17 maio 2007

Uma introdução ao livro de Jó

1. Autoria
Há algumas opiniões discordantes quanto à autoria desta obra. A tradição judaica (Baba Bathra 14b e 15a) declara que o autor foi Moisés do livro de Jó. Vejamos algumas objeções à autoria mosaica:
1. A obra foi escrita no mesmo estilo de Provérbios (mashal); este estilo literário teve início no período do reinado de Salomão.
2. Se o livro fosse de autoria mosaica, sua posição no Cânon hebraico seria diferente. Jó é classificado como “Ketubim” (Escritos), e se encontra dentro do Texto Massorético entre o livro de Salmos e Provérbios. Se ele fosse uma obra mosaica, certamente seria colocado na mesma categoria que a Lei, ou subseqüente a ela.
3. A Lei era a referência para as demais obras do AT, seria difícil que uma obra de natureza refletiva ou meditativa tenha sido escrita por alguém cuja principal ocupação era a legislatura, mas este argumento não é decisivo. Davi era um rei com uma sensibilidade poética aguçada.

Sobre a autoria parece mais sensato que a obra foi redigida no tempo de Salomão. Vejamos alguns argumentos em seu favor:
1. Era uma época de paz em que as atividades literárias de sabedoria se desenvolveram. Um período propício para compor este livro.
2. O livro de Jó tem o caráter dos livros da sabedoria (hokhmah). Os comentaristas Keil-Delitzch observam que “é um característica daquele período criador e incipiente da hokhmah, daquela época salomônica da ciência e da arte, do mais profundo pensamento em matéria de religião e da arte, do mais profundo pensamento em matéria de religião revelada e de cultura inteligente e progressiva das formas tradicionais da arte, duma época sem precedentes, em que a literatura correspondeu ao zênite da magnificência gloriosa para que o reino da promissão tendia.”[1]
3. Há uma exaltação semelhante de sabedoria piedosa entre Pv 8 e Jó 28.
4. O autor mostra uma clara preferência pelo nome Elohim (traduzido por “Deus”). O nome Yahweh ocorre somente duas vezes no cap. 1, uma vez no cap. 12, uma vez no cap. 38, três vezes no cap. 40, e cinco vezes no cap. 42. Isto associa com os escritos de Salomão que geralmente utiliza o nome Elohim, e menos o nome Yahweh.[2]

2. Data da Escrita
Existem várias datas propostas:[3]
1. Na época de Salomão: Keil, Delitzsch, Haevernick
2. No séc. VIII (antes de Amós): Hengstenberg
3. No princípio do séc. VII: Ewald Riehm,
4. Primeira metade do séc. VII: Staehelin, Noeldeke
5. Na época de Jeremias: Koenig, Gunkel, Pfeiffer
6. No exílio babilônico: Cheyne, Dillmann
7. No séc. V: Moore, Driver, Gray, Dhorme
8. No séc. IV: Eissfeldt, Voltz
9. No séc. III: Cornill

Adoto uma posição apoiada em algumas evidências literárias. O livro foi escrito durante o reinado de Salomão. Os três amigos eram árabes. O local onde Jó residia era Harã, ao norte da Palestina, perto de Damasco. Não há qualquer referência à Lei de Moisés, ou registro de fatos da história judaica. “Jó pertence em pensamento e forma à corrente literária que se originou com Salomão; daí ter maior semelhança ao livro de Provérbios do que qualquer outro livro no Velho Testamento.”[4]

3. Gênero Literário
Quanto ao estilo literário Sellin-Fohrer observam que o livro "nos mostra que seu autor é um mestre da palavra raramente superado, um mestre dotado de poder de criatividade barroca e possuidor de elevada cultura, como nos indicam não só as imagens, numerosas e multiformes, que exprimem os sentimentos mais variados em um só e mesmo discurso, como também as expressões raras, ou que já nem mesmo se usavam."[5]

Samuel J. Schultz considera o livro de Jó como sendo “apropriadamente classificado como um drama épico. Apesar de que a porção principal da composição seja de natureza poética e tenha a forma de um debate, o arcabouço é escrito em prosa. Neste último, a narrativa provê a base para a discussão inteira.”[6]

4. Situação Histórica
Jó foi um personagem histórico como indicam Ez 14:14 e Tg 5:11. Parece que Jó viveu no período dos patriarcas, embora, não se pode fazer nenhuma afirmação absoluta. Vejamos algumas evidências:
1. Jó é identificado como um habitante de Uz, e não de um lugar fictício (1:1). As referências bíblicas a Uz sugerem um local a leste de Edom (Gn 10:23; Jr 25:20; Lm 4:21). A LXX traduz terra dos Aisitai, povo, que segundo o geógrafo Ptolomeu, se localiza no deserto da Arábia perto dos edomitas do monte Seir.
2. Elifaz, amigo de Jó, era de Temã, localidade bem conhecida perto de Edom.
3. Eliú pertencia aos buzitas, região perto dos caldeus;
4. A riqueza é medida pela quantidade em animais. Isso nos lembra os dias de Abraão (Gn 13:1-11);
5. A narrativa faz menção a uma época anterior à legislação do Sinai (1:5).
6. A ausência de citações sobre as instituições israelitas, indica um cenário patriarcal.
7. Jó viveu um modelo patriarcal de vida e religião.
8. A idade avançada de 140 anos de Jó (42:16) está mais de acordo com a idade atingida pelos patriarcas.

5. Propósito
5.1. Propósito Didático
Mostrar como Deus pode usar a adversidade, bem como a prosperidade para ensinar o seu povo, para se dar a conhecer a Si mesmo (Jó 42:5).

5.2. Propósito Teológico
Mostrar a soberania de Deus. Deus usa os piores ataques de Satanás para o cumprimento do seu santo decreto (Jó 42:2). O soberano Deus ilustra através da vida de Jó, que “todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito” (Rm 8:28).

6. Estrutura do Livro
1. O Contexto Familiar........................ 1:1-2:13
2. Lamentação de Jó............................ 3:1-26
3. Discursos Com os Três Amigos...... 4:1-31:40
1. primeiro ciclo de discursos.......... 4:1-14:22
2. segundo ciclo de discursos.......... 15:1-21:34
3. terceiro ciclo de discursos.......... 22:1-31:40
4. Discursos de Eliú............................. 32:1-37:24
5. Pronuncio do Senhor...................... 38:1-42:6
6. Conclusão......................................... 42:7-17

1. Prólogo (prosa)................................ 1-2
2. Diálogos............................................ 3-28
2.1. Lamento inicial de Jó.............. 3
2.2. Diálogo entre Elifaz e Jó......... 4-5; 15; 22
2.3. Diálogo entre Bildade e Jó..... 8; 18; 25
2.3. Diálogo entre Zofar e Jó........ 11; 20
4. Poema de sabedoria...................... 28
5. Série de discursos......................... 29-42
5.1. Jó alega inocência................... 29-31
5.2. Discursos de Eliú.................... 32-37
5.3. Discursos de Yahweh............ 38-42:6
6. Epílogo............................................ 42:7-17

7. Análise do Conteúdo
Sellin-Fohrer fazem uma preciosa contribuição em perceber que "o poeta de Jó não aborda o problema da Teodicéia, sob a forma do sofrimento merecido do justo, ou sob a forma da justiça de Deus, em contraposição com a experiência humana. Isto estaria em contradição com o pensamento concreto e subjetivo do israelita. Também ele não apresenta pura e simplesmente um acontecimento. Pelo contrário: trata-se aí de um problema vital: o problema da existência humana vivida no sofrimento; trata-se da questão sobre o modo de proceder corretamente dentro dessa existência. Jó vive o comportamento que lhe parece possível e correto. Os amigos querem ensinar-lhe um comportamento que, no seu parecer, é o melhor, e Deus o coloca diante do problema decisivo no que respeita a seu comportamento. (...) A narrativa que enquadra o poema interpreta o sofrimento como provação do homem que deve, por este meio, confirmar a sua piedade que alimentar até então. Os amigos de Jó atribuem a infelicidade às culpas do homem, e o convidam a se desviar do mal, a se voltar humildemente para Deus e a se converter radicalmente. (...) Passando por cima de todas estas opiniões – as ortodoxas e as heréticas -, o poeta de Jó, que faz Deus condenar, inclusive, os amigos de Jó, apesar de sua fé imaculada, e recomendá-los à intercessão daquele Jó que antes parecia tão herético, parte em busca de sua própria solução, a qual atesta a profunda influência da fé profética: a atitude correta do homem no sofrimento é o silêncio humilde, na plena entrega de si mesmo, brotando da paz com Deus, e baseada não somente na intuição de que o sofrimento decorre de uma intervenção misteriosa, impenetrável, mas inteiramente lógica de Deus, mas também na certeza da comunhão com Deus, a qual faz com que tudo o mais seja secundário."[7]

8. Unidade
O livro demonstra uma unidade natural e estrutural.[8] Não há discussões relevantes quanto a este aspecto.

9. Fatos Interessantes
1. Jó é a maior de todas as obras dramáticas do AT.
2. Nenhum livro da Bíblia revela tanto da pessoa e do caráter de Satanás.
3. É citado explicitamente uma vez no NT (1 Co 3:19 – Jó 5:13).
4. Implica que a terra é esférica (22:14), pendurada no espaço (26:7).

Notas:
[1] C.F. Keil & F. Deltzch, Commentary on the Old Testament: Job-Psalms vol.5, p. 19 (Books for the Ages, 1997), CD-Master Library Christian 01/02, in loco.
[2] Gleason L. Archer, Merece Confiança o Antigo Testamento? (São Paulo, Edições Vida Nova, 1993), p. 410
[3] Edward J. Young, Introdução ao Antigo Testamento (São Paulo, Edições Vida Nova, 1963), pp. 334-338
[4] Clyde T. Francisco, Introdução ao Velho Testamento (São Paulo, JUERP, 1983), p. 216
[5] E. Sellin, G. Fohrer, Introdução ao Antigo Testamento (São Paulo, Edições Paulinas 1980), vol.II, p. 480
[6] Samuel J. Schultz, A História de Israel no Antigo Testamento (São Paulo, Ed. Vida Nova, 1995), p. 265
[7] E. Sellin, G. Fohrer, Introdução ao Antigo Testamento, vol. 2, pp. 496-497
[8] Aage Bentzen, Introdução ao Antigo Testamento (São Paulo, ASTE, 1968), vol. 2 pp. 197-202, considera a prosa e a maior parte das seções poéticas como uma unidade.

2 comentários:

tripoco disse...

muito bom esta sua introdução confesso que nunca entendi direito o livro de Jó alias este livro me causava muiyo mais duvidas do que certezas pois como no inicio de conversao era arminiano achava tremendamente injusto o que Jó tinha sofrido hj acredito ter uma segunrança maior sobre o assunto mas confesso que tenho muitissimas duvidas sobre este livro.Por favor me responda uma pergunta ele é o mais importante para uma compreensão da teodiceia ?

zelia disse...

Estou estudando o lv de Jó.Gostei muito das explicações abordadas p/tópico.São muitos misterios, q só saberemos na glória, mas pela fé aceitamos, mesmo não compreendendo. Vivendo pela fé sabemos q o sofrimento molda nosso carater, produz tb bons frutos e nos faz melhores após as provações,e depois olhamos p/ traz e vemos o agir do nosso Deus maravilhoso, que nos ajuda a carregar a cruz e nunca dá sofrimento maior do q possamos carregar. Obgda.Que Deus sp nos dê razões p/ adorá-lo cada vez mais.
Zélia