30 junho 2007

Reconstrução histórica da Ceia em Corinto

Estrutura de 1 Coríntios
Paulo escreve esta epístola corrigindo várias distorções cometidas pelos coríntios.[1] O apóstolo reprova as divisões (1:10-4:20). O vergonhoso e público caso de incesto de um de seus membros (5:1-13). Disputas legais entre cristãos (6:1-11). Casos de envolvimento com prostitutas (6:12-20). Desentendimentos quanto ao valor do casamento (7:1-40). Participação de festividades pagãs e comidas oferecidas a ídolos (8:1-11:1). Os três problemas seguintes estão relacionados com as reuniões públicas dos cristãos em Corinto. A explicação da autoridade entre homens e mulheres na igreja (11:2-16). O segundo relata as distorções da Ceia do Senhor (11:17-34). A terceira problemática sobre o culto na igreja de Corinto envolve a má compreensão da distribuição e usos dos dons (12:1-14:40). Em seguida, Paulo fornece um esclarecimento da veracidade da ressurreição de Cristo, e a certeza da ressurreição futura dos crentes (15:1-58). Solicita como a igreja deve proceder para a coleta (16:1-11) e a ida de Apolo (16:12).

O problema da Ceia não era generalizado, mas era perceptível. Não é possível sustentar que toda a igreja de Corinto se encontrava reprovada por Paulo. Ele mesmo diz que “porque importa que haja partidos entre vós, para que também os aprovados se tornem conhecidos em vosso meio” (vs. 19). Os abusos da Ceia em Corinto envolviam apenas os cristãos. Não há indícios de que nesta perícope Paulo esteja preocupado em restringir a Ceia. Os coríntios não estavam sendo acusados de permitir a participação de incrédulos na Mesa do Senhor. Não eram os incrédulos que estavam profanando a Ceia, mas as atitudes ímpias dos cristãos coríntios.

A Ceia do Senhor seguia um padrão helênico?

Há dois modos de reconstruir a reunião da Ceia da igreja Corinto. O primeiro modelo sugere que a Ceia seguia o padrão de um jantar comum. Isto pressupõe uma refeição extraída da cultura greco-romana. Conforme este modelo a Ceia da igreja de Corinto possuía duas fases. A primeira desenrolava-se numa refeição comum, com o propósito de nutrição. Logo em seguida, viria uma segunda parte, com a celebração solene da Ceia do Senhor.

Esta interpretação explica que durante a primeira fase da refeição os crentes de Corinto cometiam sérios abusos, tais como egoísmo, bebedeira, glutonaria e desprezo pelos irmãos pobres. Sendo que a Ceia do Senhor que viria em seguida já não teria importância, para os que se atrasaram e não participaram da primeira refeição, estando ainda com fome e gerando um descontentamento entre os cristãos coríntios. James D.G. Dunn está correto ao discordar desta reconstrução entende que “o problema neste caso é que Paulo parece ter em mente só uma única refeição comum (a Ceia do Senhor). A prática que ele reprova não é a de uma refeição separada (precedente) da Ceia do Senhor, mas o abuso de uma única refeição (a Ceia do Senhor) que começava com o único pão e terminava com o cálice ‘após a ceia’ (11,25).”[2]

A Ceia era cuturalmente judaica
A segunda reconstrução histórica interpreta a Ceia do Senhor como sendo uma única refeição numa reunião com o propósito solene de celebrar a comunhão da Igreja de Cristo. Seguindo o padrão da ceia Pascal, então, a interpretação toma outro rumo. Primeiro, pressupõe-se que a Ceia do Senhor, em alguma medida, possuí continuidade com a refeição da antiga Aliança. Segundo, a Ceia era uma refeição litúrgica (Mt 26:30), seguindo os moldes da tradição apostólica (eu recebi do Senhor o que também vos entreguei, vs. 23), não meramente uma reunião de confraternização. Em terceiro lugar, Paulo usa uma palavra muito específica para a “ceia” que se refere ao “principal alimento recebido à noite”[3] não se referindo a uma refeição secundária.

A Ceia do Senhor representa, entre outras concepções, a comunhão da Igreja de Cristo (10:17). O comportamento partidário e egoísta contradizia abertamente o sentido da cerimônia. Tal era a distorção das reuniões dos coríntios, que descaracterizavam a Ceia, tornando o ambiente impróprio de celebrar a comunhão do Corpo de Cristo (vs. 20).

Não se deve admitir que as divisões dentro da igreja de Corinto ocorriam somente por problemas sociais. James D.G. Dunn interpreta, erroneamente, que “é particularmente evidente que a tensão era basicamente entre cristãos ricos e cristãos pobres, isto é, entre os que tinham comida e bebida suficiente e suas próprias casas (11,21-22) e ‘os que nada têm’ (11,22)”.[4] Percebe-se que o principal problema que afetava a celebração da Ceia da igreja de Corinto eram os partidarismos relacionados a uma má compreensão de quem eram os seus líderes. Dentro da igreja havia discórdia e competição, pois “cada grupo se jactava da sabedoria superior de seu escolhido (1:10-17).”[5] O problema não era apenas uma luta de classes sociais. O texto refere-se a “divisões” (vs. 18) e a “partidos” (vs. 19). Não eram apenas dois grupos em desentendimento, mas vários, acerca de diversos assuntos (cf. 3:4, 22; 8:7, 9, 13; 9:2; 11:22).

Notas:
[1] D.A. Carson, et.al., Introdução ao Novo Testamento (São Paulo, Ed. Vida Nova, 1997), pp. 287-289.
[2] James D.G. Dunn, A Teologia do Apóstolo Paulo (São Paulo, Ed. Paulus, 2003), pp. 688-689.
[3] William D. Mounce, The Analytical Lexicon to the Greek New Testament (Grand Rapids, Zondervan Publishing Books, 1992), p. 133.
[4] James D.G. Dunn, op.cit., p. 687. Embora sendo cuidadoso com a sua análise contextual Dunn não evita a sua tendência em defender que “a análise sociológica sugere que o assunto tratado em 1 Co 10-11 era primariamente a união social e não tanto uma disputa teológica” p. 689. É aceito que Paulo não estava discutindo com os coríntios acerca da presença de Cristo na Ceia. Mas ao instruir-lhes acerca da natureza da Ceia do Senhor (11:23-26) certamente o apóstolo releva-lhes à memória a gravidade da confusão e profanação da Ceia, a ponto de acusá-los de descaracterizá-la, e dizer-lhes que aquilo que eles faziam “não é a ceia do Senhor que comeis” (11:20).
[5] D.A. Carson, et.al., Introdução ao Novo Testamento, p. 287.

21 junho 2007

Implicações dos 5 Pontos do Calvinismo no Aconselhamento Cristão

De 13 de novembro de 1618 a maio de 1619, reuniu-se o Sínodo de Dort, na Holanda, com representantes de vários países europeus. Tal reunião teve por finalidade produzir um documento doutrinário que a histórica conhece por TULIP[1]. Esse Sínodo fez-se necessário porque alguns discípulos de Armínius[2] (1560 a 1600) produziram um documento enviado ao estado da Holanda. Tal documento, conhecido como Remonstrance (ou Protesto), tinha como teor algumas afirmações que destoavam do calvinismo, tendo mais proximidade com a doutrina pelagiana. O documento produzido nesse Sínodo se tornou o texto oficial do calvinismo desde então.

Esse trabalho tem como objetivo partir desses pontos do calvinismo e analisar sua aplicabilidade dentro do contexto do aconselhamento. É importante salientarmos que o aconselhamento bíblico e reformado leva em conta todos os aspectos do homem, espiritual, físico, moral, social e assim por diante. O Deus que regenera o homem é o mesmo que provê condições para que este se desenvolva na sua santificação. Cremos que é nessa direção que o aconselhamento caminha, sem abrirmos mão da nossa herança bíblica e reformada.

O DEUS SOBERANO
A soberania de Deus é um ponto de grande destaque dentro da tradição reformada. Na verdade, Calvino levanta toda a sua argumentação pautada nessa constatação absoluta. Não há como fugir do domínio soberano do Senhor. O salmista nos põe de frente com essa realidade, quando lança a pergunta: Para onde me ausentarei do teu Espírito? Para onde fugirei da tua face?[3] A partir de um claro conceito de um Deus soberano, é que os cinco pontos do calvinismo puderam surgir como uma conseqüência “lógica”, que parte de um Deus que tem todas as coisas diante dos seus olhos.

Elege (Eleição Incondicional)
A eleição incondicional nos remete ao pensamento de que não há bem nenhum em nós que possa “motivar” Deus a nos salvar. Não havia uma resposta positiva da nossa parte, que foi prevista por Deus, como argumentam os arminianos. Segundo Jay Adams, “a escolha foi incondicional; i. e., Deus livremente escolheu aqueles que Ele desejou salvar, não com base em alguma virtude, mérito, valor, fé prevista, ou algum outro fator neles... esta seleção de alguns para a vida eterna foi feita com base em elementos não reveláveis, conhecidos apenas por Deus (tradução própria).”[4] O conselheiro cristão não pode aconselhar concretamente nas virtudes de Cristo um não regenerado. Aí não seria aconselhamento e sim evangelização.

O próprio Jay Adams argumenta a não possibilidade de um aconselhamento completo sem a pessoa ter passado pela experiência da conversão. O Deus Trino que elege, é o mesmo que possibilita que este regenerado seja desenvolvido em santidade. O aconselhamento cristão leva em conta que somente a Palavra pode causar mudanças em nosso pensar e agir. Sendo assim, somente os eleitos podem, verdadeiramente e em todas as áreas de sua vida, serem moldados por ela.

Redime (Expiação Limitada)
O controverso ponto da expiação limitada está solidamente firmado sobre as Escrituras Sagradas. Não há nada mais verdadeiro do que a declaração do próprio Cristo a esse respeito em Mateus 22:14 : “Muitos serão chamados, mas poucos escolhidos.”

Aqueles escolhidos pelo PAI e dados ao FILHO tinham de ser redimidos para serem salvos. Para assegurar a redenção deles Jesus veio ao mundo e tomou sobre Si a natureza humana de tal maneira, que Ele pode identificar-se com o Seu povo e agiu como substituto legal da raça. Jesus, agindo em favor do Seu povo, perfeitamente guardou a Lei de Deus, executou uma justiça perfeita que é imputada ou creditada aos pecadores no momento em que eles são trazidos à fé a Ele.

Através daquilo que Ele fez, os pecadores são constituídos justos diante de Deus. Eles são livres de toda a culpa e condenação, como resultado daquilo que Cristo sofreu por eles. Através do Seu sacrifício substitutivo Ele suportou a penalidade de seus pecados, e assim removeu a culpa para sempre. Conseqüentemente, quando o Seu povo está unido a Ele por fé, eles são creditados com perfeita justiça e são livres de toda a culpa e condenação. Eles são salvos, não por aquilo que eles mesmos fizeram, ou farão, mas somente sobre a base da obra redentora de Cristo.

A doutrina da expiação limitada trás para o ambiente do aconselhamento a certeza de que o Deus que redime é o Deus que cuida ativamente de cada um de nós. Conselheiros e aconselhados podem firmemente crer que Deus é o maior interessado no bem estar de seus filhos, proporcionando-lhes todos os meios para que sejam consolados em suas tribulações e tristezas.

Chama (Graça Irresistível)
O evangelho é a voz de Deus que chama os pecadores ao arrependimento. O chamado externo pode e é resistido por muitos que ouvem. Entretanto, o chamado interno, que é a operação do Espírito Santo no coração do pecador, não pode, sob nenhuma circunstância, ser resistido pelo ser humano. O Espírito Santo graciosamente chama o pecador ao arrependimento. E este, voluntariamente, atende ao chamado da graça. É o que conhecemos por graça irresistível.

O evangelho de Cristo chama, irresistivelmente, pecadores ao arrependimento. Esse chamado da graça torna totalmente possíveis mudanças significativas na vida de um regenerado. Tais mudanças se estendem por toda sua vida. É o que Paulo denomina novidade de vida (Rm.6). É o chamado da escravidão para a liberdade, das trevas para a luz, tornando possível um aconselhamento pautado nas Escrituras, para que o indivíduo se guie por ela.
Por esse chamado irresistível é que o cristão pode desfrutar de um casamento abençoado por Deus, sendo aconselhado a como lidar com o cônjuge e filhos; que o jovem pode ter um namoro amadurecido pelos conceitos da Palavra; que o homem de negócios vise só aquilo que é justo e bom; que os relacionamentos interpessoais se desenvolvam com solidez e sem hipocrisia. Essa é a proposta do evangelho de Cristo, que pode ser desenvolvida dentro de um aconselhamento saudável.

Preserva (Perseverança dos santos)
Essa doutrina repousa sobre o sacrifício completo e absoluto de Cristo. Ele não somente derramou seu precioso sangue para nossa salvação, mas providenciou o meio para que perseveremos na fé até ao último dia. Assim como a salvação, também o perseverar na fé depende da graça de Cristo. Paulo nos esclarece em sua epístola aos Efésios, capítulo um, versículos treze e quatorze: “em quem também vós, depois que ouvistes a palavra da verdade, o evangelho da vossa salvação, tendo nele também crido, fostes selados com o Santo Espírito da promessa; o qual é o penhor da nossa herança, até ao resgate da sua propriedade, em louvor da sua glória”.

Na verdade a doutrina da perseverança dos santos tem profundas implicações dentro do aconselhamento cristão, pois ela infunde esperança àqueles que buscam ajuda para lutarem com seus problemas e erros. O conselheiro sábio trará para seu aconselhado as terríveis realidades de uma vida de pecado, mas lhe dará esperança de que em Cristo, não só podemos ser perdoados, mas que agora o pecado não nos separa eternamente de Deus. Lembrando, é claro, as recomendações de Paulo em Romanos 6.1, 2.

“O QUE É O HOMEM...”
Algumas teorias modernas definiram o homem longe daquilo que as Escrituras declaram a respeito da humanidade. Destacaremos aqui alguns nomes que acreditamos expressarem um conceito geral daquilo que é dito, em termos psicológicos e sociais, do que é o homem e como ele se relaciona com o seu ambiente.

O homem de Freud
Sigmund Freud foi altamente influenciado por uma visão iluminista e evolucionista. Para Freud, a única maneira de ver o homem e o mundo é através da ciência que, em sua concepção, era sinônimo de razão. Em sua maneira de pensar, a religião era apenas uma neurose e a idéia de um Deus soberano eram muletas que ajudavam no sentimento de segurança do homem. Tais coisas deveriam ser deixadas para trás pelo homem moderno. Eram apenas heranças pré-históricas que perderam seu sentido moderno.

Freud queria elaborar uma filosofia que pudesse ver o mundo e o homem que não fosse através do conceito religioso. Ele encontrou nas ciências e em certas filosofias, como por exemplo, o iluminismo, uma estrada que parecia a ele muito promissora. Na verdade, toda sua visão de mundo é antropocêntrica. Tudo que o homem necessita para sua auto-aceitação, liberdade e felicidade, está nele mesmo.

A razão é a única coisa que rege o homem. Sendo este, segundo Freud, um produto da evolução, um animal racional, não tem porque ficar preso a dogmas religiosos, que trazem perniciosos sentimentos de culpa. Uma vez entendido isso, o homem se torna livre para ser o que sua consciência quiser. Freud coloca a psicanálise como a alternativa racional para lidar com a culpa. Ele coloca a psicanálise como a ciência da alma, e seus terapeutas como seus pastores, eliminando qualquer necessidade ou utilidade do sobrenatural.

O homem de Skinner
Burrhus Frederic Skinner não foge ao padrão geral daqueles que trilham caminhos distintos do que propõe as Escrituras. Filho de presbiterianos, revolta-se contra a religião e tenta conceber o homem e o mundo sob uma ótica puramente racional. Passa, então, a ver o homem como máquina. O problema da humanidade é o seu ambiente que o impulsiona para o mal. O homem não é responsável pelos seus atos. É um ser manipulável por forças externas naturais.
Ele é puramente fruto de estímulos de recompensa e punição. Esse condicionamento humano é resultante de sua evolução biológica de sobrevivência. A máxima de Skinner é: “o homem é uma máquina”. Há pouco espaço na sua teoria para a consciência. Quase tudo é fruto do meio. Na sua visão não há nenhum espaço para o ser humano criado como um ser individual e único. Apesar de tal pensamento estar em desuso em seu estado natural, ele influenciou grandemente teorias comportamentalistas que vêem o homem apenas como o resultado do meio em que vivem.

O homem de Rogers
Carls Rogers acredita que o ser humano é essencialmente bom. O que torna o homem ruim é a influência exterior. Coloca o homem como o centro de todas as coisas. Na verdade Rogers exalta o valor do ego, o sentir-se bem consigo mesmo. Nisso ele exalta o homem, incentivando o hedonismo. Palavras como bem-estar pessoal, vida centrada no eu, definem bem as idéias de Rogers.

O método de aconselhamento rogeriano centrado no pragmatismo, leva em consideração que a pessoa é, essencialmente, boa. Tal pressuposto destoa da antropologia bíblica de que o homem é, essencialmente, mau, nascido em pecado. Com certeza Rogers tem elevado grau de otimismo quanto ao potencial humano de se auto-construir em direção a uma vida plena, sem qualquer ajuda extra, a não ser a si próprio.

Repensando o homem biblicamente (total depravação)
O pensamento bíblico que os calvinistas sustentam sobre a “Depravação Total” é “Incapacidade espiritual”. Significa que o pecador está espiritualmente falido e que ele não pode fazer nada concernente à sua salvação. E ainda, o reino do pecado é universal; todos os homens estão debaixo do seu poder (Jó 25:4-6; II Cr.6:36; Jó 15:14-16; Sl.143:2; Ec. 7:20, 29; Rm.3.9-18). A Confissão de Fé comentando sobre a queda de Adão e Eva, nos diz que “sendo eles o tronco de toda a humanidade, o delito dos seus pecados foi imputado a seus filhos; e a mesma morte em pecado, bem como a sua natureza corrompida, foram transmitidas a toda a sua posteridade, que deles procede por geração ordinária”[5].

Não é preciso fazer grandes comparações para perceber que o pensamento atual sobre o homem destoa completamente daquilo que a Bíblia nos diz. Na verdade a Bíblia não eleva e nem diminui o homem. Apenas o coloca em sua condição real: falido espiritualmente. É justamente essa a posição que a doutrina calvinista sustenta. O homem não é uma máquina, como sustenta Skinner, conduzido pela razão e impulsos biológicos como queria Freud, e nem é bom como afirmou Rogers.

A teologia reformada ensina, com base nas Escrituras Sagradas, que o homem está ligado à sua natureza pecaminosa de tal forma que é inapto para se desvencilhar dela. Ele não pode produzir qualquer bem por si só que o leve a uma regeneração de sua condição. Mesmo que ele produza obras boas, ele sempre é direcionado, por seus próprios impulsos, para o mal. Tais obras são ineficazes para cumprir o padrão de Deus.

Sendo assim, o homem não é um ser livre e capaz como querem os expoentes do pensamento humanista, mas um ser que não pode produzir bem permanente. Ele é dependente de Deus não só para sua própria existência, mas principalmente para sua salvação. Tal conceito bíblico não diminui o homem, mas o coloca intimamente dependente de Deus.

POR UM ACONSELHAMENTO INTEGRAL
Ao longo da gloriosa história da igreja cristã, encontramos grandes teólogos que também foram pastores de alma, e que viam suas ovelhas pela ótica do cuidado integral. O cuidado pastoral pelas pessoas deve ser dirigido pelas Escrituras e moldado pela oração. É sempre direcionado ao outro, seja individualmente ou em grupo. Seja em lugares de cultos ou informais.

Temos que nos lembrar que aconselhamento não é resolver problemas ou tornar pessoas mais felizes. O aconselhamento pastoral nada mais é do que ajudar as pessoas visualizarem a graça de Deus em suas vidas. É conduzi-las a perceberem que essa graça, na maioria das vezes, está nas coisas ordinárias da vida. Não há relevância fora de Deus. Qualquer projeto alienado de Deus está fadado à solidão existencial. Todo projeto só pode encontrar sua realização e relevância na relação íntima e profunda com o Pai.

Ao analisarmos os cinco pontos do calvinismo, sua extensão prática para todas as áreas do relacionamento humano, percebemos, como diz Jay Adams, que a prática do aconselhamento cristão deve ser considerado dentro do processo de santificação[6]. Ele não é um fim em si mesmo, mas uma prática proporcionada por Deus para moldar um novo homem, “criado segundo Deus, em justiça e retidão, procedentes da verdade”[7].

Jesus olhava para o homem como um ser integral, com necessidades que abrangiam todas as áreas do seu ser. Não há como cuidar das pessoas sem entender claramente o que a Palavra de Deus declara sobre elas. Os cristãos reformados crêem que os cinco pontos do calvinismo fazem jus aos ensinamentos bíblicos quando pontuam todos os aspectos do homem, desde sua incapacidade para o bem, até sua total dependência de Deus para todas as coisas. Ainda, é ponto de destaque que a soberania de Deus é o clímax de toda estrutura na qual repousam as conclusões calvinistas.

A crença calvinista é que a primeira necessidade do homem, como um ser caído em pecado e separado eternamente de Deus, é a salvação de sua alma. E essa só pode ser efetuada mediante os méritos de Cristo, pela cruz do calvário. Qualquer aconselhamento bíblico, que não leve em conta a redenção, não poderá produzir resultados para a santificação, visto que o homem não regenerado não pode entender as coisas do Espírito de Deus, pois ainda não nasceu de novo.

Portanto, para um aconselhamento integral se desenvolver plenamente na vida de uma pessoa, que mude seu modo de pensar e agir, esta deve ser regenerada por Cristo Jesus. Ao não regenerado o conselheiro cristão deve, primeiramente, apresentar o evangelho de Cristo Jesus, dando-lhe oportunidade para conhecer a graça de Cristo e ser alcançado por ela. A isso, muitos conselheiros dão o nome de “pré-aconselhamento”, o que nós conhecemos por evangelização.

Conclusão
Algumas vezes os calvinistas são acusados de serem pouco práticos em suas doutrinas e crenças. Tal acusação é infundável, visto que os cinco pontos do calvinismo, que fazem uma síntese do pensamento reformado, é parte do dia-a-dia do cristão e molda sua maneira de ver a vida e a morte. É notório que o homem tem ganhado um espaço muito além dos seus méritos dentro da presente sociedade. Aliás, nada novo quando se trata de exaltar a humanidade. Pensamentos de proeminentes estudiosos da área do comportamento humano, altamente influenciados por uma visão humanista e até mesmo, espiritualista, é que constroem o cenário onde o homem é tido no mais alto grau de importância. Não há espaço para Deus nesse altar da soberania humana.

Ao resgatar a aplicabilidade da TULIP, usando-a para designar quem é o homem, podemos ajudar mais efetivamente o ser humano criado à imagem e semelhança de Deus, direcionando-o para o seu Salvador, num processo de santificação contínua. “Habite, ricamente, em vós a palavra de Cristo; instruí-vos e aconselhai-vos mutuamente em toda a sabedoria, louvando a Deus, com salmos, e hinos, e cânticos espirituais, com gratidão, em vosso coração” Colossenses 3.16.


Bibliografia
1. ADAMS, Jay E. Counseling and the Five Points of Calvinism. Phillipsburg: Presbyterian and Reformed Publishing Co., 1981.

2. CLARK, R. Scott. Convenant, Justification, and Pastoral Ministry. Phillipsburg: Presbyterian and Reformed Publishing Co., 2007.

3. COLE, Steven J. How John Calvin Led me to repent of Christian Psycology. The Journal of biblical counseling, v.20, nº 2, dec.-feb. 2002.

4. CONFISSÃO DE FÉ E CATECISMO MAIOR. São Paulo: CEP, 1984.

5. HURDING, Roger F. A Árvore da Cura – Modelos de Aconselhamento e de Psicoterapia. São Paulo: Vida Nova, 1995.

6. LILLBACK, Peter A. The Pratical Calvinist: an Introduction to the Presbyterian & Reformed Heritage. Christian Focus Publications: Great Britain, 2002.


Notas:
[1] Total Depravity; Unconditional Election; Limited Atonement; Irresistible Grace; Perseverance of Saints
[2] Era professor de um seminário holandês. Chama-se Jacob Hermann, cujo sobrenome latino era Arminius. Viveu entre 1560 a 1600. Era seguidor das doutrinas de Pelágio e Erasmo, e questionava a tradição reformada no que se refere à livre vontade do homem.
[3] Salmo 139.7
[4] Adams, Counseling and the five points of calvinism.
[5] Confissão de Fé de Westminster, cap. VI, parágrafo III
[6] Adams, Biblical Counseling and Practical Calvinism.
[7] Efésios 4.24

Rev. Baltazar L. Fernandes

15 junho 2007

Ordenação e confessionalidade

Em 1924, cerca de 1300 ministros presbiterianos, membros da Presbyterian Church in the United States of America [PCUSA], assinaram a liberal Declaração de Auburn, negando a necessidade de se aceitar algumas doutrinas para a ordenação de seus ministros e demais oficiais. Entre alguns dos ensinos da Confissão de Fé de Westminster este novo documento negava a inerrância da Escritura Sagrada, e declarava que a crença em doutrinas essenciais, como a expiação substitutiva de Cristo e a Sua ressurreição corpórea não deveriam ser “testes para a ordenação, ou para a boa norma da nossa igreja.” Este é um exemplo histórico do processo de degeneração doutrinária e moral que a nossa igreja-mãe [PCUSA] sofreu, e continua se apostatando da Palavra de Deus. Atualmente em defesa da inclusão homossexual, como uma prática não pecaminosa, estão propondo um novo documento eclesiástico chamado A Nova Declaração de Auburn.

Uma das marcas da verdadeira igreja é a sua pureza doutrinária. Entretanto, sabe-se que o processo de corrupção é primeiramente um problema ético que se manifestará confessional. Quando um candidato é chamado pelo concílio para ser ordenado ele deve prestar juramento e votos de fidelidade ao padrão doutrinário que a denominação sustenta. Todavia, em muitos casos, o que é declarado com a boca é desprezado pelo coração, ou ignorado pela mente. É possível que existam entre nós, ministros presbiterianos que estão sendo infiéis aos seus votos de ordenação! Fato é, que há muitos que negam abertamente dos seus púlpitos doutrinas claramente ensinadas na Confissão de Fé de Westminster como a inerrância das Escrituras Sagradas, ou, casos que desprezam na prática a necessidade de disciplina na Igreja, ou talvez mais escandalosamente, pastores faladores de línguas estranhas e que aceitam novas revelações sendo incoerentes com a doutrina da suficiência da Escritura Sagrada.

Este artigo tem o propósito de refletir a necessidade de revermos o importante processo de ordenação dos ministros e demais oficiais da nossa denominação. Creio firmemente, se não houver uma postura dos concílios, a começar pelo Supremo Concílio, acerca da prática de tolerância doutrinária que tem se espalhado em nossa denominação, em breve teremos ministros e oficiais se reunindo e tomando decisões similares àqueles que assinaram a Declaração de Auburn.

O cuidado na ordenação
A Palavra de Deus nos declara que a ordenação é realizada por oficiais autorizados por Deus e representantes da autoridade de Cristo (1 Tm 4:14). Por isso, o nosso Senhor exige que sejamos cuidadosos na ordenação dos oficiais. A Escritura nos adverte que “a ninguém imponhas precipitadamente as mãos” (1 Tm 5:22, ARA). Acerca desta passagem J.N.D. Kelly comenta que
"o reconhecimento que os presbíteros são passíveis de cair na má conduta, e do julgamento terrível que os aguarda caso assim fizerem, sublinha a importância de usar cuidado e deliberação extremos quando se nomeia tais oficiais. Além disto, está de acordo com a preocupação de Paulo nas [epístolas] Pastorais o fato de ser muito desejável obter para o ministério homens de caráter firme e comprovado. (...) Uma razão sadia porque um pastor principal deve exercer prudência em ordenar é evitar a associação de si mesmo com os pecados de outrem. Ele poderia, com toda justiça, ser considerado até certo ponto responsável se o homem a quem ordenara com pressa imprópria se tornasse ocasião de escândalo. Longe de permitir que isto acontecesse, o líder cristão que é conclamado a julgar, e também a castigar outros, deve (conforme Paulo admoesta a Timóteo) conservar-se a si mesmo puro, i.é., sua própria vida deve estar absolutamente acima de repreensão."[1]

A fidelidade aos votos da ordenação
O direito que a Igreja Presbiteriana do Brasil tem de determinar as qualificações dos candidatos a cargos eclesiásticos e de requerer-lhes compromissos de fidelidade é constitucional, moral e bíblico. A Confissão de Fé de Westminster declara que "quem vai prestar um juramento deve considerar refletidamente a gravidade de ato tão solene, e nada afirmar senão do que esteja plenamente persuadido ser a verdade, obrigando-se tão-somente por aquilo que é justo e bom, e que tem como tal, e por aquilo que pode e está resolvido a cumprir. É, porém, pecado recusar prestar juramento concernente a qualquer coisa justa e boa, que seja exigido pela autoridade legal."[2]

O pecado da reserva mental é uma prática comum em muitas situações onde o juramento é exigido. A reserva mental é o ato em que o indivíduo voluntariamente se limita a aceitar ou concordar, sem que seja por completo, mantendo algumas reservas, sem revelá-las aos seus inquiridores. Não é necessário dizer que esta atitude é pecaminosa, faltando com a transparência, e divorciando a palavra da disposição do coração. A Confissão de Fé de Westminster declara que "o juramento deve ser prestado conforme o sentido comum e claro das palavras, sem equívoco ou reserva mental. Não pode obrigar a pecar; mas, sendo prestado com referência a qualquer coisa não pecaminosa, obriga ao cumprimento, mesmo com prejuízo de quem jura. Não deve ser violado, ainda que feito a hereges ou infiéis."[3]

Existe uma outra situação onde o que jura também falha em seu juramento.[4] É possível que embora seja sincero em sua disposição em concordar com o que está declarando, mas que esteja mentindo por não conhecer ou não entender as implicações de seu juramento, ou das doutrinas que está aceitando. Esta prática não é menos pecado do que a desonesta reserva mental. Pois, como posso dizer que creio num sistema doutrinário que ignoro, ou não entendo? Ao participar de um grupo é indispensável que se saiba claramente qual o seu sistema doutrinário. O nosso é bem definido: os padrões de Westminster.


Notas:
[1] J.N.D. Kelly, I eII Timóteo e Tito – introdução e comentário (São Paulo, Ed. Vida Nova, 1986), p. 122.
[2] Confissão de Fé de Westminster XXII.3
[3] Confissão de Fé de Westminster XXII.4
[4] Lewis B. Smedes, Moralidad y Nada Más (Grand Rapids, Wm. B. Eerdmans Publishong Co., 1997), p. 232.

Rev. Ewerton B. Tokashiki

06 junho 2007

Baixou a bizarrice de quatro!

Agora a loucura baixou de vez! A falta da Palavra de Deus como ÚNICA REGRA DE FÉ E PRÁTICA só dá nestas bizarrices de "unção". Desta vez a Ana Paula Valadão resolveu soltar a franga e ficou de quatro para encenar que estava recebendo a "unção do leão"! (Não lembro em que livro e capítulo a Bíblia ensina isto, alguém poderia me refrescar a memória?). Se alguém se interessar, a Ana Paula deu a sua interpretação a respeito da sua experiência mística.

Mas, como para essa turma pentecostal a Bíblia não é referência de autoridade, o que conta é a EXPERIÊNCIA. Qualquer oposição à estas loucuras e bizarrices, atribuídas insanamente ao Espírito Santo, são tidas como menos espiritual e falta de amooorrrrrrrr!!! E, como este povo não gosta de pensar [haja as cãimbras entre as orelhas] e preferem apenas SENTIR, levam tudo para o subjetivismo ilimitado se defendendo com a irresponsável frase: "quem sou eu prá julgar?" A Escritura corretamente interpretada [por qualquer cristão] deve julgar o que é certo ou errado, como o que é sã doutrina e heresia advinda da ignorância, carnalidade, ou até ensino de demônios! Temos o DEVER de julgar à luz da Escritura Sagrada. Misericórdia quero e não o sacríficio de mente. Ele é o Espírito de sabedoria, não de comportamentos esquizofrênicos.

BASTA DE BIZARRICE EM NOME DO ESPÍRITO SANTO!!!!!!!!! Negar a obra do Espírito é perigoso, mas atribuir loucuras e bizarrices à Ele, é blasfêmia! Insanidade tem que ter limite. Chega de inclinar-se diante do trono da loucura.

Rev. Ewerton B. Tokashiki

04 junho 2007

Uma crítica à Hermenêutica Feminista

A Escritura é a autoridade final na Igreja. Logo, é necessário que todo intérprete se submeta à Escritura, e dela extraia o ensino, corretamente interpretado, da Palavra de Deus. Entretanto, não podemos pensar que todos lerão a Escritura sem preconceitos teológicos, e que chegarão às mesmas conclusões. Existem diferentes perspectivas hermenêuticas contemporâneas, mas a Hermenêutica Feminista será analisada como um exemplo do que acontece quando se abandona a autoridade final da Escritura.

A Teologia Feminista é um ramo dentro da conhecida Teologia da Libertação. Entretanto, as teólogas feministas em vez de usarem a Bíblia numa interpretação em favor dos pobres, a aplicação dos princípios da libertação é direcionada à mulher como desfavorecida, num ambiente predominantemente de domínio masculino. A Teologia Feminista propõe “refazer toda a teologia a partir do gênero, com a premissa de que toda a teologia ocidental foi construída a partir do domínio que exerce o homem e que, inclusive se encontra na mesma Bíblia.”[1] A interpretação feminista das Escrituras tem o seu ponto de partida num dos seus pressupostos básicos: a teologia deve fundamentar-se sobre a análise da realidade sociopolítica. Ela não começa com o texto e contexto da Escritura Sagrada, mas com o contexto social da mulher, como sendo oprimida numa sociedade de cosmovisão machista.

Todavia, é necessário observar que a articulista Helen Schüngel-Straumann nota que nem todas as teólogas feministas adotam a mesma perspectiva em relação à interpretação da Bíblia. Ela declara que em relação à Bíblia "Carolyn Osiek (em Collins 93s) distingue cinco atitudes: 1. A de uma rejeição total da Bíblia, de que é exemplo a obra de Mary Daly. 2. A de uma interpretação leal, que vê a Bíblia como revelação/palavra de Deus e que não admite dúvida a este respeito. Uma 3ª abordagem é a que ela denomina de revisionista. Nela é criticado unicamente o enfoque androcêntrico, voltando a ser prestigiadas as tradições feministas esquecidas. Como exemplo desta linha a autora menciona Phyllis Trible. A 4ª abordagem é descrita como sublimacionista, onde os preconceitos ideológicos (como o de que o feminino seria superior ao masculino) desempenham um papel importante e onde predominam as interpretações simbólicas-isoladas de que qualquer contexto político-social. Como 5ª abordagem, que ela vê como a mais importante em nossos dias, Osiek descreve a interpretação da Bíblia segundo a teologia feminista da libertação, a que associa os nomes de Rosemary Radford, Letty M. Russell e Elisabeth Schüssler Fiorenza. No espaço lingüístico alemão não se pode deixar de mencionar aqui Luise Schottroff."[2]

Para a Hermenêutica Feminista a adoção do pressuposto subjetivo da “opressão” é essencial na interpretação das Escrituras. Loren Wilkinson observa que a teóloga feminista “Elizabeth Schüssller Fiorenza, por exemplo, em Bread, Not Stones, argumenta que as mulheres devem tomar como ponto de partida a definição da sua situação de opressão, e depois abrir a sua Bíblia, a fim de descobrir o meio de alcançar a libertação.”[3] Este subjetivismo é uma característica das novas hermenêuticas que surgiram no século XX. Moisés Silva observa que “se há algo diferente na hermenêutica contemporânea é justamente a ênfase que ela dá à subjetividade e relatividade da interpretação.”[4] A Hermenêutica Feminista não é uma exceção entre as novas hermenêuticas que surgiram no século XX.

Além da “opressão”, outro pressuposto desta perspectiva é que a “experiência” feminina determina o resultado e a ação teológica. Christine Schaumberger observa que "o que é novo e especificamente feminista não é, pois, o realce sobre a categoria teológica da experiência, mas sim o concentrar-se no perceber e no refletir as experiências femininas. Experiências femininas é o ponto de partida da teologia feminista, e a medida para a crítica, o engajamento e o compromisso, para a criatividade re-visionária."[5] Entretanto, Schaumberger não define o que ela quer dizer teologicamente com “experiência” (do alemão erfahrung) dificultando a análise da sua tese. Na nova hermenêutica a interpretação e sistematização do ensino não é algo extraído das Escrituras, mas da experiência subjetiva do intérprete que impõe sobre o texto sagrado a sua opinião. Robert H. Stein conclui que “em razão disso, há ‘leituras’ ou interpretações marxistas, feministas, liberais, igualitárias, evangélicas ou arminianas do mesmo texto. Ou seja, para esta corrente os vários significados legítimos podem ser extraídos mediante a concepção de cada intérprete.”[6] A premissa de Schaumberger ignora, ou despreza que o fator determinante do significado do texto, é o seu autor. A passagem significa aquilo que o autor original, conscientemente, quis dizer ao produzir o texto.

Não deve ser esquecido de que o texto é resultado duma ação sobrenatural do Espírito Santo inspirando o autor bíblico. A formulação teológica não depende da experiência de gênero do indivíduo, mas da precisa exegese e sistematização das informações extraídas a partir das Escrituras. O apóstolo Pedro foi claro ao observar que “antes de mais nada, saibam que nenhuma profecia da Escritura provém de interpretação pessoal, pois jamais a profecia teve origem na vontade humana, mas homens falaram da parte de Deus, impelidos pelo Espírito de Deus” (2 Pe 1:20-21, NVI). Declarar que este, ou aquele autor bíblico é machista, é o mesmo que dizer que o Espírito Santo é machista!

John Frame comenta que “o livro She Who Is de Elizabeth Johnson é um amplo tratado acerca da doutrina de Deus, tem como sua tese principal a necessidade de se usar uma linguagem feminina (mais ou menos exclusivamente) com referência a Deus.”[7] Em outro lugar Frame menciona que "mas a [teóloga] feminista poderia replicar aqui que desde que Deus não é literalmente macho, e a Escritura contêm algumas figuras femininas assim como figuras masculinas, seria aceitável falar livremente de Deus tanto em termos masculinos como femininos. Johnson pergunta 'se não significa que Deus é macho quando uma figura masculina é usada, o porque da objeção, quando figuras femininas são apresentadas?'”[8]

Atualmente têm-se exigido o uso de uma linguagem “politicamente correta” na formulação teológica. Entre alguns teólogos, inclusive evangélicos, têm-se evitado o uso de palavras de cunho sexistas, isto é, dando-se a preferência por uma linguagem que seja inclusiva, e que não destaque nem favoreça o gênero masculino.[9] A crítica de John Frame é relevante "uma freqüente sugestão de compromisso é que eliminemos toda sexualidade na distinção lingüística, entre macho e fêmea, ao nos referirmos a Deus. Em vez de chamar Deus de nosso Pai, poderíamos falar de nosso Parente ou Criador. Uma linguagem unissex, todavia, sugere inevitavelmente que Deus é impessoal, o que é completamente inaceitável de um ponto de vista bíblico. Certamente ao eliminar Pai em favor de termos mais abstratos eliminaria algo muito precioso aos cristãos."[10]

A importância teológica da linguagem masculina usada para se referir a Deus se baseia no fato de que foi Ele mesmo que se revelou assim. Quando as teólogas feministas questionam o modo como os autores da Escritura descreveram o ser e os atos de Deus numa linguagem predominantemente de gênero masculino, elas não estão ignorando a doutrina da revelação, mas estão reformulando esta doutrina. O que está em questão não é apenas o como os autores descreveram Deus, mas como este conhecimento divino chegou até eles (epistemologia/revelação) e como se deu o processo de registro desta revelação (inspiração).

O problema da Hermenêutica Feminista não é apenas quais princípios metodológicos e premissas adotar, mas que tipo de Deus/Deusa querem adorar. As lentes feministas produzem uma releitura em toda a cosmovisão destas teólogas. Não é possível crêr que é uma questão de ênfase teológica, ou mera perspectiva de gênero. Tal conclusão seria irresponsável e superficial acerca desta escola hermenêutica.[11]

Notas:
[1] Alberto Fernando Roldán, Para que serve a teologia? (Curitiba, Editora Descoberta, 2000), p. 178.
[2] Helen Schüngel-Straumann, Bíblia in: Elizabeth Gossmann et al., orgs., Dicionário de Teologia Feminista (Petrópolis, Editora Vozes, 1997), pp. 210-214.
[3] Loren Wilkinson, A Hermenêutica e a Reação Pós-Moderna Contra a “Verdade” in: Elmer Dyck, ed., Ouvindo a Deus (São Paulo, Shedd Publicações, 2001), p. 160.
[4] Moisés Silva, Visões Contemporâneas da Interpretação Bíblica in: Walter C. Kaiser, Jr. & Moisés Silva, Introdução à Hermenêutica Bíblica (São Paulo, Editora Cultura Cristã, 2002), p. 233.
[5] Christine Schaumberger, Experiência in: Elizabeth Gossmann et al., orgs., Dicionário de Teologia Feminista (Petrópolis, Editora Vozes, 1997), p. 183.
[6] Robert H. Stein, Guia Básico para a Interpretação da Bíblia (Rio de Janeiro, CPAD, 1999), p. 23.
[7] John Frame, The Doctrine of God (Phillipsburg, P&R Publishing, 2002), p. 378. Frame está se referindo à Elizabeth A. Johnson, She Who Is (New York, Crossroad Publishing, 1996), p. 34. Este livro se encontra publicado em português com o título de Aquela que é (Petrópolis, Editora Vozes, 1995). Para a leitura de uma abordagem na mesma linha que Elizabeth A. Jonhson na teologia prática, bíblica, histórica e sistemática veja o artigo Deus/Deusa in: Elizabeth Gossmann et al., orgs., Dicionário de Teologia Feminista (Petrópolis, Editora Vozes, 1997), pp. 92-110.
[8] John Frame, The Doctrine of God, p. 383.
[9] Como exemplo de um caso de orientação quanto ao uso de uma linguagem inclusiva, não sexista, veja o site www.martinus.com.br/pastoral/carta4.html (acessado 04/06/2007).
[10] John Frame, The Doctrine of God, p. 385-386.
[11] Para uma consulta de uma teóloga brasileira sobre Hermenêutica Feminista acesse in: http://www.fazendogenero7.ufsc.br/artigos/I/Isabel_Aparecida_Felix_24_A.pdf .

Rev. Ewerton B. Tokashiki