24 outubro 2006

As características da ética cristã

A ética cristã é revelada

Deus se deu a conhecer e revelou proposicionalmente a sua vontade inspirando homens escolhidos para este fim. A revelação verbal de Deus é o fundamento epistemológico para a ética cristã. Não significa que a Escritura Sagrada seja um livro com um completo código ético com todas as decisões divinas prescritas para cada questão, mas, ela contém suficientemente todas as premissas e princípios necessários para a formulação de uma cosmovisão que orientará na estrutura da ética cristã.

A ética cristã parte do pressuposto de que o Deus que se revela nas Escrituras Sagradas é o único Deus verdadeiro e que, sendo o criador do mundo e da humanidade, deve ser reconhecido, crido e obedecido como tal, e a sua vontade é expressa nas leis de princípios morais. Deus revelou-se proposicionalmente à humanidade. Esta pressuposição é fundamental para a ética cristã, pois é dessa revelação verbal que ela tira os seus conceitos acerca do mundo, da humanidade e de como definir o que é certo e errado. Francis A. Schaeffer nos chama a atenção de que “não há padrão no universo que dê um sentido final a palavras como certo e errado. Se partirmos do impessoal, o universo torna-se totalmente silencioso, em relação a qualquer uma destas palavras.”[1] É precisamente por basear-se na revelação que o Criador concedeu um padrão ético que se estende a todas as dimensões da realidade. A ética cristã pronuncia-se sobre questões individuais, sociais, políticas, ecológicas, econômicas, culturais e espirituais, porque Deus exerce a sua autoridade sobre todas as áreas e esferas da existência humana.

A ética cristã é absoluta

A ética envolve a adoção de um padrão absoluto de autoridade. A ética cristã é teocêntrica e oposta à ética secular, que na maioria das vezes é antropocêntrica. R.C. Sproul observa que “para o humanista, o homem é a norma, o último padrão de comportamento. Os cristãos, contudo, asseveram que Deus é o centro de todas as coisas e que seu caráter é o padrão absoluto pelo qual as questões de certo e errado são determinadas”.[2] Mais enfático afirma James Orr que “o ideal ético, se quiser assegurar o seu caráter absoluto, indica para uma base eterna no Ser absoluto. Levando-nos para a concepção de Deus como um ser eticamente perfeito, fonte e origem da verdade moral, fonte da lei moral, que como vimos está comprometida com o cristianismo.”[3]

A lei de Deus, que é expressa no Antigo e Novo Testamento, é a norma para a vida moral do cristão. Existem três tipos de lei no Antigo Testamento: civil, cerimonial e moral. Tanto a lei civil como a cerimonial foram especificamente e intencionalmente limitadas à antiga Aliança, para estabelecer a teocracia sobre Israel, e foram cumpridas na obra real e sacerdotal de Cristo. A lei moral expressa em essência a vontade moral de Deus, e não teve a sua limitação nas cerimônias da antiga Aliança. A lei de Deus revela a sua perfeição para os homens.

Os Dez Mandamentos é o resumo toda a lei moral de Deus. Temos o resumo da ética do Reino de Deus exposta nele. A Confissão de Fé de Westminster declara "a lei moral obriga para sempre a todos a prestar-lhe obediência, tanto as pessoas justificadas como as outras, e isto não somente quanto à matéria nela contida, mas também pelo respeito à autoridade de Deus, o Criador, que a deu. Cristo, no Evangelho, não desfaz de modo algum esta obrigação, antes a confirma."[4]

Um dos usos da lei é o normativo. O terceiro uso da Lei é normativo para a vida cristã. A vontade moral de Deus está revelada na Escritura, e não elimina o uso de discernimento para interpretar corretamente e aplicar a vontade moral revelada para a vida cristã e civil. John Murray observa que “visto que Deus não muda, e visto que a obrigação a Deus não pode ser abrogada, qualquer alteração radical na ética imperativa é algo simplesmente inconcebível.”[5]

A ética cristã é objetiva

Por causa da sua soberania Deus tem o direito de emitir ordenanças, de impor obrigações e quando necessário intervir na consciência dos homens. Deus nos deu além da consciência, a Escritura Sagrada para regular e estimular o nosso comportamento. Norman Geisler conclui que se Deus não existisse “e as únicas leis objetivas do universo fossem as leis da física e da química, os julgamentos morais seriam absurdos. Não estamos dizendo que os ateus e naturalistas não possam fazer julgamento moral; o que estamos dizendo é que eles não têm base real para os seus julgamentos”.[6]

A ética cristã é prescritiva

A ética não se propõe apenas a descrever, mas também prescrever o que é certo ou errado. C. Stephen Evans define como sendo o “ramo da filosofia que lida com as questões de certo e errado, bem e mal, virtude e defeito.”[7] Nesta definição Evans não declara se a ética é apenas descritiva, ou se preceptiva. Todavia, se a ética cristã pressupõe a fé cristã, isto envolve necessariamente o compromisso de coerente submissão e obediência a Palavra de Deus. Quanto ao caráter preceptivo da ética, John Murray conclui que “se Jesus deu-nos um exemplo que devemos seguir os seus passos, e, se a ética cristã é deste modo definida, então a maior necessidade característica do modo de vida e conduta cristã é obedecer aos mandamentos de Deus.”[8] Quanto a isto o Catecismo Maior de Westminster declara que “que onde um dever é prescrito, o pecado contrário é proibido; e onde o pecado é proibido, o dever contrário é prescrito; assim, onde uma promessa está anexa, a ameaça contrária está inclusa; e onde uma ameaça está anexa a promessa contrária está inclusa.”[9]

Notas:
[1] Francis A. Schaeffer, O Deus que se revela (São Paulo, Editora Cultura Cristã, 2004), p. 62
[2] R.C. Sproul, Discípulos Hoje (São Paulo, Editora Cultura Cristã, 1998), p. 221
[3] James Orr, Concepción Cristiana de Dios y el Mundo (Terrassa, CLIE, 1992), p. 139
[4] Confissão de Fé de Westminster (São Paulo, Editora Cultura Cristã, 2ªed., 2003), XIX.5
[5] John Murray, ética bíblica in: O Novo Dicionário da Bíblia (São Paulo, Edições Vida Nova, 1998), p. 560
[6] Norman Geisler & Peter Bocchino, Fundamentos Inabaláveis (São Paulo, Editora Vida, 2003), p. 333-334
[7] C. Stephen Evans, Dicionário de Apologética e Filosofia da Religião (São Paulo, Editora Vida, 2004), p. 52
[8] John Murray, The Claims of Truth in: Collected Writings of John Murray (Edinburgh, The Banner of Truth Trust, 1989), vol. 1, p. 181
[9] Catecismo Maior de Westminster (São Paulo, Editora Cultura Cristã, 2002), pergunta e resposta 99, p. 122

Rev. Ewerton B. Tokashiki

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