. Que as emoções religiosas são de muitos tipos não é sinal
8. Se a alegria acontece em uma certa ordem não é sinal
9. Muito tempo e muito zelo no dever não são sinal
10. Muita expressão de louvor não é sinal
11. Grande confiança não é sinal seguro
12. Testemunhos comovedores não são sinal


Mostrando quais são os sinais característicos de santas emoções provenientes verdadeiramente da graça, temos:

1. Emoções da graça são de influência divina
2. Seu objetivo é a excelência das coisas divinas
3. São fundadas na excelência moral de objetivos
4. Surgem de iluminação divina
5. São acompanhadas de uma convicção de certeza
6. São acompanhadas de humilhação evangélica
7. São acompanhadas de uma mudança de natureza
8. Geram e promovem o temperamento de Jesus
9. Emoções da graça enternecem o coração
10. Têm linda simetria e proporção
11. Emoções falsas se satisfazem em si mesmas
12. Emoções religiosas têm seus frutos na prática cristã
(i) A prática cristã é o principal sinal para os outros
(ii) A prática cristã é o principal sinal para nós

Resumo extraído de Errol Hulse, O Batismo do Espírito Santo (São José dos Campos: Fiel, 1995), p. 16.

27 abril 2012

A Bíblia como revelação de Deus


Escrito por H. Henry Meeter


Deus possui outro livro além da criação: a Bíblia. No princípio existia somente um livro, uma só revelação de Deus: a natureza. E no mundo vindouro de novo não haverá mais do que um livro: a nova natureza, na qual o homem verá a Deus e a sua vontade revelada. Os redimidos na eternidade, do mesmo que Adão, terão clara revelação da vontade de Deus em seus corações e da natureza que os cerca, e não terão, consequentemente, nenhuma necessidade de uma revelação especial como é a Bíblia.

Há um fato que explica o motivo da necessidade deste segundo livro: a Bíblia, ou revelação especial de Deus; este livro foi necessário por causa do pecado. Quando o homem caiu, tanto ele como a natureza mudou. A mente do homem chegou a entenebrecer-se de tal maneira, que não era capaz de ver as coisas tal como eram; e a natureza se viu alterada como parece deduzir-se da expressão: “produzirá também cardos e abrolhos” que encontramos no livro de Gênesis (Gn 3:18). Contudo, ainda hoje a natureza é um espelho em que se reflete a glória de Deus. Todavia, por causa do pecado pode-se dizer que este espelho esteja deformado. Como é sabido, um espelho torto reflete as coisas de uma forma grotesca e diferente de como realmente são. Como pode o homem agora com sua mente entenebrecida e numa natureza transtornada, descobrir a Deus de modo correto, ou chegar a conhecer a sua verdadeira natureza e propósito de sua existência? Estas se tornam as três perguntas fundamentais que o calvinista terá presente em sua cosmovisão.

Sob tais condições como pode o homem obter uma concepção adequada da realidade? A única solução seria se Deus desse outro livro: a Bíblia. Na Bíblia Deus revela ao homem de uma maneira clara e infalível a verdade sobre estes problemas, iluminando ao mesmo tempo com a luz do Espírito Santo a sua mente entenebrecida para que seja capaz de compreender as verdades bíblicas. Assim, podemos ver a relação que existe entre a Bíblia e o livro da natureza. A Bíblia não está no mesmo nível da natureza como revelação de Deus, senão que é um corretivo das ideias deformadas que possa dar-nos a natureza em seu estado decaído. Apresenta-nos uma revelação sobre Deus e o universo que a natureza não pode proporcionar de maneira adequada. Como disse Calvino, devemos olhar para a natureza através das lentes da Bíblia. Assim, pois, ainda que duas sejam as revelações que Deus deu as suas criaturas, a Bíblia constitui a máxima autoridade para uma cosmovisão. O cristão para interpretar corretamente a natureza e o mundo circundante necessita do enfoque bíblico.

Todavia, a Bíblia é mais do que um mero intérprete da natureza, já que ela contém uma revelação especial para a salvação do pecador. Esta informação tão importante não pode vir da natureza pela simples razão de que a natureza foi criada antes que se abrisse um caminho de salvação aos pecadores. Assim, como poderia a natureza informar-nos sobre isto? Contudo, ainda que a salvação do homem é na realidade o tema central da Bíblia, esta revelação está estreitamente vinculada a visão geral do universo e da vida humana.

Interpretaríamos mal o propósito da Bíblia se crêssemos que se trata de um mero livro de texto sobre diferentes conhecimentos. Não se trata disto. O estudante nos diferentes campos de investigação – natureza, história, psicologia, etc. – acumula evidência. Quando procede a interpretação ou de organizar esta evidência e a relacionar as verdades de alguma ciência em particular numa estrutura geral de conhecimentos, necessitará de interpretação unificadora das Escrituras. Não podemos ter uma concepção correta de Deus, do universo, do homem, ou da história sem a Bíblia.

Consequentemente, este livro além de mostrar-nos o caminho da salvação nos proporciona aqueles princípios que condicionarão toda a nossa vida, incluindo os nossos pensamentos e a nossa conduta moral. Não somente a ciência e a arte, senão que também a nossa vida familiar, os nossos negócios, os nossos problemas políticos e sociais devem estar processados e estruturados à luz e direção das verdades da Escritura.

Isto é assim, inclusive na filosofia. Pode-se supor que pelo fato da filosofia ser a ciência dos princípios, então que a filosofia cristã em última instância terá que fundamentar-se na razão e, tratará de todos os problemas da filosofia sobre uma base puramente racionalista, desprezando a Bíblia como autoridade final. Mas ainda aqui o calvinista não fundamenta a sua aceitação das verdades bíblicas em sua filosofia, pelo contrário, inicia com as verdades básicas da Bíblia para fundamentar a filosofia. A sua filosofia se fundamenta especificamente sobre a revelação. Da mesma maneira que todos os sistemas filosóficos partem de pressuposições básicas não provadas – hipóteses – assim, o cristão parte das verdades da revelação como pressupostos básicos. O proceder do calvinista não consiste em fundamentar a Bíblia na filosofia, senão que estrutura a sua filosofia cristã sobre a Bíblia.

Os princípios de fé e conduta que a Bíblia contém, do mesmo modo que as verdades do caminho da salvação surgem dentro de um contexto histórico vinculado aos acontecimentos dos homens e das nações. Consequentemente não se pode esperar que tudo o que a Bíblia ensina tenha o mesmo valor, e possa ser considerado como norma da vida para nossa conduta. Ela menciona alguns atos que na realidade são totalmente contrários a uma norma da vida padrão como, por exemplo, quando Absalão traiu de forma vergonhosa a seu pai Davi. Outras porções da Escritura contêm normas que não são para todas as épocas, senão que uma vigência específica num período ou ocasião determinada. Assim, Calvino nota que várias das leis civis de Moisés não eram para o nosso tempo, senão que encerram uma significação meramente transitória. Contudo, a Bíblia nos apresenta diretrizes básicas, ou princípios eternos à luz dos quais julga os atos históricos que contém, e nos insta a que também moldemos as nossas vidas. Estes princípios eternos se encontram não somente no Novo como também no Antigo Testamento.

Extraído de H. Henry Meeter, La Iglesia y el Estado (Grand Rapids, TELL, 1963), pp. 27-30.

13 abril 2012

Breve histórico da Bíblia de Genebra (1560)


Escrito por Paulo Teixeira e Rudi Zimmer

A Bíblia de Genebra (Novo Testamento – 1557; Bíblia completa – 1560)

Assim como o Novo Testamento de Tyndale, a Bíblia de Genebra também foi uma edição desenvolvida no exílio durante um período de forte perseguição à fé reformada na Inglaterra, verificado especialmente sob o reinado da Rainha Maria, a Sanguinária, que reinou de 1553 a 1558.

Entre os que se viram forçados a deixar a Inglaterra naquela época estava William Whittingham (c. 1524-1579), cunhado de João Calvino. Whittingham e mais alguns teólogos refugiaram-se em Genebra, na Suíça, e ali produziram uma tradução de toda a Bíblia para o inglês, baseada no latim, mas consultando sempre os textos em hebraico e grego. O Novo Testamento foi lançado em 1557 e a Bíblia toda em 1560. Em 1599, a Bíblia de Genebra já estava disponível, ao menos em parte, também em francês.

A Bíblia de Genebra em inglês tornou-se muito popular. Cerca de duzentas edições foram publicadas entre 1560 e 1630. Logo na primeira edição, os livros apócrifos ou deuterocanônicos foram separados dos restantes livros do Antigo Testamento e receberam prefácios especiais. Apenas décadas depois a Bíblia de Genebra começou a ser impressa sem os apócrifos.

A Bíblia de Genebra foi a tradução inglesa mais usada por cerca de 100 anos, desde seu lançamento em 1560 até meados do século seguinte. Foi usada (e citada) por William Shakespeare, John Bunyan, John Milton, e trechos selecionados dela compuseram a famosa Bíblia de Bolso (1643) carregada pelos soldados do exército de Oliver Cromwell. A Bíblia de Genebra foi também a Bíblia trazida para os Estados Unidos pelos peregrinos.

Na história das versões inglesas, a Bíblia de Genebra é importante, pelo menos, por três razões:
1. A Bíblia de Genebra foi a primeira Bíblia inglesa a adotar a divisão do texto em versículos. [A divisão do Antigo Testamento em versículos surgiu por volta de 1440, por obra do rabino Isaque Nathan, que planejava elaborar uma concordância da Bíblia Hebraica. A divisão do Novo Testamento coube a Robert Stephanus (ou Estienne), que publicou uma edição bilíngue (grega e latina) do Novo Testamento em 1551.]
2. Foi a primeira Bíblia a usar o tipo de letra romano, muito mais fácil de ler do que a letra gótica;
3. Foi a primeira Bíblia a usar letra itálica para aquelas palavras que os tradutores precisaram usar para tornar claras as frases em inglês, mas que não estavam nas línguas originais.

Além disso, era uma Bíblia com um formato menor, muito mais leve que as outras e com preço muito acessível.

O prefácio e as notas interpretativas tiveram uma influência evangélica muito forte, principalmente da parte dos escritos de João Calvino. Foi a primeira Bíblia que não atribuiu a Epístola aos Hebreus a Paulo, o que testifica a alta qualidade acadêmica de seus editores.

A Bíblia de Genebra de 1560 inspirou, em nossos dias, a edição da Bíblia de Estudo de Genebra, cujas notas interpretativas, em número muito superior à da edição de 1560, seguem a orientação calvinista.

Extraído do Manual do Seminário de Ciências Bíblicas (Baureri, Sociedade Bíblica do Brasil, 2008).

06 abril 2012

A cultura numa perspectiva cristã reformada

Escrito por Leland Ryken


A cultura consiste nas instituições, tecnologias, arte, costumes e pautas sociais que se desenvolvem numa sociedade. A cultura é o contexto dentro do qual toda pessoa vive inevitavelmente a sua vida cotidiana.

O problema de “Cristo e cultura” somente se entende como a relação entre os cristãos e a cultura em que vivem. Mas esta ênfase obscurece uma importante questão: inclusive quando os cristãos rejeitam a cultura que os cerca, esta continua sendo o meio de sua existência, enquanto criam uma subcultura cristã. O Cristianismo acultural não existe.


AS POSTURAS HISTÓRICAS

O clássico livro de H. Richard Niebuhr com o título Christ and Culture[1] relata as cinco atitudes que os cristãos adotam historicamente frente à questão da cultura. Tanto na história como na vida individual do cristão, não existe uma resposta única frente à cultura.

A postura mais radical sustenta que Cristo está contra a cultura. Aqui se entende a cultura como um elemento hostil ao Cristianismo, tanto em teoria como na prática. Independentemente da sociedade em que se encontrem imersos os cristãos, são chamados a opor-se aos costumes e traços desta. A entrega a Cristo requer uma decisão entre ambas as coisas.

Uma segunda postura é a atitude de ver a Cristo na cultura, que permite a harmonia fundamental entre Cristo e a cultura. O próprio Cristo é considerado como um herói supremo da cultura. A sua vida e ensino é o maior benefício humano da história. Portanto, os seguidores de Cristo podem confiar que a cultural é essencialmente congruente com os seus próprios ideais, e não tem porque renunciar àquela em que se estão imersos.

Uma terceira possibilidade é a de que Cristo está por cima da cultura. Esta postura de síntese afirma tanto a Cristo como a cultura, mas mantendo a distinção entre eles. Cristo é algo mais que um simples herói cultural. Ele é superior e maior que a cultural e digno de uma fidelidade maior. Ma a cultura também exige a participação cristã. Como cidadãos de dois reinos, os cristãos podem viver com uma consciência limpa em ambos os mundos, do mesmo modo que fez Jesus, o Deus Homem.

Em quarto lugar, os teólogos como o apóstolo Paulo, ou Lutero enfatizaram a Cristo e a cultura de mundo paradoxo. Esta postura se baseia na dualidade que aceita a autoridade tanto de Cristo como da cultura. Consequentemente, os cristãos vivem experimentando uma desagradável tensão, tentando satisfazer as exigências de ambas autoridades, e desejando uma salvação eventual e meta-histórica que resolva essa situação.

Por último, se pode entender a Cristo como o transformador da cultura. A tradição de Agostinho e Calvino afirma que, considerando a condição da queda da cultura humana, o compromisso com Cristo permite à pessoa converter a cultura num objetivo santo. Devido ao fato de que Cristo converte as pessoas e as instituições sociais, os cristãos podem seguir com a obra de Deus mediante as suas atividades culturais ordinárias.


FUNDAMENTOS DOUTRINÁRIOS

O respaldo cristão da cultura começa com a doutrina da criação. Isto obriga aos cristãos a reivindicar o mundo para Deus, e fomenta a sua ira ao ver o grau em que o mundo de Deus foi dominado por Satanás e o mal. Os cristãos têm um chamado criacional e outro missionário.

Uma segunda doutrina chave é a Queda e o mal consequente que incide na natureza humana e as instituições sociais. Para um cristão a cultura é sempre uma prova, com tendências para a depravação (se bem que com mais em certas épocas e lugares que em outros). Como tudo o mais dentro de um mundo caído a cultura possui uma tendência permanente de cruzar a linha entre o bem e o mal.

Todavia, a Bíblia não localiza o mal em algumas formas externas per si. O mundo e a cultura humana são capazes de ser usados bem ou mal. O abuso que se faz de algo, não o invalida. O resultado é a necessidade da responsabilidade moral na busca da cultura.

O aforismo de Cristo que ordenou aos seus seguidores a “dar a César o que é de César e a Deus o que é de Deus” (Mt 22:21), resume o tema bíblico que diz que as instituições da sociedade formam parte do design que Deus fez da vida humana e, como tal são dignas de sua sinceridade legítima. Mas no centro do Cristianismo achamos a convicção de que o “que é de Deus” merece um maior respeito que o que é de César. A cultura é sempre um bem secundário.

A doutrina da vocação (crença de que Deus chama as pessoas para desempenhar trabalhos específicos e lhes concede a capacidade necessária para realizá-las) contribui igualmente para a afirmação cristã da cultura. A Bíblia aceita como fato (por exemplo: Gn 4:20-22) que Deus chama a certas pessoas a serem agricultores, outros para serem músicos, outras a serem arquitetos, chamamentos que todos eles tem conexões culturais.

A convicção cristã de que para uma pessoa redimida toda a vida pertence a Deus permanece resumida na frase do NT que diz: “assim, pois, quer comais ou bebais, ou façais qualquer outra coisa, fazei tudo para a glória de Deus” (1 Co 10:31). Para um cristão, inclusive o projeto cultural mais corrente pode formar parte de uma vida centrada em Deus.


NOTA:
[1] H. Richard Niebuhr, Christ and Culture (New York, 1951).

Extraído de David J. Atkinson & David H. Field, orgs., Diccionario de ética Cristiana y teologia pastoral (Terrassa, CLIE, 2004), pp. 403-405.

Traduzido por Rev. Ewerton B. Tokashiki
6 de Abril de 2012.

29 março 2012

Hendrikus Berkhof

Escrito por Juan Bosch Navarro

Foi um teólogo reformado holandês, nascido 11 de Junho de 1914, em Appeldorn, e faleceu em 17 de Dezembro de 1995 em Leiderdorp. Originário de uma família reformada com traços marcadamente confessionais. Entre 1925 a 1930 cursou no Instituto Reformado de Amsterdam. Após um ano de estudos teológicos na Universidade de Amsterdam, estuda teologia em Leiden. Interessado em especial pela história da Igreja e os seus dogmas. Pregador em Lemele (Overijsel) em 1938. Graduou-se com a tese titulada “A Teologia de Eusébio de Cesaréia” (1939), sob a direção de J.N. Bakhuizen van der Brink. Após contrair matrimônio com Cornelia van den Berg, em 1941, viu-se comprometido com várias atividades de ocupação. Nesse período começou a escrever a sua primeira investigação, que haveria de atrair a atenção dos círculos eclesiásticos durante anos: A História da Igreja (De Geschiedenis der Kerk). Foi nomeado pregador em Zeist (1940-1950). Terminada a Guerra europeia ingressa como docente em Driebergen, centro de renovação da Igreja Reformada Holandesa. Fundador e Reitor do Seminário de Driebergen (1950), cuja finalidade seria conciliar as diversas “tendências” da Igreja Reformada Holandesa. Delegado de sua Igreja na Assembleia do Conselho Mundial de Igrejas em Amsterdam (1948), do qual será membro do seu Comitê Central durante vários anos (1954-1974). Professor de Teologia Dogmática e Bíblica na Faculdade de Teologia de Leiden (desde 1960). Diretor do Conselho Holandês de Igrejas (1974).

Hendrikus Berkhof foi um dos teólogos mais influentes na tradição calvinista do século XX. A partir de sua tese de doutorado sobre Eusébio de Cesaréia evidencia-se a sua orientação dogmática. A sua postura teológica define-se como a de uma teologia reformada ortodoxa, fortemente influenciada por Karl Barth e, orientada para a ética social. Durante uma breve temporada como estudante em Berlim, demonstra apreço pela Igreja Confessante na Alemanha, comparando a luta liderada por Atanásio ao defender a doutrina trinitária no século IV, com a luta da Igreja Confessante a favor do Evangelho e contra o Nacional Socialismo alemão. Em sua obra A História da Igreja (De Geschiedenis der Kerk) procura não somente descrever, senão que também avaliar o desenvolvimento da teologia cristã. Com ela adquire grande acolhida nos círculos protestantes ortodoxos, mas também desperta certa animosidade entre o protestantismo liberal, que encontra demasiado enfoque dogmático. Da época da guerra data a sua obra A Igreja e o Kaiser (De Kerk en de Keizer), sobre a relação entre a Igreja e o Estado no século IV com claros precedentes para a atual situação. A orientação social de Berkhof como teólogo se faz cada vez mais patente, aceitando que a fé ortodoxa outorga forças renovadoras para a sociedade.

Berkhof intencionou com a fundação do Seminário de Driebergen levar a cabo a aproximação das diferentes tendências doutrinárias dentro do calvinismo, sempre buscando a complementação. Deste período destacam-se duas publicações de grande influência: A crise da ortodoxia moderada (De Crisis der Midderorthodoxie) e Cristo e os poderes (Christus em de machten)[1]. Na primeira se mostra crítico com teologia barthiana. No segundo livro deixa transparecer, uma vez mais, o compromisso de Berkhof pelo ético e o social: a fé em Cristo não somente deve animar a vida do indivíduo, como também a vida da sociedade. Coerentemente, em seu Christus de zin der geschiedenis (Cristo o sentido da história), publicado em 1958, intenta unir duas linhas centrais do seu pensamento, a fé ortodoxa e o seu compromisso com a sociedade: Cristo preenche a sociedade em seu padecimento e na superação do padecimento através da ressurreição. A sua ativa participação nas atividades ecumênicas – seria membro do Comitê Central do Conselho Ecumênico das Igrejas durante vários anos – amplia a sua visão teológica e lhe ajuda a reconciliar distintas tendências.

A década de sessenta sacudiria o pensamento teológico em todo o mundo, o que suporia inclusive para Berkhof relegar em segundo plano a relevância dos aspectos puramente especulativos da teologia e incorporar as ciências humanas na educação teológica. Isto significaria um lento passo evolutivo do clássico calvinismo ortodoxo rumo a um calvinismo ecumênico. É perceptível esta evolução em sua visão dos antigos dogmas da igreja sobre a Trindade, a cristologia e a doutrina da graça. Berkhof gozava, até começo da década de sessenta, de grande confiança entre a maioria ortodoxa de sua Igreja. Isto era devido ao surgimento de sua História da Igreja, onde demonstrou sempre ser um fiel defensor dos pontos de vista ortodoxos. Mas lentamente sua visão de alguns temas centrais, como o da doutrina trinitária, estava evoluindo e se afastava gradativamente da ortodoxia comumente aceita. Nos anos sessenta, Berkhof critica pela primeira vez, em forma expressa, o dogma trinitário em sua obra La doctrina del Espiritu Santo.[2] Apesar de tudo, jamais romperia com os laços da tradição, mas buscou indagar cada vez mais a tradição reformada de maneira crítica. A mudança que se adverte em seu pensamento dá lugar a que seus seguidores dentro da Igreja perdessem a confiança nele e a partir de então, tivesse melhor acolhida entre a minoria progressista.

Também foi Berkhof docente de Teologia Bíblica. A exegese bíblica havia se distanciado desde meados dos anos sessenta das típicas questões teológicas, tornando-se mais histórico-analítica, o que significaria um desafio para a dogmática. Na realidade desde o início cria que a própria Escritura pressupunha uma crítica da dogmática. A sua evolução dogmática se explica pela sua leitura da Bíblia.

A trajetória teológica de Berkhof não conclui, todavia, com a jubilação da docência acadêmica. Os frutos seriam recolhidos durante os próximos dez anos. Em 1985 apareceu a quinta edição de sua Christelijke Geloof[3] e seu novo livro 200 Jahre Theologíe Ein Reisebericht.[4] Na nova edição sobre a doutrina da fé, Berkhof repensa a evolução teológica dos dez anos anteriores e responde às críticas às quais haviam se submetido a sua obra a partir de diversas frentes. “A essência do livro, todavia, permanecia praticamente incólume.” É notório a sua mudança frente à chamada “teologia do processo”, cuja premissa não é que Deus está em perpétuo movimento, motivo que deseja incorporar à humanidade, senão que Deus em si evolui, visão na qual Deus também vem à existência pela humanidade. “Isto, segundo Berkhof, disputa com o pensamento básico da crença cristã no sentido de que Deus em sua soberana liberdade efetua a relação com os homens e realiza o mundo” (E.P. Meijering). Em 200 anos de Teologia é visível a mudança de Berkhof em sua forma de entender a teologia. Se no livro História da Igreja havia enfaticamente insistido que o desenvolvimento da teologia a partir do Iluminismo fora um grave erro e, era função da dogmática do século XX voltar ao essencial da Reforma, em 200 anos de Teologia mostra como a humanidade ao longo dos últimos dois séculos havia se esforçado pra precisamente obter isto. Retifica aqui o seu juízo anterior em torno dos teólogos críticos, mas equilibrado como era, Berkhof tratou também de fazer justiça aos teólogos desse período da história da Igreja, considerados como conservadores e confessionais.[5]

Berkhof é lembrado em ambientes calvinistas como crente, como pregador e como teólogo da sociedade num mundo em mudança a quem observou com assombrosa sensibilidade cristã.[6]

NOTAS:
[1] Este livro foi traduzido e publicado em espanhol. Veja* Hendrikus Berkhof, Cristo y los poderes (Grand Rapids, T.E.L.L., 1985). Nota do tradutor.
[2] Este livro foi traduzido e publicado em espanhol. Veja* Hendrikus Berkhof, La doctrina del Espiritu Santo (Buenos Aires, Editorial La Aurora, 1964). Nota do tradutor.
[3]Christelijke Geloof [A Fé Cristã]. Há a tradução em inglês como Hendrikus Berkhof, Christian Faith – An introduction to the study of the faith (Wm. Eerdmans Publishing Co., ed. rev., 1990). Nota do tradutor.
[4] 200 Jahre Theologie: Ein Reisebericht [200 anos de Teologia: Relação de um trajeto pessoal]. Nota do tradutor.
[5] Uma obra omitida pelo articulista, mas de importância para se avaliar a evolução final do pensamento de Berkhof é o seu livro Introduction to the study of dogmatics (Grand Rapids, Wm. Eerdmans Publishing Co., 1985) originalmente publicado em holandês em 1982. O autor nele apresenta em resumo as premissas e a metodologia e uma síntese de sua teologia comprometidamente com a neo-ortodoxia barthiana. Nota do tradutor.
[6] Por causa do seu distanciamento da histórica ortodoxia calvinista Hendrikus Berkhof dificilmente seria avaliado com tanta simpatia. Ele se manteve dentro da tradição reformada, mas não era confessionalmente comprometido com a teologia, nem subscrevia estritamente as confissões reformadas. Nota do tradutor.

Extraído de Juan Bosch Navarro, Diccionario de teólogos/as contemporáneos (Burgos, Editorial Monte Carmelo, 2004), pp. 124-126.

Traduzido por Rev. Ewerton B. Tokashiki

14 março 2012

O princípio básico do Calvinismo

Escrito por H. Henry Meeter

Todo sistema unificado de pensamento é regido por um, ou vários princípios fundamentais que lhe são inerentes. Também é assim com o calvinismo. No princípio do século XX eruditos de diferentes escolas de opinião estudaram profundamente o gênio do movimento calvinista.[1] Entre estes houve alguns que nem chegaram a prever uma unidade orgânica de sistema e se contentaram tão somente em descobrir uma parcela do mesmo; assim, pois, chegaram a caracterizar ao calvinismo como um sistema religioso cuja característica era o espírito da democracia e a ânsia pela liberdade. Chegou a pensar-se que este sentir provinha do amor pela liberdade tão notável no povo suíço. Outros, cuja atenção centrou-se nos aspectos legais do movimento, assim como na nota de sua autoridade, fizeram disto a nota distintiva e a atribuíram à formação que Calvino recebeu como advogado. Outros creram ver o traço distintivo do calvinismo na maravilhosa ordem e sistematização que como pensamento ordenado ele exibe. Isto atribuí-se ao temperamento francês de Calvino que, como o mais famoso dos franceses, dizem que possuía uma assombrosa habilidade de ordenar e organizar fatos em um vasto sistema. Outros creem que o diferencial calvinista constituiu sua ruptura total com o escolasticismo da Idade Média, considerando assim a Calvino como um avançado liberal religioso de seu tempo. Essa característica foi atribuída à formação humanista que recebeu em sua juventude.

Enquanto estas apreciações contém certa verdade e assinalam algumas facetas distintivas do sistema, nenhuma delas, de per si, merece a distinção de ser considerada a característica predominante do calvinismo e muito menos o seu princípio básico. William Hastie chama a estas apreciações de “conjecturas de pensadores geniosos insuficientemente familiarizados com as condições do problema e cujas conclusões não se deveram a um exame completo e exaustivo das informações disponíveis.”[2] Aqueles que tiverem realizado um estudo exaustivo do problema, coincidirão com R. Seeberg ao dizer que “este francês de educação humanista era, acima de tudo, um cristão evangélico, e toda a sua concepção do mundo, de fato, era determinada pelo seu espírito evangélico.”[3]

O princípio básico radica precisamente na esfera das doutrinas evangélicas dos calvinistas, e nestas doutrinas concebidas, não como meras abstrações, senão como verdades vitais que chegam e condicionam tudo em suas vidas. Podemos afirmar, sem lugar para dúvidas, que o princípio básico concerne e se concentra na doutrina de Deus. Por mais científicas que sejam as descrições que os investigadores nos deem do princípio básico do calvinismo, num ponto todos coincidem com o filósofo W. Dilthey quando disse que o enfoque teológico é característico de todo o movimento calvinista em seus primeiros cento e cinquenta anos, e que durante todo este tempo o calvinista coloca em Deus o centro de seus pensamentos.[4] Um exame das confissões calvinistas, especialmente aquelas da primeira época da Reforma, apresenta ampla evidência sobre o particular.[5]

O pensamento central do calvinismo é, consequentemente, o pensamento de Deus. Como alguém pode notar, assim como o metodista põe em primeiro plano a ideia da salvação do pecador, e o batista o mistério da regeneração, e o luterano a justificação pela fé, e o morávio as feridas de Cristo, e o católico grego ortodoxo o misticismo do Espírito Santo e o romanista a catolicidade da Igreja, assim também o calvinista sempre coloca em primeiro plano o pensamento de Deus.[6] O calvinista não parte de certos interesses sobre o homem – por exemplo, a sua conversão, ou a sua justificação - , senão que o pensamento condicionante é sempre este: dar a Deus os seus direitos; procura levar a termo, como conceito regulador de sua vida, aquela verdade da Escritura que diz: “dele, e por meio dele, e para ele são todas as coisas. A ele seja a glória para sempre.”[7]

Sobre este ponto há ampla unanimidade entre os investigadores do calvinismo. Somente quando se trata de expressar esta ideia numa fórmula específica, surge o desacordo. Alguns sugerem que o atributo da existência própria de Deus (aseitas) – como o atributo mais fundamental que possamos afirmar acerca de Deus -, poderia considerar-se como o princípio fundamental do calvinismo. É duvidoso, todavia, que possamos expressar assim princípio básico já que não é algo em Deus – algum atributo específico de seu Ser – que vem a constituir o fundamento do sistema, senão o próprio Deus. Ademais, o termo “existência de per si”, exclui, ao menos diretamente, toda a relação de Deus com o mundo; relação que é necessária para expressar o princípio formativo da concepção calvinista do mundo. Deus existiria por si, ainda no caso de que não existisse mundo. Deve-se, pois, buscar outra expressão para indicar a relação que Deus mantém com o universo criado. Os termos que melhor parecem indicar esta relação são os da frase: a absoluta soberania de Deus; e, que na frase ainda mais específica se expressaria assim: a absoluta soberania de Deus nas esferas natural e moral.

Para não cair em concepções errôneas é conveniente entender bem em que sentido se usa esta frase: a soberania de Deus. Na mente de uma pessoa comum a frase parece suscitar a ideia de que para o calvinista Deus não é mais que um governante, ou senhor do mundo que promulga leis para criaturas – independentemente de seus atributos de amor e graça. Não deve surpreender-nos que A. Ritschl, entre outros eruditos, tenha interpretado assim o princípio calvinista da soberania de Deus, e o tenha considerado inadequado para expressar o princípio básico para a religião – que deve estruturar-se sobre a ideia do amor de Deus. Todavia, nenhum bom calvinista subscreveria uma concepção tão limitada da soberania de Deus. A soberania, mais do que um atributo, é concebido como uma prerrogativa de Deus. O que o calvinista quer dar a entender quando fala da soberania de Deus, é muito mais amplo que a mera ideia de que Deus é o Ser que promulga e sustenta as leis físicas e morais do universo. Deus não é somente o Supremo Legislador e Promulgador da lei, senão que também é o Supremo nas esferas da verdade, da ciência e da arte – tanto como é na esfera moral, na manifestação de seu amor e sua graça e todos os seus benefícios, e na revelação das leis para a conduta humana e nas que operam na natureza. O calvinista crê que Deus não procede arbitrariamente na distribuição dos seus dons, nem no controle providencial sobre o homem e da natureza. A ordem é a primeira lei do céu. As esferas da verdade e do amor, o plano científico e moral, do mesmo modo que no mundo e na natureza, estão sujeitos a uma lei e a uma ordem. Assim, pois, o calvinista descobre no universo criado por Deus e sustentado por sua providência um sistema maravilhoso de leis harmônicas e ordenadas. O calvinismo é um sistema que abrange o todo; é um sistema em que tudo procede e é determinado por Deus. Nesta distribuição e administração de todas as coisas, Deus permanece supremo: “dEle, e por Ele, e para Ele e para Ele são todas as coisas.”

Quando o termo soberania de Deus é corretamente entendido, não como uma frase meramente legalista, como se Deus fosse tão somente o Supremo Legislador e Criador das leis da natureza, senão no sentido mais rico que temos descrito, nada há que impeça que usemos o termo para indicar o princípio básico do calvinismo. Entendido assim, parece ser que este é precisamente o termo mais indicado para designar a absoluta supremacia de Deus em todas as coisas e, consequentemente, o termo apropriado quando se trata de estruturar um sistema no qual Deus seja o centro de tudo. O grande calvinista B.B. Warfield escreveu: “de tudo isto se desprende o princípio formativo do calvinismo. O calvinista é o homem que vê a Deus detrás de todo fenômeno, e em tudo o que acontece reconhece a mão de Deus operando a sua vontade; o calvinista, em todas as atividades de sua vida, adota uma atitude permanente de oração: o calvinista se entrega completamente à graça de Deus e exclui qualquer traço de autossuficiência em toda a obra da salvação.”[8]

Em outro lugar, o mesmo autor afirma que o princípio básico do calvinismo “há que buscá-lo numa profunda apreensão de Deus em toda a sua majestade; compreensão que necessariamente há de levar a um conhecimento exato da amarga realidade da nossa relação de criaturas e, em particular, da nossa relação como criaturas pecadoras ... . O calvinista é o homem que vê a Deus; e tendo visto a Deus em sua glória, por uma parte, experimenta um sentimento de indignidade para comparecer diante dEle como criatura e muito mais como pecador e, por outro lado, o calvinista está cheio do assombro reverente de que, apesar de tudo, Deus recebe aos pecadores. Aquele que sem reservas crer em Deus e, está convencido de que Deus será o seu Deus em todo o seu pensamento, sentimento e vontade – em toda a ampla gama de suas atividades intelectuais, morais e espirituais - e, através de todas as suas relações individuais, sociais e religiosas, é por força da lógica mais estrita um calvinista.”[9]

NOTAS:
[1] Para uma visão da literatura que existe sobre o tema consulte: The Theology of the Reformed Church in its Fundamental Principles (Edimburg, 1904); H. Voigt, Fundamental Dogmatik (Gothal, 1874); H. Bauke, Die Probleme der Theologie Calvins (Alfred Topelmann, Giessen, 1910); H.H. Meeter, The Fundamental Principle of Calvinism (Grand Rapids, Wm. B. Eerdmans Publishing Co., 1930).
[2] W. Hastie, The Theology of the Reformed Church in its Fundamental Principles (Edinburgh, 1904), p. 142.
[3] Reinhold Seeberg, Lehrbuch der Dogmengeschichte, vol. 2, pp. 558-559. Deve-se levar em conta que o termo evangélico é usado aqui num sentido de compromisso com o evangelho, e não como o é usado em suas diferentes nuanças no contexto europeu, norte-americano ou latino. Nota do tradutor.
[4] W. Dilthey, Die Glaubenslehre der Reformation in Preuss, Jahrb. 1887, p. 80. H. Bauke, op. cit., p. 26.
[5] H.H. Meeter, The Fundamental Principle of Calvinism (Grand Rapids, Wm. Eerdmans Publishing Co., 1930), pp. 51-55.
[6] Mason W. Pressly, Calvinism and Science, artigo em Ev. Repertoire, 1891, p. 662.
[7] Rm 11:36.
[8] B.B. Warfield, Calvin as a Theologian and Calvinism Today em Presbyterian Board of Publication, Philadelphia, 1909, pp. 23-24.
[9] B.B. Warfield, op.cit., pp. 22-23.

Extraído de H. Henry Meeter, La Iglesia y el Estado (Grand Rapids, TELL, 1963), pp. 13-18. Originalmente escrito em inglês sob o título de THE BASIC IDEAS OF CALVINISM.

Traduzido por Rev. Ewerton B. Tokashiki