04 outubro 2006

Deus não precisa de advogados

As tragédias que afetam o mundo levantam antigos questionamentos acerca da Providência de Deus. Inclusive a fatídica questão se Deus é poderoso e bom, como pôde acontecer tamanha tragédia? Se Ele é onipotente e nada fez, resta-nos pensar que não é bom. Mas, se Ele é bom e nada fez que pudesse evitá-la, a conclusão óbvia é que não é onipotente? Artilharia pesada volta-se contra Deus. Mas não há necessidade de corrermos em auxílio do Senhor, Ele não precisa de advogados!

Não pretendo com este artigo defender ou justificar os atos de Deus. O soberano juiz não precisa de advogados. Ele não é um réu sentado e acusado numa cadeira num canto indefeso. Nem mesmo solicitou para que justificássemos o porque Ele fez, ou deixou de fazer! Os teólogos adeptos do Open Theism [teísmo aberto ou também conhecida como teologia relacional] têm usado como munição argumentos que questionam a chamada “concepção clássica de Deus”. Como este movimento de “reformar nosso entendimento de quem Deus é” ainda está desenvolvendo os seus tentáculos, não podemos generalizar, e pensar que todos os seus intérpretes tenham as mesmas premissas e conclusões. Mas o zigoto desta heresia está fecundado e precisa ser abortado.

Deus continua sendo Deus. A ortodoxia tem declarado um só Deus em três Pessoas: Pai, Filho e Espírito Santo. Que Ele é perfeito, imutável, independente, infinito, eterno e pessoal, santo, bondoso, sábio, justo, verdadeiro em seu Ser. É Criador e Senhor de todas as coisas. É providente em todas as Suas obras. A Sua soberania é absoluta sobre tudo e todos.

Diante de qualquer que sejam as tragédias a nossa cosmovisão em relação a Deus pode ser resumida basicamente a três opções. Primeiro, podemos vê-lo como um Deus culpado. Isto pressupõe que embora sendo soberano é indiferente às necessidades da humanidade, Deus tem o dever de cuidar da humanidade, e não o faz, sendo por isso irresponsável, torna-se culpado por nossas calamidades. Conforme essa perspectiva somos vítimas nas mãos de Deus. Devemos honestamente refletir: Ele sente prazer no cheiro de sangue? Talvez, a primeira reflexão que devemos fazer é se Deus realiza o bem-estar de suas criaturas por dever, ou por graça? O próprio Senhor nos escolheu para um relacionamento pactual em amor. Amou de tal maneira, que enviou o Seu unigênito para morrer tão humilhante e dolorosa morte em nosso lugar. Cristo recebeu toda a punição que era nossa, sendo o nosso inferno derramado sobre Ele na cruz! Deus Pai jorrou a Sua ira contra o Seu amado Filho. Esta é a graciosa mensagem do Evangelho, não uma interpretação teológica medieval, concebendo Deus como um mero déspota suserano em sua vil administração feudal. O apóstolo Paulo diz que “nós, porém, pregamos a Cristo crucificado, o qual de fato, é escândalo para os judeus e loucura para os gentios” (1 Co 1:23, NVI).

Na seqüência das implicações do Open Theism, a segunda opção é concluir que Deus é um tolo incapaz. Ou, Ele é um tolo, pois, não sabe o que é melhor para as suas criaturas, ou é incompetente para realizar o melhor para o bem-estar delas! Esta concepção de Deus nivela o Criador com a criatura. Ele é um de nós melhorado. Mas nem tanto! Se Deus decidiu não saber, Ele também poderia ser considerado um irresponsável diante da tragédia. Pois se Ele tivesse exercido a Sua onisciência, então Ele poderia saber e fazer o melhor! Mas se Ele decidiu não saber o que aconteceria, então foi incompetente para evitar a calamidade. Assim, Deus não pode ser considerado Deus, pois havia uma força maior em ação enquanto Ele estava apenas observando passivamente o que estava acontecendo, assustado com o que para Ele era imprevisto, incapaz de conter o mal, e agora senta e chora, pois, não consegue nem sequer enxugar as lágrimas da tragédia que não pôde evitar! Tolo ou incompetente por não exercer a Sua onisciência? Ou ambos? Qualquer pessoa com um pouco de sensatez numa situação tão óbvia saberia o que escolher e fazer. Mas, contra esta conclusão o soberano Deus adverte “pois os meus pensamentos não são os pensamentos de vocês, nem os seus caminhos são os meus caminhos”; declara o SENHOR. “Assim como os céus são mais altos do que a terra, também os meus caminhos são mais altos do os seus caminhos, e os meus pensamentos, mais altos do que os seus pensamentos” (Is 55:8-9, NVI).

A última opção, e esta sendo a melhor, é receber como verdade o que Deus revela de Si mesmo na Sua Palavra. Deus é absolutamente soberano. Toda a criação está sob o Seu meticuloso cuidado. Todos os acontecimentos, mesmo as tragédias mais dolorosas, fazem parte do seu propósito eterno. Mas ao mesmo tempo em que Ele cuida, também exerce juízo sobre a criação. O exercício parcial de Sua ira manifestando-se em punições temporais, também coopera na Sua Providência. O apóstolo Paulo declara com vigorosa convicção que “sabemos que Deus age em todas as coisas para o bem daqueles que o amam, dos que foram chamados de acordo com o seu propósito” (Rm 8:28, NVI). Ele tem domínio sobre o mal, a ponto de poder usá-lo e transformá-lo em bem (Gn 50:20).

Pecadores não são coitadinhos, e Deus não é terrorista. Vamos fingir que os afetados pelas tragédias são pessoas inocentes diante do santo Deus? O salário do pecado não mudou. Deus perdeu o direito de ser justo! A ira de Deus tornou-se passiva, ou foi afrouxada? É possível que a divindade reinventada pelo Open Theism seja um Deus santo que caiu nas mãos de pecadores irados!

Ainda cabe uma questão para os adeptos desta nova heresia. O que diríamos do inferno? Um Deus de amor condenaria pobres humanos que viveram na ignorância do Evangelho, e por causa de sua cultura pagã tiveram uma vida miserável, e ainda por fim seriam condenados a sofrer a punição divina por toda eternidade, não tendo em vida, nem após a morte, um instante de alívio de seu sofrimento existencial? Não é de se estranhar que o próprio Clark H. Pinnock tenha abandonado a crença de uma punição final eterna [1]. Ora, o Deus que não tem supremacia para decidir sobre os vivos, não pode condená-los após a sua morte!

Deus não deveria também amar os demônios? Se Satanás e seus anjos são Suas criaturas, semelhante aos seres humanos, por que razão Deus os despreza tanto? Deus na eternidade não sabia da conspiração de Satanás, ou não pôde evitá-la? Mas, mesmo depois de caídos e contaminados pelo mal, Deus não poderia, por amor, dar uma segunda chance? Afinal, qualquer um poderia se encontrar na mesma condição se estivesse absolutamente sem a influência da graça de Deus! Deus não se importa com o sofrimento dos demônios? Estas são questões que sinceramente desejaria que um teólogo do Open Theism respondesse de forma coerente.

Podemos imaginar adeptos do Open Theism parafraseando Gn 1:26: façamos Deus a nossa imagem e semelhança. Esta tem sido a tarefa destes teólogos. Reconstruir uma teologia de um deus que se limita, tornando-se mais frágil e um pouco mais humano. Mas, nunca podemos nos esquecer que a Sua transcendência permanece sendo uma de Suas perfeições imutáveis. O profeta Isaías registra “com quem vocês vão me comparar? Quem se assemelha a mim? Pergunta o Santo” (Is 40:25).

Redefinir a nossa concepção de Deus não enxugará as lágrimas dos olhos dos enlutados. O Open Theism não é capaz de consolar ninguém. Que consolo pode ter alguém ao ouvir: Deus quis, mas não pôde fazer nada! Ou, Deus não previu este acidente. Ouvir que Deus está chorando comigo, porque não pôde fazer nada, não conforta, apenas aumenta a incredulidade e o desespero. Quem afinal governa o mundo? Seria a pergunta mais responsável a se fazer.

Deus não fica impassível diante do sofrimento. Na boca do profeta Ezequiel Ele diz: “Teria eu algum prazer na morte do ímpio? Palavra do Soberano, o SENHOR. Ao contrário, acaso não me agrada vê-lo desviar-se dos seus caminhos e viver?” (Ez 18:23, NVI). O Senhor consola os abatidos. É Ele quem ordena “aquietai-vos e sabei que eu sou Deus; sou exaltado entre as nações, sou exaltado na terra” (Sl 46:10, ARA). Ele em Sua Providência sustenta toda a criação “porque ele faz raiar o seu sol sobre maus e bons e derrama chuva sobre justos e injustos” (Mt 5:45, NVI). Sendo que “toda boa dádiva e todo dom perfeito vêm do alto, descendo do Pai das luzes, que não muda como sombras inconstantes” (Tg 1:17, NVI). No fim, quando Ele retirar a maldição e restaurar toda a criação (Rm 8:18-25), então “Ele enxugará dos seus olhos toda lágrima. Não haverá mais morte, nem tristeza, nem choro, nem dor, pois a antiga ordem já passou” (Ap 21:4, NVI).

Deus não necessita de advogados. Ele é o “Eu Sou o que Sou” (Êx 3:15).

Notas:
[1] - Clark H. Pinnock, Deus Limita Seu Conhecimento in: Predestinação e Livre-Arbítrio (São Paulo, Ed. Mundo Cristão, 1996), pp. 173-197.
[2] - Clark H. Pinnock, The Destruction of the Finally Impenitent in: Criswell Theological Review, Spring 1990, vol. 4, número 2, pp. 243-259.

Rev. Ewerton B. Tokashiki

Um comentário:

bernardo silva disse...

Muito bom graça e paz.