30 outubro 2006

Carta de Calvino a Lutero

21 de Janeiro de 1545

Ao mui excelente pastor da Igreja Cristã, Dr M. Lutero, meu tão respeitado pai.[1]

Quando disse que meus compatriotas franceses,[2] que muitos deles foram retirados da obscuridade do Papado para a autêntica fé, nada alteraram da sua pública profissão,[3] e que eles continuam a corromper-se com a sacrílega adoração dos Papistas, como se nunca tivessem experimentado o sabor da verdadeira doutrina, fui totalmente incapaz de conter-me de reprovar tão grande preguiça e negligência, no modo que pensei que ela merece. O que de fato está fazendo esta fé que mente sepultando no coração, senão romper com a confissão de fé? Que espécie de religião pode ser esta, que mentindo submerge sob semelhante idolatria? Não me comprometo, todavia, de tratar o argumento aqui, pois já o tenho feito de modo mais extenso em dois pequenos tratados, e que, se não te for incomodo olha-los, perceberá o que penso com maior clareza em ambos, e através da sua leitura encontrará as razões pelas quais tenho me forçado a formar tais opiniões; de fato, muitos do nosso povo, até aqui estavam em profundo sono numa falsa segurança, mas foram despertados, começando a considerar o que eles deveriam fazer. Mas, por isso que é difícil ignorar toda a consideração que eles têm por mim, para expor as suas vidas ao perigo, ou suscitar o desprazer da humanidade para encontrar a ira do mundo, ou abandonando as suas expectativas do lar em sua terra natal, ao entrar numa vida de exílio voluntário, eles são impedidos ou expulsos pelas dificuldades duma residência forçada. Eles têm outros motivos, entretanto, é algo razoável, pelo que se pode perceber que somente buscam encontrar algum tipo de justificativa. Nestas circunstâncias, eles se apegam na incerteza; por isso, eles estão desejosos em ouvir a sua opinião, a qual eles merecem defender com reverência, assim, ela servirá grandemente para confirmar-lhes. Eles têm requisitado-me de enviar um mensageiro confiável até a ti, que pudesse registrar a tua resposta para nós, sobre esta questão. Pois, penso que foi de grande conseqüência para eles ter o benefício de tua autoridade, para que não continuem vacilando; e eu mesmo estou convicto desta necessidade, estive relutante de recusar o que eles solicitaram.

Agora, entretanto, mui respeitado pai, no Senhor, eu suplico a ti, por Cristo, que você não desprezes receber a preocupação para tua causa e minha; primeiro, que pudesse ler atentamente a epistola escrita em teu nome, e meus pequenos livros, calmamente e nas horas livres, ou que pudesse solicitar a alguém que se ocupasse em ler, e repassasse a substância deles a você. Por último, que escrevesse e nos enviasse de volta a tua opinião em poucas palavras. De fato, estive indisposto em incomodá-lo em meio a tantos fardos e vários empreendimentos; mas tal é o teu senso de justiça, que não poderia supor que eu faria isto a menos que compelido pela necessidade do caso; entretanto, confio que me perdoará.

Quão bom seria se eu pudesse voar até ti, pudera eu em poucas horas desfrutar da alegria da tua companhia; pois, preferiria, e isto seria muito melhor, conversar pessoalmente contigo, não somente nesta questão, mas também sobre tantas outras; mas, vejo que isto não é possível nesta terra, mas espero que em breve venha a ser no reino de Deus.

Adeus, mui renomado senhor, mui distinto ministro de Cristo, e meu sempre honrado pai. O Senhor te governe até o fim, pelo Seu próprio Espírito, que possas perseverar continuamente até o fim, para o benefício e bem comum de Sua própria Igreja.

Notas:
[1] Nota do tradutor: o especial interesse por esta carta, pelo que sabemos, é que ela é a única que Calvino escreveu a Lutero.
[2] Nota do tradutor: pelo que parece Calvino se refere aos huguenotes que embora haviam assumido o compromisso com uma confissão de fé reformada, mas na prática ainda preservavam os ídolos, toda a pompa e ritual da missa católica romana. Esta prática evidenciava uma incoerência entre o ato e a convicção de fé.
[3] Nota do tradutor: Calvino se refere ao culto como uma confissão pública de fé.

Extraído de Letters of John Calvin: Select from the Bonnet Edition with an introductiory biographical sketch (Edinburgh, The Banner of Truth Trust, 1980), pp. 71-73.

Tradução
Rev. Ewerton B.Tokashiki

Nenhum comentário: