25 dezembro 2011

Evangelicalismo enfermo

O que uma vez foi falado das igrejas liberais precisa ser dito das igrejas evangélicas: elas buscam a sabedoria do mundo, creêm na teologia do mundo, seguem a agenda do mundo, e adotam os métodos do mundo. De acordo com os padrões da sabedoria mundana, a Bíblia torna-se incapaz de alimentar as exigências da vida nestes tempos pós-modernos. Por si mesma, a Palavra de Deus seria insuficiente de alcançar pessoas para Cristo, promover crescimento espiritual, prover um guia prático, ou transformar a sociedade. Deste modo, igrejas acrescentam ao simples ensino da Escritura algum tipo de entretenimento, grupo de terapia, ativismo político, sinais e maravilhas - ou, qualquer promessa apelando aos consumidores religiosos.

De acordo com a teologia do mundo, pecado é meramente uma disfunção e salvação significa desfrutar de uma melhor auto-estima. Quando esta teologia adentra a igreja, ela coloca dificuldades em doutrinas essenciais como a propiciação da ira de Deus substituindo-a com técnicas e práticas de auto-aceitação. A agenda do mundo é a felicidade pessoal, assim, o evangelho é apresentado como um plano para a realização pessoal, em vez de ser a caminhada de um comprometido discipulado. Para terminar, vemos que os métodos do mundo nesta agenda egocêntrica é necessariamente pragmática, sendo que as igrejas evangélicas estão se esforçando a todo custo em refletir o modo como elas operam. Este mundanismo tem produzido o "novo pragmatismo" evangélico.

Extraído de James M. Boice & Philip G. Ryken, The Doctrines of Grace, pp. 20-21
Traduzido por Ewerton B. Tokashiki

08 dezembro 2011

Eu creio em sola Scriptura

O propósito deste artigo é apresentar que como herdeiros da Reforma recebemos e preservamos o legado do princípio sola Scriptura. Este é o pilar fundamental para todos os outros, e ao mesmo tempo norteador essencial da nossa identidade reformada. O presbiterianismo possui o seu sistema doutrinário centrado na Escritura Sagrada. Desde a Reforma do século XVI foi ensinada a doutrina da sola Scriptura – ou seja, que a Escritura é a única fonte e regra de autoridade. Isto significa que a base da nossa doutrina, forma de governo, culto e práticas eclesiásticas não está no tradicionalismo, racionalismo, subjetivismo, relativismo, pragmatismo, ou no pluralismo, mas extraída e fundamentada somente na Escritura Sagrada, porque cremos que ela é a verdade absoluta revelando a vontade de Deus.

O princípio da sola Scriptura não exclui outras referências de autoridade. Isto significa que
só a Bíblia tem autoridade de obrigar a consciência dos crentes. Os protestantes reconheciam outras formas de autoridade, como cargos da igreja, magistrados civis, credos e confissões eclesiásticas. Mas viam essas autoridades como sendo derivadas de e subordinadas à autoridade de Deus. Nenhuma dessas autoridades menores era considerada absoluta, porque todas elas eram capazes de erro. Somente Deus é infalível. Autoridades falíveis não podem constranger a consciência de modo absoluto; este direito é reservado somente a Deus e à sua Palavra.[1]

A Escritura Sagrada é a autoridade suprema em que todas as questões doutrinárias e eclesiásticas devem ser decididas (Dt 4:2). Esta doutrina é importantíssima para a purificação da Igreja. Tudo o que nela não se lê, nem por ela se pode provar, não deve ser exigido de pessoa alguma que seja crido como artigo de Fé ou, julgado como exigência ou, necessário para a salvação. Na Bíblia o homem encontra tudo o que precisa saber, e tudo o que necessita fazer a fim de que seja salvo, e viva de modo agradável a Deus, servindo e adorando-O (2 Tm 3:16-17; 1 Jo 4:1; Ap 22:18). Somente a Escritura Sagrada é autoridade absoluta para definir as nossas convicções, porque apenas nela encontramos a verdadeira sabedoria do alto. Ela rege as nossas decisões e molda o nosso comportamento, como também determina a qualidade dos nossos relacionamentos.

NOTAS:
[1] R.C. Sproul, O que é teologia reformada – seus fundamentos e pontos principais de sua soteriologia (São Paulo, Editora Cultura Cristã, 2009), p. 35.

06 dezembro 2011

Os livros apócrifos da Bíblica católica

Nem sempre a Igreja Católica Apostólica Romana aceitou os Apócrifos como inspirados. Isto significa dizer que enquanto os reformadores não declararam "sola Scriptura" não provocou a resposta da Igreja Católica Romana sobre o que ela considerava "Escritura Sagrada". Hulrich Zwingli foi um dos primeiros a declarar formalmente o princípio da sola Scriptura em seu texto conhecido como as "67 Conclusões", considerada a primeira confissão doutrinária da Reforma.

No Concílio de Trento (1545-1563) na 4ª sessão de 8 de Abril de 1546 no Decreto Concernente às Escrituras Canônicas lemos a decisão:
Mas se alguém não recebê-los [os apócrifos] como sagrados e canônicos os livros completos e em todas as suas partes, conforme têm sido usados para leitura na Igreja Católica, como se contém na velha edição Vulgata; e conhecendo-a, conscientemente condenar as tradições citadas, que seja anátema.[1]

Esta decisão da Igreja Romana implicou que ao adotar a Vulgata Latina como texto padrão oficial, ela endossou todos os livros apócrifos que esta tradução continha. A Vulgata é uma tradução latina da Bíblia feita em 382-385 d.C., baseanda no Antigo Testamento na Septuaginta[2] e não do texto hebraico original. O seu tradutor foi Sofrônio Eusébio Jerônimo (340-420 d.C.). Em outras palavras a Vulgata Latina é uma tradução de outra tradução. O resultado foi que o cânon [coletânea] católico possui 7 livros a mais (Tobias, Judite, 1 e 2 Macabeus, Sabedoria, Eclesiástico, Baruc) e alguns acréscimos nos livros de Ester e Daniel, diferindo da original Bíblia Hebraica.[3]

NOTAS:
[1] Phillip Schaff, The Creeds of Christendom (Wm. B. Eerdmans Publishers), vol. 2, pág. 82.
[2] A Septuaginta (LXX) é a tradução do Antigo Testamento feita entre 200 a 150 a.C., por uma equipe de 70 judeus. Embora a tradução foi realizada à partir do texto hebraico, foram acrescentadas vários outros livros religiosos, escritos em grego, que circulavam entre judeus. Norman Geisler & William Nix, Introdução Bíblica (Editora Vida), pp. 196 e 213.
[3] Catecismo da Igreja Católica, Parte I, cap. II, art. 3. iv, (Editora Vozes), p. 43

16 novembro 2011

A base teológica do presbiterianismo

O sistema de governo presbiteriano significa que somos regidos pelos presbíteros. Não somos congregacionais (onde todos decidem pelo voto direto), nem episcopais (onde apenas um superior decide sobre os demais), mas somos uma igreja democrática que é representada pelos presbíteros escolhidos pela igreja local e, que a governa. Segue abaixo os princípios do nosso sistema de governo:[1]

1. Cristo é a cabeça da sua Igreja e a fonte de toda a sua autoridade. Esta autoridade encontra-se escrita na Escritura, de modo que, todos têm acesso ao seu conhecimento.

2. Todos os crentes devem estar unidos entre si e ligados diretamente a Cristo, assim como os diversos membros de um corpo, que se subordinam à direção da cabeça.

3. Cristo exerce a sua autoridade em sua Igreja, por meio da Palavra de Deus e do seu Espírito.

4. O próprio Cristo determinou a natureza do governo de sua Igreja.

5. Cristo dotou tanto a membros comuns como aos oficiais da sua Igreja com autoridade, sendo que os oficiais receberam adicional autoridade, como é requisito para realização dos seus respectivos deveres.

6. Cristo estabeleceu apóstolos como os seus substitutos, entretanto, eram de caráter transitório. O ofício de apóstolo cessou, mas a sua autoridade é preservada pelos seus escritos, isto é, o Novo Testamento.

7. Cristo providenciou para o específico exercício da autoridade por meio de representantes (os presbíteros), a quem separou para a preservação da doutrina, adoração e disciplina na Igreja. Os presbíteros têm a responsabilidade permanente de pastorear a Igreja de Cristo.

8. A pluralidade de presbíteros numa igreja local é a liderança permanente até a segunda vinda de Cristo.

NOTA:
[1] Adaptado de Robert L. Reymond, A New Systematic Theology of the Christian Faith, (Nashville, Thomas Nelson Publishers, 2ªed.rev., 1997) pp. 902-903.

06 novembro 2011

Presbíteros devem ser irrepreensíveis


O presbítero é um episcopos, isto é, um supervisor do rebanho de Deus. Ele tem a responsabilidade de supervisionar interna e externamente a comunidade que está sob os seus cuidados. A sua supervisão tem uma natureza interna porque ele precisa olhar entre as ovelhas como elas estão, e como se comportam, e se estão saudáveis espiritual, moral e doutrinariamente. Ele deve se informar se as famílias sob o seu pastoreio estão vivendo de acordo com a Palavra de Deus. Ao mesmo tempo, ele tem o dever de supervisionar externamente contra os lobos, os falsos mestres e alertar o rebanho contra todo falso profeta, bem como os ventos de doutrina que se aproximam do seu redil. Para exercer o seu chamado, o presbítero necessita de autoridade, senão, as ovelhas sob o seu cuidado não lhe darão ouvidos e correrão o risco de dispersar ou de serem dissipadas pelo perigo externo. Por não terem uma referência saudável, elas tenderão ao mundanismo.

Esta sublime tarefa exige que o supervisor seja de caráter irrepreensível, ele precisa ser livre de acusações dos seus adversários. A palavra no grego é anepílémptos que significa não exposto ao ataque, ou seja, ele não pode ser merecedor de censura. Samuel Miller alerta que

talvez não exista na sociedade humana situação que reclame mais imperiosamente por delicadeza, precaução, reserva, e a mais vigilante discrição, do que a de um governante eclesiástico.[1]

O presbítero não pode armar os seus inimigos com argumentos que venham usar contra ele. Como supervisor, ele deve primeiramente ser vigilante com os seus impulsos pecaminosos, para que não seja reprovado, no que precisa ser referência.

Isto não significa que ele seja perfeito, ou infalível, ou que não peque mais. Ele ainda luta contra a sua velha natureza, e é consciente de suas limitações. Mas o que está em evidência em sua vida é o seu compromisso com Cristo, a sua maturidade, uma vida de transformação, o seu amor pelo Redentor está em relevo. Ele é padrão para os jovens e novos convertidos, de modo que todo o rebanho o tenha como referência ética e firmeza doutrinária. A sua vida não pode de modo algum ser caracterizada pela necessidade de contínuas repreensões, de modo que todos percebam que ele não pode ser exemplo, nem representante do rebanho de Cristo. Se nele não está em evidência as virtudes de Cristo, então, ele não pode conduzir, nem supervisionar as ovelhas do Senhor, pois o seu comportamento é vazio de autoridade para exortar, confrontar e liderar. Em outras palavras, ele simplesmente não tem autoridade.

NOTA:
[1] Samuel Miller, O Presbítero Regente (Editora Os Puritanos), pág. 44.

31 outubro 2011

Carta de Lutero contra Johannes Eck

Meu querido Eck está indignado, prezado leitor. Consagrou à cátedra apostólica outra folha de debate, cheia de sua raiva e acusações contra mim, acrescentando às suas teses anteriores outra, violentamente indignada. Isso representa uma bela ocasião para responder de uma vez por todas às suas calúnias, se eu não tivesse certo receio de que isso poderia atrapalhar o futuro debate. Mas tudo tem seu tempo. Por ora basta. Citando várias sentenças de alguns santos pais, Eck acusou-me de inimigo da igreja. Compreenda isso da seguinte maneira, prezado leitor: Por "igreja" ele designa suas opiniões e as de seus "heróis que se empenharam pela causa das indulgências". Isso porque ele é um consagrador da cátedra apostólica e fala à maneira de seus supostos heróis que usam as palavras da Escritura e dos pais, como Anaxároras[1] lidava com os elementos. Depois de tê-los dedicado à cátedra apostólica, as palavras rapidamente se transubstanciam (a bem dizer: prodigiosamente) em que quer que seja. Prestam-se também para significar aquilo que ou sonham em delírio, ou fantasiam na impotência de sua inveja feminil; e, finalmente, seus conhecimentos tão pouco lhes adiantam, que até aquilo que de bom aprenderam, jamais compreendem bem, e, como o diz o Apóstolo: Não entendem nem o que dizem nem os assuntos sobre que fazem afirmações (1 Tm 1:7), isto é, não sabem compor predicado com sujeito nem sujeito com predicado numa sentença catagórica. Esperamos que, no debate vindouro, ele com igual habilidade, ainda nos apresente outros testemunhos, para que também as crianças tenham algo com que se divertir.

Eu havia esperado que Eck conhecesse a limitação de sua cabeça através da carta de Erasmo, o mestre das ciências, e depois, através da insuperável "Defesa do Dr Carlstadt"[2]; mas a paciência de Eck supera a tudo; mesmo que desagrade a todos os demais, já lhe basta agradar ao menos a si mesmo e a seus heróis. Mas que ele me difame como herege e boêmio,[3] afirmando que estou queimando cinzas velhas e etc, isto ele o faz por sua modéstia ou por seu ofício de consagrante, pelo qual tudo que ele consagra está consagrado, não usando outro óleo senão o veneno de sua línguas. Como não tolero semelhante ultraje, saiba, entretanto, prezado leitor, que, no que tange a autoridade exclusiva do pontífice romano, não desprezo o venerável consenso de tantos fiéis na Itália, Alemanha, França, Espanha, Inglaterra e outros países. Somente uma coisa peço ao Senhor: que jamais permita que eu diga ou sinta algo que agrade a Eck, tal como ele é agora; nem que eventualmente, por causa do livre arbítrio, eu publicamente exponha ao ridículo a Cristo, Filho de Deus, nem que por causa da igreja romana eu negue que Cristo vive e reina na Índia e no Oriente; ou que - para propor também eu enigma a este festivo fazedor de enigmas - eu não volte a abrir, junto com Eck, a cloaca constantinopolitana nem celebre os antigos homicídios da África como novos martírios da igreja. Para que não sirva de tropeço seu enigma envenenado, saiba, estimado leitor, que não poucos incluem entre os artigos de João Huss também aquele em que ele afirmou que a supremacia do papa se deve ao imperador, o que também Platina[4] escreve claramente. Eu, em contrapartida, expus que essa mesma supremacia se prova por decretos pontificiais, e não por ordens imperiais. Assim a mesma igreja lateranense canta alegremente em verso que, no que se refere ao alcance de sua autoridade, tanto por decreto do papa, como pelo do imperador, ela é mãe das igrejas, etc. Esses versos são bem conhecidos. O que há, então? Necessariamente para Eck a mesma igreja seria também hussita e estaria reavivando velhas cinzas. Então, já que ela canta or ordem do papa com a concordância dos cardeais, de toda Roma e da igreja universal, não admira que Eck, enfastiado das cinzas velhas e em virtude de seu ofício de consagrante, deseje dedicar à cátedra apostólica um novo holocausto, reduzindo a novas cinzas o papa, os cardeais e a própria igreja lateranense. Graças a Deus, que resta ao menos um Eck de mentalidade católica, aquele singularíssimo promotor da singularidade, visto que todos os outros estão arruinados pelo veneno da Boêmia. Mas por que haveria de causar surpresa que os sofistas dessa espécie não conhecem os fatos históricos, se nem suas próprias sentenças categóricas não entendem? Eu naturalmente nunca terei esse tema, nem pensei em debater sobre ele. Mas Eck já há muito tempo está ulcerado pela mais profunda inveja contra mim. Ele sabe que essa sentenças são odiosas. Não acreditando numa possibilidade de vitória em outras coisas, ao menos neste ponto esperava que pudesse provocar indignação contra mim, uma vez que aprendeu (como se diz) a bater o cachorro ante os olhos do leão, fazendo de um debate em torno da verdade uma tragédia de inveja. Mas eles que acusem quanto quiserem, consagrem suas adulações à cátedra apostólica, consagrem à cadeira e ao banquinho; eles que consagrem também à caixa apostólica (visto que esta faz parte mais intrínseca da indulgência e da supremacia); eles que fiquem manquejando ao redor do altar de seu Baal, clamem mais alto (porque ele é um deus, ele está conversando, ou a caminho, ou numa estalagem, ou certamente dorme), para que ele venha (1 Reis 18:26ss).

Para mim é suficiente que contra Cristo a cátedra apostólica nada quer nem consegue. Nessa questão também não terei medo nem do papa nem do nome do papa, menos ainda destas peninhas e bonecas[5]. Somente uma coisa espero: Que roubo do meu nome cristão não venha em prejuízo da puríssima doutrina de Cristo. Pois aqui não quero que alguém espere "paciência" de mim, não quero que Eck procure modéstia, seja sob o hábito preto, seja sob o branco[6]. Maldita seja a glória daquela clemência ímpia, com a qual Acabe deixou escapar Ben-Hadade (1 Reis 20:34ss), inimigo de Israel. Pois aqui não quero ser fortíssimo apenas no morder (o que dói a Eck), mas também insuperável em devorar, para que possa devorar de uma só bocada (falando com Isaías 9:11) os Silvestres e Civestres, os Cajetanos e Ecks e o resto dos falsos irmãos que combatem a graça cristã. Eles que amedrontem alguém outro com suas adulações e consagrações; Martinho despreza os sacerdotes e consagradores da cátedra apostólica.

Quanto ao resto, veremos no debate e após ele. Mas também o Dr Andreas Carlstadt, que já agora é vencedor sobre o engano de Eck, virá não como soldado desertor[7], mas receberá confiantemente a este leão morto[8] e por ele derrubado. Entrementes permitimos que a consciência miserável se alegre com a esperança simulada do triunfo e com a vã jactância das ameaças. Por isso também eu acrescento às minhas teses uma décima-terceira, avessa à raiva de Eck: Deus fará com que saia algo de bom do debate que Eck mancha com tanto mal, ódio e infâmia. Passe bem meu caro leitor.

Contra erros novos e velhos Martinho Lutero defende as seguintes teses na Universidade de Leipzing
1. Toda pessoa peca diariamente, mas também todos os dias faz penitência, como ensina Cristo: "Fazei penitência!"[9]; e isso com exceção de um suporto novo justo que não necessita de penitência, apesar de o vinhateiro celeste limpar dia a dia as videiras frutíferas.
2. A pessoa também peca ao fazer o bem e o pecador não alcança perdão em si mesmo, mas apenas pela misericórdia de Deus. Também depois do batismo ainda permaneça pecado na criança. Negar isso significa pisar com os pés de uma só vez a Paulo e a Cristo.
3. Quem afirma que a boa e a penitência começa com a aversão aos pecados, antes do amor à justiça, e nisso a pessoa não mais está em pecado, a este consideramos um herege pelagiano[10], mas também provamos que ele comete uma tolice contra o santo Aristóteles.[11]
4. Deus converte o castigo eterno em pena temporal, ou seja, a de carregar a cruz. Os cânones[12] ou os sacerdotes não tem qualquer poder de impor ou retirá-la, mesmo que o presumam, seduzidos por aduladores nocivos.
5. Todo sacerdote deve absolver o penitente de castigo e culpa, caso contrário ele peca. Da mesma forma peca o prelado superior se ele, sem razão muito forte, guarda para si coisas ocultas, mesmo que essa não tenha sido a prática da igreja, isto é, dos aduladores.
6. Pode ser que as almas satisfaçam no purgatório os seus pecados; mas que Deus exija do moribundo mais do que a disposição para a morte, é uma afirmação temerária e muito vã, porque não pode ser provada de modo algum.
7. E mostra desconhecer o que seja fé ou contrição ou livre arbítrio aquele que balbucia ser o livre arbítrio senhor sobre os atos, sejam bons ou maus, ou aquele que sonha que a pessoa não seja justificada exclusivamente pela fé na palavra ou que a fé não anule toda culpa.
8. Contraria a verdade e a razão afirmar não terem amor aqueles que não querem morrer, e que eles por isso tenham que sofrer o horror do purgatório; isso, porém, é assim somente se verdade e razão forem a mesma coisa que a opinião dos pseudoteólogos.
9. Sabemos muito bem que os pseudoteólogos afirmam que as almas no purgatório estão certas de sua salvação e que a graça não cresce nelas; mas nos surpreendemos que esses senhores eruditíssimos não possam fornecer qualquer fundamentação convincente para essa fé, por menor que seja, nem mesmo para um ignorante.
10. Certo é que o mérito de Cristo constitui o tesouro da igreja e que para ele contribuem os méritos dos santos; mas que esse seria o tesouro das indulgências, isso ninguém faz crer, a não ser um adulador sem-vergonha, os extraviados da verdade e práticas e usos inventados da igreja.
11. Dizer que as indulgências sejam algo de bom para o cristão é falar bobagem; na verdade elas são uma perversão da boa obra. Um cristão deve rejeitar as indulgências por causa do abuso, porque o Senhor diz: "Por causa de mim apago as tuas iniqüidades" (Isaías 43:25), e não por causa do dinheiro.
12. Que o papa poderia dispensar todo castigo devido por causa do pecado, tanto para esta vida como para a futura, e que as indulgências também são úteis para os que nada fizeram de mal, isso sonham sossegadamente sofistas[13] bem desinformados e pestilentos aduladores, se bem que não o consigam demonstrar, nem mesmo em vestígio.
13. Demonstram que a igreja romana é superior a todas as outras. Isso o fazem dos decretos mais frios dos pontífices romanos dos últimos 400 anos. Contra esses, porém, estão as histórias comprovadas de 1100 anos, o texto da Escritura Divina e o decreto do Concílio de Nicéia, o mais sagrado de todos.

NOTAS:
[1] Anaxágoras, filósofo grego, conhecido por apresentar deduções aparentemente lógicas para chegar a conclusões obviamente absurdas.
[2] Defensio Andreae Carlstadii adversus eximii D. Ioannis Eckii monomachian, 1518.
[3] Alusão aos adeptos de João Huss, da Boêmia.
[4] Um dos autores do Liber Pontificalis, coleção de biografias dos papas.
[5] Trata-se de um jogo de palavras no original latino: papa - pappos - puppas.
[6] Os agostinianos (como Lutero) usavam o hábito preto, os dominicanos (Eck), branco.
[7] Eck havia chamado a Carlstadt, em carta, de "soldado covarde".
[8] Quando Eck quis inculpar a Tetzel, Carlstadt lhe escreveu que desejava lutar com um leão, não com um asno.
[9] Mt 4:7.
[10] Pelagianismo - doutrina do heresiarca inglês Pelágio (século V), a qual nega o pecado original e a corrupção d a natureza humana.
[11] Isto é, não sabem raciocinar logicamente.
[12] Cânone: cada uma das prescrições da lei eclesiástica que rege a vida do fiel católico.
[13] Designação pejorativa dos escolásticos.


Extraído de Martinho Lutero, Pelo evangelho de Cristo (Porto Alegre, Concórdia Editora, 1984), págs. 52-57.

29 setembro 2011

Quem foram os puritanos?

O Puritanismo foi um movimento que surgiu dentro do protestantismo britânico no final do século 16. A Inglaterra estava separada da submissão papal, mas não da doutrina, liturgia, e ética católica. O rei inglês Henrique VIII por motivos pessoais, e não por convicção teológica liderou uma reforma política no Reino Unido (Inglaterra, Escócia, Irlanda e País de Gales) que defendia o rompimento com a Igreja Católica Romana, vindo a originar-se a Igreja Anglicana. O monarca inglês faleceu e o seu filho, Eduardo VI, tornou-se rei em seu lugar. O jovem regente inglês possuía conselheiros influenciados pela Reforma protestante. Alguns teólogos e professores foram convidados para liderar a Reforma na Inglaterra. Entretanto, este projeto não foi adiante, pois o novo rei veio a falecer prematuramente. A sua irmã mais velha, Maria Tudor, a sangüinária, assumiu o trono ordenando a morte de todos os protestantes, prendendo e expulsando muitos outros do Reino Unido.

Em 1559, Elizabeth sucedeu à sua meia-irmã Maria Tudor. A nova rainha da Inglaterra era simpatizante da Reforma. Ainda em 1559, solicitou a revisão do Livro Comum de Oração, e editou em 1562, os 39 Artigos de Fé[1] como padrão doutrinário da Igreja Anglicana.[2] Autorizou a volta dos reformadores ingleses exilados. Todavia, os que retornaram estavam insatisfeitos com a lenta e parcial Reforma eclesiástica que Elizabeth estava realizando. Justo L. González comenta que os que foram expulsos “trouxeram consigo fortes convicções calvinistas, de modo que o Calvinismo se estendeu por todo o país.”[3] Eles haviam contemplado o que os princípios da Reforma poderiam fazer em outros países, agora estavam comprometidos em aplicá-los em sua terra natal.

Os que defendiam que a Igreja Anglicana carecia duma completa Reforma foram apelidados jocosamente de "puritanos". De fato, os puritanos acreditavam que a igreja inglesa necessitava ser purificada dos resquícios do romanismo. Eles clamavam por pureza teológica, litúrgica, e moral! Henrique VIII embora discordasse da Igreja Católica acerca dos seus divórcios, ele morreu sustentando o título de Defensor da fé Católica. Mas, os puritanos também ansiavam por mudanças litúrgicas, pois, mesmo a Inglaterra se declarando protestante, a missa ainda era rezada em latim, eram usadas as vestimentas clericais, velas nos altares, e o calendário litúrgico e as imagens de santos eram preservadas. Era uma incoerente ofensa aos reformadores ingleses.

A começar pela liderança da Igreja, a prática do evangelho não estava sendo observada. Os puritanos exigiam não apenas mudanças externas, religiosas e políticas, mas mudança de valores, manifesto numa ética que agradasse a Deus, de conformidade com a Palavra de Deus. Foi por causa deste último ponto que o apelido puritano tornou-se mais conhecido. Eles eram considerados puros demais, porque queriam ter uma vida cristã coerente com a Escritura!

Infelizmente uma caricatura horrível é feita deste movimento. Não poucas vezes os puritanos são criticados e mencionados com desdenho. Entretanto, isto apenas evidencia a ignorância acerca da grandiosa obra e esforço destes homens e mulheres. Muitos perderam a sua vida por serem zelosos com o estudo e ensino das Escrituras Sagradas, e por desejarem viver consistentemente o puro evangelho de Cristo![4]

O presbiterianismo é herdeiro direto deste movimento. Os Padrões de Fé de Westminster são produto da melhor erudição e piedade puritana do século XVII. Os presbiterianos que migraram para os EUA, eram todos puritanos. A oração fervorosa, o culto sóbrio e equilibrado, o estudo da Escritura e a fiel pregação da Palavra de Deus, tanto pelo ensino como pela prática de uma vida simples, eram marcas que distinguiam estes homens, que influenciaram o Cristianismo europeu e norte-americano, e que chegou até ao Brasil.

Notas:
[1] Este documento doutrinário é essencialmente calvinista. Os 39 Artigos de Fé serviram para preparar a abertura de um processo de divulgação do Calvinismo na Igreja Anglicana que culminaria na Assembléia de Westminster (1643-1648), que produziu a Confissão de Fé e os Catecismos Breve e Maior. B.B. Warfield, Studies in Theology in: The Works of. B.B. Warfield, pp. 483-511.

[2] A maioria dos clérigos anglicanos relutam, ainda hoje, em adotar uma posição de consistência teologicamente calvinista. Em geral, os teólogos anglicanos adotam a Via Media, ou seja, eles tentam conciliar a teologia romana com a protestante, e formar um sistema doutrinário sincretista. Veja E.A. Litton, Introduction to Dogmatic Theology (London, James Clark &CO, LTD, 3ªed., 1960), pág. xi-xv. A liturgia anglicana ainda segue o The Book of Common Prayer (Livro Comum de Oração), embora dentro da Comunhão Anglicana cada Província é livre para alterar e adaptá-lo.

[3] Justo González, Visão Panorâmica da História da Igreja (São Paulo, Ed. Vida Nova, 1998), p. 70.

[4] Leitura indispensável sobre este movimento são as obras:
1. D.M. Lloyd-Jones, Os Puritanos - suas origens e seus sucessores (PES).
2. J.I. Packer, Entre os Gigantes de Deus - uma visão puritana da vida cristã (Editora Fiel).
3. Leland Ryken, Santos no Mundo - os puritanos como realmente eram (Editora Fiel).
4. Errol Hulse, Quem foram os puritanos? (PES).
5. Joel Beeke & Randall J. Pederson, Paixão pela pureza - conheça os puritanos (PES).

06 agosto 2011

O "memorial' de Blaise Pascal

Numa noite o matemático e filósofo francês Blaise Pascal teve uma experiência marcante, que veio registrar num pedaço de papel. Este "memorial" manteve costurado em sua roupa, de onde o seu empregado somente o retirou após a sua morte.
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No ano da graça de 1654. Segunda-feira, 23 de Novembro, dia de são Clemente, papa e mártir, e de outros no martirológio. Vigília de são Crisógono mártir e de outros.

De cerca das dez e meia da noite até cerca de meia-noite e meia. Fogo!

"Deus de Abraão, de Isaque e de Jacó" e não dos filósofos e dos sábios. Certeza, certeza, sentimento, alegria, paz. Deus de Jesus Cristo. Deum meum et Deum vestrum. "O teu Deus será o meu Deus." Esquecimento do mundo e de tudo, à exceção de Deus. Que só se encontra pelos caminhos mostrados pelo Evangelho. Grandeza da alma humana. "Pai justo, o mundo não te conheceu, mas eu te conheci." Alegria, alegria, alegria, prantos de alegria.

Mas eu me separara. Dereliquerunt me fontem aquae vivae. "Deus meu, me abandonarias?" Que eu nunca mais me separe dele, eternamente. "Esta é a vida eterna: que te reconheçam como o único Deus verdadeiro e aquele que enviaste, Jesus Cristo." Jesus Cristo, Jesus Cristo. Eu me separara: o afastei, reneguei e crucifiquei. Que nunca mais me separe dele. Que só se conserva pelos caminhos mostrados pelo Evangelho. Renúncia total e doce. Completa submissão a Jesus Cristo e ao meu diretor. A alegria eterna por um dia de prova sobre a terra. Non obliviscar sermones tuo. Amem.

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Extraído de Giovanni Reale - Dario Antiseri, História da Filosofia (São Paulo, Editora Paulus, 8a.ed., 2007) vol.2, págs. 600-601.

16 julho 2011

Calvino e seus escritos - uma introdução

A contribuição do pensamento teológico elaborado por Calvino é tão extenso como ignorado pela maioria do movimento evangélico. O historiador batista A.H. Newman comenta que “o sistema doutrinário de Calvino teve maior coerência interna e mais livre de obscuridades e ambigüidades do que o sistema de Lutero.”[1] Mesmo teólogos que não se identificam com as opiniões do reformador genebrino concordam com a influência de seu pensamento no mundo ocidental.

O impacto do Calvinismo entre os protestantes forjou um grupo de cristãos que se fizeram respeitar em todas as esferas da sociedade européia. James Orr afirma que
o sistema de Calvino é reflexo de sua mente - severa, grande, lógica, ousada - para elevar-se às alturas; contudo, humilde em retornar sempre às Escrituras como sua base. Fundamentando-se no trono de Deus, Calvino percebe tudo à luz do decreto eterno divino. O homem em seu estado de pecado perdeu a sua liberdade espiritual e o poder de fazer algo que seja verdadeiramente bom, ainda que Calvino admita livremente a existência da virtude natural, e a atribua à operação da divina graça, inclusive em seu estado não regenerado (Institutas II. 2. 12-17). A providência de Deus governa e abrange tudo, tanto o natural como o espiritual. Tudo o que acontece é o iluminar do conselho eterno. Tudo o que é atraído ao reino de Deus, o é por um ato livre da graça, e ainda assim a omissão dos não salvos deve ser atribuída a uma origem na vontade divina eterna, por mais misteriosa que seja. A vontade de Deus, deste modo, contém em si as razões últimas de tudo o que existe. Não é arbitrária, mas, uma vontade santa e boa, ainda que as razões do que ocorre na realidade no governo do mundo nos sejam inescrutáveis. A comunidade de sua Igreja se estende a muitos países. O seu sistema entra como um ferro no sangue das nações que a receberam. Levantaram-se os huguenotes franceses, os puritanos ingleses, os escoceses, os holandeses, os da Nova Inglaterra; gente valorosa, livre e temente a Deus. Prostrando o homem diante de Deus, mas exaltando-o novamente na consciência de uma liberdade, nascida de novo em Cristo; mostrando a sua escravidão por causa do pecado, mas restaurando-o na liberdade mediante a graça; guiando-o para que veja todas as coisas à luz da eternidade, contribuiu para formar um tipo vigoroso, mas nobre e elevado de caráter, criou uma raça que não se intimida em levantar a cabeça diante dos reis.[2]


Aqueles que se interessam em estudar o pensamento de Calvino precisam ler as suas obras. Há um bom material secundário disponível em português, bem como algumas editoras brasileiras estão se empenhando em publicar algumas de suas obras. Aqueles que desejarem verificar o que está publicado em português pode clicar aqui. Todas as obras de João Calvino contabilizam 59 volumes no Corpus Reformatorum [especificamente os volumes 29 a 87] e estamos longe de ter todo este material em nosso idioma, sendo este um desafio para as novas gerações de teólogos e estudantes de teologia que podem se comprometer com este desafio.

Alguns dos seus escritos merecem distinta menção:

1. Institutio Christianae Religionis [Tratato da Religião Cristã] em sua edição final de 1559. As Institutas é a sua opus magno, deve se lembrar que Calvino iniciou a sua redação em 1536, publicada primeiramente em latim, na cidade Basiléia na Suiça, sendo a sua edição final, em latim, publicada em 1559, na cidade de Genebra.[3] Ela passou por várias alterações, restrutura, e arranjos quanto a ordem dos assuntos,[4] sendo inclusive traduzida pelo próprio Calvino para a sua língua mater, o francês.[5]

2. Epistola ad Senatum Populumque Genevensem, qua in obedientiam Romani Pontificis eos reducere conatur. Joannis Calvini responsio [Epístola ao Senado e ao povo de Genebra, a quem o Pontificado Romano pretende forçar retornar. A resposta de João Calvino] escrito em 1539. Este livreto é comumente conhecido como “Epístola ao Cardeal Sadoleto”. Uma tradução francesa, de autor desconhecido surgiu em 1540.

3. Petit traicté de la saincte Cene de nostre Seigneur Jesus Christ. Auquel est demonstré la vraye institution, proffit et utilité d'icelle: ensemble la cause pourquoy plusieurs des modernes semblent en avoir escrit diversement [Pequeno tratato da Santa Ceia de nosso Senhor Jesus Cristo, no qual são demonstrados a sua verdadeira instituição, o seu proveito e utilidade; e, o motivo porque vários escritores contemporâneos tiveram perspectivas diferentes] escrito originalmente em francês, em 1541.

4. Acta synodi tridentinæ. Cum antidote [Atas do Concílio de Trento. Com um antídoto]. Reproduz e critica os decretos do Concilio de Trento, especialmente as sessões de 1545-1547. Escrito em 1547, e sendo traduzido para o francês em 1548, provavelmente pelo próprio Calvino.

5. Consensio mutua in re Sacramentaria Ministrorum Tigurianae Ecclesiae, et D. Joannis Calvini Ministri Genevensis Ecclesiae, jam nunca v ipsis authoribus edita.[Acordo mútuo relativo aos sacramentos adotado entre os Ministros da Igreja de Zurique e de João Calvino, ministro da Igreja de Genebra, publicado agora por aqueles que o planejaram] O Acordo de Zurique, ou como é mais conhecido o "Consenso Tigurino", foi escrito em 1549. O nome deste documento se deve a região de Zurique, na Suíça, que tinha o nome latino de Tigurinus. Este documento é uma declaração de fé escrita visando a unidade teológica nas comunidades reformadas quanto a doutrina da Ceia do Senhor. A controvérsia não envolvia os luteranos, mas apenas os adeptos da perspectiva de João Calvino e de Henrich Bullinger, sucessor de Ulrich Zwínglio. Entretanto, após a morte prematura de Zwínglio, em 1531, na região de Kappel, Lutero renovou os seus ataques contra a perspectiva do reformador suíço a partir de 1544. Por este motivo Bullinger procurou Calvino para que pudessem chegar a um acordo, pois as suas opiniões eram mais próximas do reformador genebrino do que da perspectiva de Lutero. Calvino, William Farel e Henrich Bullinger se reuniram em Zurique, em 1549, e escreveram o Consensus Tigurinus.

6. De æterna Dei prædestinatione, qua in salutem alios ex hominibus elegit, alios suo exitio reliquit: item de providentia qua res humanas gubernat, consensus pastorum Genevensis Ecclesiæ, a Jo. Calvino expositus [Acerca da eterna Predestinação de Deus, que salva os eleitos para outro fim, a fim de tirá-los da morte: do mesmo modo, acerca da providência pela qual os seres humanos são governados, consenso dos pastores da Igreja de Genebra, uma exposição de João Calvino] escrito em 1552.

7. Johannis Calvini Commentariis [Os comentários de João Calvino]. A edição inglesa soma um total de 22 volumes. Infelizmente Calvino não comentou todos os livros da Bíblia. Os seus comentários são proveitosos e a Editora Fiel está publicando uma versão traduzida do inglês.[6]


NOTAS:
[1] A.H. Newman, A Manual of Church History (Philadelphia, The American Baptist Publication Society, ed.rev., 1953), vol. 2, p. 568.
[2] James Orr, El Progreso del Dogma (Terrassa, CLIE, 1988), pág. 233.
[3] Para uma lista completa das edições das Institutas de Calvino de 1536 até 1600 veja Alister McGrath, A vida de João Calvino (São Paulo, Editora Cultura Cristã, 2004), pp. 165-166. Uma edição especial com notas para estudo e pesquisa foi publicada pela Editora Cultura Cristã em 2006, o texto procede da edição de 1541 da edição francesa, com tradução realizada pelo Dr. Odayr Olivetti, bem como acrescidas notas escritas pelo Dr. Hermisten M.P. da Costa.
[4] João Calvino, As Institutas – Edição especial com notas para estudo e pesquisa (São Paulo, Editora Cultura Cristã, 2006), vol. 1, p. 8. A edição original em francês trás no seu título a seguinte apresentação Institution de la religion chrestienne: en laquelle est comprinse une somme de pieté, et quasi tout ce qui est necessaire a congnoistre en la doctrine de salut. Composée en latin par Jean Calvin, et translatée en françois, par luymesme. Avec la preface addressée au treschrestien Roy de France, Françoys premier de ce nom: par laquelle ce present livre luy est offert pour confession de foy.
[5] Para um estudo detalhado sobre a história literária das edições e revisões das Intitutas consulte Alister McGrath, A vida de João Calvino (São Paulo, Editora Cultura Cultura, 200), pp. 161-202. E, também B.B. Warfield, “Calvin and Calvinism” in: The Works of Benjamin B. Warfield (Grand Rapids, Baker Books, 2003), vol. 5, pp. 370-428.
[6] Deve-se lembrar que como protestante, Calvino aceitava apenas 66 livros inspirados, rejeitando os apócrifos que foram acrescentados ao cânon da Bíblia católica, em 8 de Abril de 1546, no Concílio de Trento.

25 junho 2011

As 10 Teses de Berna (1528)

Introdução histórica

Os governantes civis de Berna seguiram o exemplo de Zurique e convocaram um concílio para realizarem um debate público em língua comum, e não em latim. De um lado estariam os professores protestantes defendendo as suas conclusões teológicas e de outro, os bispos e teólogos romanistas argumentando contra as ideias ensinadas na cidade.

Assim foram as 10 Teses de Berna preparadas e defendidas pelos ministros que deram início à reforma da Igreja de Berna, Berthold Haller[1], Sebastian Meyer[2] e Franz Kolb. Posteriormente, o texto foi revisado e publicado em alemão, latim e francês[3] para que fosse usado numa conferência na capital da Suíça, convocada pelo governo da cidade, durante o período de 7 a 26 de Janeiro de 1528. Segundo Thomas M. Lindsay elas representavam uma “sucinta apresentação da pregação da Igreja Reformada na Suíça”[4] sob a liderança de Zwingli.

Os principais líderes da Reforma alemã e suíça estavam presentes na conferência e aprovaram o documento. Além destes também estavam presentes e consentiram com o conteúdo do texto, Ambrosius Blaarer de Constança, Oecolampadius de Basiléia, Martin Bucer e Capito de Estrasburgo, Sebastian Wagner Hofmeister de Schaffhausen, William Farel que era pregador em Aigle, e outros menos conhecidos que somavam aproximadamente 250 clérigos presentes.

Os bispos católicos da cidade de Constança, de Basiléia, de Valais e de Lausanne, apesar de convidados, não compareceram. Durante um segundo momento somente esteve presente o bispo Conrad Treger, de Lausanne, que decidiu guardar silêncio, por não aceitar que o debate ocorresse em língua vernáculo e, não em latim. Os partidários romanistas da cidade de Berna não demonstraram interesse pelo debate, visto se virem desamparados pelo clero regional.

Os debates tiveran início formal em 15 de Janeiro. Durante o período da disputa, Zwingli pregou dois sermões que causaram positiva impressão nos cidadãos. O debate terminou no dia 26 de Janeiro, com a subscrição da maioria dos clérigos de Berna e, deste modo o resultado foi que a Reforma obteve completa vitória em Berna.

A importância deste documento é que ele inaugura a expansão do movimento de Reforma na Suíça. Até então no cantão leste, Zurique está só, e Berna era uma das duas cidades mais importantes da região. A união era uma necessidade urgente para que pudessem fortalecer o movimento de Reforma e alcançar outras cidades da federação suíça. O resultado da disputa teológica entre protestantes e romanistas foi que as autoridades e cidadãos estavam resolutos em adotar a Reforma. A missa foi abolida sendo substituída pelo sermão.[5] As imagens foram removidas dos templos, e os monastérios foram esvaziados e usados para a educação, e o sustento clerical e a verba papal foram declaradas ilegais em Berna.


As teses

São nos entregues as seguintes conclusões de Franciscus Kolb e Berchtoldus Haller, ambos sendo pastores da Igreja de Berna, ao lado de outros professores ortodoxos, e por esta única razão os recebemos a partir dos escritos bíblicos, tanto dos livros do Velho como do Novo Testamento, neste dia designado, sendo o próximo domingo após o dia da circuncisão, no ano de 1528.[6]

I. A santa Igreja Cristã, sobre quem somente Cristo é a Cabeça, é nascida da Palavra de Deus, e se conforma na mesma, e não ouve a voz de estranho.[7]
II. A Igreja de Cristo não pode fazer nenhuma lei ou mandamento aparte da Palavra de Deus. Deste modo, as tradições humanas não devem ser-nos exigidas se elas não estiverem fundamentadas na Palavra de Deus.[8]
III. Cristo é a nossa única sabedoria, justiça, redenção e satisfação pelos pecados de todo o mundo. Assim sendo, nega a obra de Cristo, quando se confessa que há outro fundamento de salvação e satisfação.[9]
IV. Que o corpo e sangue de Cristo é recebido, essencialmente e corporeamente, no pão da Eucaristia é impossível de se provar a partir da Escritura Sagrada.[10]
V. A missa como atualmente é usada, na qual Cristo é oferecido a Deus o Pai, pelos pecados dos vivos e mortos, é contrária à sagrada Escritura, é blasfêmia contra o mais santo sacrifício, paixão e morte de Cristo e, por esta razão, considerado um abuso e uma abominação diante de Deus.
VI. Assim, somente Cristo morreu por nós, assim, ele deve ser adorado como o único Mediador e Advogado entre Deus o Pai e os crentes. Sendo assim, é contrário à Palavra de Deus propor e invocar outros mediadores.
VII. A Escritura nada revela acerca de um purgatório após esta vida. Assim, todas as homenagens aos mortos, como vigílias, missas pelos mortos, ritos fúnebres de sétimo dia, lâmpadas, candelabros, e coisas deste tipo, são inúteis.[11]
VIII. A adoração de imagens é uma prática contrária à Escritura, tanto nos livros do Antigo como no Novo Testamento. Deste modo, como as imagens desonram a si mesmas, e são um perigo, deveriam ser abolidas como objetos de adoração.
IX. O matrimônio não é proibido na Escritura para nenhuma ordem ou condição de homem, pelo contrário, ele é ordenado e permitido a todos os homens como um meio de impedir a fornicação e a impureza.[12]
X. Assim, de acordo com a Escritura, um assumido fornicador precisa ser excomungado, porque ele está vivendo uma vida de solteiro luxuriosa e impura, que é tão pernicioso para qualquer pessoa, e muito mais para o sacerdote.[13]


Tradução realizada com adição de notas históricas por Rev. Ewerton B. Tokashiki
Porto Velho, 21 a 24 de Junho de 2011.

NOTAS:
[1] Berthold Haller nasceu em Aldingen (1492-1536), estudou em Rothweil e Pfortzheim onde ele estabeleceu uma aproximação com Melanchthon. Recebeu o seu bacharel em teologia da Universidade de Köln e, retornou para ensinar em Rothweil e em seguida foi lecionar em Berna (1513-1518), sendo eleito assistente de Thomas Wyttenbach. A sua simpatia e eloqüência deu-lhe proeminência na cidade, entretanto o seu repetido desânimo diante das dificuldades precisou que Zwingli o encorajasse a perseverar na obra da Reforma. Segundo o historiador Thomas M. Lindsay foram Haller e Zwingli quem esboçaram o texto e tiveram o auxílio de Kolb para expor o seu conteúdo.
[2] Sebastian Meyer (1467-1545) foi um professor franciscano de teologia, de Elsass, que pregava em Berna desde 1518, contra os abusos da Igreja Roma. Os notórios ataques dos monges dominicanos em Berna (1507-1509) e, a venda de indulgências (1518) promovida por eles motivou os cidadãos a apreciarem as pregações e a lerem o documento.
[3] Originalmente o texto foi escrito em alemão suíço, sendo traduzido por Zwingli para o latim, por Farel para o francês visando beneficiar os estrangeiros que estariam presentes na debate. Vide* Thomas M. Lindsay, A History of the Reformation (New York, Charles Scribner’s Sons, 1925), vol.2, págs. 41-42.
[4] Thomas M. Lindsay, A History of the Reformation, vol.2, págs. 42.
[5] O debate terminou no dia 26 de Janeiro e a missa foi abolida em 7 de Fevereiro do mesmo ano.
[6] A minha tradução fiz do texto latino conforme aparece em Philip Schaff, The Creeds of Christendom (Grand Rapids, Baker Books, 6ªed., 2007), vol. 3, pág. 208. O texto latino reza o seguinte: "De sequentibus Conclusionibus nos Franciscus Kolb et Berchtoldus Haller, ambo pastores Ecclesiae Bernensis, simul cum aliis orthodoxiae professoribus unicuique rationem reddemus, ex scriptis biblicis, Veteris nimirum et N. Testamenti libris, die designato, mimirum primo post dominicam primam circumcisionis, anno MDXXVIII.” Um tanto diferente James T. Dennison, Jr. do latim traduz a Introdução desta forma: “Berthold Haller e Francis Kolb, ministros evangélicos em Berna, com outros professores evangélicos, ambos responderão seguindo o método de proposições e deduções, sendo a regra para todos os debatedores que seja a sacra Escritura, que é, a Bíblia do Antigo e Novo Testamento, no dia indicado em Berna, isto é, aquele é próximo à Festa da Circuncisão do Senhor. Ano 1528”. James T. Dennison, Jr., Reformed Confessions of the 16th and 17th Centuries in English Translation 1523-1552, vol. 1, pág. 41.
[7] James T. Dennison, Jr. traduz: “A santa igreja católica...” in: Reformed Confessions of the 16th and 17th Centuries in English Translation 1523-1552, vol. 1, pág. 41.
[8] Thomas M. Lindsay traduz: “A Igreja de Cristo não faz lei, nem estatuto aparte da Palavra de Deus, e conseqüentemente, aquelas ordenanças humanas que são chamados mandamentos da Igreja não podem obrigar nossas consciências a menos que estejam fundamentadas na Palavra de Deus e de acordo com ela.” A History of the Reformation, vol.2, págs. 41.
[9] Lindsay traduz: “Cristo é nossa sabedoria, justiça, redenção e pagamento pelos pecados do mundo todo; e todos os que pensam que podem obter salvação de outro modo, ou ter outra satisfação pelos seus pecados, renunciaram a Cristo.” A History of the Reformation, vol.2, págs. 41.
[10] Lindsay traduz: “É impossível provar das Escrituras que o Corpo e Sangue de Cristo estão corporeamente presentes no pão da Santa Ceia.” A History of the Reformation, vol.2, págs. 41.
[11] Lindsay traduz: “Não há evidência de Purgatório após a morte na Bíblia; e nenhum culto pelos mortos, nem vigílias, missas, ou coisa parecida, estas coisas são inúteis.” A History of the Reformation, vol.2, págs. 41.
[12] Lindsay traduz: “O casamento não é proibido em nenhum estado [civil] pela Escritura, mas devassidão e a fornicação são proibidas a qualquer estado em que se encontrar.” A History of the Reformation, vol.2, págs. 41.
[13] O texto pode ser encontrado em latim em Rev. B.J. Kidd, ed., Documents illustrative of the Continental Reformation (Eugene, Wipf & Stock Publishers, 1911), págs. 459-460; o texto comparativo do latim com o alemão suíço encontra-se em Philip Schaff, The Creeds of Christendom (Grand Rapids, Baker Books, 6ªed., 2007), vol. 3 págs. 208-210; o texto traduzido do francês para o inglês por James T. Dennison, Jr., org., Reformed Confessions of the 16th and 17th Centuries in English Translation – 1523-1552 (Grand Rapids, Reformation Heritage Books, 2008), vol. 1, págs. 40-42; e também do francês para o inglês uma tradução de Thomas M. Lindsay, A History of the Reformation (New York, Charles Scribner’s Sons, 1925), vol. 2, págs. 42-43.

27 maio 2011

Somente teólogos liberais são moralmente liberais?


Quem pensar que somente os teólogos que usando o método histórico-crítico, ou outro método teológico de tradição liberal, apoiarão o homossexualismo, ou usarão a Bíblia para legitimizar a união estável entre pessoas do mesmo sexo, está enganado. Sabemos que há quem negue o método hermenêutico crítico-histórico, e até sustente uma perspectiva conservadora e inerrante da Escritura Sagrada e, ao mesmo tempo adote incoerentemente uma interpretação de legitimização do homossexualismo, ou seja, que a relação ou união estável entre pessoas do mesmo sexo não é algo proibido na Escritura Sagrada.

Pode-se mencionar, por exemplo, o Dr. Marten Woudstra, falecido ministro da Christian Reformed Church, ex-professor de Antigo Testamento no Calvin Seminary e presidente da comissão de tradução da NIV - que é acusado de ter diluído a tradução onde os textos mencionam homossexualidade [acesse aqui]. Em outro site trás um artigo com o título: Homosexuals On the NIV Translating Committee que reforça a mesma acusação. É sabido da associação do Dr. Woudstra com os Evangelicals Concerned [grupo teologicamente conservador, porém gay nos EUA].

William L. Graig em seu livro "Apologética para questões difíceis da vida" (Edições Vida Nova) no capítulo onde discute sobre HOMOSSEXUALIDADE ele introduz o assunto mencionando uma situação em que um erudito em NT ao ser convidado para palestrar para os Evangelicals Concerned teve o seguinte diálogo: "As pessoas estavam realmente preocupadas a respeito do que você ia falar", disse o anfritrião após o encontro. "Por quê?" - ele perguntou surpreso - "Vocês sabem que não sou homofóbico!". Mas o anfitrião lhe tranquilizou: "Imagina! As pessoas não estavam preocupadas com isso!" E acrescentou: "Na verdade, elas estavam com medo de que você fosse defender o método histórico-crítico". [pág. 142). No site oficial dos Evangelicals Concerned cita-se vários teólogos e links de artigos e debates que tentam legitimizar favoravelmente a homossexualidade e a Bíblia.

Por isso, penso que o método crítico e o liberalismo teológico em suas diferentes e elásticas formas tendem a favorecer o homossexualismo, mas não negaria que teólogos conservadores, que endossem a doutrina da inerrância não cheguem por outras vias na mesma conclusão permissiva. Assim, não vejo de modo simplista e dualista a situação: teólogos liberais sempre serão favoráveis ao homossexualismo, enquanto que os conservadores serão contra!

Obviamente que todo teólogo ao interpretar o texto analisando a intencionalidade do autor, verificando a sintaxe, e examinando-o em seu contexto histórico poderá verificar que em nenhum lugar as Escrituras dão apoio ao homossexualismo. O intérprete pode até não concordar com o que a Bíblia diz, mas ele terá que reconhecer que ela não legitimiza a união estável entre pessoas do mesmo sexo!

P.S.* "The Bible does not speak clearly enough on this issue!" - A Bíblia não fala claramente acerca deste assunto!"

13 maio 2011

STF (o guardião da CF) - e suas decisões na versão Saltimbanco

Recentemente o Supremo Tribunal Federal deixou os brasileiros perplexos ao decidir pela não aplicação da Lei da Ficha Limpa no caso dos lapidadores dos cofres públicos, no último pleito eleitoral. (Joaquim Roriz, Jader Barbalho e seus contorcionistas agradecem). Faz-se desnecessário demonstrar os malabarismos a que foram obrigados a lançar mão na interpretação da lei para se chegar a essa decisão. O que o Supremo tem feito não é a conformidade do caso à Constituição, mas o contrário: a conformidade da Constituição ao caso, segundo o que se quer decidir.

Dando uma lida no informativo do STF desta semana (nº 625), fui verificar os fundamentos jurídicos utilizados na decisão que reconheceu a união homoafetiva. De cara já sabia que pelos métodos de interpretação da norma mais usuais de direitos (interpretação autêntica, jurisprudencial, literal, racional, sistemático ou histórico), seria incabível a União Estável que não fosse somente entre um homem e uma mulher, conforme Art 226 da CF, a seguir:

Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
§ 1º - O casamento é civil e gratuita a celebração.
§ 2º - O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei.
§ 3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.
§ 4º - Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.
§ 5º - Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.


Vê-se que a união estável impõe, obrigatoriamente, gêneros diferentes. Qualquer coisa diferente disso, somente com o uso de trapézios e camas elásticas na interpretação da norma – e põe elasticidade nisso. Mas com o Cirque du Soleil à brasileira instalado na Praça dos Três Poderes, tudo é possível e há uma nova surpresa a casa instante.

Qual foi, então, o método utilizado para a “integração da norma” que tornou possível o reconhecimento da União Estável entre homossexuais? O Voto do Relator explica: aplicação analógica e interpretação extensiva (isso mesmo, não duvide, está lá: analogia e extensão. São métodos que torna a norma uma massa mole na mão do intérprete – dessa cartola pode sair de tudo).

Qual o fundamento? “preponderância da afetividade sobre a biologicidade”. Que absurdo; me desculpem se a pergunta parece vulgar, mas é absolutamente séria e cabível diante desse fundamento ainda mais vulgar: Será que nessa mesma lógica também não seria possível a união estável entre um homem e uma cabrita, por exemplo? E se o fundamento parece fraco, segure-se na poltrona que o picadeiro vai tremer agora: “princípio da dignidade da pessoal humana” (atenção senhores pedófilos: isso aqui deve servir pra alguma coisa pra vocês também). Será que o reconhecimento legal da promiscuidade não faz o inverso com a pessoa humana? Rm 1 responde!

E para fechar as cortinas com uma apresentação emotiva, o Relator realçou que “família seria, por natureza ou no plano dos fatos, vocacionalmente amorosa, parental e protetora dos respectivos membros, constituindo-se no espaço ideal das mais duradouras, afetivas, solidárias ou espiritualizadas relações humanas de índole privada, o que a credenciaria como base da sociedade (CF, art. 226, caput)”. Olha só no que está se tornando a base da sociedade brasileira! Está parecendo a proteção que se dá ao bandido em detrimento da do trabalhador. Daqui a pouco são nossas famílias que vão ter que dar licença pra que eles exerçam seus mais amplos e irrestritos direitos. Mas enquanto o Supremos os chamam de homoafetivos, para a Bíblia são o oposto: “sem afeição natural”.

Até Rui Barbosa é relevante aqui
“De tanto ver triunfar as nulidades; de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça. De tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar-se da virtude, a rir-se da honra e a ter vergonha de ser honesto”. E já que lembramos de Rui, vai mais uma dele: “Um povo cuja fé se petrificou, é um povo cuja liberdade se perdeu”. (Rui Barbosa – Disc. E Conf., 263).

Mas é fácil entender essa produção circense toda diante das palavras do Apóstolo Paulo, quanto ao que o STF entende por princípio da dignidade da pessoal humana: “mudaram a verdade de Deus em mentira”.

Aliás, é por isso que eles não suportam o texto bíblico de Romanos 1. Diante de tão desmoralizante interpretação do STF, qualquer pessoa que tenha um pouquinho só de temor a Deus (ou até mesmo pudor humano), sentiria profunda dor na alma, nos ossos e até nas tripas diante dessa decisão, ao confrontá-la com as palavras do Apóstolo:
“Dizendo-se sábios, tornaram-se loucos. Por isso também Deus os entregou às concupiscências de seus corações, à imundícia e os abandonou às paixões infames, para desonrarem seus corpos entre si; E, semelhantemente, também os homens, deixando o uso natural da mulher, se inflamaram em sua sensualidade uns para com os outros, homens com homens, cometendo torpeza e recebendo em si mesmos a recompensa que convinha ao seu erro. Deus os entregou a um sentimento perverso, para fazerem coisas que não convêm; Estando cheios de toda a iniqüidade, prostituição, malícia, avareza, maldade; cheios de inveja, homicídio, contenda, engano, malignidade...”



Em Uberlândia, 12 de maio de 2011
Ciderlei B Machado
Presbítero da 1a Igreja Presbiteriana de Porto Velho

02 abril 2011

Minha sincera preocupação com o "deus" da Teologia Relacional

Penso que o d_e_u_s do Teísmo Aberto ou Teologia Relacional deveria procurar um psiquiatra e tentar resgatar a sua identidade deslocada, e sair desta crise de descrença em si mesmo. Deveria repensar as suas dúvidas, e confiar um pouco mais no poder que tem, senão nem divindade poderá ser considerado.

Imagino adoradores que se curvam diante de um d_e_u_s protrado. Eu me pergunto: quem está mais embaixo com a cara no pó lamentando entre as frustrações e decepções diante das desgraças naturais, sofrimentos de pecadores, e atrocidades do subproduto pecaminoso, este d_e_u_s ou os seus devotos? Quem seria idiota o suficiente para confiar numa deidade tão inapta, impotente, desnorteada, angustiada, e tão, senão mais limitado que as reles criaturas lançadas à sorte da fortuna, já que ele, enquanto d_e_u_s não controla os eventos, os tempos nem a direção do futuro.

Há cerca de um século atrás o filósofo alemão Fredrich Nietizsche (1844-1900) declarou "Gott ist tot", ou seja, DEUS ESTÁ MORTO! O "deus" no entendimento do pensador, remodelado por ele, havia ido à óbito, e isto era inevitável a partir do Idealismo Alemão que era o Zeitgeist [pensamento predominante] de sua época, como hoje o é o Pós-modernismo. O que Nietizsche estava atacando era a possibilidade da Metafísica e da Epistemologia serem usadas à favor da Fé Cristã. Afinal, tudo condicionado pelo status quo da erudição da época. Por isso ele bradou

Deus está morto! Deus permanece morto! E quem o matou fomos nós! Como haveremos de nos consolar, nós os algozes dos algozes? O que o mundo possuiu, até agora, de mais sagrado e mais poderoso sucumbiu exangue aos golpes das nossas lâminas. Quem nos limpará desse sangue? Qual a água que nos lavará? Que solenidades de desagravo, que jogos sagrados haveremos de inventar? A grandiosidade deste acto não será demasiada para nós? Não teremos de nos tornar nós próprios deuses, para parecermos apenas dignos dele? Nunca existiu acto mais grandioso, e, quem quer que nasça depois de nós, passará a fazer parte, mercê deste acto, de uma história superior a toda a história até hoje! — NIETZSCHE, Friedrich. A Gaia Ciência, §125.


Uma premissa falha dos teólogos relacionais é que a sua teoria acerca da "descontrução clássica da doutrina de Deus" tem problemas seríssimos de base. Eles cometem, resgardadas as diferenças, o mesmo pecado que Nietzche incorreu, ou seja, negar a possibilidade da Metafísica e da Epistemologia como recurso instrumental para falarmos de Deus. Aqui resolvemos a questão, pressuposicionalmente - cremos: Deus falou por meio de homens! E o que Ele revelou acerca de Si mesmo, é absoluta verdade. Todo o resto é conseqüência.

A minha preocupação é que se esse d_e_u_s diante de sua crise e angústia resolva cometer suícidio, e se os seus fiéis se sintam constrangidos já que ele poderia dizer: "sejam meus imitadores." Talvez, isso ocorra somente como implicação final, por coerentização, pois os seus adeptos recorreram ao suicídio intelectual e, pior, ao espiritual quando abraçaram a crença numa divindade tão diminuta e estranha ao Deus soberano auto-revelado nas Escrituras.

22 março 2011

Por que honrar aos pais?

Que base os pais têm para que os filhos sejam obrigados a tratá-los com honra? Não estamos pergutando o que um pai tem que fazer para merecer o direito de ser honrado. Os pais têm um direito natural de receber honra simplesmente porque conceberam e cuidaram de um filho. O dever do filho pressupõe o direito do pai, mas, porquê?

Eliminemos primeiramente algumas razões plausíveis, mas equivocadas, que fazem da honra um dever do filho. Primeiro, está a mística do sangue. O sentido judaico-cristão do dever filial não se baseia sobre o rito consanguínio da transição, na experiência do nascimento. Algumas pessoas poderão sentir uma sensação de reverência com os seus antecedentes que canalizaram o sangue da vida que há neles para formar uma família, passada e futura. Mas, o que está por trás do dever da honra não é a mística do sangue, senão a opção moral, não num sentido de reverência, mas numa vontade de manter a ordem familiar.

O dever de honrar os pais tão pouco é conseqüência da pecaminosidade do filho. Os filhos não são mais pecaminosos do que os pais, e deixar um menino em liberdade não é mais arriscado do que dar autoridade a um pai. Se as famílias existissem num mundo perfeito, sem dúvida os pais ainda assim estariam encarregados dos filhos, mesmo que estes fossem perfeitos. O dever da honra, como a maioria das obrigações primárias, não está arraigado na natureza pecaminosa do menino, mas no propósito divino para a família divina.

Em terceiro lugar, não devemos a honra aos nossos pais em gratidão pelo que por nós fizeram. Provavelmente a maioria de nós sente muita gratidão pelos seus pais, ainda que muitos outros acumulam ressentimentos pelas graves faltas que cometeram. Onde abunda a gratidão, também há um poderoso motivo para obedecer ao mandamento, mas esta não pode ser a razão básica, pela qual Deus a proclamou. A razão do mandamento tem que estar no tecido da família, na função de que os pais devem desempenhar no crescimento e criação dos filhos.

Se existe alguma razão pela qual os pais têm um direito ao respeito da parte dos seus filhos, sugiro que é da autoridade. Na pequena sociedade chamada família, em que se experimentam intimidades humanas prazeirosas e penosas pertencentes à relação humana fundamental, uma das fortes fibras que mantêm unida a aliança é a autoridade dos pais. Atualmente a autoridade não é uma faceta muito popular da vida familiar, e incontáveis lares abandonaram deliberadamente, confundindo a autoridade com uma espécie de tirania a que todos os que respeitam os direitos da criança devem destruir. Não obstante, vou argumentar que a autoridade paterna, corretamente entendida, é essa qualidade que todos os pais têm e que corresponde a honra que os filhos devem tributar-lhes. A autoridade é a coluna vertebral da vida familiar. É tão importante para a força da comunidade humana que o Senhor Deus, num dos cinco mandamentos fundamentais para a vida, nos chamou a honrar os nossos pais devido ao chamado que tinham de criar-nos e guiar-nos, enquanto seus filhos, sob o seu cuidado.

Extraído de Lewis B. Smedes, Moralidad y Nada Más, Nueva Creación, pp. 83-85.
Traduzido por Rev. Ewerton B. Tokashiki

18 março 2011

A nossa salvação é monergista e sinergista

Ao estudar Soteriologia [doutrina da salvação] o programa de estudo pretende apresentar como o Espírito Santo aplicou a obra expiatória de Cristo.[1] A ordus salutis[2] pode ser estabelecida da seguinte forma:[3]
1. Eleição
2. Chamado eficaz
3. Regeneração
4. Justificação e Adoção
5. Conversão: fé e arrependimento
6. Santificação
7. Perseverança dos verdadeiros crentes
8. Glorificação

Os calvinistas creêm que a salvação é uma obra tanto monergista quanto sinergista. Entretanto, isto precisa ser declarado com cautela, com suficiente clareza para que os novos calvinistas, bem como os calvinistas modificados e moderados como Norman Geisler, Charles Ryrie, Millard Erickson, Lewis Schafer e outros que ensinam uma forma diluída de soberania de Deus na salvação, não concluam que tudo é "Calvinismo" do mesmo modo, apenas com ênfases diferentes. A heresia Amiraldiana[4] está ressurgindo, e a ignorância histórica, bem como a tentativa de se diluir a coerência do sistema calvinista, está causando muita confusão entre alguns escritores. Em especial a doutrina Amiraldiana ensina que Cristo hipoteticamente morreu por todos, e que não pode garantir eficácia na redenção dos eleitos. Deste modo, na ordo salutis os amiraldianos colocam, ou precisam por implicação colocar a conversão [fé e arrependimento] antecedendo a regeneração. Deste modo, eles tornam ineficaz e resistível o chamado, e hipoteticamente universalizam a expiação de Cristo extendendo-a igualmente a eleitos e aos réprobos.

Há atos na aplicação subjetiva da redenção de Cristo no eleito que são espeficiamente procedentes de Deus e dEle somente. A regeneração, o chamado eficaz, a justificação e a adoção são atos divinamente monergístas. Digo "divinamente", pois Pelágio também era "monergista", todavia, antropologicamente monergista. Entretanto, no que o desenvolvimento da nossa salvação é "sinergista", ainda sim, devemos tomar todo cuidado para não cairmos na falácia de pensarmos que o somos no mesmo sentido que os semi-pelagianos católicos e luteranos ou, com os arminianos. Mesmo naquilo que entendemos ser "sinergia" deve ser compreendido a partir de Fp 2:12-13. Assim, a conversão é uma obra iniciada e realizada em nós pelo Espírito Santo, e no entanto, as Escrituras diz "convertei-vos" (At 3:19), pois, o crer é um ato humano, sendo a fé um dom divino! O arrepender é um ato humano, sendo ele produzido pela tristeza segundo Deus (2 Co 7:8-10). Da mesma forma segue a santificação, a perseverança, as boas obras, a certeza da fé, procedem de Deus e são efetivamente realizados em, com e através da responsabilidade humana.

Deus é quem começa e termina a aplicação de toda a obra da redenção. Se o Senhor não fizer não está no homem o poder de se preparar, cooperar ou de realizar a sua própria salvação. Por isso, tanto a eleição como a glorificação são atos exclusivamente monergistas, sendo que deste modo, Deus realiza - desde a eternidade nos elegendo e se dá a consumação na eternidade com Ele.

NOTAS:
[1] Dois bons livros-texto para o assunto são: 1) A.A. Hoekema, Salvos pela graça; 2) John Murray, Redenção Consumada e Aplicada - ambos publicados pela Editora Cultura Cristã.
[2] Ordus salutis significa ordem em que se desenvolve logicamente a salvação.
[3] O nosso breve artigo segue mais de perto a proposta da Ordo Salutis de A.A. Hoekema.
[4] Esta heresia deve o seu nome à Moses Amyraldius - http://doutrinacalvinista.blogspot.com/2010/12/amiraldianismo.html .

24 fevereiro 2011

Orando por missões em Jo 17

Este artigo oferece algumas instruções para a intercessão pela obra missionária à luz da oração do Senhor Jesus registrada em Jo 17. É necessário entendermos como o nosso redentor orou pelos que Ele veio salvar, e nós, sendo um com Ele não podemos mudar a direção da nossa oração pelos que serão alcançados.

ESTRUTURA DE JO 17[1]
1. A oração pela glória do Filho que pode dar vida aqueles que lhe foram dados (vs. 1-5).
2. Razão para orar por eles (6-11a).
3. Oração para que eles sejam preservados (11b-16).
4. Oração para eles sejam consagrados com Jesus (17-19).
5. Oração para que todos os crentes sejam um (20-23).
6. Oração para que os crentes sejam perfeitos na glória de Jesus (24-26).

COMENTÁRIO
A oração sacerdotal de Cristo estabelece o modo como devemos orar pela salvação dos eleitos do Pai. William Hendriksen comenta que “esta oração seria um modelo para as nossas orações? Num certo sentido sim; por exemplo, esta oração indica que a glória de Deus deveria ser o propósito de nossas petições; assim, ela apresenta que deveríamos orar não somente por nós, mas também pelos outros”.[2] Interceder por aqueles que serão salvos é um ato de glorificar a Deus, bem como um meio de nos preparar para a obra missionária. Orar pelos que ainda não foram salvos é exercer a misericórdia de Deus pelos que Ele ama, e depender da direção do Senhor para alcançá-los com o evangelho de Jesus Cristo.

A intercessão missionária requer que Cristo seja glorificado (vs. 1-5). A igreja não deve pregar a si mesma. O conteúdo da mensagem não é a sua identidade institucional, litúrgica, assistencial, ou histórica, porque ela não é testemunha de si, mas de Cristo. O Pai glorificou o Filho, e a igreja deve reconhecer e submeter-se ao senhorio de Cristo e glorificá-lo, bem como pregar o seu evangelho. A pregação da Palavra de Deus deve ser com consagração pela verdade (vs. 14-19).[3] A verdade não somente livra do erro, mas também santifica os crentes, e lhes concede autoridade na pregação.

Em nossas orações devemos manifestar o nome do Pai ao mundo (vs. 6-7). Tudo o que recebemos de Cristo vem do Pai. Anunciar a Jesus implica falar do que o Pai tem graciosamente reservado aos seus amados. O ensino de Cristo é a palavra revelada do Pai, e ao mesmo tempo revela o Pai, e o seu amor.

A comunhão de Cristo com o Pai é o paradigma para a comunhão da igreja (vs. 9-13). Existe uma reciprocidade do amor na comunhão entre o Pai e o Filho e os crentes. Hendriksen observa[4] que:
1. Estrutura
Eu (o Filho) amo a ti (o Pai)
Tu (o Pai) me ama
Eles (crentes) me amam

2. Estrutura
Eu (o Filho) os amo (os crentes)
Tu (o Pai) os ama
Eles (crentes) amam a ti

Esta relação indica que o resultado da obra missionária será eficaz por causa do amor de Cristo (vs. 20-23). Sem a prática da comunhão diminuirá a força missionária da igreja, porque o mundo não visualizará o testemunho do amor de Deus que deve ser evidente na vida dos crentes, no uns para com os outros, refletindo o amor de Cristo pelo Pai e por eles. A omissão da reciprocidade da comunhão nega este amor salvador, de modo que a pregação soa hipócrita.

NOTAS:
[1] John G.R. Beasley-Murray, John in: Word Biblical Commentary (Waco, Word Books, 1987), vol. 36, págs. 295-296.
[2] William Hendriksen, John in: New Testament Commentary (Grand Rapids, Baker Book House, 1996), pág. 347.
[3] O título que Beasley-Murray coloca no título deste capítulo é sugestivamente “A Oração de Consagração” veja John G.R. Beasley-Murray, John in: Word Biblical Commentary, vol. 36, pág. 291.
[4] William Hendriksen, John in: New Testament Commentary, pág. 371.

Rev Ewerton B. Tokashiki