O teólogo reformado Johannes Wollebius ainda é desconhecido pela maioria dos leitores brasileiros. Numa busca rápida na internet pode-se perceber que são poucos os textos encontrados em português, quer artigos publicados ou traduzidos acerca deste reformador.[1] O fato é que o período dos séculos XVI e XVII ainda é uma área de pesquisa, em geral, pouco explorada entre os teólogos de nosso país. O Dr Heber C. Campos Jr, dentre os reformados brasileiros, é um pioneiro no desbravamento da produção acadêmica do protestantismo escolástico, inclusive atraindo outros pesquisadores para este amplo campo de estudo. Apesar de ter em minha biblioteca o Compendium Theolociae Christianae[2] de Wollebius desde 2009, foi no módulo “Puritanismo e Protestantismo Escolástico” realizado em 2013 no CPAJ, que interessei em conhecê-lo a fim de produzir um artigo como exigência daquela disciplina. Confesso que fiquei motivado a traduzi-lo após descobrir a sua relevância para entendermos o cenário teológico antecedente a Assembleia de Westminster.
Por que ler Wollebius? John W. Beardslee III oferece em sua introdução uma breve descrição da importância da obra
Johannes Wollebius (1586-1629) nasceu e foi educado em Basiléia, onde se tornou pastor em 1611, e professor de Antigo Testamento e pregador da catedral em 1618. O Compendium Theologicae Christianae foi publicado em 1626, sendo várias vezes, reimpresso em Latim (Basiléia, 1634; Amsterdã, 1638; 1642; Oxford, 1657; Londres, 1760), e foi traduzido para o holandês e inglês. Ernst Bizer quem reeditou o original em nossa geração, poderia agora prevenir-nos contra superestimar a sua importância, concordando com diversos historiadores do século XIX, mas não seria possível negar que seu extenso uso durante o século XVII, a sua brevidade, clareza e fidelidade, não fosse uma positiva expressão característica dos teólogos reformados nos tempos do Sínodo de Dort e que poderia manter esta afirmação concedendo-lhe o título por considera-lo como uma avenida para uma completa descrição do entendimento “ortodoxo” aceito pela Fé Reformada – o “que comumente é ensinado com aceitação em nossas igrejas” e que pode ser encontrado em Voetius, Turretin e igualmente em outros.[3]
Nesta breve nota introdutória algumas informações foram omitidas por Beardslee III que precisam ser acrescidas à importância deste manual de dogmática.[4] Após a sua primeira publicação, em 1626, em Basiléia, ela se tornou em várias universidades reformadas da Europa o livro-texto tanto para dogmática como para o ensino de ética. Assim, o seu Compendium foi um dos mais influentes manuais de dogmática na formação de teólogos no século XVII.
Os teólogos reformados necessitam conhece-lo, em especial, por causa da sua influência sobre os divines da Assembleia de Westminster. Wollebius oferece de modo preciso, conciso e perspicaz várias definições que permanecem na linguagem dos Padrões de Westminster. É fato, que a precisão nas definições e maturidade teológica dos teólogos da Assembleia de Westminster muitíssimo supera a Wollebius, mas, é evidente a sua dívida a ele.
O período do protestantismo escolástico padece de um preconceito negativo que precisa ser revisado. Infelizmente repousa sobre os teólogos do século XVII o estigma de serem áridos e apegados a sutilezas conceituais. Entretanto, uma leitura nos seus escritos, mesmo que superficial, revela algo surpreendente. Em especial porque neste período os puritanos eram homens de marcante piedade, zelosos pela pregação expositiva e a observância da santidade aplicada a todas as esferas da vida e sociedade. Este manual de teologia de Wollebius desmitifica essa deformada caricatura. A sua linguagem é cheia de citações das Escrituras, e por vezes, oferecendo a sua própria tradução dos originais, demonstrando boa exegese, e uma linguagem piedosa na construção de seus argumentos. Há ainda uma preocupação na área da teologia prática, tanto no conteúdo dogmático, como na parte em que ele interpreta e aplica o decálogo. É um excelente sumário da teologia reformada do período do protestantismo escolástico, e isto justificou a sua adoção em várias universidades na Europa no século XVII.
O retorno aos textos clássicos é uma necessidade nestes tempos de reiterado interesse pelo Calvinismo. Diante do perigo de descuidadas redefinições, que por vezes são confusas e imprecisas, torna-se urgente um retorno aos autores clássicos. Termos como Neocalvinismo, Novo Calvinismo, Calvinismo Moderado, dentre outros, representam versões revisionistas, subdivisões ou desvios do tronco principal. Em muitos casos há o real risco de afastamentos, como o Amiraldianismo e Arminianismo, que em seu surgimento alegavam serem intérpretes fiéis da teologia calvinista. É neste aspecto que ler os clássicos é ter acesso aos passos de maturidade que a Igreja Reformada deu em sua imponente jornada na história da teologia, e assim, evitando se perder nestas ramificações distorcidas.
DA TRADUÇÃO
A primeira tradução para a língua inglesa apareceu em 1650. Alexander Ross publicou o Compendium sob o título de Abridgement of Christian Divinitie, em Londres.[5]
A tradução de Beardslee III surgiu em 1965. Ela obteve várias publicações, inclusive por diferentes editoras, todavia, está esgotada. Beardslee III baseou a sua tradução no texto latino, holandês e na versão de Alexander Ross. Esta tradução preserva algumas palavras ou expressões latinas, e obviamente alguns termos tem uso técnico e precisam ser entendidos segundo o uso original.[6] O mesmo ocorre quando Wollebius cita alguma palavra hebraica ou grega. A tradução de Beardslee III é melhor que a de Ross, por ser num inglês moderno, e por oferecer notas explicativas, bem como a sua diagramação torna mais clara a apresentação do conteúdo.
A minha tradução foi realizada a partir do texto de Beardslee III. Todavia, simultaneamente comparei com o texto de Ross, a fim revisar e, quando necessário, acrescentar notas explicativas onde estes tradutores divergiam. Nas poucas vezes em que me deparei com uma aparente discrepância entre ambos, recorri ao texto latino para conferir a exatidão das traduções.[7] Acusei nalgumas notas quais foram as diferentes nuanças na tradução de um ou do outro, bem como outras notas foram adicionadas para explicar personagens ou movimentos da história da teologia. Quando o autor cita a Escritura Sagrada, normalmente uso a versão Almeida Revista e Atualizada [ARA da SBB], a não ser quando o versículo em questão é tradução de Wollebius, ou possuí uma explicação de Beardslee III em algum aspecto gramatical original. Assim, nestes casos para distinguir não uso a sigla ARA a fim de preservar a tradução original em inglês.
Tenho esperança de que o texto se torne acessível ao maior número possível de leitores. Até agora Wollebius é desconhecido pela maioria de nós, e a sua importância igualmente ignorada. Creio que a sua influência outrora sobre os teólogos puritanos do século XVII pode contribuir para um refinamento no pensamento cristão do século XXI. Por isso decidi torná-lo acessível aos que apreciam a teologia reformada em sua fonte, mas que por causa da limitação do idioma, ou acesso ao texto original, são impossibilitados de lê-lo. Sirvamo-nos deste rico legado da teologia reformada.
A minha oração é que o Senhor Deus com a sua rica graça novamente use este precioso livro para fortalecer a fé do seu povo.
NOTAS:
[1] Em inglês também há escassez de pesquisa e produção de artigos sobre a sua pessoa ou obra, sendo R.S. Clark uma das exceções.
[2] O título completo em latim é Compendium Theologiae Christianae Accurata Methodo Sic Adornatum. Doravante apenas Compendium e a indicação da página. A edição mencionada é a publicada pela Baker Book House de 1977.
[3] Veja o prefácio de John W. Beardslee III, Reformed Dogmatics, pp. 10-11.
[4] W. Hadorn, “Wolleb, Johannes” in: Samuel M. Jackson, ed., The New Schaff-Herzog Encyclopedia of Religious Knowledge (Grand Rapids, Baker Book House, 1950), p. 407.
[5] Esta versão se encontra disponível na internet.
[6] Recomendo Richard Muller, Dictionary for Latin and Greek Theological Terms (Baker Books).
[7] Uso o texto latino publicado em Amsterdã, de 1655, disponibilizado digitalmente pela Bayer Staatsbibliothek [Biblioteca Estatal de Bayer].