24 maio 2007

Teologia Bíblica ou Sistemática?

Este artigo é uma análise do livro Teologia Bíblica ou Teologia Sistemática - Unidade e diversidade no Novo Testamento de Donald A. Carson que propõe discutir a possibilidade de se produzir a teologia sistemática à partir da teologia bíblica. O assunto não é tão simples quanto parece, pois, no cenário acadêmico a teologia bíblica desde o seu nascimento até os dias de hoje não tem desfrutado de homogenia metodológica. De uma forma mais delimitada Carson expõe a questão da unidade e diversidade no Novo Testamento (que é o subtítulo).

O problema
D.A. Carson em seu relevante livro aborda um problema de prolegômena à teologia. A discussão envolve a possibilidade duma dogmática a partir da teologia bíblica. Para responder a esta questão Carson verifica a temática acerca da unidade e diversidade entre os documentos do Novo Testamento. Segundo o próprio autor o seu objetivo é "focalizar um número de obras representativas, primeiro descrevendo-as e depois criticando-as, para finalmente oferecer algumas reflexões úteis ao estudante que esteja convencido de que os documentos do NT são nada menos que a Palavra de Deus e que, no entanto, não possa deixar de, por amor à integridade, lutar com sua diversidade substancial."[1]

No capítulo 2, o autor analisa a obra de J.D.G. Dunn, Unity and Diversity in the New Testament: An Inquiry into the Character of Earliest Christianity. Carson declara que Dunn edifica o seu argumento sobre o alicerce de Bauer, sem fazer uma avaliação crítica dos pressupostos metodológicos e teológicos deste autor (p. 35). O Dr. Carson apresenta as suas críticas aos teólogos que negam a unidade do NT. E a sua conclusão é de que se realmente houver uma diversidade que anula a unidade que gera uma incoerência intransponível entre os autores, e até mesmo entre os seus escritos no NT, então a conseqüência óbvia é de que será impossível construir uma teologia sistemática a partir dos documentos neo-testamentários. D.A. Carson não ignora que existam outros especialistas, que assumem premissas divergentes da sua, e que neguem a relação possível entre a teologia bíblica e sistemática, colocando uma oposta à outra.

Embora estas disciplinas sejam metodologicamente diferentes, entretanto, elas são complementares como sugere Geerhardus Vos. Ele declara que "a Teologia Bíblica ocupa uma posição entre a Exesege e a Sistemática na enciclopédia das disciplinas teológicas. Ela difere da Teologia Sistemática, não porque seja mais bíblica, ou por aderir mais estritamente às verdades da Escritura, mas em que o seu princípio de organizar o material bíblico é mais histórico do que lógico. Considerando que a Teologia Sistemática usa a Bíblia como um todo completo e empenha-se em exibir o seu completo ensino numa forma ordenada e sistemática, a Teologia Bíblica divide os assuntos a partir da perspectiva histórica, buscando demonstrar o crescimento orgânico ou desenvolvimento das verdades da Revelação Especial da primitiva Revelação Especial pré-redentiva entregue no Éden até o fechamento do cânon do Novo Testamento."[2]

Outro autor mais recente observa que a teologia sistemática é o "estudo metodológico da Bíblia que analisa a Escritura Sagrada como uma completa revelação, em distinção das disciplinas de Teologia do Antigo Testamento, Teologia do Novo Testamento e Teologia Bíblica, as quais se aproximam das Escrituras como uma revelação progressiva. Deste modo, o teólogo sistemático analisa as Escrituras como uma revelação completa, buscando entender holisticamente o plano, propósito e a intenção didática da mente divina revelada na Sagrada Escritura, e organizar este plano, propósito e intenção didática de modo ordenado e apresentação coerente como artigos da fé cristã."[3]

Infelizmente há quem queira continuar a controvérsia entre as áreas de Sistemática e Bíblica. Diante desta preocupação metodológica Gordon J. Spykman exorta-nos dizendo que
este é o momento apropriado para deixar de lado este falso dilema. Como em toda ciência, assim também na teologia, existem certas divisões de trabalho que coincidem com certas linhas demarcatórias naturais, dentro do campo global. Discerne-se claramente uma diferença de tarefas. Então, fique estabelecido, tanto na teologia bíblica como na dogmática, que cada uma tem sua identidade e integridade. Cada uma tem seu próprio campo de estudo, seus próprios princípios organizadores e suas metodologias. Assim, ambas são chamadas a serem “bíblicas” no sentido de serem fiéis a Bíblia. O fato de que a teologia bíblica trabalhe mais diretamente com pressupostos bíblicos não é garantia de ser mais fiel às escrituras que a dogmática, ainda que, esta última talvez, trabalhe mais diretamente com os dados bíblicos. Juntas devem inclinar-se ante a autoridade da Palavra de Deus como norma vigente para ambas disciplinas. Ambas são respostas teológicas a essa norma permanente. Todavia, são diferentes em suas áreas de investigação, em suas ferramentas e estudo, nos resultados de seus respectivos estudos. Estas diferenças devem ser honradas.[4]

O próprio Carson sugere que “a teologia bíblica precisa ser sistemática, mesmo que focalize o lugar e o significado históricos de um segmento específico da Bíblia; e a teologia sistemática, se depender de exegese honesta, deve forçosamente depender de considerações históricas.”[5]

A proposta do autor
A proposta do autor não é desenvolver uma demonstração da unidade do NT (p. 47). Por isso, ele não entre em detalhes técnicos, nem concede exemplos expressivos, no entanto, ele pretende oferecer “uma série de reflexões relativas à possibilidade de estabelecer uma teologia sistemática com base em tais documentos de natureza tão diversa.”[6] Mas, ao conceber que exista uma diversidade no NT, Carson observa que “a ampla diversidade existente não pode, portanto, envolver contradição lógica ou histórica.”[7] As diferenças entre os autores do NT reflete apenas interesses e estilos literários de cada autor, respeitando o seu contexto histórico imediato, e o propósito da aplicação da mensagem.[8]

Carson observa que "para o teólogo sistemático conservador já é difícil o bastante quando ele se defronta com a diversidade do Novo Testamento, sem que ele tenha de enfrentar a reorganização dogmática da evidência literária segundo as linhas da ortodoxia crítica. Enquanto vários críticos acusam-no de construir uma teologia sistemática rígida que o força a distorcer sua exegese, ele pode ser perdoado se descobrir que os que o criticam estão reconstruindo a história da igreja e desenvolvimento o que em outro lugar eu denominei de “histomática”, distorcendo assim a exegese de maneira muito mais séria."[9]

Alguns pressupostos metodológicos são propostos por Carson, para tornar a teologia bíblica uma ferramenta possível para a dogmática: 1) a aceitação da autoridade das Escrituras Sagradas; 2) o uso de todo o cânon (66 livros) na formulação da teologia; 3) o reconhecimento da revelação progressiva como o modo que a Escritura foi entregue em seus diferentes períodos da história da salvação; 4) o reconhecimento duma diversidade complementar no NT; 5) a harmonização teológica dos temas do NT; a necessidade de cautela com as aparentes discrepâncias, e da investigação do propósito da linguagem.

A conclusão final de Carson é que "há uma unidade de pensamento que torna a teologia sistemática não apenas possível, mas necessária, e que a teologia moderna que questiona esse ponto de vista está metodológica e doutrinariamente deficiente. É difícil conceber como a teologia sistemática defendida neste ensaio seja possível a não ser que os documentos do Novo Testamento (e os do Antigo Testamento também) sejam verdadeiros e fidedignos; e é difícil conceber como os mesmos documentos possam ser verdadeiros e fidedignos sem que a teologia sistemática seja ao mesmo tempo possível e necessária."[10]

A leitura deste livro torna-se indispensável para os estudiosos da teologia. É uma obra necessária para a Introdução à Teologia, Teologia do Antigo Testamento, Teologia do Novo Testamento, e afins.

Sobre o autor
Donald A. Carson é professor especializado em Novo Testamento.[11] Ele exerce a sua docência no Trinity Evangelical Divinity School em Deerfield, Illinois, EUA. Atua nesta instituição teológica desde 1978. O Dr. Carson recebeu o seu título de Bacharel em Science in chemistry [B.Sc.] da McGill University, e o de Master of Divinity [M.D.] do Central Baptist Seminary em Toronto, e o seu Doctor of Philosophy [PhD] com especialização em Novo Testamento pela Cambridge University. O seu perfil teológico é batista calvinista de linha conservadora.[12]

Notas:
[1] Donald A. Carson, Teologia Biblica ou Teologia Sistemática (São Paulo, Edições Vida Nova, 2001), p. 13. A versão inglesa está disponível.
[2] Geerhardus Vos, Biblical Theology – Old and New Testament (Edinburgh, The Banner of Truth Trust, 2000), p. v-vi.
[3] Robert L. Reymond, A New Systematic Theology of the Christian Faith (Nashville, Thomas Nelson Publishers, 2a.ed.rev., 2001), pp. xxv-xxvi.
[4] Gordon J. Spykman, Teologia Reformacional: un Nuevo Paradigma para hacer la Dogmática (Jenison, TELL, 1994), p. 10.
[5] Donald A. Carson, Teologia Biblica ou Teologia Sistemática, p. 27.
[6] Donald A. Carson, op.cit., pp. 47.
[7] Donald A. Carson, op.cit., p. 30.
[8] Donald A. Carson, op.cit., p. 73.
[9] Donald A. Carson, op.cit.. 64-65.
[10] Donald A. Carson, op.cit., pp. 94-95.
[11] http://www.monergism.com/thethreshold/articles/bio/dacarson.html acessado em 17/05/2007.
[12] http://www.monergism.com/thethreshold/articles/onsite/carsonatonement.html .

Rev. Ewerton B. Tokashiki

19 maio 2007

Uma introdução ao livro de Provérbios

1. Título
O título origina de uma raiz hebraica que significa “ser como”. Por isso, tem primariamente o sentido de “comparação” indicando duas situações de similar caráter.

2. Autoria
Há pelo menos sete indicações da autoria no próprio livro:
1. 1:1 – “provérbios de Salomão”.
2. 10:1 – “provérbios de Salomão” (título).
3. 22:17 – “palavras dos sábios”.
4. 24:23 – “provérbios dos sábios”.
5. 25:1 – “também estes são provérbios de Salomão, os quais transcreveram os homens de Ezequias, rei de Judá”.
6. 30:1 – “palavras de Agur, filho de Jaque, de Massa” (título).
7. 31:1 – “palavras do rei Lemuel, de Massa, as quais lhe ensinou sua mãe”.

O livro é prefaciado com o nome de Salomão, mas há uma seção atribuída aos “sábios”, e dois capítulos são atribuídos: um a Agur e o outro a Lemuel. Há quem tente explicar o fato, dizendo que Lemuel e Agur são outros nomes de Salomão, mas isso é improvável.
A tradição judaica no Baba Bathra 15a afirma que “Ezequias e seus companheiros escreveram os Provérbios”. Provavelmente que esta declaração talmúdica refira-se a “Ezequias e seus companheiros” não como autores, mas como compiladores que ajuntaram e editaram o livro, acrescentando outros provérbios.

Podemos admitir algumas conclusões:
1. A maior parte dos provérbios são realmente de Salomão. Conforme 2 Rs 4:32 lemos que Salomão “disse três mil provérbios e foram o seus cânticos mil e cinco”.
2. Agur foi o autor do cap. 30, e nada se sabe a seu respeito.
3. O rei Lemuel foi o autor do cap. 31, e também, nada se sabe sobre a sua identidade.
4. Podemos deduzir que Salomão tenha compilado e incluído os provérbios pré-existentes aos seus, os “provérbios dos sábios”. Edward J. Young observa que “pode ser que esta referência aos sábios não seja indicação de autoria, mas mostre simplesmente que as palavras empregadas pelo escritor são as aprovadas ou seguidas pelos sábios, ou pelo menos estão de acordo com os seus ditos”.[1]
5. Ezequias e sua equipe adicionaram em seus dias (cerca 700 a.C.), outros provérbios, talvez do próprio Salomão, e de outros sábios, que igualmente foram inspirados e guiados pelo Espírito Santo.
6. Os dois últimos capítulos são unidades independentes, de autores desconhecidos. Seriam como apêndices.

3. Data
Não há motivos sólidos para abandonarmos a autoria de Salomão da primeira parte do livro. Nesse caso, a data provável seria aproximadamente 950-900 a.C., para a escrita dos capítulos 1-24, na metade final do seu reinado, e aproximadamente 725-700 a.C. para os últimos capítulos 25-31, que foram compilados por “Ezequias e seus companheiros”.

O livro apócrifo Eclesiástico 47:17, cita Pv 1:6. Este apócrifo é datado em 200 a.C.. Ao citar Provérbios isso aponta algumas evidências da data do livro:
1. Provérbios já existia tempo suficiente, antes de Eclesiástico, para que tornasse reconhecido como fonte de autoridade canônica.
2. O livro de Provérbios influenciou o estilo literário de Eclesiástico, o que indica uma imitação daquilo que se tornara “padrão” no estilo Mashal.

4. Propósito
4.1. Propósito Didático
Advertir dos grandes perigos que resultam inevitavelmente por seguir os ditames da natureza ou paixões pecaminosas (Pv 1:1-7). “O propósito do escritor aqui é traçar o contraste mais nítido entre as conseqüências de buscar e encontrar a sabedoria e as de seguir uma vida de insensatez.”[2]

4.2. Propósito teológico
Foi escrito para dar ao povo de Deus um guia prático e memorável de como aplicar o conhecimento de Deus (o temor do Senhor) à vida diária, para aqueles que já entraram num relacionamento de Aliança com Ele. Mostrando como a Aliança com Deus tem aplicação extremamente prática no seu cotidiano.

5. Estrutura do Livro
5.1. Primeiro modelo:
1. Prólogo...................................................... 1:1-7
2. Provérbios aos jovens....................... 1:8-9:18
3. Miscelânea de Provérbios................ 10-24
4. Coleção de Ezequias.......................... 25-29
5. Apêndice de Agur e Lemuel............. 30-31

5.2. Segundo Modelo:
1. Título e assunto.................................................. 1:1-7
2. Vários discursos................................................. 1:8-9:18
3. Primeira coleção de provérbios de Salomão... 10:1-22:16
4. Primeira coleção das “palavras dos sábios”.. 22:17-23:14
5. Discursos adicionais.......................................... 23:15-24:22
6. Segunda coleção das “palavras dos sábios”... 24:23-34
7. Segunda coleção de provérbios de Salomão... 25:1-29:27
8. As palavras de Agur.......................................... 30:1-33
9. As palavras de Lemuel..................................... 31:1-9
10.O elogio à esposa prudente............................ 31:10-31

6. Análise do Conteúdo
O livro de Provérbios é uma excelente antologia de declarações sábias. Estimula de forma provocante a imaginação, levando o leitor a refletir nas implicações de uma verdade simples e evidente.

R.K. Harrison observa que “os provérbios consistem geralmente de breves e incisivas declarações em que podem ser usadas com grande efeito na comunicação de verdades morais e espirituais, sobre a conduta.”[3]

Klaus Homburg comenta que “no provérbio da sabedoria são formulados expressões proverbiais segundo os critérios da analogia e do paradoxo.”[4]

7. Contribuição ao Cânon
O texto do Talmud, Shabbath 30b registra a dúvida entre os rabinos quanto à canonicidade de Provérbios. Declara o Talmud que “o livro de Provérbios, também o procuraram esconder, por haver contradições no seu contexto”. E cita como exemplo a passagem de 26:4-5 que diz “não respondas ao insensato segundo a sua estultícia (...), ao insensato responde segundo a sua estultícia...”. Mas o próprio Talmud interpreta a situação afirmando que “não há dificuldade; um refere-se a assuntos da lei e o outro a negócios seculares.”

8. Fatos Interessantes
1. Em 1 Rs 4:32, Salomão fez 3000 provérbios e 1005 cânticos. O livro de Provérbios contém apenas 915 destes 3000.[5]
2. O cap. 31 inclui um poema acróstico (a primeira palavra de cada versículo começa com uma letra do alfabeto hebraico, vide* TM).

Notas:
[1] Edward J. Young, Introdução ao Antigo Testamento, p. 327
[2] W.S. Lasor, D.A. Lasor, F.W. Bush, Introdução ao Antigo Testamento, p. 502
[3] Roland K. Harrison, Introduction to the Old Testament, p. 1011
[4] Klaus Homburg, Introdução ao Antigo Testamento, p. 188
[5] Samuel J. Schultz, A História de Israel no Antigo Testamento, p. 273, nota 13

Rev. Ewerton B. Tokashiki

17 maio 2007

Uma introdução ao livro de Jó

1. Autoria
Há algumas opiniões discordantes quanto à autoria desta obra. A tradição judaica (Baba Bathra 14b e 15a) declara que o autor foi Moisés do livro de Jó. Vejamos algumas objeções à autoria mosaica:
1. A obra foi escrita no mesmo estilo de Provérbios (mashal); este estilo literário teve início no período do reinado de Salomão.
2. Se o livro fosse de autoria mosaica, sua posição no Cânon hebraico seria diferente. Jó é classificado como “Ketubim” (Escritos), e se encontra dentro do Texto Massorético entre o livro de Salmos e Provérbios. Se ele fosse uma obra mosaica, certamente seria colocado na mesma categoria que a Lei, ou subseqüente a ela.
3. A Lei era a referência para as demais obras do AT, seria difícil que uma obra de natureza refletiva ou meditativa tenha sido escrita por alguém cuja principal ocupação era a legislatura, mas este argumento não é decisivo. Davi era um rei com uma sensibilidade poética aguçada.

Sobre a autoria parece mais sensato que a obra foi redigida no tempo de Salomão. Vejamos alguns argumentos em seu favor:
1. Era uma época de paz em que as atividades literárias de sabedoria se desenvolveram. Um período propício para compor este livro.
2. O livro de Jó tem o caráter dos livros da sabedoria (hokhmah). Os comentaristas Keil-Delitzch observam que “é um característica daquele período criador e incipiente da hokhmah, daquela época salomônica da ciência e da arte, do mais profundo pensamento em matéria de religião e da arte, do mais profundo pensamento em matéria de religião revelada e de cultura inteligente e progressiva das formas tradicionais da arte, duma época sem precedentes, em que a literatura correspondeu ao zênite da magnificência gloriosa para que o reino da promissão tendia.”[1]
3. Há uma exaltação semelhante de sabedoria piedosa entre Pv 8 e Jó 28.
4. O autor mostra uma clara preferência pelo nome Elohim (traduzido por “Deus”). O nome Yahweh ocorre somente duas vezes no cap. 1, uma vez no cap. 12, uma vez no cap. 38, três vezes no cap. 40, e cinco vezes no cap. 42. Isto associa com os escritos de Salomão que geralmente utiliza o nome Elohim, e menos o nome Yahweh.[2]

2. Data da Escrita
Existem várias datas propostas:[3]
1. Na época de Salomão: Keil, Delitzsch, Haevernick
2. No séc. VIII (antes de Amós): Hengstenberg
3. No princípio do séc. VII: Ewald Riehm,
4. Primeira metade do séc. VII: Staehelin, Noeldeke
5. Na época de Jeremias: Koenig, Gunkel, Pfeiffer
6. No exílio babilônico: Cheyne, Dillmann
7. No séc. V: Moore, Driver, Gray, Dhorme
8. No séc. IV: Eissfeldt, Voltz
9. No séc. III: Cornill

Adoto uma posição apoiada em algumas evidências literárias. O livro foi escrito durante o reinado de Salomão. Os três amigos eram árabes. O local onde Jó residia era Harã, ao norte da Palestina, perto de Damasco. Não há qualquer referência à Lei de Moisés, ou registro de fatos da história judaica. “Jó pertence em pensamento e forma à corrente literária que se originou com Salomão; daí ter maior semelhança ao livro de Provérbios do que qualquer outro livro no Velho Testamento.”[4]

3. Gênero Literário
Quanto ao estilo literário Sellin-Fohrer observam que o livro "nos mostra que seu autor é um mestre da palavra raramente superado, um mestre dotado de poder de criatividade barroca e possuidor de elevada cultura, como nos indicam não só as imagens, numerosas e multiformes, que exprimem os sentimentos mais variados em um só e mesmo discurso, como também as expressões raras, ou que já nem mesmo se usavam."[5]

Samuel J. Schultz considera o livro de Jó como sendo “apropriadamente classificado como um drama épico. Apesar de que a porção principal da composição seja de natureza poética e tenha a forma de um debate, o arcabouço é escrito em prosa. Neste último, a narrativa provê a base para a discussão inteira.”[6]

4. Situação Histórica
Jó foi um personagem histórico como indicam Ez 14:14 e Tg 5:11. Parece que Jó viveu no período dos patriarcas, embora, não se pode fazer nenhuma afirmação absoluta. Vejamos algumas evidências:
1. Jó é identificado como um habitante de Uz, e não de um lugar fictício (1:1). As referências bíblicas a Uz sugerem um local a leste de Edom (Gn 10:23; Jr 25:20; Lm 4:21). A LXX traduz terra dos Aisitai, povo, que segundo o geógrafo Ptolomeu, se localiza no deserto da Arábia perto dos edomitas do monte Seir.
2. Elifaz, amigo de Jó, era de Temã, localidade bem conhecida perto de Edom.
3. Eliú pertencia aos buzitas, região perto dos caldeus;
4. A riqueza é medida pela quantidade em animais. Isso nos lembra os dias de Abraão (Gn 13:1-11);
5. A narrativa faz menção a uma época anterior à legislação do Sinai (1:5).
6. A ausência de citações sobre as instituições israelitas, indica um cenário patriarcal.
7. Jó viveu um modelo patriarcal de vida e religião.
8. A idade avançada de 140 anos de Jó (42:16) está mais de acordo com a idade atingida pelos patriarcas.

5. Propósito
5.1. Propósito Didático
Mostrar como Deus pode usar a adversidade, bem como a prosperidade para ensinar o seu povo, para se dar a conhecer a Si mesmo (Jó 42:5).

5.2. Propósito Teológico
Mostrar a soberania de Deus. Deus usa os piores ataques de Satanás para o cumprimento do seu santo decreto (Jó 42:2). O soberano Deus ilustra através da vida de Jó, que “todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito” (Rm 8:28).

6. Estrutura do Livro
1. O Contexto Familiar........................ 1:1-2:13
2. Lamentação de Jó............................ 3:1-26
3. Discursos Com os Três Amigos...... 4:1-31:40
1. primeiro ciclo de discursos.......... 4:1-14:22
2. segundo ciclo de discursos.......... 15:1-21:34
3. terceiro ciclo de discursos.......... 22:1-31:40
4. Discursos de Eliú............................. 32:1-37:24
5. Pronuncio do Senhor...................... 38:1-42:6
6. Conclusão......................................... 42:7-17

1. Prólogo (prosa)................................ 1-2
2. Diálogos............................................ 3-28
2.1. Lamento inicial de Jó.............. 3
2.2. Diálogo entre Elifaz e Jó......... 4-5; 15; 22
2.3. Diálogo entre Bildade e Jó..... 8; 18; 25
2.3. Diálogo entre Zofar e Jó........ 11; 20
4. Poema de sabedoria...................... 28
5. Série de discursos......................... 29-42
5.1. Jó alega inocência................... 29-31
5.2. Discursos de Eliú.................... 32-37
5.3. Discursos de Yahweh............ 38-42:6
6. Epílogo............................................ 42:7-17

7. Análise do Conteúdo
Sellin-Fohrer fazem uma preciosa contribuição em perceber que "o poeta de Jó não aborda o problema da Teodicéia, sob a forma do sofrimento merecido do justo, ou sob a forma da justiça de Deus, em contraposição com a experiência humana. Isto estaria em contradição com o pensamento concreto e subjetivo do israelita. Também ele não apresenta pura e simplesmente um acontecimento. Pelo contrário: trata-se aí de um problema vital: o problema da existência humana vivida no sofrimento; trata-se da questão sobre o modo de proceder corretamente dentro dessa existência. Jó vive o comportamento que lhe parece possível e correto. Os amigos querem ensinar-lhe um comportamento que, no seu parecer, é o melhor, e Deus o coloca diante do problema decisivo no que respeita a seu comportamento. (...) A narrativa que enquadra o poema interpreta o sofrimento como provação do homem que deve, por este meio, confirmar a sua piedade que alimentar até então. Os amigos de Jó atribuem a infelicidade às culpas do homem, e o convidam a se desviar do mal, a se voltar humildemente para Deus e a se converter radicalmente. (...) Passando por cima de todas estas opiniões – as ortodoxas e as heréticas -, o poeta de Jó, que faz Deus condenar, inclusive, os amigos de Jó, apesar de sua fé imaculada, e recomendá-los à intercessão daquele Jó que antes parecia tão herético, parte em busca de sua própria solução, a qual atesta a profunda influência da fé profética: a atitude correta do homem no sofrimento é o silêncio humilde, na plena entrega de si mesmo, brotando da paz com Deus, e baseada não somente na intuição de que o sofrimento decorre de uma intervenção misteriosa, impenetrável, mas inteiramente lógica de Deus, mas também na certeza da comunhão com Deus, a qual faz com que tudo o mais seja secundário."[7]

8. Unidade
O livro demonstra uma unidade natural e estrutural.[8] Não há discussões relevantes quanto a este aspecto.

9. Fatos Interessantes
1. Jó é a maior de todas as obras dramáticas do AT.
2. Nenhum livro da Bíblia revela tanto da pessoa e do caráter de Satanás.
3. É citado explicitamente uma vez no NT (1 Co 3:19 – Jó 5:13).
4. Implica que a terra é esférica (22:14), pendurada no espaço (26:7).

Notas:
[1] C.F. Keil & F. Deltzch, Commentary on the Old Testament: Job-Psalms vol.5, p. 19 (Books for the Ages, 1997), CD-Master Library Christian 01/02, in loco.
[2] Gleason L. Archer, Merece Confiança o Antigo Testamento? (São Paulo, Edições Vida Nova, 1993), p. 410
[3] Edward J. Young, Introdução ao Antigo Testamento (São Paulo, Edições Vida Nova, 1963), pp. 334-338
[4] Clyde T. Francisco, Introdução ao Velho Testamento (São Paulo, JUERP, 1983), p. 216
[5] E. Sellin, G. Fohrer, Introdução ao Antigo Testamento (São Paulo, Edições Paulinas 1980), vol.II, p. 480
[6] Samuel J. Schultz, A História de Israel no Antigo Testamento (São Paulo, Ed. Vida Nova, 1995), p. 265
[7] E. Sellin, G. Fohrer, Introdução ao Antigo Testamento, vol. 2, pp. 496-497
[8] Aage Bentzen, Introdução ao Antigo Testamento (São Paulo, ASTE, 1968), vol. 2 pp. 197-202, considera a prosa e a maior parte das seções poéticas como uma unidade.

15 maio 2007

Uma introdução ao livro de Cantares

1. Título
Considerando que Salomão escreveu 1005 cânticos (1 Rs 4:32), este seria o “cântico dos cânticos”, ou seja, “o melhor de todos os seus cânticos”.

2. Autoria
O Talmud Baba Bathra 15a declara “Ezequias e seus companheiros escreveram o Cântico dos cânticos.” Mas, a mesma afirmação feita acerca do livro de Provérbios (vide* autoria), é repetida sobre este, tendo o mesmo significado. “Ezequias e seus companheiros” não são os autores de Cânticos, mas apenas os compiladores das obras de Salomão.

Algumas evidências internas e externas a respeito da autoria:
1. O primeiro versículo atribui o livro a Salomão com o prefixo hebraico para autoria (lamedh auctoris).
2. A obra parece referir-se a uma época histórica anterior à divisão do reino. O autor menciona várias localidades do país, como sendo único reino, por exemplo, Jerusalém, Carmelo, Sarom, Líbano, Em-Gedi, Hermon, Tirza, etc..
3. A comparação da noiva com “as éguas dos carros de Faraó” (1:9), é interessante, se atendermos a que foi Salomão quem importou os cavalos do Egito (1 Rs 10:28).
4. A autor mostra-se também conhecedor de plantas e animais exóticos: 15 espécies de animais e 21 variedades de plantas (1 Rs 4:33).
5. Salomão escreveu 1005 cânticos, sendo Cantares o único preservado (1 Rs 4:32).
6. Negar a autoria, afirmando que um homem polígamo não poderia ter escrito este cântico de fidelidade conjugal é a mesma coisa que fazer objeção à autoria salomônica de Provérbios, baseando-se no fato dele ter violado tantos dos seus próprios princípios.
7. A tradição judaica considera universalmente Salomão como o autor. Os judeus lêem liturgicamente todos os anos por ocasião da Festa da Páscoa, atribuindo-o a Salomão.

3. Data
Escrito depois dele ter adquirido muitas carruagens do Egito e ter ampliado suas vinhas até o vale de Jezreel. O seu harém de esposas e concubinas era bem menor, 60 a 80 mulheres, em comparação com as 700 esposas e 300 concubinas, posteriormente.

Talvez, Cantares seja o mais antigo livro canônico de Salomão. Reflete sua juventude vigorosa, do mesmo modo que Provérbios reflete sua meia-idade, e Eclesiastes mostra a sua maturidade nos seus anos finais. A data aproximada para Cantares pode ser o ano 900 a.C.

5. Propósito
5.1. Propósito Histórico
Comemorar o casamento de Salomão com a Sulamita e expressar o prazer do sexo no casamento como uma dádiva de Deus.

5.2. Propósito Didático
Edward J. Young afirma que o livro foi escrito "para leitores que vivem num mundo de pecado, de prazeres e de paixões, onde violentas tentações nos assaltam e procuram afastar-nos do tipo modelar de casamento, nos moldes da lei de Deus, e lembra-nos de um modo particularmente sublime, quão puro e quão nobre é o verdadeiro amor."[1]

6. Análise do Conteúdo
O cântico apresenta interação entre Salomão, a Sulamita, e o coro, passando repentinamente de uma pessoa para outra e de uma cena para outra. A identificação é geralmente feita pelos pronomes pessoais usados.

7. Contribuição para Teologia AT
Sellin-Fohrer comentam que "a importância do Cântico dos Cânticos deve ser vista não só no fato de que ele evita, de um lado, uma divinização sacral do elemento sexual, de que estavam impregnados os cultos míticos da fecundidade do Antigo Oriente, mas de que, por outro lado, contradiz também aquela atitude de desdém e de repulsa pelo sexo, que partiu sobretudo do judeu-cristianismo de cunho essênio e da mística platônico-helenística. O Cântico dos Cânticos indica que, desde o momento em que o matrimônio está de acordo com a vontade de Deus, o amor sexual vale igualmente como seu pressuposto e como seu fundamento."[2]

8. Contribuição ao Cânon
Na tradição judaica, Mishnah, Yadim 3:5, lemos uma afirmação do rabino Aqiba, da escola de Hillel, acerca da canonicidade de Cantares que diz “pois em todo o mundo nada há que possa comparar-se ao dia em que Cantares de Salomão foi dado a Israel. Todos os escritos são santos, mas num grau superior o Cântico dos Cânticos”.[3]

Fazendo uma comparação temática entre Provérbios e Cantares, William M. Ramsay fornece um precioso motivo em favor da canonicidade deste poema tão sensual. Ramsay observa que
livros como Provérbios, todavia, celebram a obra de Deus na criação. A vida diária, de acordo com a literatura sapiencial, é um dom de Deus. Assim, tão natural é a função da união sexual como parte da boa criação de Deus. Crendo que a natureza é um dom do Criador, o sábio não poderia separar o “secular” do “sagrado”. Deste modo, o poema de amor, é igualmente, um poema de amor sensual, não podendo ficar fora das Escrituras.[4]

9. Dificuldades de Interpretação
Por muitos séculos o livro de Cantares tem sido assunto de controvérsias acerca da sua interpretação. Há pelo menos quatro linhas principais de interpretação que são usadas, e que merecem ser mencionadas:[5]
1. A alegorização judaica. A método alegórico é o mais antigo de todos. Segundo esta posição o livro estaria descrevendo em linguagem figurada a relação entre Yahweh e Israel.[6]
2. A alegorização da Igreja Primitiva. Seguindo o método alegórico a Igreja Primitiva (Orígenes e Hipólito) interpretou o livro como sendo uma descrição do amor de Cristo e a Igreja (ainda usada pela Igreja Católica Romana:
a. 1:5 fala da cor morena, ou negra, pelo pecado, mas bela pela conversão (Orígenes);
b. 1:13 “entre os meus seios” refere-se às Escrituras do AT e NT, entre os quais se encontra Cristo (Cirilo de Alexandria);
c. 2:12 alude à pregação dos apóstolos (Pseudo-Cassiodoro)
d. 5:1 é uma alusão à Ceia do Senhor (Cirilo de Alexandria)
e. 6:8 refere-se às oitenta heresias (Epifâneo).
3. O uso da alegorização no período moderno pelos protestantes. Os dois heruditos em AT Hengstenberg e Keil aplicam a interpretação alegórica neste livro. A Versão Autorizada Inglesa em seus títulos de divisão adota esta interpretação:
a. 1-3...... O mútuo amor de Cristo e da sua Igreja
b. 4......... As graças da Igreja
c. 5.......... O amor de Cristo para com ela
d. 6-7...... A Igreja manifesta a sua fé
e. 8.......... O amor da Igreja para com Cristo
4. Uma hermenêutica contextual. O método gramático-histórico e o histórico-crítico interpretam o livro como sendo uma descrição do amor humano, num relacionamento de pureza da sexualidade, conforme Deus estabeleceu para o casamento desde o princípio. O casal somente desfruta da santidade do sexo dentro do casamento.

10. Fatos Interessantes
1. Os judeus lêem este livro na Páscoa.
2. Assuntos não mencionados: nenhum dos nomes de Deus. pecado; culto de Israel; nem alusão a outro livro do AT.
3. Na época da escrita, Salomão já tinha 60 rainhas e 80 concubinas (1 Rs 11:3, 700 rainhas e 300 concubinas).
4. O único livro dedicado completamente ao amor conjugal, romântico e sexual.
5. Salomão e Sulamita são sinônimos. Seria o casamento do “pacificador” e da “pacificadora”. O casamento deve ser edificado sob o Shalom de Yahweh.

Notas:
[1] Edward J. Young, Introdução ao Antigo Testamento (São Paulo, Edições Vida Nova, 1960), p. 351
[2] E. Sellin, G. Fohrer, Introdução ao Antigo Testamento (São Paulo, Edições Paulinas 1980), vol.II, p. 446
[3] Roland K. Harrison, Introduction to the Old Testament (Grand Rapids, Wm. B. Eerdmans Publishing Company, 1988), p. 1051
[4] William M. Ramsay, The Westminster Guide to the Books of the Bible (Louisville, Westminster John Knox Press, 1994), p. 178
[5] Para outras propostas hermenêuticas, vide* Edward J. Young, Introdução ao Antigo Testamento, pp. 348-350
[6] Ainda hoje os judeus interpretam o livro de Cantares como sendo “símbolo do amor de Deus pela Congregação de Israel, sendo o dia de sábado seu intermediário.” Meir Matzliah Melamed, Torá a Lei de Moisés (São Paulo, Editora Sêfer, 2001), p. 648. Em outro lugar, o comentarista faz a seguinte observação “apesar das expressões de amor e nostalgia parecerem referir-se ao amor humano e à beleza física feminina, seu objetivo não é outro senão descrever alegoricamente as virtudes do povo de Israel e sua fidelidade ao Criador e a Seus preceitos, como também o amor de Deus a Seu povo predileto”. p. 655.

Rev. Ewerton B. Tokashiki

13 maio 2007

Uma introdução ao livro de Eclesiástes

1. Título
Qoheleth deriva de uma raiz hebraica que significa “chamar”, ou “reunir”. Vários significados tem sido sugeridos a Qoheleth. Uns dizem que significa “alguém que reúne uma audiência”. Outros, insinuam a idéia de um colecionador de verdades. Outros ainda, afirmam que significa aquele que debate ou discursa, ou seja, um pregador. Talvez, este último seja o melhor significado da palavra qoheleth, como adotam a maioria de nossas versões em português. A tradução da LXX deriva da palavra grega ekklesia.

2. Autoria
A tradição judaica Baba Bathra 15ª declara que “Ezequias e seus companheiros Eclesiastes”. Esta afirmação se refere apenas à compilação e redação dos livros escritos por Salomão. Em outros trechos a tradição judaica de forma explícita diz que Salomão foi o autor de Megilla 7ª e Shabbath 30).[1]

O erudito conservador Edward J. Young rejeita a autoria de Salomão e oferece algumas objeções:[2]
1. Por quê Salomão usaria tão estranho título (qoheleth)?
2. O nome de Salomão não aparece no livro, como ocorre em Cantares e Provérbios.
3. As condições históricas não parecem ser da época de Salomão. Em 1:16 o autor afirma que sobrepujou em sabedoria “a todos os que antes de mim em Jerusalém”. Salomão foi o segundo rei, no regime da teocracia de Israel, a morar em Jerusalém.
4. O livro supõe um contexto histórico de opressão (4:1-3,13; 5:8; 7:10; 8:2,9; 9:14-16; 10:6-7,16-17,20).
5. Foi autor desconhecido, que viveu num posterior pós-exílico, que colocou as suas palavras na boca de Salomão. A linguagem, o uso das palavras e o estilo contém muito do aramaico.

Argumentos em defesa da autoria salomônica:
1. Visto ser o livro de Eclesiástico um livro de refinada retórica, nada impediria Salomão referir a si mesmo como o título de “qoheleth”.
2. É fato que há a omissão do nome de Salomão, mas, ele se identifica de um modo inconfundível como sendo “filho de Davi, rei de Jerusalém”.
3. A afirmação “a todos os que antes de mim em Jerusalém” pode ser uma referência aos reis da cidade-estado de Jerusalém, no período que os jebuseus eram senhores sobre aquele lugar, ou, aos demais reis das nações pagãs (2 Cr 9:22).
4. Embora o autor fale de opressão, miséria, perversão da justiça, isso pode ser uma descrição daquilo que Salomão viu nos outros reinos antes dele, como também, em reinos pagãos. Todavia, não devemos cair no erro de pensar que o reinado de Salomão fora perfeito. Foi um reinado próspero, o melhor período da história de Israel, mas nunca poderia ser considerado um período de perfeição magisterial, ou isento de corrupções (1 Rs 12:4); Salomão não está preocupado em fazer propaganda positivista do seu reinado, mas mostrar a corrupção que o poder pode causar.
5. As possíveis ocorrências de palavras aramaicas, podem ser explicadas pelo contado comercial internacional (1 Rs 9:10-10:29), como também pelas esposas estrangeiras (1 Rs 11:1-2).
6. Se o autor não foi Salomão, então o escritor mentiu. As auto-identificações do autor indicam Salomão. “Caso Salomão não fosse seu autor, a falsa personificação do mais sábio de todos os homens sábios teria sido descoberta há muito tempo pelos rabinos de Israel, e esses não permitiriam a inclusão do livro no Cânon.”[3]

Note o seguinte:
a. O autor afirma “venho sendo rei em Jerusalém” (ARA).
b. A descrição de Eclesiastes 2:1-11 confere com as riquezas que Salomão possuiu e construiu (2 Cr 8:1-9:28).
c. O autor identifica-se como aquele que reuniu e organizou muitos provérbios (12:9).
d. Ninguém possuiu tanta sabedoria, prosperidade e expressão mundial no período monárquico, quanto Salomão, de fato, ele se tornou uma referência em muitos sentidos para seus posteriores.

3. Data
Aproximadamente 935 a.C. O livro é uma retrospectiva na velhice, da vida vazia em que ele viveu com o coração desviado do temor do Senhor (1 Rs 11:1-8). Ellisen observa que “o conteúdo e as conclusões certamente combinam bem com os anos de maturidade de Salomão.”[4] Esta tese é confirmada, pela tradição judaica na Midrash (Shir Hashirim Rabá 1,10), que afirma ter o rei Salomão escrito o livro de Cantares na sua juventude e o Eclesiastes na sua velhice.[5] O comentarista A.R. Fausset esclarece que Eclesiastes fica “como selo e testemunho de arrependimento de sua apostasia no período de intervenção (Sl 89:30,33) a prova de sua penitência.”[6]

4. Propósito
O propósito é descobrir qual o melhor bem da vida. Trata do prazer, sabedoria, da riqueza, mas considerando-os sem-sentido. O melhor bem da vida somente pode ser conseguido se alguém teme a Deus e guarda os seus mandamentos (12:13). A vida sem Deus, ou, fora da vontade de Deus é fútil. A busca pelo verdadeiro significado da vida é essencial para a existência humana. Longe de Deus a vida não é vida, pois só Deus lhe pode dar o verdadeiro significado. A cosmovisão teísta oferece a perspectiva correta do homem e sua relação com o mundo. “A única interpretação possível do mundo é considerá-lo, pois como criação de Deus e usá-lo e gozá-lo apenas para a Sua glória.”[7]

5. Estrutura do Livro
1. Prólogo: Tudo é vaidade........ 1:1-11
2. Monólogo: Vida sem sentido..... 1:12-12:1-8
3. Epílogo: Temor de Deus........... 12:9-14

6. Análise do Conteúdo
O lingüista Lyman Abbott faz uma análise do livro dizendo "assim, o livro de Eclesiastes é um monólogo dramático, apresentando as complicadas experiências da vida; essas vozes estão em conflito, porém apresentam ou relatam o conflito de uma simples alma em guerra consigo mesma. Nesse monólogo, o homem se apresenta monologando consigo mesmo, comparando as experiências da vida umas as outras. Assim, o livro de Eclesiastes é deliberadamente de uma confusa intenção, porque é o quadro de experiências confusas de uma alma dividida contra si mesma."[8]

7. Contribuição ao Cânon
Vários fragmentos de Eclesiastes foram encontrados na caverna 4 de Qumran, que datam, aproximadamente, da metade do século II a.C.. Disto pode-se concluir que na época ele já possuía reconhecido valor canônico.

8. Dificuldades de Interpretação
Devemos ter cuidado para que a nossa mentalidade existencialista (antropocêntrica) não seja um princípio regulador na aplicação da nossa hermenêutica neste livro. O livro deve ser interpretado como um todo. A chave para a interpretação do livro é o texto final 12:13-14.

9. Fatos Interessantes
1. Os argumentos do livro não são os argumentos de Deus, e sim os registros de Deus para os argumentos do homem.
2. O autor usa somente o nome “Elohim” (Deus), nunca o nome “Yahweh” (SENHOR), “assim o autor pode estar enfatizando o relacionamento do homem com Deus, à parte da experiência da redenção”.[9]
3. Os judeus lêem este livro na Festa dos Tabernáculos. O rabino David Gorodovits explica a razão desta prática entre os judeus “sendo Sucót considerado Zeman Simchatênu, ou seja, ‘época de nossa alegria’, quando, em Israel, os celeiros estão abarrotados com os frutos da colheita, seria fácil entregar-se a futilidades e lazer, esquecendo de onde veio a benção que resultou no sucesso do trabalho. É exatamente quando a leitura do Cohelét, com suas mensagens profundas, conscientiza-nos da bondade e da justiça do Eterno, sem as quais nenhum sucesso pode ser alcançado pelo ser humano.”[10]

Notas:
[1] Gleason L. Archer, Merece Confiança o Antigo Testamento? (São Paulo, Edições Vida Nova, 1993), pp. 436-437
[2] Edward J. Young, Introdução ao Antigo Testamento (São Paulo, Edições Vida Nova, 1963), pp. 362-363
[3] Stanley A. Ellisen, Conheça Melhor o Antigo Testamento (São Paulo, Editora Vida, 1995), p.191
[4] Stanley A. Ellisen, op. cit., p. 191
[5] Meir Matzliah Melamed, Torá a Lei de Moisés, p. 647
[6] Jamieson, Fausset, Brown, Commentary Old Testament, vol.2, pp.93-94 (Books for the Ages, 1997), CD-Master Library Christian 01/02, in loco.
[7] Edward J. Young, Introdução ao Antigo Testamento, p. 367
[8] Lyman Abbott, Life and Literature of the Ancient Hebrews (New York, Houghton Mifflin and Company, 1901), pp. 292-293
[9] David Merkh, Síntese do VT (Atibaia, Seminário Palavra da Vida, texto não publicado), p. 57
[10] Meir Matzliah Melamed, Torá a Lei de Moisés, p. 669

Rev. Ewerton B. Tokashiki

10 maio 2007

A carta de Plínio “o jovem” a Trajano

A carta de Plínio “o jovem” ao imperador romano Trajano tornou alvo de citação dos exegetas, teológos e historiadores por causa da sua menção a duas mulheres que foram presas por causa da fé cristã. Segundo alguns estudiosos esta carta seria uma evidência documental de que existiram diaconisas na Igreja Cristã no período do século II. A data mais aceita para a redação desta carta foi de 113 d.C.

Gaius Plinius Caecilius Secundus, conhecido como Plínio “o jovem”, foi governador da Bitínia, não era cristão, mas adquiriu fama pelos julgamentos imparciais de funcionários e militares, e outros acusados de delitos políticos. Nesta carta ele explica como examinava o testemunho dos cristãos nos interrogatórios. Ao relatar a Trajano sobre duas mulheres, escreve que “julguei ser mais importante descobrir o que havia de verdade nessas declarações através da tortura a duas moças, chamadas diaconisas, mas nada achei senão superstição baixa e extravagante.”[1]

A tradução adotada por Henry Bettenson não é exata com o original latino que declara: “ex duabus ancillis quae ministae dicebantur” (de duas escravas a quem chamam de servas, tradução minha). Ele adota uma tradução equivocada para a expressão latina duabus ancillis (duas escravas) preferindo verter por “duas moças”, o que não se justifica, pois, o termo não se refere à idade das mulheres, mas ao seu status social.

Mesmo insinuando a possibilidade de que estas duas mulheres fossem diaconisas, Bettenson esclarece que “neste caso, aqui temos a última menção às ‘diaconisas’ até o quarto século, momento em que elas reconquistaram certa importância no Oriente”.[2] O que podemos concluir é que estas mulheres exerciam alguma atividade especial na igreja, mas, não temos nenhuma informação específica na carta de Plínio de que função era. Entretanto, não há como afirmar que elas eram oficiais da Igreja, ou que tenham exercido liderança ordenada.

É necessário lembrar que Plínio menciona estas duas mulheres, a partir de informações que lhe foram passadas, pois conforme ele mesmo declara neste relatório “nunca presenciei nenhum julgamento de cristãos”.[3] O seu testemunho é de alguém que não conhecia a fé e organização cristã de fonte autorizada, e o seu relato é apenas circunstancial, e não uma descrição de um exame pessoal de fontes fidedignas.

Notas:
[1] Henry Bettenson, Documentos da Igreja Cristã (São Paulo, ASTE, 2001), p. 30.
[2] Henry Bettenson, op.cit., p. 30, vide nota de roda-pé 9.
[3] Henry Bettenson, op.cit., p. 28.

Rev. Ewerton B. Tokashiki

05 maio 2007

Manifesto Presbiteriano sobre Homofobia e Aborto

Presidente do Supremo Concílio, rev. Roberto Brasileiro, escreve artigo com a posição da denominação frente a assuntos que estão mobilizando o país. “Na qualidade de Presidente do Supremo Concílio da Igreja Presbiteriana do Brasil, diante do momento atual em que as forças organizadas da sociedade manifestam sua preocupação com a possibilidade da aprovação de leis que venham labutar contra a santidade da vida e a cercear a liberdade constitucional de expressão das igrejas brasileiras de todas as orientações, venho a público me MANIFESTAR quanto à prática do aborto e a criminalização da homofobia.”

I – Quanto à prática do aborto, a Igreja Presbiteriana do Brasil reconhece que muitos problemas são causados pela prática clandestina de abortos, causando a morte de muitas mulheres jovens e adultas. Todavia, entende que a legalização do aborto não solucionará o problema, pois o mesmo é causado basicamente pela falta de educação adequada na área sexual, a exploração do turismo sexual, a falta de controle da natalidade, a banalização da vida, a decadência dos valores morais e a desvalorização do casamento e da família.

Visto que: (1) Deus é o Criador de todas as coisas e, como tal, somente Ele tem direito sobre as nossas vidas; (2) ao ser formado o ovo (novo ser), este já está com todos os caracteres de um ser humano e que existem diferenças marcantes entre a mulher e o feto; (3) os direitos da mulher não podem ser exercidos em detrimento dos direitos do novo ser; (4) o nascituro tem direitos assegurados pela Lei Civil brasileira e sua morte não irá corrigir os males já causados no estupro e nem solucionará a maternidade ilegítima.

Por sua doutrina, regra de fé e prática, a Igreja Presbiteriana do Brasil MANIFESTA-SE contra a legalização do aborto, com exceção do aborto terapêutico, quando não houver outro meio de salvar a vida da gestante.

II – Quanto à chamada Lei da Homofobia, que parte do princípio que toda manifestação contrária à homossexualidade é homofóbica e caracteriza como crime essas manifestações, a Igreja Presbiteriana do Brasil repudia a caracterização da expressão do ensino bíblico sobre a homossexualidade como sendo homofobia, ao mesmo tempo em que repudia qualquer forma de violência contra o ser humano criado à imagem de Deus, o que inclui homossexuais e quaisquer outros cidadãos. Visto que: (1) a promulgação da nossa Carta Magna, em 1988, já previa direitos e garantias individuais para todos os cidadãos brasileiros; (2) as medidas legais que surgiram visando beneficiar homossexuais, como o reconhecimento da sua união estável, a adoção por homossexuais, o direito patrimonial e a previsão de benefícios por parte do INSS foram tomadas buscando resolver casos concretos sem, contudo, observar o interesse público, o bem comum e a legislação pátria vigente; (3) a liberdade religiosa assegura a todo cidadão brasileiro a exposição de sua fé sem a interferência do Estado, sendo a este vedada a interferência nas formas de culto, na subvenção de quaisquer cultos e ainda na própria opção pela inexistência de fé e culto; (4) a liberdade de expressão, como direito individual e coletivo, corrobora com a mãe das liberdades, a liberdade de consciência, mantendo o Estado eqüidistante das manifestações cúlticas em todas as culturas e expressões religiosas do nosso País; (5) as Escrituras Sagradas, sobre as quais a Igreja Presbiteriana do Brasil firma suas crenças e práticas, ensinam que Deus criou a humanidade com uma diferenciação sexual (homem e mulher) e com propósitos heterossexuais específicos que envolvem o casamento, a unidade sexual e a procriação; e que Jesus Cristo ratificou esse entendimento ao dizer, “(...). desde o princípio da criação, Deus os fez homem e mulher” (Marcos 10.6); e que os apóstolos de Cristo entendiam que a prática homossexual era pecaminosa e contrária aos planos originais de Deus (Romanos 1.24-27; 1 Coríntios 6.9-11).

Ante ao exposto, por sua doutrina, regra de fé e prática, a Igreja Presbiteriana do Brasil MANIFESTA-SE contra a aprovação da chamada Lei da Homofobia, por entender que ensinar e pregar contra a prática da homossexualidade não é homofobia, por entender que uma lei dessa natureza maximiza direitos a um determinado grupo de cidadãos, ao mesmo tempo em que minimiza, atrofia e falece direitos e princípios já determinados principalmente pela Carta Magna e pela Declaração Universal de Direitos Humanos; e por entender que tal lei interfere diretamente na liberdade e na missão das igrejas de todas as orientações de falarem, pregarem e ensinarem sobre a conduta e o comportamento ético de todos, inclusive dos homossexuais.

Portanto, a Igreja Presbiteriana do Brasil não pode abrir mão do seu legítimo direito de expressar-se, em público e em privado, sobre todo e qualquer comportamento humano, no cumprimento de sua missão de anunciar o Evangelho, conclamando a todos ao arrependimento e à fé em Jesus Cristo.

Patrocínio, Minas Gerais, abril de 2007 AD.

Rev. Roberto Brasileiro
Presidente do Supremo Concílio da Igreja Presbiteriana do Brasil