21 outubro 2010

A parábola do filho pródigo

A seqüência de parábolas narradas por Jesus, em Lc 15:3-32, talvez, sejam a melhor ilustração do perdão gracioso de Deus que salva pecadores. As três parábolas são: a ovelha perdida (vs. 3-7); a dracma perdida (vs. 8-10); e, por fim, o filho pródigo (vs. 11-32). Embora as três narrativas tenham uma trilogia de temas em comuns como "a perda", "o encontro", e "a alegria", elas também possuem ênfases diferentes. O famoso exegeta judeu-cristão Alfred Edersheim observa que "na parábola do filho perdido o interesse principal centraliza-se em sua restauração. Não trata da tendência natural, nem do trabalho e o pó da casa como causa atribuída à perda, mas a livre decisão pessoal de um indivíduo. O filho não se perde e se extravia; não cai e se perde da vista, mas marcha voluntariamente, e sob circunstâncias agravantes" (La Vida y los Tiempos de Jesus el Messias,vol.2, CLIE, p.203). Em nenhum momento Cristo apresenta o filho pródigo como vítima, ou como produto do meio, mas é descrito como alguém que impiedosamente age contra o seu pai, que sem afetos abandona o seu lar, e que segue para uma terra distante para ser esquecido e esquecer as suas origens.

Nesta parábola temos três personagens. Não é correto pensarmos no filho pródigo como sendo o personagem principal. O pai amoroso e o filho mais velho não são segundários, mas partes de proporcional importância nesta narrativa, abordando aspectos diferentes da mesma situação. Mas, nos referiremos a ela como tradicionalmente se tem feito: a parábola do filho pródigo. Afinal, o pecado e a manifestação prática da graça é que são os verdadeiros temas centrais nesta história. William Barclay sugere que "seria melhor chamá-la de 'parábola do pai amoroso', porque nos fala mais do amor de um pai do que do pecado de um filho" (Lucas - El Nuevo Testamento Comentado, Ed. La Aurora, p.200). O filho mais novo é um jovem que perdeu a oportunidade de ser o filho prodígio para se tornar o pródigo. Uma família judia comum, como qualquer outra nos tempos de Jesus, foi usada para ilustrar como Deus age para restaurar um relacionamento seriamente prejudicado pelo pecado.

Esta parábola ilustra como o pecado é inerentemente sem sentido. Se tem um momento que a insensatez da iniquidade fica esclarecida, é quando tentamos entender o motivo de alguém que teria todos os benefícios simplesmente escolhendo praticar o amor, e insensivelmente prefere o desprezo, por causa, de algum pecado pessoal. O pecado faz com que filhos saiam de casa em inimizade. Por causa da dureza do coração vemos casais que inicialmente fizeram juras de amor, e viveram sublimes momentos de romance se separando com ferinas palavras de amargura. Continuar desejando fartar-se de comida podre enquanto poderia comer uma farta refeição. Preferir trabalhar para um estranho, em troca de comida, deixando de construir a própria herança com o pai. Consumir todos os bens, vivendo o hoje, e esquecendo que a vida toda se dependerá de sustento. Mas, além de insensato, o pecado também torna o indivíduo insensível. Neste caso, a maior evidência desta verdade é a insensibilidade com os próprios sentimentos, de modo, que o amor perde o seu brilho e alegria, tornando temporariamente ofuscado, sem valor e propósito. Simplesmente é loucura, mas isto é o que o pecado obscurecendo a mente produz: insensatez, insensibilidade e por fim, uma vida sem sentido.

01 outubro 2010

Conflito entre Teologia Bíblica e Sistemática?

Alguns teólogos por desnecessária teimosia, insistem em perpetuar uma antiga contenda. Querem conflitar os ramos da Teologia Bíblica e da Teologia Sistemática. Parece que isto decorre do método teológico adotado, ou das premissas de cada área, ou até mesmo da tradição teológica esposada por eles. Entretanto, isto não justifica promover a inimizade entre estas duas preciosas e consistentes áreas da ciência teológica.

Por natureza a Teologia Sistemática é o centro de convergência onde todas as matérias teológicas se encontram para compartilhar as suas conquistas! Coerentemente e de modo construtivo formula-se a doutrina à partir da exegese bíblica, da filosofia, da história, e dos padrões confessionais. Aprecio muito a definição que Robert L. Reymond afirma que Teologia Sistemática é o
estudo metodológico da Bíblia que analisa a Escritura Sagrada como uma completa revelação, em distinção das disciplinas de Teologia do Antigo Testamento, Teologia do Novo Testamento e Teologia Bíblica, as quais se aproximam das Escrituras como uma revelação progressiva. Deste modo, o teólogo sistemático analisa as Escrituras como uma revelação completa, buscando entender holisticamente o plano, propósito e a intenção didática da mente divina revelada na Sagrada Escritura, e organizar este plano, propósito e intenção didática de modo ordenado e apresentação coerente como artigos da fé cristã.
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Por definição a Teologia Bíblica é “aquele ramo da teologia cuja preocupação é estudar cada segmento das Escrituras individualmente, especialmente quanto ao seu lugar na história da revelação progressiva de Deus”.[2] Ainda podemos falar desta disciplina como sendo “um estudo do processo da auto-revelação de Deus depositada na Bíblia."[3] Assim, observa-se que são áreas diferentes, mas não conflitantes, pelo contrário, elas são disciplinas co-dependentes.

Geerhardus Vos, que lecionou tanto dogmática como teologia bíblica, esclarece a diferença entre as duas disciplinas declarando que
Teologia Bíblica ocupa uma posição entre Exesege e Sistemática na enciclopédia das disciplinas teológicas. Ela difere da Teologia Sistemática, não porque seja mais bíblica, ou por aderir mais estritamente as verdades da Escritura, mas em que o seu princípio de organizar o material bíblico é mais histórico do que lógico. Considerando que a Teologia Sistemática usa a Bíblia como um todo completo e empenha-se em exibir o seu completo ensino numa forma ordenada e sistemática, a Teologia Bíblica divide os assuntos a partir da perspectiva histórica, buscando demonstrar o crescimento orgânico ou desenvolvimento das verdades da Revelação Especial da primitiva Revelação Especial pré-redentiva entregue no Éden até o fechamento do cânon do Novo Testamento.
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Infelizmente há quem queira continuar a controvérsia entre as áreas de Sistemática e Bíblica. Penso ser um prejuízo acadêmico esta tola controvérsia. Spykman exorta-nos dizendo que
este é o momento apropriado para deixar de lado este falso dilema. Como em toda ciência, assim também na teologia, existem certas divisões de trabalho que coincidem com certas linhas demarcatórias naturais, dentro do campo global. Discerne-se claramente uma diferença de tarefas. Então, fique estabelecido, tanto na teologia bíblica como na dogmática, que cada uma tem sua identidade e integridade. Cada uma tem seu próprio campo de estudo, seus próprios princípios organizadores e suas metodologias. Assim, ambas são chamadas a serem “bíblicas” no sentido de serem fiéis a Bíblia. O fato de que a teologia bíblica trabalhe mais diretamente com pressupostos bíblicos não é garantia de ser mais fiel às escrituras que a dogmática, ainda que, esta última talvez, trabalhe mais diretamente com os dados bíblicos. Juntas devem inclinar-se ante a autoridade da Palavra de Deus como norma vigente para ambas disciplinas. Ambas são respostas teológicas a essa norma permanente. Todavia, são diferentes em suas áreas de investigação, em suas ferramentas e estudo, nos resultados de seus respectivos estudos. Estas diferenças devem ser honradas.
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Como especialista em Teologia Bíblica D.A. Carson sugere que “a teologia bíblica precisa ser sistemática, mesmo que focalize o lugar e o significado históricos de um segmento específico da Bíblia; e a teologia sistemática, se depender de exegese honesta, deve forçosamente depender de considerações históricas.”[6]

NOTAS:
[1] Robert L. Reymond, A New Systematic Theology of the Christian Faith (Nashville, Thomas Nelson Publishers, 1998), pág. xxv-xxvi.
[2] Donald A. Carson, Teologia Bíblica ou Teologia Sistemática (São Paulo, Edições Vida Nova, 1999), pág. 27.
[3] Geerhardus Vos, Biblical Theology – Old and New Testament (Edinburgh, The Banner of Truth Trust, 2000), pág. 13.
[4] Geerhardus Vos, Biblical Theology – Old and New Testament, pág. v-vi.
[5] Gordon J. Spykman, Teologia Reformacional - un nuevo paradogma para hacer la Dogmática (Grand Rapids, TELL, 1994) pág. 10.
[6] Donald A. Carson, Teologia Bíblica ou Teologia Sistemática, pág. 27.