10 fevereiro 2015

A desobediência civil

Trata-se de uma forma de protesto político, caracterizado pelo ato de transgredir abertamente a lei por motivos de consciência. As campanhas de desobediência civil se organizam por diversas causas, por exemplo, para lutar contra a guerra, a segregação racial, diversos impostos e o aborto. Normalmente estas campanhas transgridem leis relevantes ou desafiam a determinadas instituições. Os métodos de protesto podem consistir em sentar em lugares públicos, marchas, ou protestos ilegais, boicotes a algum imposto ou ataque de manifestantes, por exemplo, a bases militares ou clínicas onde se prática abortos.

A desobediência civil aos poucos difere em geral de outros atos de índole semelhante, ou seja, a objeção de consciência que implica violência, e de outras formas legítimas de protesto. A objeção de consciência nem sempre é ilegal, dado que em certos países se faz provisão legal para este caso. Inclusive quando é ilegal, não se pode ter uma intenção diretamente política; seu interesse primário é a rejeição de envolver-se ativamente na prática do serviço militar. As campanhas violentas não têm gozado de apoio público, nem se submetem ao governo da lei como um todo global. Consequentemente, as campanhas violentas como as que levam a cabo certos ativistas que defendem os direitos dos animais e alguns grupos anti-aborto, se parecem mais com campanhas de insurgência, como as que lançam, em diversas medidas, os movimentos nacionalistas. Por outro lado, o protesto legal, como por exemplo, as manifestações e marchas pacíficas, que não transgridem a lei, formam ocasionalmente parte da vida política e, não suscitam nenhuma questão moral especial. A desobediência civil transgride abertamente a lei para chamar a atenção sobre a injustiça política, ou para mudar uma lei, ou uma política pública. Inclusive quando descumpre a lei, continua submissa ao governo da lei como um todo, e seus praticantes estão dispostos a sofrer a pena legal correspondente como castigo.

As teorias modernas sobre a desobediência civil podem afirmar a sua autoridade baseando-se na tradição cristã. Pedro e os apóstolos quando recusaram não deixar de ensinar no nome de Jesus, argumentaram que “é necessário obedecer a Deus antes que aos homens” (At 5:29). Muito depois, Tomás de Aquino arguiu que a justiça formava parte tão essencial da lei que uma lei injusta não era uma lei, da qual se deduza que não incite à obediência. Todavia, mais frequentemente a igreja ensina com grande cautela o dever dos cidadãos de obedecer a um regime político, inclusive quando é injusto. Ao fazê-lo segue uma clara tendência do pensamento do Novo Testamento (cf. Rm 13:1-7; 1 Pe 2:13-14). Mas há uma série de pontos em que o pensamento cristão alcançou o consenso geral sobre o dever de desobedecer ao Estado e as suas leis, que são as seguintes: 1) quando exige aos crentes que neguem a sua fé em Cristo, ou rejeitem explicitamente ao seu Senhor; 2) quando o Estado exige aos cristãos que participem em ações que são claramente contrárias a sua consciência conformada pelo Cristianismo.

No final dos anos 60 os filósofos políticos dedicaram muita atenção a esta questão e, hoje em dia continuam debatendo-a. Naquela época surgiram dois movimentos que deram relevância a este tema: o movimento dos direitos civis, dirigido por Martin Luther King, e dos protestos contra a guerra do Vietnam. Isto suscita pontos de grande interesse para a teoria política. A sua qualidade paradoxal tem um interesse evidente, mas, mais fundamentalmente, levanta perguntas básicas sobre a natureza da lei e a obediência civil. Naturalmente os diversos filósofos respondem a estas questões de distintas maneiras. Mas, é certo que todos estariam de acordo de que, ainda que a desobediência civil não possa descartar absolutamente em todas as ocasiões, deve estar plenamente justificada. Deve estar baseada numa série de critérios relativamente poderosos. Estes critérios constituiriam um bom ponto de partida para todo o paradigma cristão sobre o tema.

Os critérios que apresentaremos em seguida são deduzidos da natureza da desobediência civil como a expressamos antes: 1) Devem se esgotar, primeiro e completamente, todos os meios constitucionais e democráticos. É muito melhor convencer às pessoas com um argumento democrático. Alguns argumentam que na prática nunca se pode esgotar as possibilidades dos métodos democráticos genuínos e, concluir que praticamente todos os casos da desobediência civil prejudicam a energia e os recursos dos canais democráticos mais corretos [1]. 2) A desobediência civil deveria ser aberta e pública. Deveria submeter-se à prisão e ao castigo, e estar disposta à responsabilizar-se por seus atos ilegais. 3) Deveria optar por métodos não violentos; alguns diriam que deve insistir na não violência. 4) Os atos de desobediência civil devem manifestar um bom conhecimento da lei e em pleno respeito por ela. 5) As ações devem ser proporcionais a sua causa. 6) A desobediência deveria ter um objetivo específico e realista. Não deveria designar, nem abordar-se de modos que resultem politicamente contraproducentes. Sobretudo, continua sendo uma mera forma extrema de protesto e persuasão, e não um modo de aplicar a coerção.

NOTA:
[1] Este contra-argumento deve ser seriamente considerado recordando o fato histórico da Alemanha durante o período antecedente à Segunda Guerra. Os judeus e alemães de oposição nazista foram presos, enquanto que majoritariamente a Alemanha sofria um golpe através de falsas e perigosas promessas, e iludida pela mídia que divulgava a ideologia do Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães. Nota do tradutor.


D.J.E. Attwood, "Desobediencia civil" in: David Atkinson & David H. Field, orgs., Diccionario de Ética y Teología Pastoral (Barcelona, Editorial CLIE, 2004), p. 382.

Deontologia

A deontologia (do grego deon, aquilo que é obrigatório) é, em geral, o estudo da obrigação moral, e em concreto de um tipo específico de teoria da obrigação. Em contraste com as teorias consequencialistas da obrigação, as deontológicas sustentam que os atosnão são bons ou maus devido simplesmente a suas consequências boas ou más. Entretanto, os atos são, ou não, cumprimento do dever e o dever não é determinado plenamente em termos de suas consequências.

As teorias deontológicas diferem no que se refere a qual é o fundamento do dever: para alguns é a vontade de Deus; para outros a racionalidade como tal; para outros os deveres carecem de fundamento, sendo realizados arbitrariamente. As teorias também discrepam sobre até que ponto a obrigação é independente das consequências. Para Kant as consequências eram irrelevantes para a obrigação ("cumpre com o teu dever ainda que o mundo se acabe!"), enquanto que W.D. Ross (1877-1940) defendia que as consequências eram somente um fator entre muitos dos relevantes para a obrigação. As teorias deontológicas foram elaboradas pela congruência com as intuições morais das pessoas normais, incluindo aquela de que "o fim nem sempre justifica os meios". Elas são criticadas para dar a impressão de que a obrigação moral é arbitrária ou inexplicável, e por viciar os incentivos para agir de uma forma moral.


M.T. Nelson, "Deontología" in: David Atkinson & David H. Field, orgs., Diccionario de Ética y Teología Pastoral (Barcelona, Editorial CLIE, 2004), p. 426.

07 fevereiro 2015

A Convenção de Genebra

Esta expressão é usada para se referir a uma série de tratados internacionais que codificaram as regras de guerra. O Comitê Internacional da Cruz Vermelha realizou um papel fundamental nesta missão; este organismo foi fundado em 1863 graças a inspiradora liderança cristã de Jean Henri Dunant (1828-1910).

O primeiro tratado, que firmaram em 1864 dezesseis poderes europeus, centrava-se no cuidado dos soldados enfermos e feridos, a neutralidade do corpo médico, o trato humano dos prisioneiros e a identificação de um emblema distintivo, a Cruz Vermelha, às pessoas e lugares dedicados ao trabalho médico. Estes artigos se extenderam e emendaram numa série de reuniões celebradas em Haya em 1899 e 1977, e em Genebra 1906, 1926, 1949 e 1977. A mais importante destas reuniões foi realizada em 1949, como resposta aos horrores da Segunda Guerra Mundial , e nela se elaborou a mais relevante das Convenções de Genebra.

Os artigos abordaram os seguintes temas: 1) a provisão para o cuidado dos feridos e enfermos na luta em terra; 2) normas para o cuidado dos que resultaram feridos, ou naufragaram no mar; 3) leis que garantiriam o trato justo dos prisioneiros de guerra; e 4) regras que protegiriam os cidadãos dos territórios ocupados, proibindo práticas tais como a deportação, a tomada de bens, a tortura, as represálias coletivas, a destruição injustificada de suas propriedades e a discriminação baseada na raça, na religião ou na nacionalidade. Em 1977, outra conferência complementou esta normativa com dois protocolos adicionais que extendiam a proteção da lei internacional para as guerras de libertação e guerras civis. Mais de 150 países subscreveram estas convenções de 1949, mas muitos não concordaram com os protocolos de 1977.


R.G. Clouse, "Convención de Ginebra" in: David Atkinson & David H. Field, orgs., Diccionario de Ética y Teología Pastoral (Barcelona, Editorial CLIE, 2004), p. 382.