Há alguns anos atrás no Brasil a palavra “divórcio” não era tão conhecida. Quando um casal decidia se separar tinha que enfrentar uma verdadeira luta para conseguir sua carta de desquite. Havia muito tabu e preconceito em relação a isso.
Nos tempos atuais existe uma verdadeira avalanche de casais que se casam e, depois de algum tempo, optam por se separarem, muitas vezes por motivos banais. Na verdade, o perfil dos casais brasileiros mudou. Percebe-se uma individualidade no relacionamento homem/mulher, fruto de uma época marcada pela superficialidade e pelo descartável. A palavra de ordem parece ser: “o que importa é a minha felicidade. Se não deu certo, parto para outra”.
Essa tendência atual tem alcançado as igrejas. Tem-se lutado todos os dias, nos meios evangélicos, com casais que querem a separação por motivos dos mais variados possíveis. Parece que os cristãos se esqueceram de olhar para a Palavra e ver se realmente é válida sua reivindicação.
Como fazer para lidar com isso dentro das igrejas? Será que a igreja deve abrir mão de alguns princípios para atender essa “demanda” de crentes que querem se divorciar e contrair novas núpcias? Como pastores, qual deve ser nosso posicionamento diante desse desafio?
Diante destes questionamentos, pretende-se abordar alguns aspectos bíblicos e teológicos no que diz respeito ao divórcio e ao novo casamento para que, com isso, possamos nos posicionar a respeito desta questão.
O DIVÓRCIO À LUZ DO ANTIGO TESTAMENTO
O sistema familiar do Antigo Testamento era patriarcal. O termo que designava esse sistema familiar era casa paterna (bet ab). Somente através da linhagem paterna se contava a descendência. O pai tinha total controle sobre a família, mesmo sobre os filhos casados que moravam com ele. Nesse sistema patriarcal a mulher ficava reduzida quase que a uma mera mercadoria que podia ser negociada por um bom valor. Uma mulher que não desse filhos ao seu marido era considerada como castigada por Deus (Gn 16.1,2; 1Sm 1.6). A dignidade da mulher dentro do lar só era completa quando ela gerava um filho varão (Gn 16.4; 30.1).
A falta da mulher em gerar filhos podia ser até motivo para o divórcio (Dt 24.1). Na verdade, de acordo com este texto, qualquer motivo podia ser uma desculpa para se lavrar um termo de divórcio. A idéia de casamento na época de Moisés era mais a de uma transação comercial, sendo a esposa, na realidade, mais uma propriedade de seu marido. Este poderia, a qualquer momento, lavrar um termo de divórcio e mandá-la embora de casa.
É interessante ver que Deuteronômio não ordena, mas tolera o divórcio. A carta de divórcio conferida à mulher repudiada era mais uma proteção que a colocava a salvo das calúnias dos homens em uma sociedade machista.
O DIVÓRCIO À LUZ DO NOVO TESTAMENTO
O Ensino de Jesus – No Novo Testamento encontramos uma situação diferente quando Jesus, em Mateus 19, fala sobre o divórcio. No texto ele não dá uma nova lei, mas fala do ideal divino no relacionamento entre homem e mulher (vv.5,6). Ele corrige os fariseus dizendo que Moisés não mandou dar carta de divórcio, ainda mais por qualquer motivo. O que houve foi uma permissão (v.8) por causa da dureza dos corações deles mesmos. No versículo 9 Jesus se pronunciará a respeito do único motivo que pode ser considerado justo no caso de um divórcio: o adultério. Somente o adultério dissolve a sentença divina de que o homem se torna uma só carne com sua mulher.
É interessante mencionar que na época de Jesus existiam duas escolas de pensamentos sobre o divórcio: a escola de Hillel e a de Shammai. A primeira não admitia o divórcio, a não ser por infidelidade ou imoralidade. A Segunda era mais liberal, e admitia o divórcio sob qualquer pretexto.
Portanto, nesse texto Jesus restabelece a intenção e o propósito originais de Deus para o casamento e fornece uma solução para o problema da dureza de coração do homem, que tenta dar desculpas para o divórcio (vv.8,9).
O Ensino do Apóstolo Paulo – Na época em que o Apóstolo Paulo escreve aos seus leitores a respeito de relacionamento homem/mulher, divórcio, novo casamento, família, etc., a situação existente na sociedade de então era desesperadoramente corrupta. O divórcio era uma prática totalmente corriqueira. Paulo, então, escreve para os crentes da época no sentido de viverem de forma diferente do sistema pecaminoso observado na sociedade em redor (cf. Ef 5.4ss; 5.22,23; Cl 3.18ss.). Para Paulo, o fato de estar casado é um ministério e um dom (1Co 7.7) e deve ser para testemunho diante da sociedade sem Cristo.
Paulo não admite que os cristãos vivam um casamento superficial, pelo contrário, uma vez casados os cônjuges devem proporcionar um ao outro tudo o que lhes é de direito dentro do casamento (1Co 7.3ss; 33; 1Ts 4.4ss.). Portanto, para Paulo, o casamento é o testemunho da igreja no mundo.
Paulo não irá admitir, no casamento de um crente e um não crente, que o crente abandone seu cônjuge não crente, se este deseja permanecer casado (1Co 7.12,13). Para Paulo, o incrédulo é santificado pela parte crente (1Co 7.14). Paulo não admitia, sob nenhuma hipótese, que o crente se separasse do não crente por não saber se o não crente viria a se converter (1Co 7.16). Quanto ao não crente se separar do crente, Paulo admite e diz que o crente está livre para contrair novo matrimônio (1Co 7.15). Portanto, somente o não crente poderia acabar com o matrimônio (vv.12,13,15).
Concluindo o pensamento Paulino: (1) o casamento entre dois cristãos era indissolúvel. Se houvesse separação não poderiam mais se casar (1Co 7.10,11); (2) o crente não poderia abandonar o não crente (1Co 7.12,13); (3) uma vez que o não crente quisesse romper o casamento, o crente ficava livre para se casar (1Co 7.15); (4) o viúvo e a viúva podiam se casar novamente (1Co 7.8,39).
A RELAÇÃO IGREJA/DIVORCIADO
Geralmente a relação da igreja com um divorciado é traumática. A igreja é acusada, muitas vezes, de ser dura e de não saber lidar com a situação, aplicando somente a punição e se esquecendo de “andar junto” da pessoa divorciada. O real motivo de a igreja aplicar a disciplina deve ser o amor. E é este amor que deve conduzir o crente de volta à comunhão. A igreja não pode se deixar influenciar por uma postura rígida e inflexível em relação ao divórcio, e nem a postura liberal que proclamam o divórcio por questões secundárias, tão em voga nos nossos dias.
Como dissemos, deve imperar na igreja, o amor e a compreensão para se lidar com o assunto.
Ao vermos o ensino de Jesus e do apóstolo Paulo sobre o divórcio e verificarmos que o divórcio só é permitido em caso de adultério e abandono por parte do não crente, o que fazer com pessoas que se separaram por motivos não justificados pelo Novo Testamento, contraíram novo casamento e agora querem se unir à igreja? Como agir com pessoas separadas que entram para a igreja e querem se casar novamente? O que fazer com um casamento misto, onde o crente sofre maus tratos da parte do não crente, e este não pretende se separar, mas o crente quer a separação baseada nas agressões físicas sofridas? Ainda, pode esse crente casar novamente enquanto a parte estiver viva?
Baseado nas conclusões da Aliança Evangélica Espanhola, encontradas no livro de Jorge Maldonado, iremos tentar responder as indagações acima.
Denúncia Quanto ao casamento – Deus não ordena nem abençoa o divórcio. Este é sempre a conseqüência do pecado. Deus quer que o casamento seja sempre indissolúvel. Portanto, a igreja deve ser a porta-voz da boa vontade de Deus para uma sociedade cada vez mais longe dos ideais divinos. A igreja deve denunciar o divórcio fácil. E, para isso, contando com casamentos firmemente edificados no Senhor Jesus.
O fato de Deus declarar que o homem e a mulher seriam uma só carne no casamento (Gn 2.24) não significa escravidão, mas o contrário. Deus demonstra o seu amor na indissolubilidade do casamento, sendo uma oportunidade do casal se realizar e ser plenamente feliz.
Denúncia Quanto aos filhos – A tendência não cristã é a substituição da ordem da criação pela ordenação contratual simples, que pode ser anulado conforme o desejo e os caprichos do casal. Só que no caso dos filhos, como pode haver anulação destes em relação a ter direito a um lar composto de pai e mãe? Ao nascer, a criança tem o direito de usufruir a presença dos pais junto a si. O filho não pode ser considerado um resíduo do casamento. Um casal deve levar em conta o direito da criança em gozar da companhia integral dos pais.
Realismo – A Bíblia expõe a realidade frustrante para o casal que se separa. Uma ruptura não é cristã nem humana. Deus nos convida a proclamar o realismo da indissolubilidade do casamento como uma realidade do caráter moral, e sua quebra e fracasso onde realmente se produzem.
Compaixão – Como objetivo final e primordial da postura cristã em relação ao divórcio, deve ser sempre a reconciliação. Para isso temos que aprofundar a idéia de arrependimento. Não um arrependimento unilateral, mas compartilhado. Assim como a culpa, quase sempre, não é unilateral, mas compartilhada, o arrependimento deve seguir, também, nesse sentido. Deve haver sempre o esforço conjunto para a reconciliação.
Devemos tratar cada casamento como um caso específico e concreto, sem generalizações, legalismos, estreiteza de visão, etc. Evitar toda permissividade vigente e todo legalismo farisaico é mais humano e cristão.
Tudo isso deve ser feito na mais total e completa dependência da Palavra de Deus, para não dê a impressão de debilidade ou relativismo. Acima de tudo, a igreja deve tratar a questão com amor.
Evangelização – Os cristãos sempre se viram envoltos em situações que contrariam os ensinos bíblicos. Mas em situações assim o povo de Deus é chamado para a oportunidade (em meio a essas dificuldades) de testemunhar o evangelho. A proclamação de que Cristo é a solução para o problema do divórcio quebra os corações endurecidos pelo pecados, levando casais à beira de um rompimento, aos pés de Jesus.
Diante do que vimos na Palavra de Deus e diante da situação reinante, vemos a distância que o mundo tem tomado em relação aos padrões bíblicos. Não há como a igreja se isentar em tomar uma postura diante do problema do divórcio. Não podemos deixar que as novelas e outros meios ditem as normas sobre o casamento e o divórcio. É hora de olharmos para a Palavra de Deus e oferecermos ao mundo uma opção alternativa contrária à opção mundana, que é o padrão divino.
Finalmente, mesmo sabendo que a Palavra declara que o divórcio é sempre um mal e o tolera apenas em dois casos, devemos ser criteriosos e, acima de tudo, amorosos ao lidarmos com os casos que surgir, lembrando que estamos lidando com pessoas, e como tais, exigem ser tratados com individualidade, compreensão e compaixão. Que o Senhor realmente nos oriente nos nossos aconselhamentos pastorais.
Bibliografia:
1. Maldonado, Jorge E. (Editor). Fundamentos Bíblico-Teológicos do Casamento e da Família. Viçosa, M.G.: Ultimato, 1996.
2. Plekkper, Robert J. Divórcio à Luz da Bíblia. São Paulo: Vida Nova, 1988.
3. Shedd, Russell P. O Novo Comentário da Bíblia, vol.II. São Paulo: Vida Nova, 1990.
4. Ultimato, Revista. Ano XXXIII, n.º 265. Artigo: Casamento, Beleza e Transcendência – pp. 25 a 33.
Rev. Baltazar Lopes Fernandes
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