27 fevereiro 2008

Os dons revelacionais são para hoje?

Os dons revelacionais são para hoje? Esta é uma discussão que perdura a pouco mais de um século, desde que o Pentecostalismo surgiu. Deste movimento surgiram ramificações como os Carismáticos e a Terceira Onda, mas basicamente todos os três grupos defendem a continuidade da revelação especial em seu modo proposicional. Quanto à cessação da revelação especial extra-bíblica deve-se observar os seguintes pontos:

1. Os dons revelatórios existiram com a finalidade de suprir e complementar a Escritura que estava em processo de registro. Quando o cânon fechou, isto é, [Apocalipse] o último livro foi escrito toda comunicação extra-bíblica cessou tendo como evidência a não continuidade de novos livros inspirados. Por exemplo, um dos critérios de canonicidade era que o livro deveria ser escrito por um apóstolo, ou alguém autorizado por um apóstolo [por ex., Lucas e João Marcos]. Os apóstolos cessaram, por que a sua principal função deveria continuar e com que propósito?

2. Somente a Escritura Sagrada é a Palavra de Deus. Se novas revelações fossem "Palavra de Deus" [alguns faladores de línguas e ditos profetas declaram: "assim diz o Senhor"] então qual seria o problema de se exigir que estas "novas revelações" fossem escritas em papel. E, sendo escritas deveriam ser inclusas na Bíblia? (Ap 22:18-20; Gl 1:6-9).

3. Cremos que toda a Escritura é inspirada e suficiente para salvar e santificar-nos (2 Tm 3:16-17). Com que finalidade Deus daria revelações adicionais se a Escritura é a nossa única regra de fé e prática? Se crermos que existem outras revelações sendo entregues além da Escritura então, a Bíblia deixa de ser a nossa única regra de fé e prática, e, então, teremos que nos submetermos à autoridade destas novas revelações com a mesma reverência e temor que temos pela Escritura Sagrada.

4. A falta de veracidade e falibilidade dos faladores de língua e dos tais profetas é uma prova de que não procedem de Deus. A Escritura quando estava sendo revelada foi exigido a sua veracidade e cumprimento das profecias como testemunho da sua fidedignidade (Dt 18:20-22). Os atuais reveladores apelam para a subjetividade não verificável e ao emocionalismo irracional, bem como à "falta de fé" do indivíduo para justificar o não cumprimento da dita profecia! Parece-me que o cumprimento da profecia não dependia que o individuo receptor cresse nela ou não, porque ela se cumpriria pelo simples fato de que Deus determinara revelar a Sua vontade e determinação antecipadamente, não condicionando à fé do receptor, mas ao Seu propósito soberano.

5. O dom de língua na Escritura é um idioma de algum povo que não foi aprendido, e que o falador de línguas no NT era capacitado pelo Espírito Santo para comunicar a profecia e realizar a pregação do evangelho de modo sobrenatural. Se o dom de línguas era a pronunciação de grunidos e sons ininteligíveis como pretendem e entendem os que creêm hoje falam em línguas, onde está o seu caráter sobrenatural? Afinal qualquer um pode pronunciar um emaranhado de sons e repetí-los sem significado algum, ou atribuir-lhes o sentido [ininteligível] que quiserem! Como o ouvinte [de origem alemã, francêsa, italiana, inglesa, etc] poderá ouvir falar em sua própria língua se o dom de língua são meros sons inarticulados sem sentido algum? Que evangelho será comunicado, ou "nova mensagem" poderá ser entendida pelo ouvinte?

6. Dizer que o dom de língua de At 2 é de natureza diferente do dom de 1 Co 12-14 é aceitar que a Bíblia ensina dois tipos de dons de línguas. Apesar da lógica ser óbvia ela é geralmente evitada. A tendência de se interpretar At 2 como um dom de língua sendo idioma [pela sua incontestabilidade At 2:6, 8, 11] e 1 Co 12-14 como sendo "um dom de língua" ininteligível, não se sustenta pela falta de evidência da ênfase de Paulo em dizer que o dom tanto de profecia como de línguas são revelatórios, isto é, são mensagens claras e inteligíveis vindas inconfundivelmente de Deus. Aceitar que existam 2 tipos de dons de línguas no NT é aceitar que Deus se comunica de forma inteligível e objetiva e ao mesmo tempo de forma ininteligível e subjetiva! Entretanto, não há indicação nos escritos do apóstolo Paulo desta estranha distinção.

Creio que estes são alguns pensamentos necessários para que possamos examinar as Escrituras [como um crente bereano] e além da sinceridade ser também verdadeiro em nossas conclusões e fiéis ao Senhor em tudo. Indico a indispensável leitura de algumas obras sobre o assunto:

. Alderi S. de Matos, et al., Fé Cristã e Misticismo (São Paulo, Editora Cultura Cristã, 2000).

. Richard B. Gaffin, Jr., Perspectives on Pentecost (Phillipsburg, P&R Publishing Co., 1979).

. Gordon H. Clark, The Holy Spirit (Jefferson, The Trinity Foundation, 1993).

. Victor Budgen, The Charismatics and the Word of God (Faverdale North, Evangelical Press, 2001).

. Donald Macleod, El Bautismo con el Espíritu Santo (San José, CLIR, 2002).

. Edwin Palmer, El Espíritu Santo (Edinburgh, El Estandarte de la Verdad, 1995).

. O. Palmer Robertson, A Palavra Final (São Paulo, Editora Os Puritanos, 1999).

. Sinclair B. Ferguson, O Espírito Santo (São Paulo, Editora Os Puritanos, 2000).

. Errol Hulse, O Batismo do Espírito Santo (São José dos Campos, Editora Fiel, 1995).

. John R.W. Stott, Batismo e Plenitude do Espírito Santo (São Paulo, Edições Vida Nova, 1993).

. Wayne Grudem, ed., Cessaram os Dons Espirituais? (São Paulo, Editora Vida, 2003).

. Frederick D. Bruner, Teologia do Espírito Santo (São Paulo, Edições Vida Nova, 1989).

. John MacArthur Jr., Os Carismáticos (São José dos Campos, Editora Fiel, 1995).

08 fevereiro 2008

Buscando santo prazer em período de Carnaval

O nosso Breve Catecismo de Westminster em sua 1a. pergunta questiona "Qual é o fim principal do homem"? A resposta é: "glorificar a Deus e gozá-Lo para sempre". Este gozo, ou prazer não é pecaminoso porque Deus nos fez para sentir prazer em Sua Presença e na obediência da Sua vontade. Entretanto, a nossa sociedade pós-moderna têm se inclinado aos pés de um ídolo sentimentalista chamado "Hedonismo" que é a busca do prazer tendo como um fim em si mesmo. Assim, ele se torna pecaminoso porque foge do seu propósito, e é buscado por motivações egoístas.

O Carnaval é o período em que as pessoas se entregam as festividades de um modo desenfreado. A carnalidade aflora, e toda espécie de sentimentos e provocações sensuais são estimuladas sem a preocupação de se ofender a consciência e a convicção de santidade dos cristãos. É contraditório que enquanto a lei brasileira que exige respeito e oferece o recurso legal de processar uma pessoa por atentado ao pudor, ou assédio sexual, neste infame período de Carnaval, permita que toda sorte de imoralidade seja praticada para demonstrar a selvageria da natureza humana, e em muitos casos, aprovada e financiada pelo governo! A contradição colhe um alto preço.

Infelizmente, há aqueles que possuindo uma "mente aberta" defendem o Carnaval como uma festividade cultural e produtiva para a economia brasileira. Entretanto, esta festa pagã é um lado ruim da cultura brasileira que não nos enobrece. A cultura de uma nação somente deve ser cultivada se ela oferece honra a todo o país. No Carnaval, as nossas mulheres são expostas à baixa sensualidade, e na mídia o mundo conhece o Brasil do Carnaval, da imoralidade, da prostituição barata e fácil, dos filhos que nascem como resultado de relações sexuais ilícitas, de doenças sexuais, casamentos desfeitos, das drogas que são consumidas nas festas, e uma enxorrada de conseqüências a médio e longo prazo. Mas, alguns ainda insistem que é possível brincar de modo saudável! Mesmo que não seja a saúde física prejudicada com doenças, bebidas e drogas, a agressão da consciência induzindo-a à imoralidade sensual é inegável. Não existe Carnaval inocente.

O prazer não é nessariamente felicidade. (Hq 3:16-19). A felicidade se baseia na obediência da vontade de Deus revelada na Escritura Sagrada. Para sermos felizes é necessário a aprovação de Deus sobre a nossa vida, e para isso, devemos amar a Palavra de Deus. O pecado oferece prazer, mas não tem resultado benéfico. O seu prazer é passageiro, e as suas conseqüências são dolorosamente extensas (Hb 11:24-26).

O anseio pelo prazer foi implantado em nós quando Deus nos criou. Todavia, não podemos nos esquecer de que o pecado distorceu toda a nossa natureza, colocando em total desordem quem somos e o propósito para o qual Deus nos fez. Somente encontraremos prazer como realmente ansiamos quando nos realizarmos em Deus. Aurelius Agustinho em seu livro Confissões (escrito 397-400 d.C.) disse: "tu o incitas para que sinta prazer em louvar-te; fizeste-nos para ti, e inquieto está o nosso coração, enquanto não repousa em ti".

As nossas necessidades nunca serão satisfeitas no pecado. Mesmo que a cobiça desperte as nossas necessidades e prometa que poderemos ser felizes no erro, não devemos aceitar a mentira e a imoralidade como um padrão aceitável diante de Deus.

Rev. Ewerton B. Tokashiki

04 fevereiro 2008

A Hermenêutica Feminista

O primeiro obstáculo do caminho
É quase impossível a tentativa de se realizar uma análise abrangente da Hermenêutica Feminista. Esta tarefa é um tanto que frustrante, porque existem dificuldades para se avaliar o movimento sem cometer injustiças quanto a sua falta de uniformidade. Existem pelo menos duas questões básicas que precisam ser consideradas:

1. Cada teóloga expõe a sua própria versão desta teologia.[1] Não só divergências de contexto denominacional, mas de perspectiva teológica. Cada escritora tem o seu compromisso teológico orientado pelo seu contexto social e “experiência de opressão”. É praticamente impossível classificar teólogas feministas em grupos que definam posições em comum. Por isso, o modo como se aproximam e lêem as Escrituras divergem segundo as suas preferências pressuposicionais.

2. A articulista Helen Schüngel-Straumann nota que nem todas as teólogas feministas adotam a mesma perspectiva em relação à interpretação da Bíblia. Ela declara que em relação à Bíblia "Carolyn Osiek (em Collins 93s) distingue cinco atitudes: 1. A de uma rejeição total da Bíblia, de que é exemplo a obra de Mary Daly. 2. A de uma interpretação leal, que vê a Bíblia como revelação/palavra de Deus e que não admite dúvida a este respeito. Uma 3ª abordagem é a que ela denomina de revisionista. Nela é criticado unicamente o enfoque androcêntrico, voltando a ser prestigiadas as tradições feministas esquecidas. Como exemplo desta linha a autora menciona Phyllis Trible. A 4ª abordagem é descrita como sublimacionista, onde os preconceitos ideológicos (como o de que o feminino seria superior ao masculino) desempenham um papel importante e onde predominam as interpretações simbólicas-isoladas de que qualquer contexto político-social. Como 5ª abordagem, que ela vê como a mais importante em nossos dias, Osiek descreve a interpretação da Bíblia segundo a teologia feminista da libertação, a que associa os nomes de Rosemary Radford, Letty M. Russell e Elisabeth Schüssler Fiorenza. No espaço lingüístico alemão não se pode deixar de mencionar aqui Luise Schottroff."[2]

Edificando sobre a areia movediça
A Teologia Feminista é um ramo dentro da conhecida Teologia da Libertação, entretanto, em vez de ser usada para uma interpretação em favor dos pobres, a aplicação dos princípios da libertação são direcionados para defender as mulheres como desfavorecidas num ambiente predominantemente masculino. A interpretação feminista das Escrituras tem o seu ponto de partida num dos seus pressupostos básicos: a teologia deve fundamentar-se sobre a análise da realidade socio-política da mulher. Ela não começa com o texto da Escritura, mas com o contexto sócio-vivencial feminino, como sendo oprimida numa sociedade machista. Rosemary R. Ruether delineia as bases da hermenêutica feminista "quando falamos da experiência das mulheres como uma chave hermenêutica (ou teoria da interpretação), estamos nos referindo exatamente àquela experiência que ocorre, quando as mulheres criticamente se tornam conscientes das experiências falsificantes e alienantes impostas a elas, como mulheres, através de uma cultura dominada por homens. A experiência das mulheres é, desta forma, em si um evento da graça, uma introdução do poder libertador que procede do que está além do contexto cultural patriarcal, que as permite criticar e resistir a essas interpretações androcêntricas sobre quem e o que elas são."[3]

A adoção do pressuposto subjetivo da “opressão” é essencial na interpretação das Escrituras. A teologia feminista se propõe denunciar todos os textos e tradições que perpetuam as estruturas e ideologias patriarcais consideradas opressivas. Loren Wilkinson observa que a teóloga feminista “Elizabeth Schüssller Fiorenza, por exemplo, em Bread, Not Stones, argumenta que as mulheres devem tomar como ponto de partida a definição da sua situação de opressão, e depois abrir a sua Bíblia, a fim de descobrir o meio de alcançar a libertação.”[4]

Além da “opressão”, outro pressuposto da Teologia Feminista é que a “experiência” feminina possui determina o resultado e a ação teológica. Christine Schaumberger observa que "o que é novo e especificamente feminista não é, pois, o realce sobre a categoria teológica da experiência, mas sim o concentrar-se no perceber e no refletir as experiências femininas. Experiências femininas é o ponto de partida da teologia feminista, e a medida para a crítica, o engajamento e o compromisso, para a criatividade re-visionária."[5]

Entretanto, Schaumberger não define o que ela quer dizer teologicamente com “experiência” (do alemão erfahrung) dificultando a análise da sua tese. Na nova hermenêutica a interpretação e sistematização do ensino não é algo extraído das Escrituras, mas da experiência subjetiva do intérprete que impõe sobre o texto sagrado a sua opinião. Robert H. Stein conclui que “em razão disso, há ‘leituras’ ou interpretações marxistas, feministas, liberais, igualitárias, evangélicas ou arminianas do mesmo texto. Ou seja, para esta corrente os vários significados legítimos podem ser extraídos mediante a concepção de cada intérprete.”[6] A premissa de Schaumberger despreza que o fator determinante do significado do texto é o seu autor. Augustus Nicodemus observa que “as hermenêuticas feministas são uma variedade de reader response, baseados nos conceitos de Gadamer.”[7]

Uma avaliação final
Discordando da Hermenêutica Feminista e unindo-me aos intérpretes que adotam o método gramático-histórico, afirmo que a passagem significa aquilo que o autor original, com consciente intenção, inspirado plenariamente, quis dizer ao redigir o texto. A formulação teológica não depende da experiência de gênero do intérprete, ou da percepção da realidade a partir da sua sexualidade, mas da precisa exegese do texto em sua estrutura gramatical, do seu contexto histórico e da sistematização das informações extraídas a partir das Escrituras.

Este subjetivismo é uma característica das novas hermenêuticas que surgiram no século XX. Moisés Silva observa que “se há algo diferente na hermenêutica contemporânea é justamente a ênfase que ela dá à subjetividade e relatividade da interpretação.”[8] A hermenêutica feminista não é uma exceção entre as novas hermenêuticas que surgiram no século XX.

Notas:
[1] As teólogas mais expressivas do movimento subscreveram que “não pretendemos oferecer uma dogmática feminista unificada, e esperamos que tal coisa nunca venha a existir. Também não nos foi possível, nem foi pretensão nossa, chegar a uma perfeita homogeneidade dos diferentes artigos” in: Elisabeth Gössmann, et.al., orgs., Dicionário de Teologia Feminista (Rio de Janeiro, Editora Vozes, 1997), págs. 10-11.
[2] Helen Schüngel-Straumann, "Bíblia" in: Elizabeth Gossmann et al., orgs., Dicionário de Teologia Feminista (Petrópolis, Editora Vozes, 1997), págs. 210-214.
[3] Rosemary R. Ruether, “Feminist Interpretation: A Method of Correlation”, in: Feminist Interpretation of the Bible, ed. Letty M. Russel (Philadelphia, Westminster Press, 1985), pág. 114.
[4] Loren Wilkinson, "A Hermenêutica e a Reação Pós-Moderna Contra a 'Verdade'" in: Elmer Dyck, ed., Ouvindo a Deus (São Paulo, Shedd Publicações, 2001), pág. 160.
[5] Christine Schaumberger, "Experiência" in: Elizabeth Gossmann et al., orgs., Dicionário de Teologia Feminista (Petrópolis, Editora Vozes, 1997), pág. 183.
[6] Robert H. Stein, Guia Básico para a Interpretação da Bíblia (Rios de Janeiro, CPAD, 1999), pág. 23.
[7] Augustus Nicodemus Lopes, A Bíblia e seus intérpretes (São Paulo, Editora Cultura Cristã, 2004), pág. 232.
[8] Moisés Silva, "Visões Contemporâneas da Interpretação Bíblica" in: Walter C. Kaiser, Jr. & Moisés Silva, Introdução à Hermenêutica Bíblica (São Paulo, Editora Cultura Cristã, 2002), pág. 233.

Rev. Ewerton B. Tokashiki