24 abril 2016

Somos uma igreja reformada

O que é ser um cristão reformado? Talvez, essa definição não seja tão fácil devido à forma tão elástica como alguns desejam dar à identidade reformada.[1] A fim de apresentarmos quem somos não é suficiente apenas descrevermos que historicamente descendemos da Reforma do século XVI. A genealogia da família reformada teve vários desdobramentos, alguns deles se apostataram da teologia reformada, mas Deus preservou uma linhagem fiel. Para provarmos a nossa identidade reformada precisamos justificar o nosso vínculo com o pensamento calvinista original.[2] Creio que podemos aceitar a definição de Joel R. Beeke em dizer que “ser reformado significa enfatizar o abrangente, soberano e amoroso senhorio de Deus sobre todas as coisas: cada área da criação, todos os esforços das criaturas e cada aspecto da vida do crente”.[3] Como cristãos reformados cremos que o nosso Deus criou tudo o que existe, governa todos os eventos pela sua providência, realiza eficazmente a salvação, e conduz tudo para o cumprimento do seu eterno propósito, de modo, que nada foge ao seu absoluto controle. Por isso, todas as demais doutrinas estão centradas em Deus.

O cristão reformado é alguém que vive sob a influência de que a Escritura é a sua única fonte e norma de fé e prática. H. Henry Meeter observa que
o calvinista sustenta que a autoridade da Bíblia é absoluta. Não considera a Bíblia simplesmente como um livro de bons conselhos que o homem pode adotar livremente, se assim o considera conveniente, ou rejeitar se assim lhe parece mais oportuno. A Bíblia é para o calvinista uma norma absoluta à que deve submeter-se totalmente. A Bíblia lhe dita o que deve crer e o que deve fazer; fala com força imperativa. Calvino era muito enfático neste ponto. Se a Bíblia fala, somente há uma alternativa: obedecer.[4]

O cristão reformado não é alguém que cegamente se submete a liderança de homens, instituições ou a movimentos. A sua submissão é ao Senhor Deus que revelou a sua vontade na Escritura Sagrada. Ele somente é sujeito a qualquer autoridade, desde que ela esteja de acordo com a Palavra de Deus. Alguns princípios norteiam o cristão calvinista em relação a Deus, ao próximo e a sua percepção da realidade ao derredor:[5]
1. Ele mantém uma mentalidade teocêntrica.
2. Possui um estado de espírito de contrição e de dependência.
3. É movido por um coração grato dominado pelo contentamento.
4. Suporta todas as coisas com uma vontade submissa.
5. Persevera na santidade pela obediência da lei moral.
6. Visa o propósito de glorificarmos a Deus em todas as esferas da sua vida.

É sempre relevante instruir que somos cristãos reformados e não meros evangélicos. Em meio à atual confusão, bem como as tendências pluralistas e inclusivas do evangelicalismo, precisamos nos distinguir. Vivemos um momento crítico de impureza doutrinária, e vemos ensinos nocivos se infiltrando até nas igrejas de origem reformada. Embora descrevendo o contexto das igrejas evangélicas nos EUA, James M. Boice e Philip G. Ryken diagnosticaram o que também parece ser a tendência do evangelicalismo brasileiro. Mas, infelizmente esta parece ser uma situação que começa a ser a realidade de algumas igrejas presbiterianas no Brasil. Eles denunciaram que
o que uma vez foi falado das igrejas liberais precisa ser dito das igrejas evangélicas: elas buscam a sabedoria do mundo, creem na teologia do mundo, seguem a agenda do mundo, e adotam os métodos do mundo. De acordo com os padrões da sabedoria mundana, a Bíblia torna-se incapaz de alimentar as exigências da vida nestes tempos pós-modernos. Por si mesma, a Palavra de Deus seria insuficiente de alcançar pessoas para Cristo, promover crescimento espiritual, prover um guia prático, ou transformar a sociedade. Deste modo, igrejas acrescentam ao simples ensino da Escritura algum tipo de entretenimento, grupo de terapia, ativismo político, sinais e maravilhosas – ou, qualquer promessa apelando aos consumidores religiosos. De acordo com a teologia do mundo, pecado é meramente uma disfunção e salvação significa desfrutar de uma melhor autoestima. Quando esta teologia adentra a igreja, ela coloca dificuldades em doutrinas essenciais como a propiciação da ira de Deus, substituindo-a por técnicas e práticas de auto-aceitação. A agenda do mundo é a felicidade pessoal, assim, o evangelho é apresentado como um plano para a realização pessoal, em vez de ser a caminhada de um comprometido discipulado. Para terminar, vemos que os métodos do mundo nesta agenda egocêntrica são necessariamente pragmáticos, sendo que as igrejas evangélicas estão se esforçando a todo o custo em refletir o modo como elas operam. Este mundanismo tem produzido o “novo pragmatismo” evangélico.[6]

Somos evangélicos no sentido de crermos no evangelho, todavia, preferimos não ser identificados no uso comum do termo. E, isto pelo simples motivo: para que não sejamos confundidos com esta tendência de desvio do antigo evangelho de Jesus. Os cultos de muitas igrejas evangélicas estão cheios de elementos estranhos, práticas místicas que se assemelham às seitas espíritas, doutrinas de homens e uma ausência da fiel exposição da Escritura, da correta ministração da ceia do Senhor, bem como da zelosa aplicação da disciplina bíblica. Essas comunidades por causa de sua infidelidade ao ensino da Escritura estão se tornando cada vez menos puras.

Mas, por que conhecer a própria identidade? Transcrevo aqui o sábio conselho de Beeke em que ele adverte que
se não conhecermos nossa herança reformada, a ignorância levará à indiferença, e a indiferença ao abandono. Aconselho-o a que estude o pensamento reformado. Mergulhe nos escritos de calvinistas firmes e renomados. [...] Se não apreciarmos a nossa herança reformada, a nossa fé perderá a autenticidade. Ninguém sentirá interesse pelo calvinismo, porque nos faltará paz, alegria e humildade verdadeiras. E, se não vivermos nossa herança reformada, não seremos sal na terra. Quando o sal perde a sua salinidade, não presta para nada, exceto para ser lançado fora e ser pisado pelos homens (Mt 5:13).[7]

Quando vivemos a tradição reformada honramos os milhares de servos que Deus usou para forjá-la. Não adoramos a tradição em si, mas cremos que ela é útil para identificar as nossas origens. Ela tem o papel de preservar a herança que recebemos dos reformadores. Quando subscrevemos estes documentos estendemos a nossa destra para irmãos de diferentes períodos e países que viveram pela fé reformada, e ao lado deles glorificamos ao soberano Deus.

NOTAS:
[1] Por exemplo, refiro-me ao que fez John Leith agregando à tradição reformada homens e mulheres, bem como denominações e movimentos doutrinários bem pluralistas que negam a nossa tradição confessional reformada. Veja John Leith, A tradição reformada – uma maneira de ser a comunidade cristã (São Paulo, Associação Evangélica Literária Pendão Real, 1996).
[2] Holmes Rolston III afirmou um afastamento de Calvino e os teólogos de Westminster dizendo que “inovações teológicas eram a obra de seus sucessores” in: John Calvin versus the Westminster Confession (1972), p. 23 citado por Paul Helm, “Calvin and the Covenant: Unity and Continuity” in: The Evangelical Quarterly, p. 66. Entretanto, o que Joel R. Beeke declarou acerca da doutrina da segurança da salvação, também podemos concluir das demais áreas teológicas, que a diferença entre Calvino e o calvinistas posteriores, especialmente os teólogos de Westminster, em relação ao desdobramento teológico da teologia reformada é quantitativamente além, mas não qualitativamente contraditória às de Calvino. Veja Joel R. Beeke, A Busca da Plena Segurança – O Legado de Calvino e Seus Sucessores (São Paulo, Editora Os Puritanos, 1999), pp. 19-20.
[3] Joel R. Beeke, Vivendo para a glória de Deus – uma introdução à fé reformada (São José dos Campos, Editora Fiel, 2010), p. 57.
[4] H. Henry Meeter, The basic ideas of Calvinism (Grand Rapids, Baker Books, 6a.ed. rev., 1990), p. 28.
[5] Adaptado de James M. Boice & Philip G. Ryken, The doctrines of grace – rediscovering the evangelical gospel (Wheaton, Crossway Books, 2002), pp. 179-199.
[6] James M. Boice & Philip G. Ryken, The doctrines of grace – rediscovering the evangelical gospel, pp. 20-21.
[7] Joel R. Beeke, “Prefácio” in: Vivendo para a glória de Deus – uma introdução à fé reformada, p. 16.

20 abril 2016

A melhor forma de governo - H. Henry Meeter

Escrito por H. Henry Meeter[1]

No último capítulo indicamos as principais funções do estado segundo a concepção calvinista. Neste capítulo demonstraremos que tipo de estado o calvinista poderia considerar ideal – o que é ordenado por Deus – para consumar as suas funções. Se o mundo não tivesse caído em pecado não haveria a possibilidade da incerteza quanto à forma ideal de estado. Este seria um estado mundial, um império mundial: o Reino de Deus. A forma de governo seria monárquica, com Adão à cabeça do império. Na nova terra haverá outras vez um império mundial sob o segundo Adão – como rei. Mas nesta terra de pecado não poderá se estabelecer o estado mundial disposto por Deus. Para minimizar de algum modo a corrupção do homem, na torre de Babel, Deus dividiu os povos da terra em diferentes nações e línguas. Todavia, vários foram os intentos para conseguir um império mundial. O Anticristo com o recurso da força tratará de estabelecer um império; mas, este império será destruído por Cristo. Pode se dizer que Calvino favoreceria a formação de estados não tão extensos e poderosos, para que assim pudesse eliminar o perigo inerente em toda concentração excessiva de poder governamental.

O calvinismo, consequentemente, não favorece a formação de um estado único, ou de um império mundial, nesta terra de pecado; e muito menos se manifesta a favor de um determinado tipo de governo. Alguns chegam a supor que o calvinismo pretende instaurar novamente a teocracia mosaica. Então, com vasta frequência nos descrevem Calvino como tratando de fazer tal coisa em Genebra. Todavia, a realidade é bem outra: Calvino em repetidas ocasiões afirmou que a teocracia mosaica estava destinada, exclusivamente, para o povo israelita. Muitas de suas leis foram promulgadas à luz de algumas circunstâncias distintas às de nosso tempo. Por seus desígnios providenciais, Deus achou por bem, após a queda, que o império mundial se fragmentasse em muitos estados, assim, também permitiu que fosse fracionada a autoridade governamental. Deus pode exercer o seu senhorio não somente através de um homem (monarquia), como também, através de uns poucos (aristocracia), e inclusive através de muitos, ou de todos (democracia). Deus não somente pode fazê-lo, como que na realidade o faz. A Bíblia afirma que “não há autoridade que não proceda de Deus”, pois os poderes humanos foram ordenados por Deus. Se Deus exerce o seu senhorio através de diferentes tipos de governo, a pergunta que concerne à forma de governo se reveste de um distinto caráter prático, e poderia se formular assim: que forma será mais funcional quanto aos fins de governo? A resposta não será a mesma em todos os casos. Em alguns países certa forma de governo será melhor, enquanto que em outros a mesma resultaria ineficaz. Nos Estados Unidos da América a forma de governo mais apropriada é a democrática. Mas em outras terras, onde o nível cultural e moral não é tão alto, a forma democrática continuamente se veria perturbada por revoluções. Num país como a China é questionável se uma democracia genuína poderia ser realmente eficaz. Igualmente, no curso da história de uma nação poderá ocorrer num período durante o qual o governo democrático resultará eficaz; mas, em outros, ao declinar a moral e desaparecer o espírito cívico dos cidadãos, uma forma ditatorial ou monárquica virá a ser a mais indicada para estabelecer a ordem e evitar o caos.

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NOTAS:
[1] H. Henry Meeter, Doutor em Teologia, foi presidente durante 30 anos do Departamento Bíblico do Calvin College, Grand Rapids, MI. Nota do tradutor.

07 abril 2016

Uma declaração da cosmovisão reformada - revisada

Apresento de modo sistemático uma declaração da cosmovisão reformada. Este é um resumo de como interpretamos o mundo a partir de uma perspectiva calvinista, os acontecimentos e como a vida está sob o governo e relacionada com o soberano Deus, e como todos os valores se organizam a partir dele.

1. Cremos que Deus é um Ser em três Pessoas: Pai, Filho e Espírito Santo. O nosso Deus é infinito, eterno, perfeito, autossuficiente e imutável em seu Ser. Ele em tudo manifesta a sua bondade, conhecimento, sabedoria, poder, e a justiça segundo o seu soberano propósito eterno. Ele é o criador de tudo o que existe, pela Palavra do seu poder. Ele realiza, em tudo e todos, a sua sábia providência, de modo que, não existe acaso, nem fatalismo nos acontecimentos que vivenciamos, mas o absoluto controle em cada situação é a realização da sua perfeita vontade. Tudo o que ele realiza é reflexo daquilo que ele é. As nossas vidas e nossas famílias estão seguras em suas misericordiosas mãos.

2. Cremos que o nosso Deus é pessoal. Ele se revelou através de homens escolhidos, de eventos em diversos momentos e finalmente em seu Filho, e tudo o que é proveitoso para desvendar o seu Ser e a sua vontade, ele inspirou de modo escrito, para evitar a corrupção e o engano. Ele fez que se registrasse a sua Palavra progressivamente, para que se tornasse o livro de mediação e revelação das suas obras e do seu propósito conosco. Hoje, Deus fala verbalmente conosco somente na sua inspirada Palavra, pois, cessaram os agentes revelacionais [apóstolos e profetas], as modalidades revelacionais e a entrega de novas revelações. Por isso, submetemo-nos somente à autoridade da Escritura Sagrada como sendo a única fonte e regra de fé e prática. Somente ela é a inerrante, clara e suficiente Palavra de Deus. Em sua Palavra, Deus o padrão absoluto da verdade, bem como explica a origem do universo, da vida e das espécies, quem somos, qual o propósito da nossa vida, indicando a finalidade de toda a existência que é glorificá-lo e desfrutar dos benefícios da sua comunhão.

3. Cremos que o ser humano é criado à imagem de Deus. Deus criou a humanidade: homem e mulher, e ambos de igual modo refletem com dignidade espiritual os atributos que Deus lhes comunicou e, também representam o Senhor como administradores responsáveis de preservar e usufruir da criação. Tanto o homem como a mulher, são iguais em capacidade e responsabilidades; mas o homem deve exercer a sua autoridade como cabeça sobre a mulher, e esta liderança masculina deve ser sem opressão, nem omissão, pois, embora tendo diferentes papéis, exercem funções complementares. O casamento faz parte do projeto pactual de Deus conosco, por isso, a união entre Cristo e a Igreja é o paradigma do casamento. O casamento, entre um homem e uma mulher adultos, é um valor ético que devemos nutrir e defender contra toda ideologia de gênero e os intentos pós-modernos de reconfigurar a família.

4. Cremos que Deus fez uma aliança de vida com Adão. Como o nosso primeiro pai, ele foi o nosso representante nesta aliança. Todavia, sendo Adão tentado por Satanás, ele violou este pacto ao desobedecer um claro comando de Deus, perdendo a comunhão espiritual e todos os seus benefícios prometidos. Toda criação que era “muito boa” tornou-se corrompida em seu sistema ecológico. Sobre toda a humanidade foi creditada esta maldição, o pecado é a herança natural que todos recebem de Adão. Por causa deste mal moral todos perderam a santidade, a justiça e o conhecimento perfeito de Deus. O pecado produz inimizade, perda de significado, e por fim, a vergonhosa morte. Embora corrompidos, ainda somos portadores da imagem de Deus.

5. Cremos que Satanás e seus demônios, agentes do mal, conspiram contra tudo o que procede de Deus. Ele tentou os nossos primeiros pais, e os induziu a rebelião contra Deus, e nos confronta tentando seduzir-nos, despertando a nossa cobiça e aguçando o nosso orgulho. Ele é soberbo, assassino, acusador, e inimigo de Deus. Satanás não é co-igual a Deus, pelo contrário, ele é uma criatura submissa ao controle soberano do Senhor. O nosso acusador está condenado, e haverá de ser banido ao sofrimento eterno sob a justa ira no juízo de Deus.

6. Cremos que o mal é tão real quanto indesejável o sofrimento por ele produzido em toda a criação. Entretanto, o mal físico é parte da consequente maldição do pecado herdado dos nossos primeiros pais. O pecado gera desordem e destruição no indivíduo e sociedade. Todavia, não acreditamos que Deus seja mero espectador da presença do pecado na história da humanidade, mas de modo misterioso participante de tudo o que acontece, sem ser o culpado do pecado, e sem anular a responsabilidade do pecador. Cremos que todas as coisas, em especial aquelas que parecem escombros depois da destruição do pecado, são matéria-prima que Deus está usando para transformar a nossa vida, conforme à imagem de Cristo, em seu louvor e glória.

7. Cremos que o nascimento de Jesus Cristo teve o propósito de reconciliar pecadores escolhidos com o santo Deus. Sendo o Filho de Deus uma Pessoa que subsiste em duas naturezas, divina e humana, é o completo e final revelador entre Deus e os homens. O sofrimento, obediência, morte e ressurreição de Cristo obtiveram a justiça necessária para merecer-nos a aceitação de Deus, bem como a suficiente satisfação da sua ira, realizando a anulação da condenação pelos nossos pecados. Somos perdoados pela justiça e amor de Cristo Jesus, o nosso mediador. Ele eficazmente intercederá por nós até a Sua segunda vinda. A obra de Cristo é o fundamento para a renovação de toda a criação pela presença espiritual e transformadora do Seu reino, que foi inaugurado.

8. Cremos que o Espírito Santo inicia a obra da salvação em nós, regenerando e concedendo-nos entendimento espiritual para crermos em Cristo como o nosso salvador. Recebemos no poder do Espírito, e pela aplicação da Palavra de Deus em nós, o dom da fé salvadora e arrependimento necessário para a nossa conversão. Em Cristo a justificação é declarada e creditada a nós. Através da adoção somos feitos participantes da família de Deus. A santificação estimulada pelo Espírito e, exercida em nossos pensamentos, emoções e ações confirmam a nossa eleição e filiação divina. Somos preservados em graça, pelo poder de Deus, para sermos continuamente salvos até o fim. Deus tem uma graciosa Aliança da graça conosco e os nossos filhos, tendo o Senhor Jesus como o nosso único mediador.

9. Cremos que o Espírito Santo está presente em nós num relacionamento pactual conosco, habitados por ele, somos batizados no Corpo de Cristo. Ele continua a pairar acima do caos causado pelo pecado, todavia, sem estar alienado ao mal que há no mundo, mas convence-nos da justiça e do juízo, e concede forma à nova criação e fazendo-nos novas criaturas pela regeneração. O Espírito nos une como Igreja, capacitando-nos com dons para o serviço e edificação pela prática da comunhão mútua. Ele testemunha internamente, pela iluminação da Palavra de Deus, e somos continuamente santificados sob a sua poderosa influência. Toda a sua obra tem a finalidade de glorificar a Cristo.

10. Cremos que a Igreja é responsável de ser testemunha da verdade e do amor de Deus neste mundo afetado pelo pecado. Somos o povo escolhido para proclamarmos a mensagem de reconciliação e perdão, convidando pecadores ao arrependimento, para confiarem na suficiência de Cristo para a sua salvação. Temos o compromisso de ouvir, viver e ensinar a Palavra de Deus. A salvação não é somente da nossa alma, mas da nossa mente, cultura e sociedade, apresentando o evangelho integral para o homem em todas as suas necessidades. Cuidamos uns dos outros no amor de Deus, vivendo uma comunhão de reciprocidade e compromisso, proporcionando um ambiente de fraternidade e santidade. A Igreja visível é a comunhão daqueles que professam Cristo como o Senhor, reunidos para a celebração, a adoração, a comunhão, edificação e serviço. Buscamos intimidade com Deus através da Palavra, oração e dos sacramentos e, confirmamos a nova aliança com Deus simbolizada pelo do batismo e ceia do Senhor. A imagem de Deus é vivida na mutualidade dos relacionamentos.

11. Cremos que o objetivo histórico da obra de Cristo foi a inauguração do seu reino sobre a terra. Isto inclui a salvação de indivíduos, bem como uma nova ordem na sociedade. Todavia, cremos que somente com os valores do reino de Deus, num discipulado integral, em que os cristãos se envolvem produtivamente em todas as áreas da vida, podendo participar pelo processo de restauração, transformação e desenvolvimento, reconhecendo Cristo como o Senhor em todas as esferas da nossa existência.

12. Cremos que este mundo experimenta a deterioração dos valores que Deus estabeleceu para preservá-lo. A falta de sentido e propósito também produz a desesperança. A sociedade busca a sua redenção na tecnologia, cultura, política, economia e no sexo, todavia, estes meios são ineficazes de transformá-la construtivamente. Reconhecemos que várias formas de idolatria são fabricadas pela cultura pós-moderna. Mas, infelizmente, a sociedade inclina-se a não reconhecer a verdade como absoluta, ridicularizando a concepção e a ação de Deus no mundo. Estamos chegando ao fim da história humana não em direção ao desespero e caos, mas à consumação do propósito eterno de Deus. Cristo Jesus julgará toda a humanidade de todas as épocas e culturas, a uns dará a salvação segundo a sua misericórdia, e a outros segundo a sua justiça concederá a merecida condenação dos seus pecados.

13. Cremos que o nosso mundo pertence a Deus. Apesar de toda miséria e dor, todas as coisas estão sob o seu absoluto controle. A nossa esperança de uma nova terra não está presa ao que os homens podem fazer, porque cremos que após o dia do Juízo, todo desafio ao governo de Deus, e toda resistência a sua vontade será anulada, o seu reino, que é inaugurado entre nós, se manifestará em sua plenitude, e o nosso Senhor Jesus governará para sempre com o seu povo. Assim “Deus enxugará dos olhos toda lágrima”, Ele abolirá as nossas enfermidades, findará os nossos conflitos, e implantará a Sua perfeita justiça sobre a terra.

A cosmovisão cristã deve ser implantada pela influência da Igreja em todas as esferas da sociedade. O verdadeiro cristianismo propõe que crer e também pensar. Em tudo dependemos de Deus, para ele vivemos e a ele pertencemos, e isso só é possível se a nossa mente for dominada com a verdade (Rm 11:33). A mentira de que a fé não precisa da razão deve ser desprezada, e afirmado que a razão sem a fé se torna em loucura (Rm 1:22-23). James Orr acertadamente disse que “uma religião divorciada do pensamento rigoroso e elevado pode ser vista no curso inteiro da história da Igreja, e por isso, ela sempre tendeu a ser débil, árida e pouco saudável; bem como o intelecto privado de seus direitos dentro da religião, buscou a sua satisfação fora dela, e se transformou num racionalismo secular”. Este é um erro que não podemos repetir. Cada membro de nossa igreja precisa se convencer de que uma fé vigorosa somente glorifica a Deus se ela estiver comprometida com toda a verdade. A finalidade da nossa vida é glorificar a Deus, e a nossa mente não pode ser desprezada no desemprenho deste dever, porque como disse: crer é também pensar!

04 abril 2016

Cremos na Teologia do Pacto

A Teologia Pacto é desconhecida por muitos dos atuais presbiterianos. Aplica-se a advertência de Hugh Martin de que “acontece, assim tememos, que a teologia federal está no presente sofrendo uma grande medida de negligência a ponto de ninguém considerá-la entre nós num futuro imediato da Igreja”.[1] De fato, esta antiga declaração também se aplica aos presbiterianos brasileiros. Percebemos uma negligência no ensino desta doutrina que é essencial para a nossa identidade reformada. A nossa hermenêutica, a organização sistemática, bem como a nossa prática eclesiástica e a nossa ética dependem do nosso entendimento da teologia do pacto.

O modo como entendemos toda a história da salvação estrutura-se no pacto de Deus conosco. Segue abaixo um resumo da Teologia do Pacto:[2]

1. A teologia do pacto estrutura a totalidade da revelação bíblica. De Gênesis a Apocalipse há uma unidade pactual. Por isso, cremos que há uma unidade contínua em toda a Escritura e que a Igreja é a soma dos eleitos do Antigo e Novo Testamento, tendo apenas uma aliança, reino e um modo de salvação.
2. A teologia reformada clássica ensina três pactos: o pacto de redenção, o pacto da graça e pacto das obras. Eles são desdobramentos da mesma obra de Deus no decreto, criação, providência, redenção e consumação.
3. O pacto da redenção é o eterno decreto da Trindade em que tudo foi decidido antes da criação do mundo. Louis Berkhof observa que “Essa aliança eterna [da redenção] é o fundamento firme da aliança da graça. Se não houvesse conselho eterno de paz entre o Pai e o Filho, não poderia ter havido acordo entre Deus e o pecador. A aliança da redenção torna possível a aliança da graça”.[3]
4. O pacto das obras é a perfeita lei de Deus imposta ao homem para uma obediente resposta aos mandatos espiritual, cultural e social. Esta lei que originalmente foi declarada antes da Queda e escrita no coração do homem, ela é posteriormente registrada em tábuas de pedra.
5. Na história da salvação o pacto da redenção significa obras para Cristo e graça para nós. O Filho deveria obedecer satisfatoriamente todas exigências da lei de Deus.
6. Cristo cumpriu as obrigações legais do pacto da redenção em sua obediência ativa e passiva como o representante dos eleitos. Ele pode conceder redenção ao seu povo escolhido.
7. O pacto da graça é a administração progressiva da lei/evangelho na história da redenção do Antigo e Novo Testamento. Deus redime revelando graça aos eleitos, que pela fé, recebem do Mediador as promessas do pacto da graça. Assim, toda a comunidade do pacto será, em Cristo, redimida para a sua glória. O pacto é um vínculo de amor do Pai, merecido pelo Filho e concedido pelo Espírito Santo aos seus eleitos.
8. Jesus Cristo é o mediador do pacto. Nele recebemos aceitação e perdão do Pai, a nossa condenação é satisfeita, e a sua justiça é imputada em nosso favor nos adotando como filhos de Deus. A salvação é um vínculo pactual entre os eleitos, pela mediação de Cristo, com o Pai.
9. Deus tem apenas um povo. Israel e a Igreja formam uma única comunidade pactual, universal e local, no decorrer da antiga e nova aliança confessando o senhorio de Jesus Cristo.
10. Todos os cristãos são ordenados a unirem-se, a fim de formar parte de uma verdadeira comunidade pactual governada pela Escritura Sagrada. Deus instituiu oficiais extraordinários e ordinários para o governo de sua Igreja. Os oficiais extraordinários como os reis, profetas e sacerdotes no Antigo Testamento, bem como os apóstolos e profetas do Novo Testamento foram transitórios. No novo pacto os oficiais permanentes são os presbíteros e diáconos.
11. Na antiga aliança os sinais sacramentais eram a circuncisão e páscoa que na nova aliança foram substituídos pelo batismo e ceia do Senhor. Os sinais de uma verdadeira comunidade pactual que confessa a Cristo são a fiel pregação do Evangelho (o pacto da graça), a correta administração dos sinais e selos pactuais (os sacramentos: batismo e a ceia do Senhor) e a zelosa aplicação da disciplina. O batismo infantil somente é compreendido estruturalmente a partir da doutrina do pacto.
12. A revelação é progressiva no decorrer de toda a história da salvação alcançando a sua plenitude ao completar o fundamento apostólico. Ao completar o registro da revelação com o fechamento do cânon, os antigos modos cessaram, e não há mais comunicação de novas revelações, o retorno das antigas modalidades, nem o ressurgimento dos agentes revelacionais. Somente a Escritura Sagrada é a Palavra de Deus na plena transição da nova aliança.
13. Uma vida cristã integral não pode ser vivida saudavelmente fora de uma verdadeira comunidade pactual que confesse o senhorio de Cristo.

A teologia do pacto é tão essencial à teologia reformada que modificar a teologia do pacto é distorcer a substância da teologia reformada.

J.I. Packer resume bem a relação pactual de Deus conosco, ao escrever que
a estrutura da aliança compreende a inteira administração da graça soberana de Deus. O ministério celestial de Cristo continua a ser o de Mediador de uma nova aliança (Hb 12:24). A Salvação é a salvação da aliança; a justificação, a adoção, a regeneração e a santificação são as misericórdias da aliança; a eleição foi a escolha que Deus fez dos futuros membros da comunidade de sua aliança, a Igreja; o batismo e a Ceia do Senhor, correspondendo à circuncisão e à Páscoa, são ordenanças da aliança; a lei de Deus é a lei da aliança, e sua observância é a expressão mais verdadeira de gratidão pela aliança da graça e de lealdade ao nosso Deus da aliança. Pactuar com Deus em resposta à sua aliança conosco deve constituir um exercício devocional regular para todos os crentes, seja na privacidade ou na Mesa do Senhor. Uma compreensão da aliança da graça guia-nos do começo ao fim e ajuda-nos a apreciar as maravilhas do amor salvífico de Deus.[3]

Todo o nosso relacionamento com Deus somente é possível porque Cristo perfeitamente cumpriu satisfatoriamente todo o pacto. Este pacto que foi estabelecido entre o Pai e o Filho, na eternidade e, realizado na história. Consumada a sua obra o Senhor Jesus nos recebe como seus pelo pacto da graça, e por ter cumprido o pacto das obras Ele nos torna misericordiosamente aceitáveis diante do Pai, concedendo-nos todos os benefícios de seus méritos.

NOTAS:
[1] Citado em John L. Giardeau, The Federal Theology: its import and its regulative influence (Greenville, Reformed Academic Press, 1994), p. 5.
[2] Alguns teólogos e tradutores preferem o termo “pacto” enquanto outros usam “aliança”, mas isto em nada afeta o seu significado bíblico. Os termos Teologia Federal, Teologia do Pacto ou da Aliança são sinônimos.
[3] Louis Berkhof, Manual de doutrina cristã (São Paulo, Editora Cultura Cristã, 2012), p. 115.
[] J.I. Packer, Teologia Concisa (São Paulo, Editora Cultura Cristã, 2004), pp. 82-83.