25 abril 2020

"A Companhia de Pastores de Calvino" - resenha por Michael Horton

Com muitos outros, tenho antecipado a publicação de Calvin’s Company of Pastors: Pastoral Care and the Emerging Reformed Church, 1536–1609 de Scott Manetsch. Não é bem o que eu esperava, ou seja, uma atualização mais completa para The Register of the Company of Pastors of Geneva in the Time of Calvin (1966) de Phillip Hugues. Nós precisávamos de algo assim, que fosse uma publicação de nicho que pareceria muito com uma avaliação para uma audiência geral. No entanto, o livro de Manetsch é isso e muito mais.

Repleta de novos estudos (incluindo a análise de registros nunca examinados de perto), Calvin’s Company of Pastors é uma leitura fascinante. Enquanto muitos estudos se inclinam para a história intelectual, Manetsch segue o rastro de historiadores sociais mais recentes (e obscuros). A sua análise engloba fatores sociais mais amplos, e ele tira conclusões com base em fontes frequentemente omitidas de outros relatos. Como um bom sermão, o enorme peso da pesquisa em primeira mão está por trás, e não a frente da história.

Respaldado com as notas de rodapé e tabelas é uma narrativa vívida que nos esboça um notável ministério de uma equipe de pastores, presbíteros e diáconos. Apesar do título, Manetsch, professor de história da igreja e da história do pensamento cristão na Trinity Evangelical Divinity School, nas proximidades de Chicago, mostra que Calvino era apenas o moderador de uma Companhia de Pastores que resistia a qualquer culto à personalidade.

Definindo o Contexto

Manetsch define o contexto observando que a reforma inicial da igreja genebrina reduziu os clérigos da cidade (incluindo monges e freiras) de 500 para 15, transformando o convento e dois mosteiros em um hospital público e escola. Ele observa que as Ordenanças Eclesiásticas, elaboradas por Calvino em 1541, estabeleceram uma rotatividade de ministros em todas as igrejas para evitar a impressão de que os ministros eram pregadores, não pastores.

Após seu retorno de Estrasburgo em 1541, Calvino pregou rotineiramente em St. Pierre aos Domingos e no templo da Madeleine durante a semana de trabalho. Essa prática de rotação foi projetada por Calvino para garantir que o povo de Genebra fosse edificado por uma variedade de pregadores; também afirmava a natureza colegial do ministério pastoral na cidade, e desencorajava os ministros de verem seus postos de pregação como feudos pessoais.

Poucas figuras históricas sofreram mais em termos de rumores do que por fatos. Há muito é observado por especialistas (católicos romanos e protestantes) que Calvino estava longe do aiatolá que normalmente encontra no parágrafo dedicado a ele nos livros didáticos do ensino médio. Manetsch dissipa esses rumores com muita atenção às fontes primárias.

Nesse sentido, Manetsch também avalia os registros da igreja (ou registro) em detalhes notáveis. O exame de casos disciplinares por si só torna este livro útil para qualquer pessoa interessada num retrato preciso de uma prática muito mal compreendida.

Ao contrário das caricaturas de um regime repressivo, os registros mostram uma preocupação primariamente “em educar os ignorantes, defender os fracos e intermediar conflitos interpessoais”. Calvino e outros repetidamente afirmaram que o consistório não podia administrar punições legais ou temporais (isto é, aqueles que não têm “a espada espiritual da Palavra de Deus” e que “as correções nada mais são do que remédios para trazer os pecadores de volta ao nosso Senhor.” Calvino advertiu contra a disciplina que se degenera em “carnificina espiritual”, e foi especialmente crítico do rigor indevido tanto pelos católicos romanos como da disciplina anabatista.

Muitas das questões envolviam assegurar que os paroquianos conhecessem a fé cristã o suficiente para receber a Comunhão. Não se pode receber o sacramento enquanto se crê em crenças e práticas católicas romanas ou anabatistas; a maioria dos casos, entretanto, estava na categoria de aconselhamento, admoestação e instrução, em vez de censura séria (muito menos excomunhão). Dentro destes parâmetros, a excomunhão seria rara. Além disso, essas questões tinham que permanecer privadas; a maledicência também poderia provocar uma carta do consistório.

Deve-se notar que nenhum ministro ou presbítero - nem mesmo Calvino - poderia exercer disciplina individualmente. Todas as ações eram as do Consistório - ministros e presbíteros - como um corpo em comum consenso. Manetsch até relaciona casos de ministros sendo examinados e removidos do cargo. E apesar do estereótipo, ele relata que os pecados sexuais foram responsáveis por “apenas cerca de 13% de todas as suspensões” da Comunhão. Em alguns casos, o Consistório solicitou ao Pequeno Conselho que fornecesse emprego remunerado para as jovens mulheres e “defendia a causa de órfãos desamparados, trabalhadores pobres, prisioneiros maltratados, refugiados desprezados e desajustados sociais”.

O mesmo rigor em sua pesquisa é evidente ao relacionar o desenvolvimento da academia (que Lambert Daneau chamou de “um dos mercados mais ricos para o comércio intelectual do mundo”) e a composição de pastores, professores e estudantes atraídos para Genebra. Embora tirada principalmente das “classes urbanas da Europa francófona, assim como da nobreza francesa”, muitos outros vieram da Itália, Espanha, Inglaterra, Polônia e além. Ele também aponta o notável foco e energia da Companhia de Pastores para missões - incluindo a primeira missão protestante para o Novo Mundo (no Brasil).

Explorando o ministério da Palavra e Sacramentos em Genebra, Manetsch revela a relativa ausência de pregação na cidade antes da Reforma. Como na maioria dos lugares, os sermões eram raros, exceto pela aparição ocasional de um pregador itinerante.

Ao contrário da impressão geral, Calvino não era o único pastor da igreja de St. Pierre, a principal paróquia da cidade, mas compartilhava da rotação com os outros. Os sermões eram frequentes (vários no Domingo e outros no decorrer da semana; Calvino pregava de 18 a 20 vezes por mês). No entanto, Calvino e a Companhia limitaram os cultos a não mais do que uma hora. Além dos cultos de oração de Quarta-feira, havia estudos semanais sobre passagens bíblicas, em que os paroquianos tinham um papel ativo nas discussões.

Pontos Marcantes

Um dos pontos marcantes de Manetsch, particularmente em vista da prática contemporânea, diz respeito à redefinição do ministério pastoral. Primeiro, houve um esforço determinado para evitar um culto à personalidade: “Calvino, o pregador, quase nunca fala de seus assuntos pessoais”. É o ministério de Cristo, não o próprio ministro, que deve estar à frente e no centro do povo de Deus. Segundo, Manetsch observa: “O pregador não era o proprietário de um púlpito ou o comandante de sua congregação: foi Cristo quem presidiu a sua igreja por meio da Palavra”.

A Companhia de Pastores foi edificada, como instituição, com base no princípio básico de que todos os ministros cristãos possuíam igual autoridade sob a Palavra para proclamar o evangelho e administrar os sacramentos. Por isso, Calvino e seus colegas rejeitaram qualquer noção de preeminência ou hierarquia de autoridade dentro da companhia pastoral. Pelo menos em teoria, os ministros do evangelho cristão eram intercambiáveis.

De fato, cada um se submeteria à decisão da maioria. Manetsch aponta a comparação de Calvino acerca dos ministros aos “amigos do noivo” que têm o privilégio de “exercer autoridade sobre a igreja para representar a pessoa do Filho de Deus”. No entanto, eles devem observar a diferença entre “eles mesmos e o que pertence ao Esposo” e não “ficar no caminho de Cristo tendo somente o domínio em sua igreja ou governando-o somente por sua Palavra.” Calvino continuou: “Aqueles que ganham a igreja para si mesmos, em vez de para Cristo, violam a casamento que eles deveriam honrar”.

O caráter fraterno dos ministros torna-se uma característica recorrente no estudo de Manetsch. “Quanto menos discussões de doutrina tivermos juntos, maior o perigo de opiniões perniciosas”, observou Calvino. “A solidão leva a um grande abuso.” Consequentemente, havia amplas oportunidades de avaliação pelos pares a portas fechadas entre os pastores, variando de avaliações de sermões a discussões doutrinárias e ao manejo dos assuntos da igreja.

Existem alguns problemas com a Companhia de Pastores de Calvino que poderiam ser levantados. Manetsch apresenta uma pesquisa útil sobre o culto de adoração em Genebra, mas alguns elementos da liturgia que Calvino elaborou não estão inclusos. Os leitores também podem achar um tanto confuso que “Reformado” seja “reformado” (em minúsculas), mesmo que as referências às tradições católicas romana, luteranas e anabatistas sejam todas em maiúsculas. Embora provavelmente não intencional, isso pode minar o ponto abundantemente apoiado em todo o trabalho de que Calvino era membro e contribuiu para uma tradição maior do que ele. No entanto, isso não diminui a utilidade de um estudo que reúna essa amplitude de pesquisa em um único volume.


Artigo extraído de https://www.thegospelcoalition.org/reviews/calvins-company-pastors/ artigo publicado em 25 de Fevereiro de 2013. Acessado em 24 de Maio de 2019. Traduzido por Ewerton B. Tokashiki.

23 abril 2020

Estudando a Confissão de Fé de Westminster

Se você pretende estudar o contexto histórico e a estrutura teológica da Confissão de Fé de Westminster, permita-me sugerir alguns livros que são indispensáveis para uma pesquisa proveitosa. A lista de livros e textos não pretende ser exaustiva, mas apenas uma amostra do que está disponível para incentivar aos pesquisadores.

HISTÓRIA DA ASSEMBLEIA DE WESTMINSTER

1. A. Craig Troxel, “Divine Right” Presbyterianism and Church Power (Diss. PhD., Westminster Theological Seminary, 1998).

2. Acts of the General Assembly of the Church Scotland 1632-1842 – Reprinted from the original edition, under the superintendence of The Church Law Society (Edinburgh, The Edinburgh Printing and Publishing Company, 1898).

3. B.B. Warfield, "The Westminster Assembly and its work" in: The Works of B.B. Warfield (Grand Rapids, Baker Book, 2003), vol. 6

4. Chad van Dixhoorn, The Minutes and Papers of Westminster Assembly 1643-1652 (Oxford, Oxford University Press, 2012), 5 vols.

5. David R. Ehalt, The Development of Early Congregational Theory of the Church, with Special Reference to the Five "Dissenting Brethren" at the Westminster Assembly (Diss. PhD., Claremont Graduate School and University Center, 1969).

6. Ethyn Williams Kirby, “The English Presbyterians in the Westminster Assembly” in: Church History, Vol. 33, No. 4 (Cambridge University Press on behalf of the American Society of Church History, Dec., 1964), pp. 418-428.

7. George Gillespie, The Works of George Gillespie (AB Canada: Still Waters Revival Books, 1991), vol. 2.

8. Guilherme Kerr, A Assembleia de Westminster (São José dos Campos, Editora Fiel, 1992).

9. James Kevin Culberson, For Reformation and Uniformity”: George Gillespie (1613-1648) and the Scottish Covenanter Revolution (Diss. PhD., University of North Texas, 2003).

10. John H. Leith, Assembly at Westminster – Reformed Theology in the Making (Atlanta, John Knox Press, 1978).

11. J. Ligon Duncan, III, ed., The Westminster Confession into the 21st Century (Ross-shire, Mentor Imprint, 2005), 3 vols.

12. John Lightfoot, The Journal of the Proceedings of the Assembly of Divines: From January 1, 1643, to December 31, 1644 in: The Whole Works of the Rev. John Lightfoot, D. D., editado por John Rogers, Vol. 13.

13. John R.H. Corbett, The Churches in England and Scotland, 1603-1649: A Study in Church Union (Thes. S.T.M., McGill University, 1970).

14. Larry Jackson Hglley, The Divines of the Westminster Assembly - A Study of Puritanism and Parliament (Diss. PhD., Yale University, 1979).

15. Paul Joseph Smith, The Debates on Church Government at the Westminster Assembly of Divines, 1643-1646 (Diss. PhD., Boston University Graduate School, 1975).

15. Robert Baillie, The Letters and Journals of Robert Baillie (Edinburgh, A. Laurie Publisher, 1842) 3 vols.

16. Robert Letham, The Westminster Assembly – Reading its Theology in Historical Context (Phillipsburg, P&R Publishing, 2009).

17. Samuel R. Gardiner, ed., Constitutional Documents of the Puritan Revolution of from 1628-1660 (Oxford, Oxford University Press, The Clarendon Press, 1889).

18. Wayne R. Spear, Covenanted Uniformity in Religion: The Influence of the Scottish Commissioners upon the Ecclesiology Assembly of the Westminster (Pittsburgh, University of Pittsburgh, Diss. Ph.D., 1976).

19. William M. Hetherington, History of the Westminster Assembly of Divines (Elgin, Puritan Publications, 2006).


COMENTÁRIOS DA CONFISSÃO DE FÉ

1. Chad van Dixhoorn, Guia de estudos da Confissão de Fé de Westminster (São Paulo, Editora Cultura Cristã, 2017).

2. David Dickson, Truth’s victory over error – a commentary on the Westminster Confession of Faith (Edinburgh, The Banner of Truth, 2007).

3. G.I. Williamson, The Westminster Confession of Faith for Study Classes (Edinburgh, The Banner of Truth, 1964).

4. Gordon H. Clark, What do Presbyterians believe? (Unicoi, The Trinity Foundation, 2001).

5. Hodge, A.A., Confissão de Fé de Westminster Comentada (São Paulo, Editora Os Puritanos, 1999).

6. Robert Shaw, The Reformed Faith – an exposition of the Westminster Confession of Faith (Inverness, Christian Focus Publications, 1973).

7. Wayne R. Spear, Faith of our fathers – a commentary on the Westminster Confession of Faith (Pittsburgh, Crown & Covenant Publications, 2006).


SITES

1. www.westminsterconfession.org [a biografia, documentos e as obras dos membros da Assembleia de Westminster].

2. www.prdl.org [as obras dos teólogos e os documentos da Assembleia de Westminster e diversos outros]

14 abril 2020

Os estudantes de teologia da Academia de Genebra

Este é um trecho do Estatuto da Academia de Genebra.[1] O documento completo é parte de um projeto/livro com traduções de vários diretórios eclesiásticos que João Calvino escreveu para a Companhia de Pastores da Igreja de Genebra.

Os estudantes públicos,[2] assim como são declarados, procurarão o reitor para registrar os seus nomes e assinar com as próprias mãos a Confissão de Fé. Eles devem se comportar com modéstia e no temor de Deus.

Aqueles que desejam estudar as Sagradas Escrituras escreverão os seus nomes em um catálogo e, no sábado, das duas às três horas, tratarão em público alguma passagem das Escrituras na presença de alguns ministros, que conduzirão a reunião. Então eles ouvirão as críticas do ministro que está liderando. Nesta crítica, é permitido a todos que estão presentes manifestarem modestamente a sua opinião e no temor de Deus. Esses mesmos alunos, por sua vez, prepararão e escreverão, a cada mês, algumas proposições que não serão meras curiosidades, nem sofismas, nem sustentarão falsas doutrinas, e as comunicarão em tempo hábil ao professor de teologia. Então, eles as defenderão num debate público contra aqueles que queiram discuti-las. Naquele momento será permitido que todos falem. Serão banidos todo sofisma, curiosidade insolente e audaciosa que corrompe a Palavra de Deus e, da mesma forma, toda contenda maligna e orgulho contumaz.

Pontos de doutrina serão tratados com reverência e religiosamente pelos dois lados da disputa. O professor de teologia que presidirá a debate conduzirá tudo de acordo com sua prudência e dará, pela Palavra de Deus, a solução para as dificuldades que foram submetidas.


NOTA:
[1] A tradução foi realizada a partir de W. Stanford Reid, “Calvin and the Founding of the Academy of Geneva,” Westminster Theological Journal 18, no. 1 (1955): 22–33, recorrendo aos textos originais em francês e latim. Há disponível fac-símile do texto latino Leges Academiae Genevensis Estatutos da Academia de Genebra] editado por Oliva Roberti Stephani, 1559, em Genebra; e uma edição francesa L’ordre du College de Genève de L’Olivier De Robestienne, publicação de 1559, em Genebra; e, outra sob o título Les Ordonnances Ecclesiastiques de l’Egllise de Genève. Item, l’ordre des escoles de ladite cité [As Ordenanças Eclesiásticas da Igreja de Genebra. Bem como, a ordem das escolas da referida cidade] publicada por Artus Chauvin, edição de 1561, em Genebra. Em 29 de Maio de 1559 é promulgado o Estatuto da Academia de Genebra com o título de L’ordre establi au College de Geneve par nos Magnifique & treshonorez seigneurs Syndiques & Conseil [A Ordem estabelecida para a Academia de Genebra pelos nossos magníficos e honrados senhores síndicos e Conselho]. A edição de 1561 traz um título mais longo, que diz: L’ordre des escoles de Genève. La publication des loix concernans l’ordre des Escoles de ladite cité en la presence de nos magnifiques & treshonnorez Seigneurs, Syndiques & Conseil [A Ordem das escolas de Genebra. A publicação das leis concernentes à ordem das Escolas da referida cidade na presença de nossos magníficos e honrados senhores, síndicos e Conselho] publicada por Artus Chauvin. Entretanto, os textos em francês de 1559 e 1561 têm o mesmo conteúdo. Mas o texto latino altera o título para Promulgatio Legu Academiae Genevensis [A Publicação dos Estatutos da Academia de Genebra] e, também, omite a "Forma da Confissão dos Estudantes Públicos". Os textos fac-símiles estão no site www.e-rara.ch e na Bibliothèque de Genève, o texto impresso encontra-se em Opera Calvini, vol. IX, pp, 721-726.

[2] David W. Hall comenta que “a Academia de Calvino, anexa à Catedral de Saint Pierre, oferecia dois níveis de currículos: uma para a educação pública da juventude de Genebra (o colégio ou schola privata), e o outro, um seminário para o treinamento de ministros (schola publica). Não se deve diminuir o impacto que se deu pela educação pública da juventude, especialmente quando a educação normalmente estava reservada somente para os descendentes da aristocracia, ou membros das sociedades católicas. Iniciada em 1558, com Calvino e Theodore Beza como presidentes da faculdade de teologia, o edifício da Academia foi dedicado em 5 de Junho de 1559, com 600 pessoas presentes na Catedral de Sainct Pierre. Calvino arrecadou dinheiro para a escola e muitos expatriados doaram para ajudar na arrecadação. A escola pública, a qual tinha sete graus, matriculou 280 estudantes em seu ano inaugural, e o seminário da Academia se expandiu a 162 estudantes em apenas três anos. Na morte de Calvino, em 1564, havia 1.200 estudantes no colégio e 300 no seminário. Ambas as escolas, como observam os historiadores, eram gratuitas e ‘precursoras da educação pública moderna’. Poucas instituições europeias nalgum momento viram um crescimento tão rápido.” David W. Hall, The legacy of John Calvin – His influence on the Modern World (Phillipsburgh, P&R Publishing, 2008), p. 13.

Traduzido por Ewerton B. Tokashiki
14 de abril de 2020.

07 abril 2020

Devemos transmitir a ceia do Senhor Online?

por Scott R. Swain


Durante a semana passada, estive envolvido em várias conversas sobre se as igrejas devem transmitir ao vivo a Ceia do Senhor.

Na maioria dos casos, as conversas não foram sobre se a transmissão ao vivo da Ceia do Senhor é válida em circunstâncias normais […]. A maioria das conversas em que participei foi entre ministros reformados e presbiterianos com um entendimento compartilhado da igreja, ministério pastoral e sacramentos. A questão nessas conversas foi se as circunstâncias extraordinárias da vida em quarentena permitem maneiras extraordinárias de administrar a Ceia do Senhor.

O The Gospel Coalition publicou duas perspectivas batistas sobre a questão de as igrejas fazerem online a Ceia do Senhor, uma contra e outra favorável. Além disso, a Christianity Today publicou um artigo, escrito do ponto de vista sacramental protestante, que argumenta que a Ceia do Senhor pode realmente cumprir sua função como um meio de graça, mesmo quando celebrada online.

Não creio que as igrejas devam transmitir a Ceia do Senhor por razões bastante reformadas. A razão mais fundamental tem a ver com a natureza do próprio sacramento.

Um sacramento, no nível mais básico, é uma ação simbólica ordenada por Jesus Cristo à qual ele anexou a promessa de sua presença e bênção (Êx 20:24; Mt 28:18-20; Lucas 22:19; 1 Co 10:1-4, 16; 11:24-25). O “sinal”, nesse entendimento, não são simplesmente os “elementos” da água, pão e vinho. O sinal é a totalidade da ação simbólica que, no caso da Ceia do Senhor, é uma refeição compartilhada (1Co 10:17). Além disso, quando se trata da Ceia do Senhor, a ação simbólica de uma refeição compartilhada tem um contexto específico e divinamente ordenado: “quando vocês se reúnem” (1Co 11:33). O “sinal” da Ceia do Senhor é uma refeição compartilhada, participada na assembleia da Aliança, do povo de Deus, ou seja, a igreja reunida. A esta ação simbólica, Cristo anexou a promessa de sua presença e bênção: “ali te darei meu amor” (Ct 7:12).

Quando se trata da Ceia do Senhor, então, nenhuma refeição compartilhada, nenhuma assembleia da aliança significa nenhum sacramento. (Nota: a situação é diferente no batismo, cuja ação simbólica envolve uma pessoa lavando a outra pessoa com água). Embora a ação de uma refeição compartilhada e o contexto da assembleia da aliança não sejam condições suficientes para celebrar a Ceia do Senhor, são condições necessárias. Sem eles, realmente não se pode celebrar a Ceia do Senhor.

Aqueles que mais se afastaram dessa linha de argumentação o fizeram porque valorizam profundamente a Ceia do Senhor como um meio de graça. Que grande perda, argumentam eles, sem os meios divinamente designados de dar e receber o corpo e o sangue de nosso Senhor Jesus Cristo, de fortalecer nossa fé e esperança, de receber e responder ao amor de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo!

Contra esse sentimento, não tenho argumentos. É realmente uma grande perda, talvez a maior perda entre muitas outras perdas que se seguem à nossa incapacidade de nos reunirmos na presença de Deus como povo da aliança de Deus no Dia do Senhor.

Mas a resposta adequada a essa grande perda não é tentar transmitir ao vivo a Ceia do Senhor. Por enquanto, o caminho para participar da Ceia do Senhor está fechado para todos nós. Por enquanto, não somos chamados para festejar, mas para jejuar.

O que leva ao que acredito ser a resposta pastoral apropriada em nossa atual crise. Em situações de perda como essa, precisamos aprender a lamentar, e devemos ensinar o povo de Deus a lamentar, algo bastante difícil para aqueles (como eu) que estão acostumados à gratificação instantânea.

A Ceia do Senhor é uma das maiores bênçãos que Jesus Cristo deu à sua igreja. Nossa incapacidade de celebrar a Ceia do Senhor por um período só pode ser, deve ser, apenas causa de tristeza e lágrimas. Por enquanto, não podemos celebrar essa lembrança do Senhor “provando” e “vendo” sua bondade (Sl 34:8).

Mas isso não significa que somos enviados a um estado de completo esquecimento. Não. Existe um tipo de lembrança que acompanha o exílio da cidade de Deus (Sl 137:5-6), a lembrança que leva a lágrimas fiéis (Sl 137:1-2) e que cultiva o desejo de restauração (Sl 63:1; 143:6), a lembrança daqueles que já provaram e que, pela graça de Deus, sabem que mais uma vez provarão e verão a bondade do Senhor, seja na sua mesa na assembleia da aliança ou na ceia das bodas do Cordeiro (Ap 19:9). Este é o tipo de lembrança que somos chamados a cultivar em nós mesmos e em nossos rebanhos neste tempo.

Nosso presente jejum da Ceia do Senhor é necessário, mas lamentável. Nosso presente jejum também é uma oportunidade de cultivar um desejo sincero pelo Senhor e por seu povo que tornará nosso banquete à mesa do Senhor ainda mais alegre quando o tempo do nosso jejum chegar ao fim. Faremos um banquete na casa de Sião!


Scott R Swain é presidente e professor de Teologia Sistemática no Reformed Theological Seminary, em Orlando, Flórida, onde atua desde 2006. É ministro ordenado na Igreja Presbiteriana da América. Scott e sua esposa, Leigh, têm quatro filhos.
Tradução: Pr. Dilsilei Monteiro

Extraído de TGC - Coalizão Pelo Evangelho.