Por R. Scott Clark
Se a evidência objetiva e histórica é tão clara quanto afirmo sobre a definição histórica da palavra reformado, por que esse debate existe? Novamente, as raízes desse debate encontram-se, em parte, na maneira como os batistas pensam sobre si mesmos e sobre os outros, particularmente nos EUA. Na minha experiência, escrevendo como ex-evangélico batista, o batista tem absoluta certeza de que sua posição está correta e que, portanto, praticamente todos na história da igreja, antes, digamos, de 1523 e da ascensão dos Irmãos Suíços, estavam errados. Isso efetivamente desbatiza, por assim dizer, praticamente toda a tradição cristã anterior a 1523 e todos aqueles que discordam das convicções batistas. Na minha experiência como pastor, escritor e professor de seminário, isso não incomoda a maioria dos leigos batistas. Afinal, da perspectiva batista, a posição batista é autoevidente para qualquer pessoa razoável. Ele se espanta que alguém se oponha a ser não batizado, por assim dizer. Para o batista, a resposta é simples: crer, fazer uma profissão de fé crível e ser batizado.
Para nós, que fazemos parte das igrejas reformadas (diferentemente dos batistas), a convicção batista implica logicamente que nós, que fomos batizados apenas quando crianças, estamos fora da igreja visível e, portanto, fora da salvação. No artigo 28 da Confissão Belga (CB), confessamos: “Cremos que, visto que esta santa assembleia e congregação é a reunião daqueles que são salvos e não há salvação fora dela, ninguém deve se retirar dela, contentando-se em estar sozinho, independentemente de seu status ou condição.”[1] Embora possam não ter essa intenção, da perspectiva reformada ou de uma perspectiva cipriota (a de toda a igreja anterior ao movimento batista), uma pessoa voluntariamente não batizada está em uma posição precária, para dizer o mínimo.
Como, para o batista, sua posição é tão evidentemente verdadeira, espera-se que aqueles de nós que não foram batizados, por assim dizer, não digam nada. Quando, no entanto, apresento o ponto histórico, clara e dolorosamente óbvio, de que as igrejas reformadas denunciaram explicitamente a visão anabatista do batismo (e, logicamente, a visão batista do batismo), é provável que os batistas fiquem muito irritados.
Como vários correspondentes apontaram-me ao longo dos anos, não estou dizendo que os batistas são não batizados. De fato, nas igrejas reformadas, sempre batizamos adultos convertidos não-batizados. Além disso, o artigo 29 do Catecismo Belga deixa bem claro que as congregações anabatistas, que a confissão caracteriza como "seitas", careciam de duas das três marcas da igreja verdadeira (isto é, a pregação pura do evangelho, a administração pura dos sacramentos e o uso da disciplina eclesiástica). Penso que as igrejas batistas carecem de uma das marcas da igreja verdadeira. É bastante claro que as igrejas reformadas nunca aceitaram o batismo somente de crentes e a rejeição batista do batismo infantil como a "administração pura dos sacramentos". No entanto, não considero congregações batistas particulares como seitas ou falsas igrejas (a outra categoria que confessamos em na capítulo 29 do Catecismo Belga. Em vez disso, caracterizo-as como “congregações irregulares”.[2] Pode-se argumentar que estou sendo mais gentil com os batistas do que eles comigo.
Hoje mesmo, enquanto escrevo, recebi um e-mail de um correspondente que se mostrou indignado com a comparação lógica (não moral) entre a autoidentificação batista como reformada e a autoidentificação de Bruce Jenner como mulher. Por que a indignação? Essa é uma pergunta interessante.
A minha teoria é que a maioria dos batistas dedicou pouco tempo à leitura da história, das confissões e dos teólogos reformados (corretamente definidos). Devido a uma certa ignorância, eles presumem um grau de concordância entre a teologia reformada e a batista que não existe. Essa suposição cria a pré-condição para a indignação. Além disso, muitos batistas nunca vivenciaram a vida real da igreja reformada. Eles não vivenciaram as diferenças. As diferenças das quais têm conhecimento são, na melhor das hipóteses, teóricas.
É bem possível ser batista nos EUA e nunca conhecer um reformado de verdade. Há cerca de 60 milhões de cristãos batistas nos EUA. Há aproximadamente 500.000 reformados. O mundo confessional de presbiterianos e reformados representa aproximadamente 0,0083% do mundo batista. Há uma bolha batista relativamente grande nos EUA e pessoas presbiterianas e reformados de verdade são relativamente raras — e, em alguns lugares, quase exóticas. Nessa bolha batista, há um número significativo de pessoas que se consideram reformadas. Devido a esse número (potencialmente o dobro de pessoas nas igrejas reformadas de verdade), parece improvável e até inacreditável para elas quando leem alguém de um pequeno grupo minoritário distinguindo entre reformados e batistas.
Muitas vezes, já foi-me afirmado ou insinuado que o grande número de batistas que se identificam como reformados significa que, seja lá o que a palavra reformado tenha significado em algum momento, ela significa agora o que eles dizem que significa. Logicamente, isso não passa de um apelo à multidão, aos números ou à força; mas é um apelo poderoso, psicológico e emocional. Ajuda a explicar a indignação. Quem é Clark, um sujeito no meio de um milhão de cristãos batistas predestinacionistas, para se opor?
Para complicar ainda mais as coisas, há muitos reformados que ficam mais do que felizes em chamar os batistas de reformados, se os batistas os reconhecerem como evangélicos. Esse acordo foi negociado no mundo pós-Segunda Guerra Mundial. Por que os reformados negociaram esse acordo, implicitamente concedendo uma redefinição significativa do adjetivo reformado? A resposta reside, em parte, no que aconteceu com os reformados após a batalha pela Bíblia com os liberais. O mundo confessional de presbiterianos e reformados ajudou a liderar o ataque contra os liberais teológicos e os críticos mais elevados no final do século XIX e início do século XX, mas, simultaneamente, eles estavam perdendo suas instituições e denominações. Estavam sendo exilados em microdenominações, na pobreza e na obscuridade. Em meados do século XX, as igrejas confessionais de presbiterianos e reformados estavam em péssimas condições institucionais e financeiras. A nossa enorme influência intelectual não refletia nossa condição institucional e financeira.
O acordo, no entanto, ganhou novas dimensões com a ascensão do movimento Jovens, Inquietos e Reformados (Young, Restless, and Reformed). Se observarmos o uso da expressão "batista reformado" no Google Ngram, vemos que ela atinge seu pico entre 1999 e 2000. Há um pico anterior, mas essas ocorrências não sinalizam "batista reformado". Embora as raízes modernas da concessão da identidade reformada aos batistas por alguns líderes no mundo de presbiterianos e reformados remontem a oitenta anos, a formação pública de uma identidade batista reformada é, de fato, um fenômeno muito novo.[3] A Associação de Igrejas Batistas Reformadas na América foi organizada em 1996. Ela reorganizou-se como Associação Batista Confessional em 2022.
A recente formação de uma identidade batista reformada e sua adoção por elementos do movimento Jovens, Inquietos e Reformados (Young, Restless, and Reformed [YRR]) no final da década de 1990 e início dos anos 2000 intensificou esse debate.[4] O movimento YRR e a apropriação da identidade reformada por cristãos batistas foram como um tsunami que ameaçou obliterar a identidade reformada propriamente dita. Representa um desafio que os primeiros e informais batistas que adotaram uma identidade reformada não representaram.
A ascensão da identidade batista reformada entre batistas confessionais, e de forma mais ampla no movimento YRR, no início do século XXI, também pareceu oferecer uma nova plataforma (por exemplo, a TGC) aos cristãos reformados propriamente ditos, que eles não tinham antes do movimento YRR. Isso desincentivou os membros confessionais de presbiterianos e reformados a se manifestarem sobre as diferenças. Chamar a atenção publicamente para as diferenças entre os reformados e os batistas (vários membros de igrejas reformadas e presbiterianas já falaram sobre as diferenças comigo em particular) corre o risco de alienar as plataformas e oportunidades muito maiores e influentes do YRR.
Certamente, existem líderes notáveis no mundo da igreja reformada e presbiteriana que caracterizaram as igrejas batistas particulares como parte do movimento reformado. Outros abraçaram batistas ainda mais amplamente predestinacionistas (mas não confessionalmente batistas particulares) como reformados. Algumas dessas figuras são celebridades dentro da igreja reformada e presbiteriana, bem como no mundo evangélico em geral. Mas será que esses endossos e caracterizações mudam os fatos e a verdade? O capítulo 7 da Confissão Belga das igrejas reformadas declara:
Não devemos, portanto, considerar os escritos humanos — não importa quão santos seus autores tenham sido — iguais aos escritos divinos; nem podemos colocar o costume, nem a maioria, nem o período, nem a passagem do tempo ou das pessoas, nem concílios, decretos ou decisões oficiais acima da verdade de Deus, pois a verdade está acima de tudo. Pois todos os seres humanos são mentirosos por natureza e mais vaidosos do que a própria vaidade.
O que importa aqui não são personalidades, autoridades ou mesmo identidade subjetiva, mas a verdade objetiva. Talvez, eu esteja errado — se estiver, minha vida será muito mais simples. Mas, se devo ser persuadido de que estou errado, isso deve ser por fatos, evidências e razão, e não por qualquer outra coisa.
Notas:
[1] Esta é uma alusão ao ditado de
Cipriano: Quia salus extra ecclesiam non est (porque fora da igreja não
há salvação) em W. Hartel, ed., Cyprianus, Opera omnia, Corpus Scriptorium
Ecclesiasticorum Latinorum (CSEL), vol. 3, livro. 2 (CSEL, 1871), Ep.
73.21. Obrigado a Harrison Perkins por ajudar-me a responder esta pergunta.
[2]
Meu professor, caro amigo e colega Bob Godfrey argumentou em “The Belgic
Confession and the True Church,” in Ronald S. Baines, Richard C. Barcellos,
James P. Butler, ed. By
Common Confession
(Palmdale, CA: Reformed Baptist Academic Press, 2015), que “pelo menos algumas
igrejas batistas são igrejas verdadeiras” [p. 275]. Ele argumenta que a
Confissão Belga usa os termos “seitas” e “igreja falsa” como sinônimos. Essa
interpretação, a meu ver, desafia a história do uso de “seita” pelos
protestantes magistrais no século XVI. Na obra de Lutero e de Calvino, seita é
sinônimo de vários radicais, incluindo os anabatistas. Não é usada como
sinônimo da comunhão romana. Ele também argumenta que as igrejas batistas não
descendem dos anabatistas e, portanto, são imunes às condenações impostas
contra eles. Discordo. Devemos distinguir entre influências teológicas e
história institucional. O movimento batista teve origem na Holanda, onde um
grupo de refugiados congregacionais ingleses entrou em contato com anabatistas
holandeses. Não é coincidência que os batistas usem a mesma linguagem e
argumentos para defender suas concepções da história da redenção e do batismo
que os anabatistas. Considerado institucionalmente, as pessoas que compunham o
movimento batista vinham de diversos lugares (por exemplo, da Igreja da
Inglaterra) e não eram descendentes dos anabatistas.
[3] O Institute for Reformed Baptist
Studies estava apenas começando quando comecei a lecionar no seminário em 1997.
[4] Para mais informações sobre isso, consulte RSC, “Resources On The Young,Restless, And Reformed and New Calvinism Movements.”
O autor Dr. R. Scott Clark é presidente da Heidelberg Reformation Association, autor, editor e colaborador de diversos livros, além de autor de diversos artigos. Ele leciona história da igreja e teologia histórica desde 1997 no Westminster Seminary na Califórnia. Também lecionou no Wheaton College, no Reformed Theological Seminary e na Concordia University.
O artigo original está AQUI.