24 maio 2007

Teologia Bíblica ou Sistemática?

Este artigo é uma análise do livro Teologia Bíblica ou Teologia Sistemática - Unidade e diversidade no Novo Testamento de Donald A. Carson que propõe discutir a possibilidade de se produzir a teologia sistemática à partir da teologia bíblica. O assunto não é tão simples quanto parece, pois, no cenário acadêmico a teologia bíblica desde o seu nascimento até os dias de hoje não tem desfrutado de homogenia metodológica. De uma forma mais delimitada Carson expõe a questão da unidade e diversidade no Novo Testamento (que é o subtítulo).

O problema
D.A. Carson em seu relevante livro aborda um problema de prolegômena à teologia. A discussão envolve a possibilidade duma dogmática a partir da teologia bíblica. Para responder a esta questão Carson verifica a temática acerca da unidade e diversidade entre os documentos do Novo Testamento. Segundo o próprio autor o seu objetivo é "focalizar um número de obras representativas, primeiro descrevendo-as e depois criticando-as, para finalmente oferecer algumas reflexões úteis ao estudante que esteja convencido de que os documentos do NT são nada menos que a Palavra de Deus e que, no entanto, não possa deixar de, por amor à integridade, lutar com sua diversidade substancial."[1]

No capítulo 2, o autor analisa a obra de J.D.G. Dunn, Unity and Diversity in the New Testament: An Inquiry into the Character of Earliest Christianity. Carson declara que Dunn edifica o seu argumento sobre o alicerce de Bauer, sem fazer uma avaliação crítica dos pressupostos metodológicos e teológicos deste autor (p. 35). O Dr. Carson apresenta as suas críticas aos teólogos que negam a unidade do NT. E a sua conclusão é de que se realmente houver uma diversidade que anula a unidade que gera uma incoerência intransponível entre os autores, e até mesmo entre os seus escritos no NT, então a conseqüência óbvia é de que será impossível construir uma teologia sistemática a partir dos documentos neo-testamentários. D.A. Carson não ignora que existam outros especialistas, que assumem premissas divergentes da sua, e que neguem a relação possível entre a teologia bíblica e sistemática, colocando uma oposta à outra.

Embora estas disciplinas sejam metodologicamente diferentes, entretanto, elas são complementares como sugere Geerhardus Vos. Ele declara que "a Teologia Bíblica ocupa uma posição entre a Exesege e a Sistemática na enciclopédia das disciplinas teológicas. Ela difere da Teologia Sistemática, não porque seja mais bíblica, ou por aderir mais estritamente às verdades da Escritura, mas em que o seu princípio de organizar o material bíblico é mais histórico do que lógico. Considerando que a Teologia Sistemática usa a Bíblia como um todo completo e empenha-se em exibir o seu completo ensino numa forma ordenada e sistemática, a Teologia Bíblica divide os assuntos a partir da perspectiva histórica, buscando demonstrar o crescimento orgânico ou desenvolvimento das verdades da Revelação Especial da primitiva Revelação Especial pré-redentiva entregue no Éden até o fechamento do cânon do Novo Testamento."[2]

Outro autor mais recente observa que a teologia sistemática é o "estudo metodológico da Bíblia que analisa a Escritura Sagrada como uma completa revelação, em distinção das disciplinas de Teologia do Antigo Testamento, Teologia do Novo Testamento e Teologia Bíblica, as quais se aproximam das Escrituras como uma revelação progressiva. Deste modo, o teólogo sistemático analisa as Escrituras como uma revelação completa, buscando entender holisticamente o plano, propósito e a intenção didática da mente divina revelada na Sagrada Escritura, e organizar este plano, propósito e intenção didática de modo ordenado e apresentação coerente como artigos da fé cristã."[3]

Infelizmente há quem queira continuar a controvérsia entre as áreas de Sistemática e Bíblica. Diante desta preocupação metodológica Gordon J. Spykman exorta-nos dizendo que
este é o momento apropriado para deixar de lado este falso dilema. Como em toda ciência, assim também na teologia, existem certas divisões de trabalho que coincidem com certas linhas demarcatórias naturais, dentro do campo global. Discerne-se claramente uma diferença de tarefas. Então, fique estabelecido, tanto na teologia bíblica como na dogmática, que cada uma tem sua identidade e integridade. Cada uma tem seu próprio campo de estudo, seus próprios princípios organizadores e suas metodologias. Assim, ambas são chamadas a serem “bíblicas” no sentido de serem fiéis a Bíblia. O fato de que a teologia bíblica trabalhe mais diretamente com pressupostos bíblicos não é garantia de ser mais fiel às escrituras que a dogmática, ainda que, esta última talvez, trabalhe mais diretamente com os dados bíblicos. Juntas devem inclinar-se ante a autoridade da Palavra de Deus como norma vigente para ambas disciplinas. Ambas são respostas teológicas a essa norma permanente. Todavia, são diferentes em suas áreas de investigação, em suas ferramentas e estudo, nos resultados de seus respectivos estudos. Estas diferenças devem ser honradas.[4]

O próprio Carson sugere que “a teologia bíblica precisa ser sistemática, mesmo que focalize o lugar e o significado históricos de um segmento específico da Bíblia; e a teologia sistemática, se depender de exegese honesta, deve forçosamente depender de considerações históricas.”[5]

A proposta do autor
A proposta do autor não é desenvolver uma demonstração da unidade do NT (p. 47). Por isso, ele não entre em detalhes técnicos, nem concede exemplos expressivos, no entanto, ele pretende oferecer “uma série de reflexões relativas à possibilidade de estabelecer uma teologia sistemática com base em tais documentos de natureza tão diversa.”[6] Mas, ao conceber que exista uma diversidade no NT, Carson observa que “a ampla diversidade existente não pode, portanto, envolver contradição lógica ou histórica.”[7] As diferenças entre os autores do NT reflete apenas interesses e estilos literários de cada autor, respeitando o seu contexto histórico imediato, e o propósito da aplicação da mensagem.[8]

Carson observa que "para o teólogo sistemático conservador já é difícil o bastante quando ele se defronta com a diversidade do Novo Testamento, sem que ele tenha de enfrentar a reorganização dogmática da evidência literária segundo as linhas da ortodoxia crítica. Enquanto vários críticos acusam-no de construir uma teologia sistemática rígida que o força a distorcer sua exegese, ele pode ser perdoado se descobrir que os que o criticam estão reconstruindo a história da igreja e desenvolvimento o que em outro lugar eu denominei de “histomática”, distorcendo assim a exegese de maneira muito mais séria."[9]

Alguns pressupostos metodológicos são propostos por Carson, para tornar a teologia bíblica uma ferramenta possível para a dogmática: 1) a aceitação da autoridade das Escrituras Sagradas; 2) o uso de todo o cânon (66 livros) na formulação da teologia; 3) o reconhecimento da revelação progressiva como o modo que a Escritura foi entregue em seus diferentes períodos da história da salvação; 4) o reconhecimento duma diversidade complementar no NT; 5) a harmonização teológica dos temas do NT; a necessidade de cautela com as aparentes discrepâncias, e da investigação do propósito da linguagem.

A conclusão final de Carson é que "há uma unidade de pensamento que torna a teologia sistemática não apenas possível, mas necessária, e que a teologia moderna que questiona esse ponto de vista está metodológica e doutrinariamente deficiente. É difícil conceber como a teologia sistemática defendida neste ensaio seja possível a não ser que os documentos do Novo Testamento (e os do Antigo Testamento também) sejam verdadeiros e fidedignos; e é difícil conceber como os mesmos documentos possam ser verdadeiros e fidedignos sem que a teologia sistemática seja ao mesmo tempo possível e necessária."[10]

A leitura deste livro torna-se indispensável para os estudiosos da teologia. É uma obra necessária para a Introdução à Teologia, Teologia do Antigo Testamento, Teologia do Novo Testamento, e afins.

Sobre o autor
Donald A. Carson é professor especializado em Novo Testamento.[11] Ele exerce a sua docência no Trinity Evangelical Divinity School em Deerfield, Illinois, EUA. Atua nesta instituição teológica desde 1978. O Dr. Carson recebeu o seu título de Bacharel em Science in chemistry [B.Sc.] da McGill University, e o de Master of Divinity [M.D.] do Central Baptist Seminary em Toronto, e o seu Doctor of Philosophy [PhD] com especialização em Novo Testamento pela Cambridge University. O seu perfil teológico é batista calvinista de linha conservadora.[12]

Notas:
[1] Donald A. Carson, Teologia Biblica ou Teologia Sistemática (São Paulo, Edições Vida Nova, 2001), p. 13. A versão inglesa está disponível.
[2] Geerhardus Vos, Biblical Theology – Old and New Testament (Edinburgh, The Banner of Truth Trust, 2000), p. v-vi.
[3] Robert L. Reymond, A New Systematic Theology of the Christian Faith (Nashville, Thomas Nelson Publishers, 2a.ed.rev., 2001), pp. xxv-xxvi.
[4] Gordon J. Spykman, Teologia Reformacional: un Nuevo Paradigma para hacer la Dogmática (Jenison, TELL, 1994), p. 10.
[5] Donald A. Carson, Teologia Biblica ou Teologia Sistemática, p. 27.
[6] Donald A. Carson, op.cit., pp. 47.
[7] Donald A. Carson, op.cit., p. 30.
[8] Donald A. Carson, op.cit., p. 73.
[9] Donald A. Carson, op.cit.. 64-65.
[10] Donald A. Carson, op.cit., pp. 94-95.
[11] http://www.monergism.com/thethreshold/articles/bio/dacarson.html acessado em 17/05/2007.
[12] http://www.monergism.com/thethreshold/articles/onsite/carsonatonement.html .

Rev. Ewerton B. Tokashiki

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