26 outubro 2006

A Igreja Luterana é teologicamente luterana?

Lendo os escritos confessionais da Igreja Luterana, bem como a teologia expressa por seus dogmáticos, especialmente os de orientação conservadora como John T. Mueller e Edward W.A. Koehler,[1] percebe-se claros elementos de sinergismo na antropologia e na soteriologia. O determinismo teísta e o monergismo teológico de Lutero foram diluídos na teologia luterana, no período do escolasticismo protestante, tendo início esse processo na segunda metade do século XVI com os escritos posteriores e revisados de Felipe Melanchthon.

O historiador luterano Bengt Hägglund observa que para Felipe Melanchthon a conversão “resulta de três fatores: A Palavra, o Espírito Santo e a vontade humana. Num suplemento que apareceu pela primeira vez nos Loci de 1548, a primeira edição publicada após a morte de Lutero, esta idéia foi desenvolvida mais ainda.”[2] Essa mudança doutrinária em direção ao sinergismo teológico, foi um dos principais motivos que deu origem a uma série de controvérsias entre os luteranos, entre aqueles que conservavam a posição original ensinada por Lutero, e o outro grupo que adotava o esquema teológico de Melanchthon.

Felipe Melanchthon em sua Loci Communes Theologici inicialmente também compartilhava da mesma posição antropológica e soteriológica que Lutero, Zwínglio e Calvino, contudo, posteriormente se distanciou, adotando uma posição mais sinergista.[3] Calvino que chegou a prefaciar a edição francesa das Loci Communes Theologici, porém, numa carta posterior, expressou surpresa pela posição sinergista que Melanchthon havia assumido, mesmo assim, manteve amizade com ele, depois de sua mudança de opinião.[4] Deve ser esclarecido que os luteranos, em geral, mantém uma fidelidade com a eclesiologia de Lutero.

O dogmático luterano Carl E. Braaten confirma que "a pequena dogmática de Melanchthon passou por uma série de edições e atingiu sua forma final em 1559 sob o título Loci Praecipui Theologici. O pensamento de Melanchthon havia evoluído neste meio tempo. Na obra anterior, a influência de Lutero era dominante; o impacto do evangelho produziu novas percepções dogmáticas em questões básicas como livre-arbítrio, pecado, lei justificação, fé, obras, Batismo e Ceia do Senhor. Em sua última edição, Melanchthon começou a restaurar certas doutrinas da tradição escolástica, sem revisá-las à luz das novas percepções da Reforma. Os métodos e categorias de Aristóteles, que Lutero havia rejeitado, foram reintroduzidos no sistema teológico. Assim, a obra posterior de Melanchthon formou uma ponte para a subseqüente dogmática do escolasticismo protestante."[5]

Heinrich Heppe comentando as opiniões dos teológos reformados sobre a passividade humana na regeneração, observa que "é neste sentido [monergista] que todos os dogmáticos reformados [calvinistas] falam a respeito da conversão, exceto os antigos mestres reformadores alemães da escola de Melanchthon, Hemming, Sohn, Ursin, Pezel e tantos outros, que semelhante às Confissões Reformadas de Anhalt e Nassau representam a doutrina Melanchthoniana da conversão, em sua inteira peculiariedade, apresentando essenciais modificações." [6]

Outro historiador luterano, Martin N. Dreher, observa que “os Artigos de Esmalcada só passaram a fazer parte do corpo de escritos confessionais da Igreja Luterana em 1580. Essa observação é interessante, pois mostra que, na codificação pública de sua fé, a Igreja Luterana é mais ‘melanchthoniana’ do que ‘luterana’”.[7]

Notas:
[1] Refiro-me aos conservadores por serem comprometidos não somente com a autoridade das Escrituras, mas também com uma séria adoção dos escritos confessionais luteranos, ao contrário de teólogos luteranos como Carl E. Braaten, Robert W. Jenson, Gerhard O. Forde, Phillip J. Hefner, Hans Schwarz que mantém mais intimidade com a neo-ortodoxia do que com o luteranismo histórico.
[2] Bengt Hägglund, História da Teologia (São Leopoldo, Concórdia Editora Ltda, 4a.ed., 1989) p. 213
[3] Paul K. Jewett, Eleicción y Predestinación (Jenison, TELL, 1992) p. 13
[4] Letters of John Calvin Select from the Bonnet Edition (Edinburgh, The Banner of Truth Trust, 1980), p. 159-162. Esta carta é datada de 27 de Agosto de 1554.
[5] Carl E. Braaten & Robert W. Jenson, ed., Dogmática Cristã (São Leopoldo, Editora Sinodal, 1990), vol. 1, p. 56
[6] Heinrich Heppe, Reformed Dogmatics (London, Wakeman Great Reprints, s./d.), p. 521
[7] Martin N. Dreher, A Crise e a Renovação da Igreja no Período da Reforma (São Leopoldo, Editora Sinodal, 1996), p. 38

Rev. Ewerton B. Tokashiki

10 comentários:

Portella disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
tripoco disse...

essas obras de melanchton foram editadas no nosso pais em bom e suave português ????

Anônimo disse...

oi tripoco

Até onde sei não conheço nenhuma obra de Melanchthon publicada em português, conheço apenas edições em inglês e espanhol. Mas, caso vc se interesse em pesquisar indico que consulte o [luteranos] Prof. Paulo Weirich (weirich@ulbranet.com.br), ou Prof. Dr. Manfred Zeuch (mzeuch@gmail.com). Caso você descubra algo me avise, ok?

Abraços
Pr Ewerton

Anônimo disse...

Querido Ewerton, graça e paz!
Aconselho uma leitura cautela da Dogmática Cristã - Um manual sistemático dos ensinos bíblicos, John Theodore Mueller, Ed. Concórdia.
Penso que o reverendo esteja totalmente equivocado em suas colações!
Menlanchton era um simpatizante do catolicismo querendo, inclusive, retornar ao seio da ICAR, por isso, este não tem "força" teológica no seio luterano; o que não era o caso de Martin Luther.
É evidente que em todas as denominações temos obreiros descomprometidos com a dogmática de sua igreja, até mesmo na Igreja Presbiteriana!
Abraço fraterno!
Rev. Ailton
Pastor luterano

Anônimo disse...

Concordo plenamente com o Rev. Ailton. A Igreja Evangélica Luterana do Brasil não aceita os escritos de Melanchton desse período e zela pela doutrina luterana. Embora, como Ailton afirmou, alguns pastores não são fiéis à doutrina e inserem em seus ensinos doutrinas estranhas à teologia luterana. Ao contrário de Rogério Portella, o que me mantém na IELB é a sua doutrina, a mais consoladora que encontrei.
É uma pena que, na maioria da vezes, os estudos sobre a doutrina luterana sejam baseados em documentos ultrapassados e descontextualizados.
Minha sugestão é que se faça uma nova pesquisa indo ao encontro da IELB e solicitando os documentos e escritos realmente usados na igreja.
Um abraço, em Cristo Jesus.
Rev. Cezar Schuquel
Pastor da IELB

PR.AMARANTE disse...

"Quando fiz BACHARELADO EM TEOLOGIA-BH/GRADUAÇÃO DO MEC,tive aula com um professor de história do cristianismo que dizia que a igreja luterana era a mais próxima do catolicismo,calro abolindo muitos fatos relevantes,por exemplo o Batismo infantil conforme o livro da Doutrina Cristã-da ed.concórdia,porém nós luteranos somos os mais protestantes de todas denominações, pois as teses e o brado saiu de um filho de mineiro na TURÍNGIA-ALEMANHA,GRANDE LUTHER.

Anônimo disse...

Vamos parar de descutir teologias, é importante que estudamos ela, mais o mais importante é o Senhor JESUS CRISTO,que é o autor da nossa salvação. Portanto não quero saber porque o céu é azul ou a água é molhada, pois seio que foi o criador , e não as criaturas que criaram tudo isso. Quem foi que morreu na cruz?.É tempo da graça, mediante a fé, e não histórias, daqui a pouco esquecemos de Deus, se fomos nos baziar em histórias ou reformadores. Eles já fizeram a parte deles, agora é hora de conhecermos a história verdadeira, a de Deus, CRISTO JESUS, O SALVAODR. Já chega...

Ewerton B. Tokashiki disse...

Caros irmãos de tradição luterana

Permitam-me esclarecer que o meu objetivo neste breve artigo é simplesmente concluir uma opinião que tenho encontrado afirmado em alguns textos, especialmente de autores luteranos. Em minha leitura da "De Servo Arbitrio" de Lutero encontro distanciamento da teologia luterana posterior, especialmente nos seus dogmáticos como Pieper, Muller e Koehler.

Parece-me que a causa deste afastamento da "pura teologia" de Lutero acerca do livre arbítrio [tão crucial como ele mesmo declara à Erasmo no prefácio da obra] em parte se deu em Melanchthon e nos documentos que harminisaram a teologia dos "puros luteranos" e a "teologia de Wittenberg" após o conflito que se deu por causa do preceptor da Alemanha.

Existe uma tradução da edição original da Loci Communes (1521) antes dele tornar-se sinergista, o que pode ser observado na 2a. edição revisada de 1535, e ele mesmo se declara no prefácio da tradução alemã de 1542. Lamento que vocês tratem-no como um traidor, enquanto assimilam a sua teologia, parece-me ser isto uma incoerência.

Mui respeitosamente.
Seu servo em Cristo,
Ewerton B. Tokashiki

Anônimo disse...

bom comeco

loginn logann disse...

Lamentavelmente não há o que poderiamos chamar de "igreja luterana" - Somente nos Estados Unidos o número das registradas excede a centena!!!
Aqui no Brasil, as duas maiores denominações conhecidas como "luteranas": a Igreja Evangélica de Confissão Luterana NO BRasil e a a Igreja Evangélica de Luterana DO BRasil são praticamente opostas na sua teologia embora participem juntas e muito ativamente no ecumenismo...(???)
Não é possível tomar as expressões de teólogos da IECLB e afirmar que isso é o luteranismo...seria algo como estudar a Ig. Presbiteriana dos EUA e afirmar que a Ig. Ev. Presbiteriana do Brasil acredita assim!!! (ou como ler o Caio Fábio de Araújo Filho e afirmar que o irmão pensa assim também)
Convido-lhe a visitar o blog:
http://igrejacristadareformaluterana.blogspot.com/
Boa leitura, agradeço a deferência

Rev. Gustavo Pereyra
Pastor Luterano na República do Rio Grande do Sul