29 outubro 2024

Liberdade, Autonomia e a Confissão de Fé de Westminster

Esta pintura de John Rogers Herbert retrata um discurso particularmente controverso diante da Assembleia por Philip Nye contra o governo da igreja presbiteriana. Uma reunião da Assembleia de Westminster em 21 de fevereiro de 1644. Philip Nye, um membro do partido independente, argumenta que a forma de governo da igreja defendida pelos presbiterianos, sob a qual as congregações locais se submetem a assembleias superiores de presbíteros, era “três vezes perniciosa para os estados e reinos civis”. Ele foi imediatamente “desapropriado”, de acordo com Robert Baillie, que manteve um diário dos procedimentos. A pintura retrata muitos indivíduos que não eram membros da Assembleia, pois, quando questões de interesse particular eram debatidas, não-membros compareciam como espectadores. Josias Shute, no entanto, morreu antes da Assembleia se reunir.

Aqui, não pretendo tomar partido sobre qual visão de liberdade é preferível, o compatibilismo ou o libertarianismo, mas mostrar que, seja qual for a visão adotada, a Confissão é consistente nessa questão. Não há duas visões, mas uma.

Por Paul Helm [1]

Em seu livro Deviant Calvinism [O Calvinismo Deturpado] (Fortress Press, 2014), Oliver Crisp [2] considera a ideia de que existem duas teorias filosóficas de agência humana coexistindo lado a lado na Confissão de Westminster. Ele associa isso ao fato de que houve calvinistas que eram libertários, como John L. Girardeau [3], o teólogo presbiteriano do sul dos Estados Unidos. Se essa ideia é plausível, então sugere que, no auge do puritanismo, em meados do século XVII, havia duas visões concorrentes que eram toleradas dentro das fileiras do movimento: uma visão libertária e outra compatibilista. Assim, os subscritores da Confissão teriam a liberdade de adotar uma ou outra, alternando entre uma visão nas terças, quintas e sábados, e outra nos demais dias da semana. Contudo, não há duas visões no sentido de que algumas expressões são definitivamente e claramente libertárias, enquanto outras são compatibilistas.

Não duas visões, mas apenas uma.

Aqui, não pretendo tomar partido sobre qual visão de liberdade é preferível, o compatibilismo [4] ou o libertarianismo [5], mas mostrar que, seja qual for a visão adotada, a Confissão é consistente nessa questão. Não há duas visões, mas uma. William Cunningham [6] acreditava que os subscritores da Confissão poderiam entender suas declarações sobre a agência humana de uma maneira necessitarista ou não-necessitarista, com boa-fé. (Veja “O Calvinismo e a Doutrina da Necessidade Filosófica” em The Reformers and the Theology of the Reformation). Ele quis dizer, acredito, que as declarações da Confissão não eram explícitas sobre a questão e, ao tratar desse tema, eram ambíguas ou obfuscadas, podendo ser interpretadas de ambas as formas.

Mas isso é algo diferente de dizer que a Confissão ensina duas visões incompatíveis. (Devemos também lembrar que a Confissão não usa os termos “compatibilista”, “libertário” ou mesmo “necessitarista”. Embora faça referência ao que Deus “determina”, o faz com parcimônia, sem o mesmo entusiasmo daqueles que, atualmente, falam com desinibição do “determinismo teológico”. Por isso, é necessário cautela neste ponto). É verdade que a Confissão não desenvolve explicitamente uma ou outra visão. Crisp aponta esse fato.

Crisp cita algumas observações de Jerry Walls, que, por sua vez, parece entender que as declarações da Confissão em um ponto a comprometem com a ideia de que:

(1) Porque uma pessoa é determinada a realizar uma ação por Deus, que leva a pessoa a querer fazer a ação, essa pessoa [então] é capaz de realizar tal ação.

Isso é interpretado, imagino, por Jerry Walls (não li seu livro), como uma inferência ao libertarianismo, e não ao compatibilismo.

O capítulo sobre a Vocação Eficaz (Capítulo 10) é citado como evidência. Talvez estas palavras desse capítulo:

II. Esta vocação eficaz é só da livre e especial graça de Deus e não provem de qualquer coisa prevista no homem; na vocação o homem é inteiramente passivo, até que, vivificado e renovado pelo Espírito Santo, fica habilitado a corresponder a ela e a receber a graça nela oferecida e comunicada”.

E talvez por outras declarações encontradas na Confissão. Walls também afirma que a Confissão está comprometida com:

(2) Uma pessoa é capacitada a fazer uma determinada ação por Deus, mas cabe a ela decidir se realizará essa ação.

E isso é tomado por Walls como algo consistente com o libertarianismo. (Embora, em minha opinião, seja um pouco forçado dizer que essas palavras indicam claramente o libertarianismo).

Talvez se pense que essa passagem do Capítulo 10 comprometa a Confissão com (2):

“… renovando suas vontades e, por Seu poder onipotente, determinando-os ao que é bom, e atraindo-os eficazmente a Jesus Cristo, de modo que eles venham de forma totalmente livre, sendo tornados dispostos por Sua graça” (I).

Se for assim, os teólogos de Westminster seriam vistos como comprometendo-se na seção (I) do Capítulo 10, em poucas linhas, não apenas com duas teorias distintas de liberdade humana, mas também tanto com o agostinianismo quanto com o semi-pelagianismo. (Talvez eles não tenham percebido esse fato ou talvez tenha sido uma questão de política). Talvez. Mas você acha que isso é provável?

Além da falta de plausibilidade em uma das interpretações de parte do Capítulo 10, há outra razão pela qual isso tudo não é provável. Para entender isso, precisamos fazer uma indução mais completa da linguagem da Confissão. Descobrimos que a escolha das palavras para descrever a agência humana é bastante interessante. Aqui (creio) estão todas as referências relevantes:

A Confissão Sobre a Liberdade e o Livre-Arbítrio Humanos.

Tentarei mostrar que não existem duas visões metafísicas rivais da liberdade humana lado a lado na Confissão, mas que a linguagem sobre liberdade e livre-arbítrio está, de fato, cumprindo dois papéis distintos. Primeiro, vejamos “liberdade”, depois “livre-arbítrio”.

Liberdade:

a) Eternos Decretos, Cap. III.1: “nem é tirada a liberdade ou contingência das causas secundárias, antes estabelecidas”

b) Criação, Cap. IV.2: “sendo deixados à liberdade de sua própria vontade…”

c) Do Livre-Arbítrio, Cap. IX.1: “Deus dotou a vontade do homem com essa liberdade natural…”

Livre-Arbítrio:

a) Do Livre-Arbítrio, Cap. IX.2: “o homem, em seu estado de inocência, tinha liberdade e poder para querer e fazer o que é bom…”

b) Cap. IX.4: “…livra-o de sua servidão natural sob o pecado, pela graça, capacitando-o a querer e fazer livremente o que é espiritualmente bom…”

c) Cap. IX.5: “A vontade do homem é tornada perfeita e imutavelmente livre para fazer o bem somente no estado de glória…”

d) Chamado Eficaz, Cap. X.1: “… de modo que venham totalmente livres, sendo tornados dispostos por Sua graça”.

Este levantamento exclui as formulações no Capítulo 20, Da Liberdade Cristã e Liberdade de Consciência. Neste, o termo “liberdade” está sendo usado em um sentido político ou social, como em “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”, e não é relevante para nossa discussão.

Comentários

Fora o Capítulo sobre Liberdade de Consciência, sugiro que, na Confissão, “livremente” tem invariavelmente a ver com habilidade espiritual, o desfrute dos efeitos da graça divina. Assim, no céu, os santos possuem perfeita e imutável liberdade para fazer o bem, e aqueles que são eficazmente chamados são levados a Cristo de forma totalmente livre, sendo dispostos por Sua graça; não dispostos metafisicamente em algum sentido, mas moralmente dispostos. E assim por diante. O oposto de tal liberdade não é um estado metafísico, pois na Confissão “liberdade” não denota uma visão metafísica, mas um estado moral e espiritual, frequentemente referido como liberdade (em algum grau) da “escravidão” da vontade.

Assim, embora à primeira vista possamos supor que “livremente” na expressão “de modo que venham totalmente livres, sendo tornados dispostos por Sua graça” refira-se ao livre-arbítrio compatibilista ou libertário, sugiro que o uso de “livre” e “livremente” neste contexto tem origem não em debates metafísicos sobre a vontade, mas nas operações da graça divina e no uso do Novo Testamento. Por exemplo: “Se, pois, o Filho vos libertar, verdadeiramente sereis livres” (João 8.36. Veja também o v. 21), e “onde está o Espírito do Senhor, aí há liberdade” (2Coríntios 3.17) e “a liberdade da glória dos filhos de Deus” (Romanos 8.21). A liberdade está ligada a certos estados graciosamente dados ao povo de Deus.

E quanto à “liberdade” na Confissão? Quando essa palavra é usada pelos teólogos de Westminster, seu uso é muito mais geral. O contexto de seu uso diz respeito às capacidades dos seres humanos em geral. “A liberdade das causas secundárias” refere-se a indivíduos dotados de inteligência e vontade, em comparação com o comportamento de animais, insetos e vegetação, outros tipos de causas secundárias. Essa é a liberdade com que Deus nos dotou, como homens e mulheres. Além disso, a Confissão afirma que, sem assistência divina para mantê-los no caminho reto, o casal no Jardim foi “deixado à liberdade de sua própria vontade”, seja qual for o caráter dessa vontade. Não é que o casal tivesse liberdade para escolher entre o bem e o mal, mas foram criados bons e, portanto, inclinados ao bem; porém, não de forma imutável, e sendo deixados à liberdade de suas próprias vontades, ou seja, sem o auxílio divino, eles caíram, sucumbindo à tentação demoníaca e “trouxeram a morte ao mundo e toda nossa desgraça”. Mas, na glória por vir, a Confissão afirma que “a vontade do homem é tornada perfeita e imutavelmente livre para fazer o bem somente no estado de glória”. Observe novamente a conexão entre liberdade e estado de graça.

Portanto…

A sugestão é que a escolha das palavras na Confissão segue uma política deliberada, consistente e inteligível. Se esta sugestão é plausível, não há necessidade de recorrer ao debate entre libertários e compatibilistas, por mais importante que seja, ou de se envolver no que Oliver Crisp chama de “um sutil truque” (80), para entender essa coerência.


Notas:

  1. Paul Helm, “Freedom, Liberty and the Westminster Confession”. Disponível em <https://paulhelmsdeep.blogspot.com/2014/10/freedom-liberty-and-westminster.html>. Tradução e edição: Rodrigo Gonçalez (rodgoncalez@gmail.com). Editora Credo Reformado. Paul Helm (n. 1940) é um filósofo e teólogo britânico conhecido por seu trabalho em filosofia da religião e teologia reformada. Especialista em temas como a natureza de Deus, a providência divina e a liberdade humana, Helm é amplamente reconhecido por suas contribuições ao estudo do calvinismo e da teologia de Jonathan Edwards. Suas obras têm explorado temas centrais do pensamento reformado e questões complexas sobre a relação entre liberdade e determinismo, bem como os desafios de interpretar doutrinas teológicas históricas no contexto contemporâneo. Ao longo de sua carreira, Helm lecionou em instituições como a Universidade de Londres e a Universidade de Oxford, onde ocupou a cadeira de Teologia Histórica e Filosófica. Entre suas principais obras estão The Providence of God e Eternal God: A Study of God without Time. [N.T.]
  2. Oliver Crisp (n. 1972) é um teólogo e filósofo britânico, conhecido por seu trabalho em Teologia Sistemática e Filosofia da Religião, com foco na Tradição Reformada e no pensamento calvinista. Ele leciona atualmente na Universidade de St. Andrews, na Escócia, onde é professor de Teologia Analítica. Crisp é conhecido por explorar temas complexos, como a doutrina da expiação, a encarnação, a trindade e a liberdade humana, sempre dentro de uma perspectiva reformada e com métodos da filosofia analítica. Ao longo de sua carreira, Crisp tem se dedicado a uma abordagem “renovada” do calvinismo, que visa tanto recuperar aspectos tradicionais quanto abrir o diálogo com questões teológicas contemporâneas. Em seu livro Deviant Calvinism, por exemplo, ele propõe novas perspectivas dentro do calvinismo que desafiariam as interpretações mais rígidas, explorando alternativas compatíveis com a Teologia Reformada, mas menos convencionais, como ideias sobre a liberdade humana e expiação universal. Suas obras, como Jonathan Edwards and the Metaphysics of Sin e The Word Enfleshed, são amplamente estudadas e respeitadas na teologia contemporânea, especialmente entre aqueles que buscam integrar a tradição cristã reformada com abordagens filosóficas modernas. [N.T.]
  3. John Lafayette Girardeau foi um teólogo, pastor e educador presbiteriano norte-americano, conhecido por seu trabalho como pastor e defensor da educação religiosa entre afro-americanos no sul dos Estados Unidos durante o século XIX. Ele nasceu em 14 de novembro de 1825 e faleceu em 23 de junho de 1898. Girardeau é lembrado principalmente por seu ministério em Charleston, Carolina do Sul, onde pastoreou uma igreja presbiteriana afro-americana antes da Guerra Civil. Mais tarde, tornou-se professor de Teologia Sistemática no Columbia Theological Seminary, na Carolina do Sul, onde ensinou temas como predestinação, expiação e soberania divina, com um forte enfoque na teologia calvinista ortodoxa. Ele escreveu várias obras teológicas, incluindo Calvinism and Evangelical Arminianism, na qual defende o calvinismo tradicional em oposição ao arminianismo, e The Will in Its Theological Relations, onde explora questões sobre a liberdade humana e a soberania divina, sendo uma figura de destaque na tradição reformada americana do século XIX. [N.T.]
  4. O debate entre compatibilismo e libertarianismo no contexto da Confissão de Fé de Westminster envolve interpretações divergentes sobre como a liberdade humana se relaciona com a soberania divina. A Confissão aborda o livre-arbítrio e a providência de Deus de forma a sustentar a responsabilidade moral humana, mas também a soberania absoluta de Deus sobre todas as coisas, incluindo as ações humanas. O compatibilismo é a visão de que a liberdade humana e a soberania divina são compatíveis, isto é, que Deus pode ordenar todas as coisas e, ao mesmo tempo, os seres humanos podem agir livremente de forma responsável. Essa perspectiva geralmente sustenta que o ser humano é livre para fazer o que deseja, embora seus desejos e decisões estejam sob a ordem soberana de Deus. Para o compatibilista, a liberdade não é a capacidade de agir de maneira totalmente independente, mas sim a capacidade de agir conforme os próprios desejos, que estão, por sua vez, debaixo da providência de Deus. Em outras palavras, a vontade humana opera de acordo com os decretos divinos sem que isso retire sua responsabilidade moral. Deus é apresentado como o soberano que “determina” todas as ações, mas, ao mesmo tempo, mantém a agência moral das criaturas humanas. Os principais defensores do compatibilismo foram Jonathan Edwards (1703–1758) e John Owen (1616–1683). Ambos acreditavam que o livre-arbítrio humano está alinhado com a vontade divina soberana, e que a liberdade humana está limitada pela providência de Deus.
  5. O libertarianismo argumenta que a liberdade humana envolve a capacidade de agir de maneira contrária à vontade ou ao controle direto de Deus. Libertários geralmente defendem que, para que as escolhas humanas sejam moralmente significativas, devem estar fora do alcance direto do decreto divino. Esta visão sustenta que Deus, em Sua soberania, permite que os seres humanos tomem decisões genuinamente livres, isto é, decisões que poderiam ser de outra forma, mesmo diante da providência ou dos decretos divinos. Embora a Confissão de Fé de Westminster não use explicitamente a terminologia “compatibilismo” ou “libertarianismo”, alguns teólogos argumentam que a Confissão oferece espaço para uma leitura libertária em passagens como Capítulo IX, Do Livre-Arbítrio, que menciona que o homem, no estado de inocência, possuía liberdade para escolher entre o bem e o mal. O argumento é que essa liberdade anterior à Queda poderia indicar um espaço para a possibilidade de decisões não determinadas, especialmente nas questões morais. Os principais defensores do libertarianismo foram, por exemplo, John Girardeau (1825–1898) e Richard Baxter (1615–1691). Um puritano que não era um estrito calvinista, Baxter defendia uma espécie de sinergismo que se aproxima do libertarianismo, acreditando que os seres humanos cooperam de forma significativa com a graça divina na salvação. [N.T.]
  6. William Cunningham (1805–1861) foi um influente teólogo e historiador escocês, amplamente conhecido por suas contribuições ao presbiterianismo e à Teologia Reformada e o presbiterianismo. Nascido em Broughton, Escócia, Cunningham se tornou uma figura proeminente na Igreja da Escócia e desempenhou um papel importante na história do movimento presbiteriano. Cunningham estudou no New College de Edimburgo, onde se formou em teologia. Em 1830, ele foi ordenado como ministro na Igreja Presbiteriana Livre da Escócia e, em 1843, se tornou um dos fundadores dessa denominação, após a Disrupção de 1843, que separou um grupo de ministros da Igreja da Escócia devido a disputas sobre a autonomia da igreja e a interferência do Estado nos assuntos eclesiásticos. Entre suas obras mais notáveis está The Reformers and the Theology of the Reformation, que examina o pensamento teológico dos reformadores do século XVI e suas implicações para a teologia contemporânea. Cunningham abordou temas como a soberania de Deus, a providência divina e a relação entre fé e razão. Ele também contribuiu para o debate sobre a relação entre a liberdade humana e a soberania divina, especialmente em relação à ideia de compatibilismo, que defende que a liberdade humana pode coexistir com a soberania de Deus. [N.T.]

 

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