29 fevereiro 2012

Presbíteros como defensores da fé cristã

A liderança da igreja local carece engajar na proteção os seus membros, e em especial os adolescentes e jovens, dos ataques do secularismo intelectual. Nos colégios e faculdades a fé cristã é questionada a sua credibilidade com argumentação inteligente e, ao mesmo tempo as instituições de ensino, quer estatais ou privadas, estão comprometidas com filosofias anticristãs altamente hostis ao Cristianismo. William L. Graig constata que
adolescentes cristãos são atacados intelectualmente por todas as formas de filosofias não cristãs, unidas com um relativismo avassalador. Sempre que falo em igrejas ao redor do país, constantemente me encontro com pais cujos filhos perderam a sua fé porque não havia ninguém na igreja para responder às suas perguntas.[1]

Os presbíteros docentes como regentes são responsáveis de preparar a igreja para dar razão da sua fé. Obviamente este dever pode ser realizado pela pregação ou pelo ensino exercido por eles, ou em realizar conferências especiais, trazendo especialistas para que possam instruir a igreja local. Entretanto, eles não podem negligenciar o estudo pessoal e precisam equipar-se de conhecimento apologético para assegurar aos membros a veracidade da fé cristã. Não se pode ignorar que a dúvida tem o seu papel saudável no crescimento de qualquer pessoa, entretanto, a partir do momento que ela é erroneamente respondida, ela corre o risco em converter-se em incredulidade. William L. Graig observa que “podemos desafiar as pessoas a pensarem a fé de forma mais profunda e rigorosa sem encorajá-los a duvidar de sua fé.”[2] Duvidar enquanto processo de pensar e entender a fé pode ser algo até necessário e salutar, entretanto, questionar a veracidade e desprezar a sua procedência divina é o caminho para o ateísmo. Enquanto que a intelectualidade não cristã desafia o conteúdo, a historicidade e a validade da fé, os presbíteros precisam desafiar a reflexão e edificação a fé (At 20:28-30).

Ser presbítero não é um trabalho para covardes. Aqueles que são chamados para expor o Evangelho encontrarão diante de si lobos travestidos de ovelhas, assassinos da verdade, hipócritas, falsos mestres, profetas da mentira, gananciosos mercenários, homens que distorcem o Evangelho com a finalidade de tirar proveito pessoal dele. Não devemos temê-los, mas denunciá-los com o antigo Evangelho de Cristo, proteger as verdadeiras ovelhas e conduzi-las sob a autoridade do Bom Pastor, o Senhor Jesus.

NOTAS:
[1] William L. Graig, Apologética para questões difíceis da vida (São Paulo, Edições Vida Nova, 2010), p. 29
[2] William L. Graig, Apologética para questões difíceis da vida, p. 37.

23 fevereiro 2012

Abraham Kuyper

Escrito por Juan Bosch Navarro


Nascido em Maasluis, Rotterdam, em 29 de Outubro de 1837, e falecido em 8 de Novembro de 1920. Era um teólogo reformado, Doutor em Teologia pela Universidade de Leiden (1855-1862). Ministro ordenado da Igreja Reformada Holandesa, e pastor em Beest (1863-1868), Utrecht (1868-1870) e em Amsterdam (1870-1874). Era editor do diário De Standaard [1](1872-1876 e 1878-1919) e do semanário De Heraut [2](1878-1919). Eleito membro da Segunda Câmara do Parlamento Holandês em 1874, 1894, 1901 e 1908. Fundador da Universidade Livre de Amsterdam (1880). Professor de Teologia na Universidade Livre de Amsterdam (1880-1908). Líder do movimento da renovação eclesiástica e da secessão (1886), fundando em 1886 a Christelijke Gereformeerde Kerken.[3] Em 1889 participa das Stone Lectures da Universidade de Princeton, que dá origem ao seu livro Calvinismo.[4] Tornou-se Primeiro Ministro da Holanda (1901-1905), Ministro de Estado no Governo Holandês (1908-1912). Eleito membro da Primeira Câmara do Parlamento Holandês (1913). Retirado da vida ativa, morre em La Haya em 1920.

Abraham Kuyper é uma figura fundamental nos Países Baixos, durante o último terço do século XIX e as duas primeiras décadas do XX. Homem polivalente, a sua biografia abrange cinco campos nos quais ele sobressai de maneira notável: teologia, educação em nível universitário, reforma eclesiástica, periodismo e política nacional. Educado no seio de uma família clerical dentro da tendência liberal da Igreja Nacional Reformada Holandesa e, tendo estudado na Universidade de Leyden, onde obteve o Doutorado em Teologia (1862) num ambiente teológico igualmente liberal, é ordenado pastor em 1865. Kuyper experimenta uma verdadeira “conversão” já durante os seus primeiros anos como ministro de uma pequena paróquia, cuja congregação professava um sólido calvinismo da velha escola, que o conduz ao calvinismo mais estrito, deixando pra trás a teologia aprendida na Universidade de Leyden.

O “neocalvinismo” de Kuyper se sustenta num núcleo capital: a soberania divina sobre todas as “esferas” da vida e que abrange, logicamente, não somente os aspectos propriamente eclesiásticos, mas também aqueles outros que foram abandonados da área privada, ou pública pelo liberalismo teológico. Portanto, a família, como todo o referente às instituições laicas da “res publica”, a política, o trabalho e a economia, a educação e a universidade, as artes e a imprensa, etc., são esferas que devem voltar para estarem sob a soberania divina, o que explica, por outro lado, o interesse máximo de Kuyper em intervir em todos os assuntos que concernem ao governo do mundo. Fomenta a criação da imprensa escrita, intervém de maneira direta na alta política do país, cria a Universidade Livre de Amsterdam (1880). Entretanto, o arminianismo e o deísmo que haviam se introduzido na Igreja Nacional Reformada Holandesa a muito tempo atrás, se encontra em franca oposição ao liberalismo teológico e ao legado da Revolução Francesa que se respirava nos ambientes cultos da Holanda, detestando no âmbito político-social os movimentos revolucionários socialistas e comunistas. Percebe-se a necessidade imperiosa de se criar um forte movimento de renovação eclesiástica que concluirá com a fundação da Igreja Reformada Livre (1886).

Tão grande obra, com múltiplas dimensões, cuja influência seria sentida em todos os níveis da sociedade holandesa com grande eficácia. Trata-se para Kuyper de fazer presente na vida pública a contribuição e os valores cristãos desde a compreensão estritamente calvinista. Para o teólogo holandês o calvinismo é muito mais que uma tradição confessional ou eclesiástica; na realidade é uma cosmovisão (Weltanschauung), uma compreensão da vida e do mundo, um sistema de pensamento e de vida oposto radicalmente ao modernismo reinante. Kuyper pressentindo que o problema e a sua solução dependem da opção que se tome diante desta alternativa: ou aceitar a idolatria do homem e do Estado que exercem o seu atrativo em cada rincão da existência, ou aceitar a soberania divina que deve exercer nas esferas da família e da escola, sem as mediações do Estado ou da Igreja. A acusação de ele queria se passar como restaurador da velha ideia da teocracia não tem fundamento, pois se bem que Kuyper advogará sempre pela recristianisação da nação, nunca o fará desejando ou pedindo privilégios eclesiásticos, senão que fomentando a atividade voluntária dos cristãos nas Igrejas Livres e em diferentes organizações de inspiração cristã. Para isto propôs – desde suas oposições políticas – um sistema de educação que respeitava a pluralidade e diversidade religiosa.

Aquela tese da soberania divina sobre as “esferas” da vida, todavia, não significava que Kuyper elas se confundissem sob o imperativo divino. Mas que cada uma delas – a família, a economia, a política, a vida universitária, etc. – tem o seu próprio âmbito, objetivos e identidade que devem respeitar-se escrupulosamente, pois estão fixadas por Deus, desde o princípio. E isto, de tal maneira, que a confusão e indiscriminada mistura destas esferas, significa a transgressão das leis estabelecidas pelo próprio Deus. Assim, se faz necessário uma atenta supervisão para que não se transgrida tais espaços. Kuyper crê que ao Estado corresponde manter especial vigilância, de modo a salvaguardar a identidade de cada âmbito. Kuyper justifica este ponto de vista ao valorizar a importância que cada “esfera” tem para o desenvolvimento comum da humanidade, dando especial ênfase às esferas intermediárias – família e Igreja – porque constituem como o muro de contenção dos dois perigos que espreitam a sociedade devido à presença do pecado: por uma parte, a tendência ao individualismo que resulta no isolamento; por outro lado, as tendências globalizantes e totalitárias que tolera o Estado moderno. E é que apesar do papel de vigilância que na prática Kuyper concede ao Estado, é consciente da necessidade de moderar o poder do mesmo. Como bom calvinista reconhece que toda instituição, inclusive o Estado, está sujeita à penetrante realidade do pecado. Há que se dizer, todavia, que Kuyper não chegou até o extremo de desconectar completamente cada um dos âmbitos ou esferas da vida. São parte integrante da uma realidade criada cuja unidade interna se compreende, graças à visão do propósito do criador, unificante e redentor de Deus manifesto nas Escrituras Sagradas. A partir daí, dificilmente poderia recorrer-se a Kuyper para justificar ao sistema sul-africano do apartheid. Nas conferências pronunciadas na Universidade de Princeton (1898) – durante o ciclo das famosas “Stone Lectures” – e dissertando sobre o calvinismo, Kuyper afirmaria textualmente: “a mescla de sangue sempre contribuiu para uma grande prosperidade (...) A história ensina que as nações onde o calvinismo floresceu mais amplamente revela esta mesma mescla de raças.”

As palestras feitas sobre a obra teológica de Kuyper são plurais. Para alguns foi um estrito calvinista, inclusive em sua forma eclesiástica; E. Troeltsch opina que intentou modernizar a Calvino; também acredita-se que o seu afastamento do reformador de Genebra se deve às teses de Kuyper sobre a pluriformidade da Igreja e sobre a tolerância política; finalmente, para os conservadores, o neocalvinismo propugnado pelo teólogo holandês nada tem a ver com Calvino. Todavia, o veredicto sobre a obra em conjunto de Abraham Kuyper está recolhido num texto pronunciado durante a celebração nacional em honra de Kuyper, em seus septuagésimo quinto ano de aniversário: “A história dos Países Baixos, na Igreja, no Estado, na sociedade, na imprensa, na Escola e nas Ciências dos últimos quarenta anos, não poderia escrever-se sem mencionar o seu nome em cada uma de suas páginas, já que durante este período a biografia do Dr. Kuyper em boa medida, é a história da Holanda.”


NOTAS:
[1] Tradução: “O Estandarte”. Nota do tradutor.
[2] Tradução: “O Arauto”. Nota do tradutor.
[3] Tradução: “Igreja Cristã Reformada”. Nota do tradutor.
[4] O livro Calvinismo foi publicado pela Editora Cultura Cristã. Também há em português outro clássico escrito por Abraham Kuyper com o título A Obra do Espírito Santo.

Extraído de Juan B. Navarro, ed., Diccionario de Teólogos/as Contemporáneos (Burgos, Editorial Monte Carmelo, 2004), pp. 591-594.
Traduzido por Rev. Ewerton B. Tokashiki
23 de Fevereiro de 2012.

O método crítica da forma de Martin F. Dibelius

Escrito por Juan Bosch Navarro


Nascido em Dresde, em 14 de Setembro de 1883, e falecido em Heidelberg, em 11 de Novembro de 1947. Filho de família de pastores da Igreja Luterana, fez os estudos de Filosofia e Teologia em Neuchatel, Leipzig, Tubing e Berlim. Catedrático da Universidade de Berlim (1910). Professor de Novo Testamento na Universidade de Heidelberg (1915), sucedendo a Johannes Weiss na cátedra de Exegese e Crítica do Novo Testamento. Trabalha com o “método da história das formas” aplicando-o aos evangelhos sinópticos. A partir de seu Die Formgestchichte des Evangeliums (1919)[1] o método se universaliza na exegese mais liberal. Muito atrativo no movimento ecumênico, especialmente em “Fé e Constituição.”

Martin Dibelius passou para a história da exegese como um dos pioneiros e autores mais expressivos no emprego do método da história das formas (Formegeschichte) aplicado a investigação sinóptica. Este método também foi utilizado por outros autores como H. Gunkel, aplicando-o ao livro dos Salmos; por K.L. Schmidt, G. Bertram e, mais tarde, por R. Bultmann. A sua intenção consistiu em interpretar os textos evangélicos de acordo com as suas próprias leis. Dibelius partia da convicção de que nos sinópticos – como em qualquer outro monumento da literatura – deveria distinguir entre os vários gêneros literários, chamados, às vezes, “formas” (hinos, parábolas, poesia, relatos históricos, etc.) em ordem a determinar a identidade, os condicionamentos sócio-religiosos em que surge cada um dos textos sinópticos. Este método implicava também a comparação com outras formas literárias extra-bíblicas provenientes do contexto do Oriente Médio para investigar as possíveis dependências e inter-relações e também a originalidade. O importante para Dibelius era analisar as palavras do escritor bíblico, mas sempre enquadrado num contexto muito mais amplo que a sua própria individualidade no que aparecesse a mentalidade e estilos literários do ambiente. A personalidade do hagiógrafo não era o mais importante, pois o seu estilo está condicionado e em direta dependência de algumas formas fixas e típicas anteriormente existentes.[2]

Em seu livro Die Formgeschichte des Evangeliums (1919), recorda que os evangelistas sinópticos pertencem à literatura menor. Com isso afirmava que ainda que os seus escritos não sejam obras literárias no sentido exato do termo, todavia, não são escritos privados, senão que possuem um caráter público. Neste sentido, como indica, os “autores” podem ser somente considerados escritores no sentido mais lato do termo, já que fundamentalmente são “simples compiladores, transmissores ou redatores.” Para Dibelius a atividade dos sinópticos, especialmente Mateus e Marcos, “consiste sobretudo em transmitir, agrupar e reelaborar um material recebido.” Então, a participação do evangelista na redação do texto se torna, na realidade, muito limitada e de mínima importância. Dibelius opina logicamente que os evangelistas receberam “um material configurado”, ou seja, pequenas unidades ou fragmentos literários, e que, portanto, a “história das formas do evangelho” não começava com os evangelistas, senão que com as “unidades menores.” Portanto, se tratará de conhecer as regras pela quais se regiam essas unidades, a situação histórico-social em que nasceram e se desenvolveram aquelas primeiras formas literárias. Em outras palavras, é conhecer o seu “Sitz im Leben”. Não interessa tanto conhecer o gênio pessoal dos autores, senão a vida da comunidade cristã primitiva, o verdadeiro autor dos fragmentos que chegaram aos hagiógrafos.

Esta obra fundamental corrigida a partir da segunda edição de 1933, é hoje um clássico da literatura bíblica e apesar de suas limitações a sua leitura é de consulta obrigatória. Os onze capítulos iniciam o leitor no apaixonado mundo do processo de redação da literatura sinóptica, tratando destes temas: 1. A história das formas; 2. A pregação; 3. O paradigma; 4. A breve narração; 5. A lenda; 6. Analogias; 7. A história da paixão; 8. A obra de compilação; 9. A parênesis; 10. O mito; 11. Forma, história e teologia. Se a finalidade de um relato evangélico consiste em expressar e expor a fé existente de modo a tornar coerente a própria comunidade cristã, ou para que em terreno missionário expor aos judeus e pagãos, na realidade o texto definitivo não responderia por completo o gênio do autor, senão apontaria para a comunidade primitiva que havia experimentado aquela fé.

A história das formas recebeu críticas e foram expostos os seus limites. E se é verdade que este método “não carece de razões para considerar aos Evangelhos como obra de compilação”, é também verdade que “entre os resultados seguros a que se chegaram os estudos recentes sobre os sinópticos deve-se enumerar a afirmação de que a atividade dos evangelistas não se limitava simplesmente a compilar um patrimônio recebido, senão que deve ser considerada como uma atividade literária consciente nascida de uma concepção teológica refletida. No que se refere aos Evangelhos, deve-se corrigir, portanto, o juízo da história das formas” (G. Iber). E se é verdade que ninguém dúvida de que os estudos mais recentes “foram mais longe do que o método da história das formas em certos pontos essenciais”, haverá de estar de acordo com o citado especialista que também “os mesmos trabalhos demonstram que esse método tem se focalizado na exegese e uma importância permanente na história da teologia.”[3]

NOTAS:
[1] Tradução: “A narrativa da forma dos Evangelhos.” Nota do tradutor.
[2] Este método exegético estabelece-se sobre premissas deístas, ou seja, uma base antissobrenaturalista, o seu primeiro axioma é a negação da imanência de Deus, em que ele se revela e comunica de modo proposicional. A sua segunda premissa é negar que os hagiógrafos como autores, eram as testemunhas oculares dos atos e ensino de Cristo, bem como dos eventos originais.
[3] A sua importância é medida pela quantidade de adeptos. Entretanto, o tradutor não adota este método por entender que ele é teoricamente insustentável, bem como teologicamente incoerente com a identidade reformada.


Extraído de Juan B. Navarro, ed., Diccionario de Teólogos/as Contemporáneos (Burgos, Editorial Monte Carmelo, 2004), pp. 286-287.

Traduzido por Rev. Ewerton B. Tokashiki
23 de Fevereiro de 2012.

17 fevereiro 2012

Biografia cronológica de João Calvino

10/07/1509 Nascimento de João Calvino, Noyon, norte da França.
1510 Lutero viaja a Roma para tratar de assuntos de sua ordem agostiniana.
1511 Lutero se muda para Wittenberg.
1512 Lutero recebe o grau de doutor e inicia conferências teológicas em Wittenberg.
1514-17 Bíblia Poliglota Complutense (publicada somente em 1522).
1515 Conferências de Lutero sobre as epístolas de São Paulo aos Romanos.
1516 Publicação do Novo Testamento de Erasmo em grego e de uma tradução original em latim Novum Instrumentum.
31/10/1517 Lutero “afixa” ou “remete” as 95 Teses.
4-5/1518 Debate em Heidelberg: Lutero defende sua teologia numa reunião do Capítulo da Ordem Agostiniana. Em Outubro, Lutero encontra o cardeal Cajetan em Ausburg.
7/1519 Debate de Leipzip, inclusive entre Lutero e Johann Eck. Em 1 de janeiro Uldrich Zwinglio inicia o seu ministério na Gross Münster de Zurique.
1520 (15 de junho) Lutero ameaçado de excomunhão na bula papal Exsurge Domine. (agosto-setembro) Lutero publica Carta à Nobreza Cristã da Nação Germânica e Prelúdio ao Cativeiro Babilônio da Igreja. (novembro) Tratado Da Liberdade Cristã de Lutero. (dezembro) Queima da bula Exsurge Domine e da lei canônica em Wittenberg.
1521 (janeiro) Excomunhão de Lutero formalmente proclamada na bula Decet Romanum Pontificem. (abril) Dieta de Worms. (maio) Lutero levado a Wartburg onde permanece até março de 1522 e onde traduz o Novo Testamento. Henrique VIII escreve Assertio septem sacramentorum e recebe o título de Defensor da Fé outorgado pelo papa Leão X.
1522-23 Experiências religiosas de Inácio de Loyola em Manresa (próximo a Barcelona) das quais se originam seus Exercícios Espirituais.
1523 Lutero escreve Autoridade Secular: Até que Ponto Deve Ser Obedecida. Martinho Buccer inicia seu ministério em Estrasburgo (e com ele Wolfgang Capito e Caspar Hedio, reunidos a Matthias Zell). (janeiro) Primeiro debate público sobre a Reforma em Zurique. (outubro) Segundo debate público em Zurique, que leva à remoção de imagens das igrejas (junho de 1524). Gustavo Vasa inicia seu reinado e um longo processo de reforma na Suécia.
1523-25 Início do movimento anabatista em Zurique.
1524-25 Guerra dos Camponeses.
1525 (abril) Fim da missa em Zurique. (junho) Lutero se casa com Katharine Von Bora.
1526 Impressão em Worms da tradução do Novo Testamento para o inglês, feita por Wiliam Tyndale.
Genebra começa a libertar-se do domínio da Savóia, entrando em aliança e dependência de Berna.
1527 Saque de Roma. A Confissão de Schleitheim procura unir os primeiros anabatistas contra “papistas e antipapistas.”
1528 (janeiro) Debate público em Berna, que leva à adoção da Reforma seguindo as linhas de Zurique. Fundação da ordem dos Capuchinhos (franciscanos reformados).
1529 Distúrbios iconoclastas em Basiléia. Abolição da missa em Estrasburgo. O chamado Parlamento da Reforma se reúne na Inglaterra (março-abril); (segunda) Dieta de Worms ordena a observância do Édito de Worms. (julho) O protesto dos grupos evangélicos dá origem ao termo “protestantes.” Colóquio de Marburgo; Lutero insiste em hoc est corpus meum e se recusa a reconciliar-se com os Zwinglianos e os habitantes de Estrasburgo.
1530 Dieta de Augsburgo; preparação da Confissão de Augsburgo por Filipe Melanchthon e sua apresentação à Dieta.
1531 Formação da Liga de Schmalkalden. Segunda eclosão da guerra intercantonal na Suíça; batalha de Kapel (11 de outubro) na qual Zwinglio morre; substituição de Zwinglio como antistes por Heinrich Bullinger.
1533 Nomeação de Thomas Cranmer como arcebispo de Canterbury; Lei de Restrição de Apelações, “este reino da Inglaterra é um império.” Cranmer declara a nulidade do casamento de Henrique VIII com Catarina de Aragão e coroa Ana Bolena como rainha.
1534 Lei de Supremacia, que reconhece Henrique VIII como chefe supremo da Igreja da Inglaterra. Restauração do duque Ulrich no ducado de Württemberg e introdução da reforma no sul da Alemanha. Eleição de Alessandro Farnese como papa Paulo III, reformador pouco provável. Caso dos placards em Paris leva à polarização religiosa na França e à emigração de Calvino.
1534-35 Governo anabatista em Münster.
1535 Execução de Sir Thomas More. Publicação da primeira Bíblia completa impressa em inglês.
1536 Primeira edição das Institutas, de Calvino, em Basiléia. (maio) Genebra se compromete a viver “segundo a santa lei do Evangelho.” (julho) Calvino chega a Genebra e é forçado a ficar por Guillaume Farel.
1536-40 Dissolução progressiva dos mosteiros ingleses.
1537 Calvino apresenta aos magistrados de Genebra a primeira versão de seus Regulamentos Eclesiásticos. Apresentação do Consilium de Emendada Ecclesia a Paulo III. Introdução da Reforma henriquina na Irlanda. Implementação oficial da reforma Luterana na Dinamarca no reinado Cristiano III.
1538 Expulsão de Calvino e Farel de Genebra; Calvino se retira para Estrasburgo.
1539 Publicação da segunda edição ampliada dos Institutos, de Calvino, em Estrasburgo. Publicação na Inglaterra da Grande Bíblia oficialmente autorizada.
1539-40 Reação religiosa na Inglaterra: Lei dos Seis Artigos e execução do ministro reformador de Henrique VIII, Thomas Cromwell
1540 Publicação em Veneza do Trattato utilissimo del Beneficio di Jesu Christo crocifisso. Fundação da Sociedade de Jesus (jesuítas) pela bula papal Regimini militastes Eclesiais.
1541 Dieta de Regensburg, discussões teológicas entre luteranos e o cardeal Contarini; quase-acordo sobre a doutrina da redenção. A tradução da edição francesa das Institutas de Calvino, a Institution de la Religion Chrestienne.
1541-42 Regresso de Calvino a Genebra (setembro de 1541) e estabelecimento da ordem calvinista da igreja (Regulamentos Eclesiásticos, novembro de 1541).
1542 Estabelecimento da Inquisição Romana pela bula papal Licet ab initio.
1545 (dezembro) Abertura do Concílio de Trento.
1546-47 Guerra de Schmalkalden.
1547 (abril) Transferência do Concílio para Bolonha. Ascensão de Eduardo VI e inauguração de um regime protestante na Inglaterra.
1548 Interinidade Imperial (ou de Augsburg).
1549 Negociação do Concensus Tigurinus entre Calvino e Bullinger reúne Genebra e Zurique, especialmente quanto à doutrina da Eucaristia. Primeiro Livro Inglês de Orações; rebelião do Livro de Orações no oeste da Inglaterra.
1551-52 Segunda sessão do Concílio de Trento.
1552 Segundo Livro Inglês de Orações (mais radicalmente reformado).
1553 Ascensão de Mary Tudor ao trono da Inglaterra. Execução de Michael Servetus na fogueira em Genebra.
1555 Paz religiosa de Augsburg—cuius regio, eius religio. Derrocada da facção perrinista e outros adversários de Calvino em Genebra. Primeiros pastores treinados em Genebra seguem para a França.
Eleição de Gian Pietro Carafa como papa Paulo V. Governo de Mary começa a executar hereges na fogueira na Inglaterra (arcebispo Cranmer queimado em Oxford, 1556).
1558 (novembro) Ascensão de Elizabeth I da Inglaterra.
1559 Fundação da Academia de Genebra. Solução religiosa elizabetana na Inglaterra, também, em vigor por lei na Irlanda. (março) Primeiro sínodo nacional das igrejas francesas reformadas, em Paris. Index de livros proibidos.
1559-60 Edições definitivas dos Institutos de Calvino em latim e em francês.
1560 Revolução na Escócia; criação de uma igreja reformada. O Tratado de Edimburgo põe fim ao controle francês sobre a Escócia, preserva a Reforma escocesa e abre caminho para maior “amizade” com a Inglaterra.
1562 Eclosão da primeira das guerras de religião na França.
1562-63 Terceira e última sessão do Concílio de Trento.
1563 Catecismo de Heidelberg marca o estabelecimento do Calvinismo no Palatinado da Renânia pelo Eleitor Frederico III.
1564 A morte de Calvino e sucessão de Théodore de Bèze como moderador da Companhia dos Pastores de Genebra.

16 fevereiro 2012

Cremos e confessamos - um resumo da fé reformada

Este esboço foi preparado para facilitar a pesquisa e esclarecer a dúvida numa seqüência simples e lógica de proposições.

A DOUTRINA DA ESCRITURA SAGRADA
1. É a Palavra de Deus
2. É a especial revelação de Deus
3. É uma revelação histórico-progressiva
4. É cessada a transmissão desta revelação especial em outros modos
5. É inspirada verbal, plenária e organicamente pelo Espírito Santo
6. É dada através de homens escolhidos e capacitados
7. É inerrante em cada uma das suas declarações
8. É claramente inteligível a todos
9. É iluminada pelo Espírito para o nosso entendimento espiritual
10. É completo o seu conteúdo
11. É suficiente para a nossa salvação
12. É pública, ou seja, todos têm direito ao livre exame
13. É necessário traduzi-la em língua vernáculo
14. É autoridade final em toda discussão e resolução
15. É a nossa única fonte e regra de fé e prática

A DOUTRINA DE DEUS
1. É um só Deus em três Pessoas: Pai, Filho e Espírito Santo
2. É perfeito, imutável, independente, infinito, eterno
3. É pessoal em toda relação com a sua criação
4. É santo, bondoso, sábio, justo, verdadeiro em seu Ser
5. É possível conhecê-lo suficientemente
6. É impossível compreendê-lo exaustivamente
7. É criador de todas as coisas em seu estado de perfeição
8. É providente em todas as suas obras
9. É seu o completo controle de cada detalhe e tudo o que acontece no universo
10. É absolutamente soberano sobre tudo e todos
11. É verdadeiro galardoador daqueles que o buscam

A DOUTRINA DO HOMEM
1. É criado à imagem de Deus
2. É constituído corpo e alma
3. É ordenado formar uma família: homem e mulher
4. É decaído em pecado
5. É escravo do pecado e perdeu o seu livre-arbítrio
6. É imputado o seu pecado sobre toda a sua descendência
7. É sofredor das conseqüências do seu pecado
8. É incapaz de se salvar, ou de preparar-se para isso
9. É maldito e condenado por causa do seu pecado
10. É uma única família em várias raças
11. É ordenado viver os mandatos social, cultural e espiritual

A DOUTRINA DA PESSOA E OBRA DE CRISTO
1. É Deus-homem
2. É verdadeiro Deus em todos os seus atributos
3. É verdadeiro homem em toda a sua constituição
4. É o revelador do Pai e da sua vontade eterna
5. É encarnado da virgem Maria por obra sobrenatural do Espírito
6. É impecável, todavia, pode realmente ser tentado
7. É nosso único representante diante de Deus
8. É nosso Mediador na nova Aliança
9. É o prometido Profeta que nos traz a Palavra do Pai
10. É o perfeito Sacerdote que intercede por nós
11. É o soberano Rei que inaugura o Reino de Deus sobre nós
12. É nosso suficiente, satisfatório e definitivo sacrifício diante do Pai
13. É limitada a expiação em seu propósito de salvar somente os eleitos
14. É intercessor eficaz à destra do Pai
15. É seu cada dom concedido pelo Espírito Santo aos salvos
16. É gracioso doador dos seus méritos ao seu povo
17. É a nossa justiça, santidade e sabedoria
18. É Senhor sobre tudo o que existe
19. É esperado o seu retorno físico num futuro não revelado

A DOUTRINA DA SALVAÇÃO
1. É planejada na eternidade
2. É garantida pela graciosa e livre eleição de Deus
3. É fundamentada na obra expiatória de Cristo
4. É exercida na Aliança com o Pai, por meio do Filho, no Espírito Santo
5. É aplicada em nós pelo Espírito Santo
6. É iniciada em nós na regeneração
7. É proclamada pelo chamado universal do evangelho
8. É evidenciada pela fé e arrependimento
9. É declarada na justificação
10. É familiarizada na adoção
11. É comprovada pela santificação
12. É continuada até o fim pela preservação na poderosa graça
13. É consumada na glorificação, após o juízo final

A DOUTRINA DO ESPIRITO SANTO
1. É verdadeiro Deus em todos os seus atributos
2. É a terceira Pessoa da Trindade
3. É o consolador prometido procedente do Pai e do Filho
4. É quem inspirou a toda a Escritura Sagrada
5. É quem nos batiza no Corpo de Cristo
6. É o regenerador e vivificador dos eleitos de Deus
7. É quem nos ilumina para o correto entendimento da Palavra de Deus
8. É testemunha da obra de Cristo em nosso favor
9. É aquele que internaliza em nós a obra da salvação
10. É quem nos convence do pecado, da justiça e do juízo
11. É quem testifica em nosso coração a filiação de Deus
12. É o penhor e selo da nossa salvação
13. É quem frutifica as virtudes de Cristo para a santificação
14. É o comunicador dos dons de Cristo
15. É agente que torna real a nossa comunhão com toda a Igreja de Cristo

A DOUTRINA DA IGREJA
1. É o glorioso corpo de Cristo
2. É composta de todos os eleitos de Deus
3. É visível pela confissão pública de fé em Cristo
4. É una, santa e universal
5. É pura pela fiel pregação da Palavra de Deus
6. É confirmada pura pelo correto exercício dos Sacramentos
7. É selado na Aliança pelo batismo o crente e a sua descendência
8. É na Ceia do Senhor celebrada a comunhão da presença espiritual de Cristo
9. É purificada pela justa e amorosa aplicação da Disciplina
10. É testemunha da glória de Deus
11. É comunicadora do evangelho da salvação em Cristo Jesus
12. É educadora em treinar discípulos para servir inteligentemente
16. É um instrumento de influência para preservar e transformar a sociedade
13. É serva num mundo corrompido pelo pecado
14. É adoradora do soberano Deus Trino
15. É governada pela pluralidade de presbíteros numa igreja local
16. É cooperadora em toda obra do Reino de Deus

A DOUTRINA DOS ÚLTIMOS ACONTECIMENTOS
1. É inaugurado, mas não consumado (já-ainda-não) o Reino de Deus
2. É pessoal na sua realização
3. É universal em sua extensão
4. É esperado o retorno físico de Cristo Jesus
5. É verdadeira a promessa da ressurreição final
6. É absolutamente certa a vitória sobre o mal e seus agentes
7. É inevitável o julgamento de todos os homens
8. É real o lugar de punição eterna que os condenados sofrerão
9. É ansiada a restauração de toda a criação
10. É a consumação final de toda obra da providência
11. É gracioso o galardão que os salvos receberão
12. É eterna a habitação de Deus com o seu povo escolhido

Revisado em 16 de Fevereiro de 2012.

15 fevereiro 2012

A crítica da forma – o método de Bultmann


Escrito por Harvie M. Conn

No mesmo ano[1] em que Karl Barth publicou o seu comentário aos Romanos, também apareceram dois livros também na área dos temas neotestamentários que anunciavam uma nova mudança nos estudos críticos. Um dos livros era Die Formgeschichte des Evangeliums[2] saído da pluma de Martin Dibelius (1883-1947), que deu origem ao nome Crítica da Forma. O outro livro era de Karl L. Schmidt com o título de Der Rahmen der Geschichte Jesu[3] (1919) de onde veio o golpe de misericórdia dos círculos liberais contra a confiabilidade do que até esse movimento havia comumente aceito como o marco histórico do Evangelho de Marcos.

Além destes dois homens, o cerne desta nova mudança nos estudos do Novo Testamento veio associar-se com o nome de um homem. O homem era Rudolf Bultmann (1884), e o livro que transformou estes estudos foi History of the Synoptic Tradition (1921). A influência de Bultmann expandiu-se mais do que a de Dibelius. Em especial o que se adotou tão amplamente quanto a sua mensagem (e às vezes, mais do que ela) foi o método de Bultmann. Assim, muitos como Oscar Cullmann e Joachim Jeremias, ainda que tenham criticado as conclusões dos estudos de Bultmann, chegam as suas próprias conclusões por meio de uma adaptação dos métodos dos quais Bultmann foi pioneiro. Entretanto, na Inglaterra e nos Estados Unidos, os especialistas, ainda que “cautelosos quanto a disciplina que se associou de forma quase exclusiva com o nome de Bultmann” ainda sim subtraem as limitações da crítica da forma como tal, contudo, chegam “lenta e cautelosamente a aceitar o pressuposto básico da crítica da forma.”[4]

Esta aceitação não se limitou ao mundo ocidental. No Japão estão concedendo renovada atenção ao método de Bultmann. Um jovem professor de teologia deste país, comentou recentemente que “uma das contribuições de Bultmann é que criticou o conteúdo do Novo Testamento. E provavelmente não mais aceitamos o que declara o Novo Testamento somente por o diz. Vamos refletir de forma crítica acerca do que o Novo Testamento diz e se é historicamente verdadeiro, ou falso.”[5] Na Coréia do Sul durante os últimos dez anos aumentou a influência das técnicas de Bultmann.[6] A metodologia da crítica da forma foi acolhida com entusiasmo e é utilizada com distinta intensidade por estudiosos do Novo Testamento, tais como o Dr. Chun Kyung-yun do Seminário Teológico Hankuk e, mais recentemente, o professor Pak Chang-kwan do Seminário Teológico Presbiteriano de Seoul.

1. O pressuposto da crítica da forma é que não se pode confiar na Bíblia como relato fidedigno da vida e ensino de Cristo e dos apóstolos. Nas palavras de um cultivado contemporâneo da crítica da forma se lê que “o labor do crítico da forma é mostrar que a mensagem de Jesus, tal como chegou-nos nos Sinóticos, não é em grande parte autêntico, senão que recebeu o retoque da fé da comunidade cristã primitiva em suas várias etapas.” Para Bultmann a Bíblia não é a Palavra inspirada por Deus em nenhum sentido objetivo. Se bem que Deus fala aos homens por meio da Bíblia “objetivamente a Bíblia é um produto das antigas influências históricas e religiosas e deve ser avaliada exatamente como qualquer outra obra literária religiosa antiga.”[7]

2. A premissa fundamental da crítica da forma é que os Evangelhos são primordialmente produtos do labor compilador da igreja primitiva. Os autores dos Evangelhos trataram de unir várias tradições orais independentes e contraditórias que existiam na igreja antes mesmo que se escrevesse o Novo Testamento. Estas tradições orais também são por si mesmas totalmente dignas de confiança. Consistiam basicamente em ditos e relatos individuais referentes a Jesus e a seus apóstolos. A igreja os utilizou e juntou-os em forma narrativa, inventando lugares, tempos, e enlaces para unir as tradições independentes. Frases como as dos Evangelhos, “em um barco”, “imediatamente”, “no dia seguinte”, “numa viagem” – não são mais do que meros recursos literários que utilizaram os compiladores dos Evangelhos para unir todos os ditos e histórias independentes acerca de Jesus. Como K. L. Schmidt, um dos pioneiros deste método, declarou que “não possuímos a história de Jesus, temos apenas histórias acerca de Jesus.”[8]

3. O propósito do método da crítica da forma é analisar a história da tradição oral subjacente nos Evangelhos escritos. Os Evangelhos servem somente como matéria prima de nosso estudo para achar “o evangelho prévio aos evangelhos.”[9] Como a premissa é que a igreja primitiva organizou de forma artificial, de acordo com os seus próprios propósitos apologéticos e evangelísticos, os materiais dos Evangelhos num relato harmônico, o crítico da forma deve destruir essa harmonia artificial, tratar de descobrir as formas originais da tradição oral incorporada nos escritos, e em seguida reconstruir a tradição mais antiga, ou que melhor que seja possível.[10]

4. O primeiro passo para esta técnica é admitir que qualquer indicação que se encontre nos Evangelhos quanto à seqüência, tempo, lugar, etc., nem mesmo a história é confiável. Devemos recordar o marco da história para encontrar a estrutura do começo, as narrativas e ensinos separados que a igreja primitiva reuniu artificialmente.

5. Feito isto, as passagens específicas são classificadas em grupos como relatos de milagres, declarações controvertidas, aforismos e profecias. Cada um destes grupos tem uma forma fixa. Assim, pois, se ao encontrar certa tradição específica, mais ou menos semelhante a esta forma fixa, pode-se julgar se ela pertence a uma tradição primária ou secundária, a uma fonte inicial ou tardia, a uma tradição mais, ou menos confiável. Como um autor descreveu que “a crítica da forma determina a idade das histórias e ditos dos evangelhos examinando a sua forma da mesma maneira que um criador de cavalos sabe a idade do animal examinando os dentes.”[11] Quanto mais antigo for o relato, tanto mais confiável ele o é enquanto fonte histórica.

6. Os resultados desta classe de metodologia são sumamente cépticos, para dizê-lo com moderação. Para Bultmann o resíduo histórico se encontra acima de tudo nos ensinos de Jesus, não no relato de seus atos, e ainda menos no retrato de sua pessoa. Não há dúvidas de que Jesus viveu e muito realizou das obras que lhe são atribuídas na tradição estudada. Mas ele se mostra céptico quanto a todas as demais coisas. Bultmann escreve que “creio realmente que agora não podemos saber quase nada acerca da vida e personalidade de Jesus, sendo que as fontes cristãs primitivas não se interessam por isto e, além do mais, são fragmentárias e legendárias; e, não existem outras fontes acerca de Jesus.”[12]

Para o cristão ortodoxo há pontos de contato formais entre si e alguns dos pensamentos básicos de Bultmann. (1) A crítica da forma recorda-nos que o evangelho de fato conservou-se durante uma geração em forma oral, antes de adquirir forma escrita no Novo Testamento. (2) A crítica da forma também nos lembra que os Evangelhos não são relatos “neutros, imparciais”, mas testemunhas da fé do que creram os cristãos. (3) A crítica da forma não acertou ao descobrir um Jesus não sobrenatural. Todos os documentos do Novo Testamento, não importando a forma em que a crítica da forma os classifique, seguem refletindo a um Jesus sobrenatural, o Filho de Deus. (4) A crítica da forma nos recorda a índole ocasional dos Evangelhos. Foram escritos com uma ideia da ocasião e situação históricas específicas – Mateus para os judeus, Marcos e Lucas para os gentios. E como tais, expressam uma preocupação pela situação vital em que foram escritos e pela que se preocupavam. (5) A crítica da forma nos recorda que os Evangelhos não se interessam por detalhes geográficos ou cronológicos como a comunidade ortodoxa pensou anteriormente.

Mas todos estes pontos de contato com as ideias cristãs ortodoxas do evangelho resultam em última instância superficiais. Como Barth, o método de Bultmann é básico e essencialmente injusto com a natureza do Novo Testamento.

1. Se bem que é verdade que os Evangelhos nem sempre ofereceram uma narrativa contínua, mas isto não significa dizer, como argumenta a crítica da forma, que não exista um esquema histórico confiável sobre a vida de Cristo. Dentro dos limites de um esquema histórico amplo, cada evangelista distribuiu o seu material de acordo com os seus propósitos. É uma débil crítica a que exige dos escritores dos Evangelhos o que não pretenderam fazer. E resulta pobre a crítica que insiste que o empenho deles não é nem histórico, nem confiável. O prólogo de Lucas (Lc 1:1-4) é um claro indício da preocupação dos escritores dos Evangelhos por basear o seu relato na história. Os Evangelhos continuam sendo boas novas.[13]

2. A crítica da forma mostra-se injusta com os escritores dos relatos evangélicos. Reduz Mateus, Marcos e Lucas a meros compiladores de documentos e, aos Evangelhos a relatos que se contradizem. Tudo isto viola injustamente a unidade do relato evangélico. Os Evangelhos possuem uma unidade básica como testemunhos confiáveis de Cristo. Na realidade os diferentes Evangelhos não apresentam versões divergentes da vida de Jesus. Pelo contrário, cada Evangelho é uma testemunha de certos aspectos do único marco histórico da vida de Cristo que não foi completamente conservado. A crítica da forma não reconhece a diversidade da transmissão oral dentro da unidade dos relatos evangélicos.[14]

3. A crítica da forma separa o Cristianismo de Cristo. A grande premissa deste método de estudo é que a comunidade cristã, e não Cristo, exerceu o papel criador mais importante na produção dos Evangelhos. Todavia, a mensagem do Novo Testamento concentra-se, não na comunidade, mas em Cristo (2 Co 4:5). A igreja, do mesmo que Paulo e seus companheiros apóstolos, ela foi testemunha, e não uma criadora (1 Co 4:1-2). A sua maior responsabilidade não foi a criação de novas tradições, e sim a preservação e proclamação das antigas.

4. A crítica da forma separa o Cristianismo dos apóstolos como custódios da precisa tradição a respeito de Jesus dentro da igreja primitiva. Os apóstolos eram uma fonte autorizada de informação acerca dos atos e doutrinas do Cristianismo e de Cristo. Em Atos 1:21-22 menciona este controle estratégico que os apóstolos exerciam sobre a difusão do evangelho nestes anos de transmissão oral. A sua presença tinha como finalidade impedir que ocorresse precisamente a situação que descreve a crítica da forma. Os apóstolos eram a garantia de Deus da continuidade e integridade da histórica fé cristã.

5. A crítica da forma parece esquecer o pequeno lapso temporal que separa os atos históricos dos documentos escritos. O Evangelho de Marcos foi escrito na década de 60, senão em 50. Paulo recebeu o seu relato da tradição em meados da década de 30 (Gl 1:18). Muitos dos apóstolos e testemunhas oculares de Jesus viveram durante todo o período em que foram escritos os Evangelhos. Onde está o tempo necessário para recolher, criar e circular as “sagas” e “mitos” desta comunidade? Os sucessos da vida de Jesus não estiveram ocultos ao povo (At 26:26). O povo foi testemunha tanto da sua defesa, como do ataque ao Cristianismo. O evangelho surgiu em meio de uma história bem documentada. A crítica da forma não pode explicar tudo isto.


NOTAS:
[1] Em 1919. Nota do tradutor.
[2] Tradução: A narrativa da forma dos Evangelhos. Nota do tradutor.
[3] Tradução: O contexto da narrativa de Jesus. Nota do tradutor.
[4] E.V. McKnight, What is Form Criticism (Philadelphia, Fortress Press, 1969), p. 56.
[5] Yoshio Noro, “Transcendence and Immanence in Contemporary Theology: A Report Article”, Northeast Asia Journal of Theology (Sept. 1969), p. 64.
[6] Kan Há-bae, “The New Quest for the Historical Jesus” – Themelios VI, 2, p. 36.
[7] Este pressuposto é minunciosamente analisado por Herman Ridderbos em seu livro Bultmann (Philadelphia, Presbyterian and Reformed Publishing Co., 1950), pp. 10-14.
[8] K. L. Schmidt, Der Rahmen der Geschichte Jesu (Berlin, Trowizsh, 1919), p. 317.
[9] Título de uma das primeiras obras produzidas por um crítico da forma norte americano, B.S. Easton, que trata da técnica (New York, Scribners, 1923).
[10] McKnight, op.cit., pp. 17ss
[11] Comparar com Kan Há-bae, “The New Quest for the Historical Jesus” – Themelios VI, 2, pp. 25-40.
[12] Rudolf Bultmann, Jesus and the Word (New York, Scribners, 1958), p. 8.
[13] B. Van Elderen, “The Teaching of Jesus and the Gospel Records” in Carl F.H. Henry, ed., Jesus of Nazareth: Saviour and Lord (Grand Rapids, Eerdmans Publishing Co., 1966), pp. 111-119.
[14] Ned B. Stonehouse, Paul Before the Areopagus (Grand Rapids, Eerdmans Publishing Co., 1957), pp. 123ss


Extraído de Harvie M. Conn, Teología Contemporánea en el Mundo (Grand Rapids, Libros Desafío, 1992), pp. 32-37.

Tradução e notas por Rev. Ewerton B. Tokashiki
15 de Fevereiro de 2012.

14 fevereiro 2012

UMA BREVE E SIMPLES DECLARAÇÃO DA FÉ REFORMADA

Escrito por Benjamin B. Warfield (1851-1921)

1. Creio que meu único propósito tanto na vida como na morte deve ser glorificar a Deus e desfrutar dele para sempre; e que Deus me ensina como glorificá-lo em sua santa Palavra, ou seja, a Bíblia, a qual ele deu por inspiração infalível de seu Espírito Santo a fim de que eu possa conhecer o que devo crer acerca dele e, os deveres que ele requer de mim.

2. Creio que Deus é Espírito, infinito, eterno e incomparável em tudo o que ele é; único Deus, mas em três pessoas, o Pai, o Filho e o Espírito Santo, meu Criador, meu Redentor e meu Santificador; em cujo poder e sabedoria, justiça, bondade e verdade com segurança eu posso por a minha confiança.

3. Creio que os céus e a terra, e tudo o que neles há, são obra das mãos de Deus; e que tudo o que ele fez também dirige e governa em todas as suas ações; de tal maneira que elas cumprem o fim para o qual foram criadas, e que confio nele não serei envergonhado, pelo contrário, poderei com segurança descansar na proteção de seu todo-poderoso amor.

4. Creio que Deus criou o homem a sua imagem, em conhecimento, justiça e santidade, e entrou num pacto de vida com ele sobre a única condição de obediência como dever do homem; de modo que ao pecar deliberadamente contra Deus esse homem caiu em pecado e miséria, no qual eu nasci.

5. Creio que estando caído em Adão, o meu primeiro pai, sou por natureza um filho de ira, sob a condenação de Deus e estou corrompido no corpo e alma, inclinado ao mal e merecedor da morte eterna; e deste espantoso estado não posso ser salvo, senão, através da graça imerecida de Deus, o meu Salvador.

6. Creio que Deus não deixou o mundo perecer em seu pecado, senão por um grande amor com que amou, desde toda a eternidade, graciosamente escolheu para si uma multidão que nenhum homem é capaz de contar, para libertá-los de seus pecados e misérias, e destes [eleitos] edificar novamente no mundo o seu reino de justiça: cujo reino eu posso estar certo que terei parte, se confiar em Cristo o Senhor.

7. Creio que Deus redimiu um povo para si através de Jesus Cristo, o nosso Senhor; assim, ele que foi e para sempre será o eterno Filho de Deus, entretanto, nasceu de uma mulher, nascido sob a lei, para que redimisse aos que estão sob a lei: creio que ele levou a penalidade devida pelos meus pecados, em seu próprio corpo sobre o madeiro, e cumpriu em sua própria pessoa a obediência que eu deveria à justiça de Deus, e agora me apresenta a seu Pai como sua possessão adquirida, para o louvor da glória de sua graça para sempre; na qual renuncio a todos os meus méritos, colocando toda a minha confiança somente no sangue e justiça de Cristo Jesus, o meu redentor.

8. Creio que Jesus Cristo, meu redentor, que morreu por minhas ofensas ressuscitou para a minha justificação, e ascendeu aos céus, onde está assentado à destra de Pai Todo-poderoso, intercedendo continuamente pelo seu povo, e governando todo o mundo como a cabeça sobre todas as coisas para a sua Igreja; de modo que, não necessito temer nenhum mal e posso com segurança saber que nada pode me arrebatar das suas mãos e nada pode me separar de seu amor.

9. Creio que a redenção obtida pelo Senhor Jesus Cristo é eficazmente aplicada a todo o seu povo pelo Espírito Santo, que em mim opera a fé em mim, e desse modo me une a Cristo, renovando-me à inteira imagem de Deus, e me capacita mais e mais mortificando para o pecado e vivificando para a justiça; assim, quando esta graciosa obra for completada em mim, serei recebido em glória; em cuja grande esperança permaneço, tendo sempre que lutar pela perfeita santidade no temor de Deus.

10. Creio que Deus requer de mim, sob o evangelho, antes de tudo, que por uma verdadeira percepção do meu pecado e miséria e uma compreensão de sua misericórdia em Cristo, devo separar-me com dor e ódio do pecado e, receber e descansar somente em Jesus Cristo para salvação; de tal maneira, que unido com ele, eu possa receber o perdão por todos os meus pecados e ser aceito como justo ante os olhos de Deus somente pela justiça de Cristo imputada a mim e recebida pela fé somente: e unicamente desta maneira e nada mais, eu creio que sou recebido dentro do número e tenho o direito a todos os privilégios dos filhos de Deus.

11. Creio que, sendo perdoado e aceito em nome de Cristo, se requer de mim também que caminhe no Espírito que ele adquiriu para mim, e por quem o amor é derramado amplamente em meu coração; cumprindo a obediência que devo a Cristo o meu Rei; fielmente cumprindo todos os deveres postos sobre mim pela santa lei de Deus, meu Pai celestial; e sempre refletindo em minha vida e conduta, o exemplo perfeito que foi estabelecido para mim, por Jesus Cristo meu Líder, aquele por mim morreu e me concedeu o seu Santo Espírito, para que eu possa fazer as boas obras que Deus preparou de antemão para que andasse nelas.

12. Creio que Deus estabeleceu a sua Igreja no mundo e a dotou com o ministério da Palavra e as santas ordenanças do Batismo, a Ceia do Senhor e a Oração; a fim que através destes meios, as riquezas da sua graça no evangelho se tornassem conhecidas no mundo, e, pela benção de Cristo e a obra de seu Espírito neles, pela fé as recebem, e os benefícios da redenção sejam comunicados ao seu povo; pelo qual também se requer de mim que atenda a estes meios de graça com diligência, preparação e oração, de tal maneira, que através deles, eu seja instruído e fortalecido na fé, na santidade de vida e no amor; e que eu use de meus melhores esforços para levar este evangelho e comunicar estes meios de graça a todo o mundo.

13. Creio que assim como Jesus Cristo veio uma vez em graça, assim também virá pela segunda vez em glória, para julgar ao mundo em justiça e conceder a cada um a sua recompensa eterna; e creio que se eu morri em Cristo, minha alma será na morte aperfeiçoada em santidade e irá para o lar com o Senhor; e quando ele retornar em sua majestade, serei ressuscitado em glória e perfeitamente abençoado na plena satisfação de Deus por toda a eternidade; consolado por tal bendita esperança se requer de mim, que voluntariamente sofra as privações aqui como bom soldado de Cristo Jesus, sendo assegurado que se eu morrer com ele também viverei com ele, se permanecer, também reinarei com ele.

E a ele, o meu Redentor, junto com o Pai, e o Espírito Santo, Três Pessoas, único Deus, seja a glória para sempre, até o fim do mundo, Amém e Amém.


Extraído de John E. Meeter, ed., Benjamin B. Warfield – selected shorter writings (Phillipsburg, P&R Publishing, 2001), vol. 1, pp. 407-410.

Traduzido por Rev. Ewerton B. Tokashiki
13 de Fevereiro de 2012.

13 fevereiro 2012

Um sumário de acordo com a Escritura Sagrada acerca do Sacramento da Ceia do Senhor


por John Knox


Aqui está brevemente declarado, em resumo, conforme as Escrituras, a opinião que como cristãos temos da Ceia do Senhor, chamada o Sacramento do corpo o do sangue de nosso Salvador Jesus Cristo.

Primeiro, confessamos que é um ato santo, ordenado por Deus, no qual o Senhor Jesus, mediante coisas terrenas e visíveis colocadas diante de nós, nos eleva até as coisas celestiais e invisíveis. E, que quando preparou o seu banquete espiritual, testificou que Ele era o pão vivo, com o qual as nossas almas seriam alimentadas para vida eterna.

E, portanto, ao dispor pão e vinho para comer e beber, nos confirma e sela a sua promessa e comunhão, (isto é, que seremos partícipes com ele em seu reino); e que nos representa e adapta aos nossos sentidos os seus dons celestiais; e também nos dá a si mesmo, para ser recebido pela fé, não com a boca, nem ainda pela transformação da substância; senão que, mediante a virtude do Espírito Santo, e que nós sendo alimentados com a sua carne, e restaurados com o seu sangue, sejamos renovados tanto para a verdadeira piedade e como para a imortalidade.

E, também confessamos que aqui o Senhor Jesus nos reúne num único corpo visível, de modo que sejamos membros uns dos outros e todos participantes do mesmo corpo, do qual Jesus Cristo é a única Cabeça. E, finalmente, que por este sacramento, o Senhor nos chama a recordar a sua morte e paixão, para estimular em nossos corações o louvor ao seu santíssimo nome.

Ainda, reconhecemos que deste Sacramento se deve aproximar reverentemente, considerando que nele exibe e se concede o testemunho da maravilhosa união e entrelaçamento do Senhor Jesus com os que o recebem; e também, que ali está incluso e contido neste sacramento [um testemunho] de que ele preservará a sua igreja. Pois aqui somos ordenados anunciar a morte do Senhor até que ele venha.

Também cremos que ela é uma confissão, mediante a qual manifestamos que espécie de doutrina professamos; e a que congregação aderimos; e deste modo, que ela é um vínculo de amor mútuo entre nós. E finalmente, cremos que todos os que se aproximam desta santa Ceia devem trazer consigo a sua conversão ao Senhor, mediante um não fingido arrependimento em fé; e, neste sacramento receber os selos da confirmação da sua fé; sendo que não devem pensar de forma alguma que em virtude desta obra seus pecados são perdoados.

E a respeito destas palavras Hoc est corpus meum, ou seja, “Este é meu corpo”, das quais os papistas tanto dependem, dizendo que necessitamos crer que o pão e o vinho são transubstanciados no corpo e sangue de Cristo; reconhecemos que esta doutrina não é um artigo de fé pelo qual possamos ser salvos, nem que estejamos obrigados a crer sob pena de condenação eterna. Porque se crermos que seu próprio corpo natural, carne e sangue, estão naturalmente no pão e no vinho, isso não nos salvaria, percebemos que muitos deles crêem nisso, e o recebem para a sua própria condenação. Porque não é a sua presença no pão o que pode salvar-nos, senão que a sua presença em nossos corações, mediante a fé em seu sangue, o que lavou nossos pecados e pacificou a ira de seu Pai em relação a nós. E ainda, se não crermos em sua presença corporal no pão e no vinho, isso não nos condenará, mas sim a sua ausência de nossos corações pela incredulidade.

Agora, se objetassem aqui, e ainda que fosse verdade, que a ausência do pão não pudesse condenar-nos, ainda assim estamos obrigados a crer porque a Palavra de Deus que diz, “Este é meu corpo”, e quem não crer, não somente mente como também faz a Deus mentiroso; e, portanto, por termos uma mente obstinada não cremos na sua Palavra, nos tornamos passíveis de condenação. Quanto a isto respondemos que cremos na Palavra de Deus, e confessamos que é verdadeira, mas ela não deve ser entendida como os papistas grosseiramente afirmam. Pois no sacramento recebemos espiritualmente a Jesus Cristo, como fizeram os pais do Antigo Testamento, conforme o que disse S. Paulo. E se os homens pudessem como Cristo, ordenando este santo sacramento de seu corpo e seu sangue, que falou estas palavras sacramentalmente, sem dúvidas nunca as entenderiam tão absurda e tolamente, em oposição a toda Escritura e à exposição de S. Agostinho, S. Jerônimo, Fulgêncio, Vigílio, Orígenes e muitos outros escritores piedosos.

NOTAS:
[1]Esta breve declaração é encontrada como um apêndice no livro Vindication of the Doctrine that the Sacrifice of the Mass is Idolatry escrito por John Knox em 1550. Não se sabe quando ele escreveu este sumário sobre a Ceia do Senhor. Nota do tradutor.

Extraído de Kevin Reed, ed., Selected writings of John Knox – public epistles, treatises and expositions to 1559 (Dallas, Presbyterian Heritage Publications, 1995), pp. 66-69.

Traduzido por Rev. Ewerton B. Tokashiki
12 de Fevereiro de 2012.

09 fevereiro 2012

O que é discipulado?

A Igreja necessita resgatar o discipulado. Tanto um conceito, como uma prática correta de discipulado evidenciará a saúde espiritual da igreja. Creio que sem um discipulado intencional, organizado e direcionado a igreja local estará sujeita a diversas enfermidades. Quando pessoas não são levadas a pensar conforme as Escrituras elas pensam como o mundo. O pastor luterano Dietrich Bonhoeffer com tristeza notou que
em tudo que segue, queremos falar em nome de todos aqueles que estão perturbados e para os quais a palavra da graça se tornou assustadoramente vazia. Por amor a verdade, essa palavra tem que ser pronunciada em nome daqueles de entre nós que reconhecem que, devido à graça barata, perderam o discipulado de Cristo, e, com o discipulado de Cristo, a compreensão da graça preciosa. Simplesmente por não querermos negar que já não estamos no verdadeiro discipulado de Cristo, que somos, é certo, membros de uma igreja ortodoxamente crente na doutrina da graça pura, mas não membros de uma graça do discipulado, há que se fazer a tentativa de compreender de novo a graça e o discipulado em sua verdadeira relação mútua. Já não ousamos mais fugir ao problema. Cada vez se torna mais evidente que o problema da Igreja se cifra nisso: como viver hoje uma vida cristã.[1]

O discipulado não é um programa. Nem mesmo deveria ser confundido com uma série de estudo de lições bíblicas. Não é um curso de iniciação doutrinária que ocorre em encontros semanais. Como também não é um novo sistema de culto nos lares. Embora o discipulado recorra a organização de um programa, o estudo seqüenciado de lições doutrinárias, e aconteça em encontros semanais ele é um princípio de formação.

Ser discípulo é muito mais do que ser um mero aprendiz temporário. M. Bernouilli observa que “o discípulo tem em comum com o aluno o fato de receber um ensino, mas o primeiro compromete-se com a doutrina do mestre.”[2] Mas ser discípulo não se resume ao exercício intelectual “é importante reconhecer que a chamada para ser discípulo sempre inclui a chamada para o serviço.”[3] Percebe-se que duas palavras-chave estão presentes na ideia de discipulado: compromisso e serviço.

John Sittema nos lembra que discipular é “reproduzir a si mesmo e sua fé na vida de outros.”[4] Evidentemente não podemos confundir algo simples, mas essencial: o Senhor Jesus exige que façamos discípulos dele e não nossos. Novamente podemos citar Sittema observando que “esse processo requer o desenvolvimento de um relacionamento de confiança, de exemplo, de revelação do nosso coração e da nossa fé ao discípulo que, por sua vez deve imitar o padrão de fé do seu mestre.”[5]

A definição usada por David Kornfield é limitada. Ele afirma que “discipulado é uma relação comprometida e pessoal, onde um discípulo mais maduro ajuda outros discípulos de Jesus Cristo a aproximarem-se mais dEle e assim reproduzirem.”[6] Embora ela seja proveitosa para nos lembrar da relação de compromisso que se estabelece entre as pessoas envolvidas no discipulado, ela coloca a multiplicação como a sua finalidade. A motivação e finalidade do discipulado é a glória de Deus, e é por causa dele, obediência a ele, para que seja conhecido é que discipulamos.

O discipulador não é simplesmente um professor. Ele é alguém que além de informar também coopera na formação espiritual do seu aprendiz, tornando-se referência para o discípulo. Mas, devemos sempre lembrar que nenhum discipulador é modelo de perfeição, mas sim, um modelo de transformação, mostrando que assim como o discípulo, ele também está num processo, que a cada dia subirá um degrau na absorção do caráter de Cristo. Com este sincero objetivo ele poderá identificar-se com o discípulo, seguindo o exemplo de Paulo: “...não que o tenha já recebido, ou tenha obtido a perfeição; mas prossigo para conquistar aquilo para o que também fui conquistado por Cristo Jesus” (Fp 3.12, ARA).

Discipulado é formar servos com uma cosmovisão cristã. Permita-me dizer que a fidelidade e a relevância do Cristianismo estão na aplicabilidade de todo o evangelho ao ser humano em todas as suas necessidades para a glória de Deus. Pensando na sua relevância, Nancy Pearcey declara que
o Cristianismo genuíno é mais do que relacionamento com Jesus, tanto quanto se expressa em piedade pessoal, freqüência à igreja, estudo da Bíblia e obras de caridade. É mais do que discipulado, mais do que acreditar em um sistema de doutrinas sobre Deus. O Cristianismo genuíno é uma maneira de ver e compreender toda a realidade. É uma cosmovisão, uma visão de mundo.[7]

Assim, a relevância do discipulado é que nele apresentamos o evangelho refletido e aplicado ao ser humano em todas as esferas da vida.

Se a dúvida é entender o que é cosmovisão comecemos com definições do assunto. A palavra em si não diz muita coisa, apenas indica que todos têm uma concepção de mundo, ou da realidade, e que a partir de como entendemos, ou interpretamos o que existe assim viveremos, tomaremos decisões, escolheremos, planejaremos, organizaremos os nossos valores éticos, nos relacionaremos com as pessoas, e até mesmo enfrentaremos a expectativa da morte. No entanto, cosmovisão é mais do que exercício mental de sistematizar conceitos e valores, é submeter tudo ao domínio do Senhor Jesus.

Aos que estão iniciando no estudo do assunto, ofereço algumas definições que somam em esclarecer o assunto:

“... cosmovisão é primeiro uma explicação e interpretação do mundo, e em segundo lugar, uma aplicação dessa concepção à vida.” W. Gary Phillips
“... é a estrutura de entendimento que usamos para que o mundo faça sentido. A nossa cosmovisão é aquilo que pressupomos. Ela é o modo como olhamos a vida, nossa interpretação do universo, a orientação da nossa alma.” Philip G. Ryken
“... é um conjunto de pressuposições (hipóteses que podem ser verdadeiras, parcialmente verdadeiras ou inteiramente falsas) que sustentamos (consciente ou inconscientemente, consistente ou inconsistentemente) sobre a formação básica do nosso mundo.” James W. Sire
“A visão de mundo enxerga e compreende a Deus, o Criador, e a Sua criação – ou seja, o homem e o mundo – primeiramente através das lentes da revelação especial de Deus, as Santas Escrituras, e depois, por intermédio da revelação natural de Deus na criação, interpretada pela razão humana e reconciliada pela e com a Escritura, para que creiamos e vivamos de acordo com a vontade de Deus, glorificando-O, dessa forma, de mente e coração, desde agora e por toda a eternidade.” John MacArthur Jr.
“... cosmovisão é um modelo conceitual por meio do qual, consciente ou inconscientemente, afirmamos ou adaptamos tudo o que cremos, e através do qual podemos interpretar e avaliar a realidade.” Ronald H. Nash
Assim, entendemos que fazer discípulos não é apenas levar pessoas para a igreja. Não basta conduzir indivíduos ao evangelho, mas é necessário ensinar como todo o evangelho é necessário para aplicação em todas as esferas da vida. Discipular é ensinar um discípulo a viver - pensar, decidir, interpretar, entreter, construir, agir, relacionar, produzir - com uma mente cristã.


NOTAS:
[1] Dietrich Bonhoeffer, Discipulado (São Leopoldo, Editora Sinodal, 1995), p. 18. Bonhoeffer (1906-1945) foi um jovem pastor luterano que durante a 2a Guerra Mundial protestou contra o regime Nazista. Foi preso e morto aos 39 anos, num campo de concentração alemão. Durante a sua prisão escreveu várias cartas e livros na área de Teologia Pastoral que foram preservados e, alguns se encontram traduzidos para o português.
[2] J.J. Von Allmen, ed., Vocabulário Bíblico (São Paulo, ASTE, 1972), pp. 108-109.
[3] Colin Brown, ed., Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento (São Paulo, Ed. Vida Nova, 1981), vol. 1, p. 666.
[4] John Sittema, Coração de Pastor (São Paulo, Ed. Cultura Cristã, 2004), p. 173.
[5] John Sittema, Coração de Pastor, p. 173.
[6] David Kornfield, Série Grupos de Discipulado (São Paulo, Editora SEPAL, 1994), vol. 1, p. 6.
[7] Charles Colson & Nancy Pearcey, E agora como viveremos? (Rio de Janeiro, CPAD, 2000), p. 33

07 fevereiro 2012

Compromisso de discipulador

1. Em obediência a grande comissão ordenada por nosso Senhor Jesus, comprometo-me em fazer discípulos tendo Cristo como mestre (Mt 28:18-20).

2. Comprometo-me em estudar as Escrituras a fim de estar preparado a dar razão da nossa fé.

3. Disponho-me ensinar a Palavra de Deus com integridade de vida e fidelidade à verdade.

4. Quando não souber a resposta de qualquer questão que seja, não tentarei inventar uma, mas com humildade buscarei aprender para ensinar somente a verdade, pois, também sou discípulo e estou no processo do saber em amor e temor do Senhor.

5. Creio que ao discipular apresento o evangelho da salvação aos eleitos de Deus proporcionando a oportunidade para que o Espírito Santo aplique a graça irresistível. Evangelizar é compartilhar Jesus, no poder do Espírito, deixando os resultados para Deus, visando uma reeducação para uma vida transformada.

6. Comprometo-me ser exemplo de transformação de vida para os meus discípulos.

7. Assumo a responsabilidade de comunicar-lhes a visão de discipulado: um discípulo formando discípulos para Cristo Jesus.

8. Acredito que cada vida a mim confiada é importante para Deus. Meu objetivo não é aumentar o número de membros da minha igreja, mas, conduzir o discípulo a aumentar o seu amor por Cristo como o seu Salvador.

9. No que estiver ao meu alcance tentarei instruir e aconselharei o meu discípulo em suas dúvidas e problemas, guardando sigilo e preservando a sua dignidade. Entretanto, o que não souber resolver encaminharei ao pastor para um acompanhamento adequado.

10. Submeto-me às autoridades de nossa igreja, enquanto elas permanecerem fiéis à Escritura Sagrada, reconhecendo serem instituídas por Deus para o meu bem e de todo o Corpo de Cristo sob os seus cuidados.

01 fevereiro 2012

Como se relacionam as Pessoas da Trindade?

A Escritura apresenta uma sensível avaliação entre as diferenças entre as pessoas da Trindade e o Seu mútuo envolvimento, e eu necessito dizer mais a respeito deste último assunto. As palavras circumincessio, circumcessio, circumssion, perichoresis, e coinherence são termos técnicos para a mútua relação das Pessoas: o Pai no Filho, e o Filho nEle (Jo 10:38; 14:10-11, 20; 17:21); e ambos no Espírito, e o Espírito neles (Rm 8:9). Ver Jesus é ver o Pai (Jo 14:9), porque Ele e o Pai são um (10:30). Após Jesus deixar a terra, ele "viria" no Espírito para estar com o Seu povo (14:18). Todas as três pessoas estão envolvidas em todas as obras de Deus da Criação. Como temos observado o Pai (Gn 1), o Filho (Jo 1:3; Cl 1:16), e o Espírito (Gn 1:2; Sl 104:30) estão envolvidos na obra da criação. O mesmo é verdade quanto à providência, e, do mesmo modo a redenção o juízo final. Isto não significa que as três pessoas atuam da mesma forma nestes eventos. O Pai, e não o Filho, enviou Jesus ao mundo para redimir o Seu povo; o Filho, e não o Pai, ou o Espírito, encarnou para morrer sobre a cruz pelos nossos pecados. De fato, no momento da morte, Ele estava, do mesmo modo misterioso, desamparado pelo Seu Pai (Mc 15:34). O Espírito, e não o Pai nem o Filho, veio sobre a Igreja com poder no dia de Pentecostes (enviado pelo Pai e pelo Filho [Jo 14:15-21]), apesar do Filho vir à nós pelo Espírito. De acordo com 1 Pe 1:1-2, o Pai é o único que predetermina, o Filho é o único que asperge o sangue, e o Espírito é o único que santifica. Esta é uma generalização acerca das diferentes tarefas das Pessoas da Divindade: o Pai planeja, o Filho executa e o Espírito aplica. Mas, de acordo com Pedro não existe aqui a descrição de uma precisa divisão da obra. Ele reconhece que todos os eventos exigem a concorrência de todas as três pessoas.

Traduzido por Rev. Ewerton B. Tokashiki
Extraído de John M. Frame, The Doctrine of God, págs. 693-694.