Sola Scriptura: somente a Escritura Sagrada
Solus Christus: somente em Cristo
Sola gratia: somente a graça
Sola fide: somente a fé
Soli Deo gloria: somente a Deus toda glória
1. Somente a Escritura Sagrada: é a nossa única fonte e regra de fé e prática
O calvinismo possui o seu sistema doutrinário centrado na Escritura Sagrada. Desde a Reforma do século XVI foi ensinada a doutrina da sola Scriptura – ou seja, que a Escritura é a única fonte e regra de autoridade. Entretanto, a autoridade da Escritura resultado do fato dela ser a Palavra de Deus. John H. Armstrong corretamente observa que “a autoridade é encontrada no próprio Deus soberano. O Deus que ‘soprou’ as palavras por meio dos escritores humanos está por trás de toda afirmação, toda doutrina, toda promessa e toda ordem contidas na Escritura”.[1] Se rejeitarmos a Escritura Sagrada estamos desprezando a vontade preceptiva de Deus.
A Bíblia tem autoridade porque ela é revelação da vontade de Deus. Por isso, “as inspiradas Escrituras, revelando a vontade transcendente de Deus em forma escrita e objetiva, são a regra de fé e conduta através da qual Jesus exerce sua autoridade divina na vida do crente.”[2] Em outras palavras, esta doutrina significa que a base da nossa doutrina, forma de governo de igreja, culto e todas as esferas da vida, não se fundamentam no tradicionalismo, no subjetivismo, no relativismo, no pragmatismo, ou no pluralismo, mas é extraída somente na Escritura Sagrada. Cremos que suficientemente ela é a verdade absoluta, porque somente a Escritura é a Palavra de Deus (2 Tm 3:16-17; 2 Pe 1:19-20).
2. Somente Cristo: o único mediador da nossa salvação
O nosso Senhor Jesus se fez um de nós para ser o nosso substituto. Ele é o nosso único representante diante de Deus. O Pai firmou o pacto da redenção que estipulava que o Filho viesse ao mundo para cumprir a sua vontade (Jo 4:34; 6:38-40; 10:10). A Confissão de Fé de Westminster declara que
aprouve a Deus em seu eterno propósito, escolher e ordenar o Senhor Jesus, seu Filho Unigênito, para ser o Mediador entre Deus e o homem, o Profeta, Sacerdote e Rei, o Cabeça e Salvador de sua Igreja, o Herdeiro de todas as coisas e o Juiz do Mundo; e deu-lhe desde toda a eternidade um povo para ser sua semente e para, no tempo devido, ser por ele remido, chamado, justificado, santificado e glorificado.[3]
Não temos outro mediador pelo qual possamos ser reconciliados com Deus, a não ser Jesus Cristo (At 4:11-12; 1 Tm 2:5). A sua obra lhe confere autoridade para declarar justo todos quantos o Pai lhe deu (Jo 6:37,39,65). Toda a obra expiatória de Jesus é suficiente para a nossa salvação (Rm 8:1). Somente através da perfeita obra de Cristo seremos salvos. A nossa culpa e merecida condenação caiu sobre ele (Hb 2:10). A sua obediência ativa cumpriu todas as exigências da Lei, bem como submetendo passivamente à condenação, fez com que pela sua humilhação, obtivesse plena satisfação da justiça de Deus. O Pai retirou o seu consolo e derramou sobre Cristo a sua ira divina, punindo nele o nosso pecado. As nossas iniquidades estavam sobre o Filho, e a justa ira de Deus veio sobre o nosso pecado na cruz (Hb 2:10). Jesus tornou-se amaldiçoado em nosso lugar sobre o madeiro (2 Co 5:21). O Filho de Deus sofreu os tormentos do inferno intensivamente na cruz, o que sofreríamos extensivamente na eternidade. Cremos que a sua morte expiatória na cruz satisfez a justiça de Deus e, eliminou completamente a nossa condenação futura (Rm 3:24-25), redimindo-nos de todos os nossos pecados (Ef 1:7).
3. Somente a graça: a única causa da nossa aceitação
Cremos que a salvação do homem não é resultado de algum mérito pessoal (Rm 3:20, 24, 28; Ef 2:1-10). Todo ser humano possui uma disposição moral totalmente corrompida, de modo que, ele é incapaz de satisfazer perfeitamente a Lei de Deus (Tg 2:8-10). O empenho de merecer a salvação pelas boas obras somente resulta em condenação. Sem a graça a nossa predisposição natural é somente para o pecado (Rm 7:13-25).
A Escritura nos revela que todo ser humano em seu estado natural é inimigo de Deus (Rm 3:23; 5:10). O teólogo puritano Stephen Charnock observou que “todo pecado é uma espécie de amaldiçoar a Deus no coração. O homem tenta destruir e banir Deus do coração, não realmente, mas virtualmente; não na intenção consciente de cada iniquidade, mas na natureza de cada pecado.”[4] A dureza de coração lhe é normal, porque ele está rígido como uma pedra (Ez 36:26-27).
O livre arbítrio perdeu-se com a Queda.[5] Esta capacidade de agir contrário à própria natureza foi perdida com a escravidão do pecado. No início, Adão criado em santidade, foi capaz de escolher contrário à sua inclinação natural de perfeita santidade e, decidiu pecar. O primeiro homem livremente passou a agir de acordo com a escravidão dos desejos mais fortes da sua alma corrompida pela iniquidade. Ele é livre, mas a sua liberdade é usada tendenciosamente para pecar conforme os impulsos de sua inclinação para o pecado. Se ele for deixado para si mesmo, ele sempre agirá de acordo com a sua disposição interna, ou seja, naturalmente escolherá pecar (Rm 1: 24-32; 3:9-18; 7:7-25; Gl 5:16-21; Ef 2:1-3).
A nossa salvação é resultado da ação da livre e soberana graça do nosso Deus. A Confissão de Fé de Westminster declara que
todos aqueles que Deus predestinou para a vida, e só esses, é ele servido, no tempo por ele determinado e aceito, chamar eficazmente pela sua palavra e pelo seu Espírito, tirando-os por Jesus Cristo daquele estado de pecado e morte em que estão por natureza, e transpondo-os para a graça e salvação. Isto ele o faz, iluminando os seus entendimentos espiritualmente a fim de compreenderem as coisas de Deus para a salvação, tirando-lhes os seus corações de pedra e dando lhes corações de carne, renovando as suas vontades e determinando-as pela sua onipotência para aquilo que é bom e atraindo-os eficazmente a Jesus Cristo, mas de maneira que eles vêm mui livremente, sendo para isso, dispostos pela sua graça.[6]
Somente a ação soberana e eficaz do Espírito Santo é capaz de regenerar corações implantando uma nova disposição santa. O resultado é a libertação da escravidão do pecado. Esta obra Deus a realiza pela graça somente.
4. Somente a fé: é o único instrumento de posse da nossa salvação
A fé é o meio normal pelo qual o Espírito Santo aplica o processo da salvação nos eleitos. Entretanto, devemos lembrar que a fé é dom de Deus e não uma virtude humana (Rm 4:5; 10:17; Ef 2:8-9; Fp 1:9). O Breve Catecismo de Westminster define este dom: “fé em Jesus Cristo é uma graça salvadora, pela qual o recebemos e confiamos só nele para a salvação, como ele nos é oferecido no Evangelho.”O Catecismo de Heidelberg esclarece que
a verdadeira fé é a convicção com que aceito como verdade tudo aquilo que Deus nos revelou em sua Palavra. É também a firme certeza de que Deus garantiu – não só aos outros como também a mim – perdão de pecados, justiça eterna, e salvação por pura graça e somente pelos méritos de Cristo. O Espírito Santo realiza essa fé em meu coração por meio do evangelho.[7]
Por isso, a teologia reformada entende que a verdadeira fé é o resultado de um iluminado conhecimento, da plena concordância verdade e da firme confiança na Palavra de Deus.
A justificação vem pela fé somente na obra de Cristo. Nenhum homem pode ser salvo, a não ser que creia na expiação realizada por Cristo, confiando exclusivamente nele (Rm 1:17; Tt 3:4-7; 1 Jo 5:1). A justiça de Cristo que é imputada sobre nós concede, garante e mantém-nos aceitos na comunhão eterna de Deus.
A verdadeira fé conduz as boas obras que evidenciam a salvação e glorificam a Deus. A salvação é pela fé somente, mas a fé salvadora nunca está sozinha. A fé salvadora produz amor prático ao próximo, santidade pessoal em obediência à Palavra de Deus. A Escritura Sagrada declara que “pois somos feitura dele, criados em Cristo Jesus para boas obras, as quais Deus de antemão preparou para que andássemos nelas” (Ef 2:10).
5. Somente a Deus toda glória: o único objetivo da nossa salvação
Cremos no único Deus, que é Senhor da história e do universo, “que faz todas as coisas segundo o conselho da sua vontade” (Ef 1:11). É nossa convicção que a finalidade principal da vida não é necessariamente o bem-estar, a saúde física, a prosperidade, a felicidade, ou mesmo a salvação do homem, mas, a glória de Deus e na manifestação de todos os seus atributos. Johannes G. Vos comentando o Catecismo Maior de Westminster observa que “quem pensa em gozar a Deus sem o glorificar corre o risco de supor que Deus existe para o homem, e não o homem para Deus. Enfatizar o gozar a Deus mais do que o glorificar a Deus resultará num tipo de religião falsamente mística ou emocional.”[8] Deus não existe para satisfazer as necessidades do homem, embora ele o faça por amor de si mesmo (Ez 20:14). O homem foi criado para o louvor da glória de Deus (Rm 11:36; Ef 1:6-14).[9]
É verdade que a glória de Deus transcende ao nosso entendimento, mas ela pode ser percebida pela sua manifestação na criação e pela revelada Palavra da Deus. João Calvino no início de suas Institutas escreve que
a soma total da nossa sabedoria, a que merece o nome de sabedoria verdadeira e certa, abrange estas duas partes: o conhecimento que se pode ter de Deus, e o de nós mesmos. Quanto ao primeiro, deve-se mostrar não somente que há um só Deus, a quem é necessário que todos prestem honra e adorem, mas também que Ele é a fonte de toda verdade, sabedoria, bondade, justiça, juízo, misericórdia, poder e santidade, para que dele aprendamos a ouvir e a esperar todas as coisas. Deve-se, pois, reconhecer, com louvor e ação de graças, que tudo dele procede.[10]
Mas, por que a nossa felicidade depende da glória de Deus? Simplesmente porque a nossa dignidade e satisfação dependem de vivermos sem a insensatez, vícios e destruição causados pelo pecado. Somente quando obedecemos à vontade de Deus, segundo as Escrituras, podemos andar aceitáveis em sua presença e desfrutar dos benefícios das suas promessas. Aurélio Agostinho em sua obra Confissões declarou que “Tu o incitas para que sinta prazer em louvar-te; fizeste-nos para ti, e inquieto está o nosso coração, enquanto não repousa em ti.”[11] Assim, quanto maior for a nossa satisfação em Deus, ele será mais glorificado em nós!
O soberano Senhor não compartilha a sua glória com ninguém! O nosso orgulho é uma ofensa gravíssima ao nosso Deus. Não é em vão que ele denúncia a sua rejeição aos soberbos (Tg 4:6-10). Somente ele é o Altíssimo, enquanto o pecador consegue em suas fúteis pretensões ser apenas uma ilusória altivez. Não podemos esquecer de que somos chamados para ser servos do seu reino, e de que toda a abrangência de nossa vida está ao seu serviço (Rm 11:36).
O profeta Jeremias disse que "assim diz o SENHOR: não se glorie o sábio na sua sabedoria, nem se glorie o forte na sua força; não se glorie o rico nas suas riquezas; mas o que se gloriar, glorie-se nisto: em entender, e em me conhecer, que eu sou o SENHOR, que faço benevolência, juízo e justiça na terra; porque destas coisas me agrado, diz o SENHOR." (Jr 9:23-24). Assim, em compromisso, confessamos que “porque dele, e por meio dele, e para ele são todas as coisas. A ele, pois, a glória eternamente. Amém.” (Rm 11:36).
NOTAS:
[1] John H. Armstrong, “A autoridade da Escritura” in: Bruce Bickel, ed., Sola Scriptura numa época sem fundamentos, o resgate do alicerce bíblico (São Paulo, Editora Cultura Cristã, 2000), p. 90.
[2] Carl F.H. Henry, “A autoridade da Escritura” in: Philip W. Comfort, ed., A origem da Bíblia (Rio de Janeiro, CPAD, 1998), p. 28.
[3] Confissão de Fé de Westminster VIII.1.
[4] Stephen Charnock, The Existence and the Attributes of God (Grand Rapids, Baker Books, 2000), vol. 1, p. 93.
[5] A tradição agostiniana/calvinista interpreta a doutrina do livre arbítrio da seguinte forme: “o livre arbítrio é dividido em quatro modos, por causa dos quatro estados do homem. No primeiro estado a vontade do homem era livre para o bem e para o mal. No estado caído o homem é livre somente para o mal. O homem nascido de novo, ou o homem em estado de graça, é livre do mal e para o bem, pela graça de Deus somente, mas imperfeitamente. No estado de glória ele será perfeitamente livre do mal para o bem. No estado de inocência o homem era capaz de não pecar [posse non peccare]. No estado de miséria ele é incapaz de não pecar. No estado de graça, o pecado não pode governar o homem. No estado de glória ele se tornará incapaz de pecar.” Johannes Wollebius, Compendium Theologicae Christianae in: John W. Beardslee III, ed., Reformed Dogmatics (Grand Rapids, Baker Books, 1977), p. 65. Este manual de teologia de Wollebius [1586-1629] influenciou os teólogos que elaboraram os Padrões de Westminster.
[6] Confissão de Fé de Westminster, X.1.
[7] Catecismo de Heidelberg, Domingo 7, perg./resp. 21.
[8] Johannes G. Vos, Catecismo Maior de Westminster Comentado (Editora Os Puritanos), pág. 32.
[9] Breve Catecismo de Westminster, perg./resp. 1.
[10] João Calvino, Institutas, (edição estudo de 1541), vol. I, p. 55.
[11] Santo Agostinho, Confissões(Editora Paulus), vol. 10, p. 19.
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