03 outubro 2024

As lágrimas de Cunhaú

 Hoje, 3 de outubro, temos um feriado em referência a beatificação de pessoas da religião romanistas, estas morreram num ataque indígena em  Cunhau e Uruaçu no século 17. Existem alguns grupos que, de má fé,  defendem a história de que um pastor reformado calvinista a mando do governo holandês, realizou esse ataque. Como reformados calvinistas no Rio Grande do Norte que somos, temos como responsabilidade manter a honra dos irmãos do passado. É nossa responsabilidade contar a história como de fato ocorreu, sem paixões ou preferências. 

O pesquisador e pastor Francisco Leonardo, especialista em história holandesa, teve acesso a textos originais e oficiais que se encontram nos registros históricos do Governo Holandês. Com base em registros históricos, ele levanta três pontos que afastam a teoria de que um pastor reformado foi algoz em Cunhau e Uruaçu. 

1. Em primeiro lugar, cumpre observar que não foi o governo holandês que ordenou a chacina. O que ocorreu foi uma vingança por parte dos indígenas em reação às notícias que corriam sobre as crueldades dos portugueses, ajudados por uma tribo selvagem da Bahia. Desde o início da revolta (13-06-1645), cada vez ficava mais claro que, onde quer que os portugueses restabeleciam seu poder, uma morte terrível esperava seus adversários, especialmente os índios.Conseqüentemente, os “brasilianos” (como eram chamados os índios tupis) refugiaram-se nas proximidades das fortificações holandesas, consideradas inexpugnáveis. Outros decidiram evitar o desastre aparentemente inevitável e pegaram em armas. Foi isto que aconteceu no Rio Grande do Norte, em Cunhaú. No Rio Grande, a população indígena consistia em grande parte de índios antropófagos (tapuias), sob a liderança do seu cacique Nhanduí. Para os holandeses, os tapuias significavam um bando de aliados um tanto inconstantes, pois eram um povo muito independente, que não aceitava ordens de ninguém, mas decidia por si o que era melhor para sua tribo. Um tal de Jacob Rabe, casado com uma índia e muito amigo da tribo, servia como ligação entre eles e o governo holandês.Entre os indígenas do extremo Nordeste em geral existia um grande ódio contra os portugueses, sem dúvida pela lembrança dos acontecimentos anteriores à chegada dos holandeses, que eram considerados como os libertadores da opressão lusa. E por várias vezes esses índios quiseram aproveitar-se da situação de derrota dos lusos, para vingar-se deles. Assim, em 1637, depois de Maurício de Nassau conquistar o Ceará, os índios procuraram matar todos os portugueses da região, que foram protegidos pelos holandeses por meio das armas. A mesma coisa aconteceu no Rio Grande do Norte, em 1645. Os tapuias sentiram que, com o início da revolta contra os holandeses, havia chegado a hora da verdade: eram eles ou os portugueses. No dia 15 de julho, começaram por Cunhaú, massacrando as pessoas que estavam na capela e posteriormente, numa luta armada, os restantes.

2. Em segundo lugar, de fato o nome de um pastor protestante está ligado a esse episódio. Porém, de modo exatamente contrário daquele que se supõe, porquanto não foi ele quem orientou a chacina, antes foi enviado pelo governo para refrear a selvageria dos silvícolas. Quando, no dia 25 de julho, o governo holandês no Recife soube dos terríveis acontecimentos do Rio Grande do Norte, despachou o Rev. Jodocus à Stetten, pastor da Igreja Cristã Reformada e capelão do exército, com o capitão Willem Lamberts e sua tropa armada “para refrear os tapuias e trazê-los para (o Recife), a fim de poupar o país e os moradores (portugueses)”. Os índios, porém, ficaram enfurecidos com os holandeses, não entendendo como estes podiam defender seus inimigos mortais, e até romperam a frágil aliança com os batavos. Antes de regressar para o sertão do Rio Grande, fizeram ainda outra incursão vingadora contra os portugueses, desta vez na Paraíba.

3. Em terceiro lugar, é importante lembrar o fim dos tapuias e de Jacob Rabe. Alguns meses depois do massacre, esse funcionário da Companhia das Índias Ocidentais, que havia recebido o mensageiro governamental, pastor Jodocus, de pistola em punho, foi morto por ordem do próprio governador da capitania do Rio Grande do Norte, Joris Garstman. O capitão Joris era casado com uma senhora portuguesa que havia perdido muitos parentes em Cunhaú. Quanto aos tapuias, após a expulsão dos holandeses e a restauração do domínio português, aqueles que não quiseram submeter-se à orientação político-religiosa de Lisboa foram massacrados, como diz o Dr. Tarcísio Medeiros, na “mais sangrenta guerra de extermínio que existiu neste Brasil”.

Conclusão

Esses três fatos complementares não diminuem em nada o sofrimento dessas vidas inocentes esmagadas pelos rolos compressores de uma luta armada. Porém, talvez possam eliminar em parte o veneno da história, por nos permitirem entender melhor o contexto daqueles dias cheios de angústia para ambos os lados. Escrever história objetivamente é muito difícil, mais ainda quando se trata de um caso controvertido como este, com muitos pormenores desconhecidos. Mas afirmar, como foi feito por certos porta-vozes, que as barbaridades de Cunhaú foram perpetradas a mando do próprio governo holandês, e ainda por cima orientadas por um pastor evangélico, simplesmente não corresponde à verdade. Convém distinguir os fatos e a interpretação dos fatos. O que não atenua, antes aumenta a nossa ansiosa expectativa do dia em que o Senhor enxugará todas as lágrimas, inclusive as de Cunhaú (Ap 7.17).


Rev. Francisco Leonardo Schalkwijk

(Adaptação Rev. Italo Reis)

Vote com consciência cristã

O nosso país realizará eleições municipais no próximo domingo. Você poderá exercer um dos seus deveres cívicos escolhendo em quais candidatos votar. Cada pessoa tem a liberdade, de acordo com as suas convicções, de escolher em quem votar. Somos cristãos presbiterianos e, por isso, observamos alguns princípios bíblicos, de modo que a nossa consciência e o nosso testemunho público glorifiquem a Deus. Permita-me apresentar alguns princípios históricos que seguimos, enquanto presbiterianos.

Cremos que há uma relação de equidistância entre Igreja e Estado, onde cada esfera tem a sua autonomia, embora haja alguma interação e, ao mesmo tempo, não interferência direta de uma esfera na outra. A Igreja nunca é um serviço do Estado, nem dependente do poder civil para a sua existência ou atuação. Entretanto, a Igreja tem “a voz profética”, segundo a Escritura, para denunciar, reclamar e declarar a vontade de Deus sobre todas as ações sociais ou falhas do Estado. A cosmovisão bíblica nos leva a entender as prerrogativas, deveres e limites de cada esfera, e que todas as esferas estão debaixo da autoridade de Cristo!

Oramos pelos governantes em todos os três poderes.  Isso não significa que endossamos todas as suas motivações, ideologias ou as ações deles. Obviamente reprovamos a corrupção e desvios de verba pública, rejeitamos ideologias anticristãs ou o favorecimento ilícito e imoral de qualquer grupo. Cremos que o governo civil tem como prioridade promover a boa ordem social, a justiça comum e a segurança pública.

Temos o compromisso da obediência civil. Isso não significa que concordemos com tudo o que o governo, quer municipal, estadual ou federal faça. Enquanto o governo civil agir de acordo com os preceitos bíblicos, somos devedores de obediência; todavia, somos chamados à desobediência civil se em algum momento uma autoridade pública nos impedir de obedecer a Deus, pois, “antes, importa obedecer a Deus do que aos homens” (At 5.29).  O nosso compromisso com o ensino da Escritura Sagrada exige que nos posicionemos contra ideias, práticas e, até mesmo, contra políticos que sejam inimigos do evangelho e da Igreja de Cristo.

O presbiterianismo nunca foi apolítico. Isso não significa que abraçamos a política com uma bandeira partidária ou que cedamos nossos púlpitos à candidatos ou a políticos em exercício de mandato. Rejeitamos essa postura eleitoreira de algumas denominações e líderes eclesiásticos. Defendemos ideias que promovam a liberdade, a propriedade privada, a família, valores morais cristãos, boa ordem social etc.; assim, temos, exercemos e expressamos opiniões políticas que sejam coerentes com nossas doutrinas cristãs. Igualmente, rejeitamos ideias e agendas políticas que vão contra a fé cristã.

Somos chamados a exercer a liberdade de consciência. A nossa consciência e a nossa liberdade são submissas à princípios cristãos. A Confissão de Fé de Westminster declara que

Aqueles que, sob o pretexto de liberdade cristã, cometem qualquer pecado ou toleram qualquer concupiscência, destroem, por isso mesmo, o propósito da liberdade cristã; pelo contrário, sendo livres das mãos de nossos inimigos, sem medo sirvamos ao Senhor em santidade e justiça, diante dele, todos os dias de nossa vida. [CFW 20.3].

 Não impomos um nome ou partido em quem você deve votar. Além de ser criminoso é algo imoral, mas precisamos lembrá-lo do seu compromisso de exercer a cidadania com consistência cristã e fidelidade ao ensino bíblico. Por exemplo, é incoerente orar pela vida e apoiar políticos que seguem uma agenda abortista, orar pela segurança dos nossos filhos e votar em candidatos que, abertamente, defendem a ideologia de gênero, o exercício imoral da sexualidade ou propostas políticas danosas para a família. Se somos cristãos por convicção, igualmente, sejamos em nossa consciência política e em nosso voto. Não se esqueça que “quando os justos se engrandecem, o povo se alegra, mas quando o ímpio domina, o povo geme (Pv 29.2).

02 outubro 2024

A bula Inter Caetera [4 de maio de 1493]

O contexto histórico[1]

 A descoberta de Cristovam Colombo, em 1492, de terras supostamente asiáticas nos mares ocidentais ameaçou as relações instáveis ​​entre os reinos de Portugal e Castela, que vinham disputando posição e posse de territórios coloniais ao longo da costa africana por muitos anos. O rei de Portugal afirmou que a descoberta estava dentro dos limites estabelecidos nas bulas papais de 1455, 1456 e 1479. O rei e a rainha de Castela contestaram isso e buscaram uma nova bula papal sobre o assunto.

O papa Alexandre VI, natural de Valência e amigo do rei castelhano, respondeu com três bulas, datadas de 3 e 4 de maio, que eram altamente favoráveis ​​a Castela. Embora bulas posteriores tenham sido emitidas sobre o assunto da rivalidade colonial portuguesa e espanhola, a bula Inter caetera tornou-se um documento importante no desenvolvimento de doutrinas legais subsequentes sobre reivindicações de império no “novo mundo”. A bula atribuiu a Castela o direito exclusivo de adquirir território, negociar ou mesmo se aproximar das terras situadas a oeste do meridiano situado cem léguas a oeste das Ilhas dos Açores e Cabo Verde. No entanto, uma exceção foi feita para quaisquer terras realmente possuídas por qualquer outro príncipe cristão além deste meridiano antes do Natal de 1492. A bula Inter caetera resultaria no Tratado de Tordesilhas, editado em 1494.

 

O texto

 Alexandre, bispo, servo dos servos de Deus, aos ilustres soberanos, nosso muito querido filho em Cristo, Fernando, rei, e nossa mui querida filha em Cristo, Isabel, rainha de Castela, Leon, Aragão, Sicília e Granada, saúde e bênção apostólica. Entre outras obras bem agradáveis ​​à divina majestade e estimadas de nosso coração, esta seguramente ocupa o lugar mais alto, que em nossos tempos, especialmente, a fé católica e a religião cristã sejam exaltadas e sejam em todos os lugares aumentadas e divulgadas, que a saúde das almas seja cuidada e que as nações bárbaras sejam dominadas e trazidas à própria fé. Portanto, visto que, pelo favor da clemência divina, nós, embora com méritos insuficientes, fomos chamados a esta santa Sé de Pedro, reconhecendo que, como verdadeiros reis e príncipes católicos, como sempre soubemos que vocês são, e como seus ilustres feitos já conhecidos por quase todo o mundo declaram, vocês não apenas desejam ansiosamente, mas com todo esforço, zelo e diligência, sem levar em conta dificuldades, despesas, perigos, com o derramamento até mesmo de seu sangue, estão trabalhando para esse fim; reconhecendo também que vocês há muito dedicaram a esse propósito toda a sua alma e todos os seus esforços — como testemunhado nestes tempos com tanta glória ao Nome Divino na recuperação do reino de Granada do jugo dos sarracenos —, portanto, somos corretamente levados e consideramos nosso dever conceder-lhes, de nossa própria vontade e em seu favor, aquelas coisas pelas quais, com esforço cada dia mais intenso, vocês sejam habilitados para a honra do próprio Deus e a propagação da regra cristã, a levar adiante seu santo e louvável propósito, tão agradável ao Deus imortal.

Somos cientes, de fato, que vocês, durante muito tempo têm a intenção de procurar e descobrir certas ilhas e continentes remotos e desconhecidos e até então não descobertos por outros, com o fim de levar ao culto de nosso Redentor e à profissão da fé católica seus moradores e habitantes, tendo estado até o momento muito empenhados no cerco e recuperação do próprio reino de Granada, não puderam realizar este santo e louvável propósito; mas, tendo o referido reino finalmente sido reconquistado, como era do agrado do Senhor, vocês, com o desejo de realizar seu desejo, escolheram nosso amado filho, Cristovam Colombo, homem seguramente digno e das mais altas recomendações e apto para tão grande empreendimento, a quem forneceram navios e homens equipados para semelhantes projetos, não sem as maiores dificuldades, perigos e despesas, para fazer diligente busca por estes continentes e ilhas remotos e desconhecidos através do mar, onde até então ninguém havia navegado; e, finalmente, com ajuda divina e com a máxima diligência navegando no mar oceano, descobriram certas ilhas mui remotas e até mesmo continentes que até então não tinham sido descobertos por outros; onde moram muitos povos vivendo em paz e, como relatado, andando sem roupa e não comendo carne. Além disso, como seus enviados supracitados são da opinião, esses mesmos povos que vivem nessas referidas ilhas e países creem em um Deus, o Criador no céu, e parecem suficientemente dispostos a abraçar a fé católica e ser treinados nos bons costumes. Então, espera-se que, se eles forem instruídos, o nome do Salvador, nosso Senhor Jesus Cristo, será facilmente introduzido nos referidos países e ilhas. Além disso, em uma das principais dessas ilhas supracitadas, o dito Cristovam já fez com que fosse montada e construída uma fortaleza bastante equipada, onde ele instalou como guarnição certos cristãos, companheiros seus, que devem fazer buscas por outras ilhas e continentes remotos e desconhecidos.

Nas ilhas e países que foram descobertos são encontrados ouro, especiarias e muitas outras coisas preciosas de diversos tipos e qualidades. Portanto, como convém a reis e príncipes católicos, após consideração séria de todos os assuntos, especialmente da ascensão e disseminação da fé católica, como era o costume de seus ancestrais, reis de memória renomada, vocês se propuseram com o favor da clemência divina a conduzir sob seu domínio os referidos continentes e ilhas com seus residentes e habitantes e trazê-los à fé católica. Portanto, recomendando de coração no Senhor este seu santo e louvável propósito, e desejosos de que isso seja devidamente cumprido, e que o nome do nosso Salvador seja levado a essas regiões, nós os exortamos e, muito sinceramente no Senhor, pela sua recepção do santo batismo, pelo qual vocês estão vinculados aos nossos mandamentos apostólicos, e pelas entranhas das misericórdia de nosso Senhor Jesus Cristo, ordenamos estritamente que, na medida em que com zelo ansioso pela verdadeira fé, vocês planejem equipar e despachar esta expedição, também proponham-se, como é seu dever, a liderar os povos que vivem nessas ilhas e países a receber a religião cristã; de modo que, em nenhum momento deixem que perigos ou dificuldades os impeçam desse propósito, com a firme esperança e confiança em seus corações de que Deus Todo-Poderoso promoverá seus empreendimentos.

E, para que entrem em tão grande empreendimento com maior prontidão e cordialidade, dotados do benefício do nosso favor apostólico, nós, por nossa própria vontade, não por causa de sua solicitação nem a pedido de qualquer outra pessoa a seu respeito, mas por nossa própria e única generosidade e conhecimento certo e da plenitude do nosso poder apostólico, pela autoridade de Deus Todo-Poderoso conferida a nós no bem-aventurado Pedro e pelo vigário de Jesus Cristo, que mantemos na terra, fazemos pelo teor destes presentes, caso alguma das referidas ilhas tenha sido encontrada por algum dos seus enviados e capitães, damos, concedemos e atribuímos a vocês e aos seus herdeiros e sucessores, reis de Castela e Leon, para sempre, juntamente com todos os seus domínios, cidades, acampamentos, lugares e aldeias, e todos os direitos, jurisdições e pertences, todas as ilhas e continentes encontrados e a serem encontrados, descobertos e a serem descobertos em direção ao oeste e ao sul, traçando e estabelecendo uma linha do polo Ártico, ou seja, o norte, ao polo Antártico, ou seja, o sul, não importa quer as ditas terras e ilhas se encontrem ou sejam encontradas na direção da Índia ou em direção a qualquer outro quadrante, estando a dita linha distante cem léguas para oeste e sul de qualquer uma das ilhas comumente conhecidas como Açores e Cabo Verde. No entanto, com esta condição de que nenhuma das ilhas e continentes, encontrados e a serem encontrados, descobertos e a serem descobertos, além daquela dita linha em direção ao oeste e ao sul, esteja na posse real de qualquer rei ou príncipe cristão até o aniversário de nosso Senhor Jesus Cristo, logo após o começo do qual o presente ano de mil quatrocentos e noventa e três.

E nós fazemos, nomeamos e delegamos você e seus referidos herdeiros e seus sucessores como senhores com pleno e livre poder, autoridade e jurisdição de todo tipo; com esta condição, no entanto, de que por esta nossa doação, concessão e cessão nenhum direito adquirido por qualquer príncipe cristão, que esteja na posse real das ditas ilhas e continentes antes do dito aniversário de nosso Senhor Jesus Cristo, deve ser entendido como retirado ou tirado. Além disso, ordenamos a vocês, em virtude da santa obediência, que, empregando toda a devida diligência nas instalações, como vocês também prometeram — e não duvidamos de sua concordância acerca disso, de acordo com sua lealdade e grandeza real de espírito — vocês devem nomear para os mencionados continentes e ilhas homens dignos, tementes a Deus, cultos, habilidosos e experientes, a fim de instruir os mencionados habitantes e residentes na fé católica e treiná-los nos bons costumes. Além disso, sob pena de excomunhão tardia a ser incorrida ipso facto, caso alguém assim infrinja, proibimos estritamente todas as pessoas de qualquer posição, mesmo imperial e real, ou de qualquer estado, grau, ordem ou condição, de ousar, sem sua permissão especial ou a de seus herdeiros e sucessores supramencionados, ir para fins comerciais ou qualquer outro motivo às ilhas ou continentes, encontrados e a serem encontrados, descobertos e a serem descobertos, em direção ao oeste e ao sul, traçando e estabelecendo uma linha do polo Ártico ao polo Antártico, não importando se os continentes e ilhas, encontrados e a serem encontrados, estão na direção da Índia ou em direção a qualquer outro quadrante, a referida linha deve estar distante cem léguas em direção ao oeste e ao sul, como é supracitada, de qualquer uma das ilhas comumente conhecidas como Açores e Cabo Verde; constituições e ordenanças apostólicas e outros decretos em contrário.

Confiamos naquele de quem impérios e governos e todas as coisas boas procedem, que, se vocês, com a orientação do Senhor, prosseguirem com este empreendimento santo e louvável, em pouco tempo suas dificuldades e esforços atingirão o resultado mais feliz, para a felicidade e glória de toda a cristandade. Mas, visto que seria difícil enviar estas cartas presentes para todos os lugares onde fosse desejável, queremos, e com acordo e conhecimento semelhantes decretamos, que para cópias delas, assinadas pela mão de um notário público comissionado para isso, e seladas com o selo de um oficial eclesiástico ou tribunal eclesiástico, o mesmo respeito seja mostrado no tribunal e fora dele, bem como em qualquer outro lugar, como seria dado a estes presentes, caso fossem assim exibidos ou mostrados. Portanto, que ninguém infrinja, ou com ousadia precipitada contrarie, esta nossa recomendação, exortação, requisição, doação, concessão, cessão, constituição, delegação, decreto, mandato, proibição e testamento. Se alguém presumir tentar isso, saiba que incorrerá na ira de Deus Todo-Poderoso e dos benditos apóstolos Pedro e Paulo. Dado em Roma, em São Pedro, no ano da encarnação de nosso Senhor mil quatrocentos e noventa e três, quatro de maio e o primeiro ano do nosso pontificado.


Graça por ordem do nosso mais santo senhor, o papa.

Junho. Referendado por J. Bufolinus, A. de Mucciarellis, A. Santoseverino, L. Podocatharus.



NOTA:

[1] A terceira dessas bulas, a bula Inter caetera, é reproduzida abaixo, em uma tradução para o inglês publicada em European Treaties bearing on the History of the United States and its Dependencies to 1648 por Frances Gardiner Davenport (Carnegie Institution of Washington, 1917, Washington, D.C.), nas pp. 75-78. O texto original em latim está no mesmo volume, nas pp. 72-75. Traduzido por Ewerton B. Tokashiki.