19 setembro 2009

Resenha: A Cabana

Já faz tempo que o liberalismo teológico tem assediado e invadido uma boa parte do campo evangélico brasileiro. Os prejuízos para a pregação do evangelho têm sido enormes. A decadência doutrinária aumenta com rapidez e muitos crentes estão cada vez mais confusos.

Por várias décadas, o liberalismo teológico vem ganhando espaço nas denominações históricas e em seus seminários. Nos últimos anos, porém, alguns segmentos pentecostais foram atingidos por essa corrente de pensamento, algo inimaginável até então, pois, ser pentecostal significa crer no poder e na Palavra de Deus.

A exemplo dos liberais, alguns pentecostais se julgam espertos o suficiente para duvidar de Deus e da sua Palavra. Hostilizar o cristianismo, exaltar a dúvida e questionar a Bíblia Sagrada tornou-se para muitos um sinal de academicismo e inteligência.

É o que vemos hoje através das igrejas emergentes, que pregam uma ortodoxia generosa,¹ onde as verdades e temas vitais da fé cristã perdem sua importância. Tudo indica que há uma apostasia se instalando em muitas igrejas evangélicas, algo já predito na Palavra de Deus e que aponta para a volta de Cristo (2 Ts 2.3; 2 Tm 4.1; 2 Tm 4.1-4; 2 Pe 2.1).

É num solo assim, fértil para a semeadura e crescimento de distorções das doutrinas centrais da fé cristã que surge o livro A Cabana² promovendo o liberalismo teológico e fazendo sucesso entre os evangélicos e a sociedade em geral.

Este artigo apresenta uma breve análise, à luz da Bíblia, sobre esse best-seller a fim de responder algumas indagações de muitos cristãos.

I – Definições

Liberalismo teológico: Movimento da teologia protestante que surgiu no século XIX com o objetivo de modificar o cristianismo a fim de adaptá-lo à cultura e à ciência modernas.

O liberalismo rejeita o conceito tradicional das Escrituras Sagradas como revelação divina proposital e detentora de autoridade, preferindo o conceito de que a revelação é o registro das experiências religiosas evolutivas da humanidade. Apregoa também um Jesus mestre e modelo de ética, e não um redentor e Salvador divino.

Pluralismo religioso: A crença de que há muitos caminhos que levam a Deus, que há diversas expressões da verdade sobre ele, e que existem vários meios válidos para a salvação.

Relativismo: Negação de quaisquer padrões objetivos ou absolutos, especialmente em relação à ética. O relativismo propala que a verdade depende do indivíduo ou da cultura.

Teologia relacional (teísmo aberto): Conceito teológico segundo o qual alguns atributos tradicionalmente ligados a Deus devem ser rejeitados ou reinterpretados. Segundo seus proponentes, Deus não é onisciente e nem onipotente. A presciência divina é limitada pelo fato de Deus ter concedido livre-arbítrio aos seres humanos.

II – O livro A cabana

A história do livro

Durante uma viagem que deveria ser repleta de diversão e alegria, uma tragédia marca para sempre a vida da família de Mack Allens: sua filha mais nova, Missy, desaparece misteriosamente. Depois de exaustivas investigações, indícios de que ela teria sido assassinada são encontrados numa velha cabana.

Imerso numa dor profunda e paralisante, Mack entrega-se à Grande Tristeza, um estado de torpor, ausência e raiva que, mesmo após quatro anos de desaparecimento da menina, insiste em não diminuir.

Um dia, porém, ele recebe um bilhete, assinado por Deus, convidando-o para um encontro na cabana abandonada. Cheio de dúvidas, mas procurando um meio de aplacar seu sofrimento, Mack atende ao chamado e volta ao cenário de seu pesadelo.

Chegando lá, sua vida dá uma nova reviravolta. Deus, Jesus e o Espírito Santo estão à sua espera para um “acerto de contas” e, com imensa benevolência, travam com Mack surpreendentes conversas sobre vida, morte, dor, perdão, fé, amor e redenção, fazendo-o compreender alguns dos episódios mais tristes de sua história (Informações extraídas da orelha do livro).

O livro é uma ficção cristã, um gênero que cresce muito na cultura cristã contemporânea e comunica sua mensagem de uma forma leve e fácil de se ler. O autor, William P. Young trata de temas vitais para a fé cristã tais como: Quem é Deus? Quem é Jesus? Quem é o Espírito Santo? O que é a Trindade? O que é salvação? Jesus é o único caminho para Deus?

III – Pontos principais do livro³

1. Hostilidade ao Cristianismo

“As orações e os hinos dos domingos não serviam mais, se é que já haviam servido... A espiritualidade do Claustro não parecia mudar nada na vida das pessoas que ele conhecia... Mack estava farto de Deus e da religião...” (p. 59).

“Nada do que estudara na escola dominical da igreja estava ajudando. Sentia-se subitamente sem palavras e todas as suas perguntas pareciam tê-lo abandonado” (81).

Resposta bíblica: Jesus disse que as portas do inferno não prevaleceriam contra a sua Igreja (Mt 16.18).

2. Experiência acima da revelação
As soluções para os probemas da vida surgem de experiência extrabíblicas e não da Palavra de Deus. As alegadas revelações da “Trindade” são a base de todo o enredo do livro. Mesmo fazendo alusões às verdades bíblicas, elas não são a base autoritativa da mensagem.

3. A rejeição de Sola Scriptura

A Cabana rejeita a autoridade da Bíblia como o único instrumento para decidir as questões de fé e prática. Para ouvir Deus, Mack é convidado a ouvir Deus numa cabana através de experiências e não através da leitura e meditação da Bíblia Sagrada.

Resposta bíblica: Rm 15.4: “Pois tudo quanto, outrora, foi escrito para o nosso ensino foi escrito, a fim de que, pela paciência e pela consolação das Escrituras, tenhamos esperança”.

2 Tm 3.16, 17: “Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a coreção, para a educação na justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa obra”.

A igreja não precisa de uma nova revelação, mas de iluminação para entender o que foi revelado nas Escrituras.

4. Uma visão antibíblica da natureza e triunidade de Deus

Além de errar sobre a Bíblia, A Cabana apresenta uma visão distorcida sobre a Trindade. Deus aparece como três pessoas separadas, o que pode ser chamado de triteísmo.

O autor tenta negar isso ao escrever: “Não somos três deuses e não estamos falando de um deus com três atitudes, como um homem que é marido, pai e trabalhador. Sou um só Deus e sou três pessoas, e cada uma das três é total e inteiramente o um” (p. 91).

Young parece endossar uma pluralidade de Deus em três pessoas separadas: duas mulheres e um homem (p. 77). Deus o pai é apresentado como uma negra enorme, gorda (p. 73, 74, 75, 76, 79), governanta e cozinheira, chamada Elousia (p.76).

Jesus aparece como um homem do Oriente Médio, vestido de operário, com cinto de ferramentas e luvas, usando jeans cobertos de serragem e uma camisa xadrez com mangas enroladas acima dos cotovelos, mostrando os antebraços musculosos. Não era bonito (p. 75).

O Espírito Santo é apresentado como uma mulher asiática e pequena (p. 74), chamada Sarayu (p. 77, 101).

Resposta bíblica: Dentro da natureza do único Deus verdadeiro há três pessoas distintas: o Pai, o Filho e o Espírito Santo. São três pessoas distintas, mas, não separadas como o livro apresenta. Além disso, o Pai e o Espírito Santo não possuem um corpo físico. Veja Jó 10.4; João 4.24 e Lucas 24.39.

5. A punição do pecado

O livro apregoa que Deus não castiga os pecados: “Mas o Deus que me ensinaram derramou grandes doses de fúria, mandou o dilúvio e lançou pessoas num lago de fogo. — Mack podia sentir sua raiva profunda emergindo de novo, fazendo brotar as perguntas, e se chateou um pouco com sua falta de controle. Mas perguntou mesmo assim: — Honestamente, você não gosta de castigar aqueles que a desapontam? Diante disso, Papai interrompeu suas ocupações e virou-se para Mack. Ele pôde ver uma tristeza profunda nos olhos dela. — Não sou quem você pensa, Mackenzie. Não preciso castigar as pessoas pelos pecados. O pecado é o próprio castigo, pois devora as pessoas por dentro. Meu objetivo não é castigar. Minha alegria é curar. — Não entendo...”

Resposta bíblica:

A Cabana mostra um Deus apenas de amor e não de justiça. Apesar da Bíblia ensinar que Deus é amor, não falha em apresentá-lo como um Deus de justiça que pune o pecado:

“A alma que pecar, essa morrerá” (Ezequiel 18.4).

“Semelhantemente, os homens também, deixando o contato natural da mulher, se inflamaram mutuamente em sua sensualidade, cometendo torpeza, homens com homens, e recebendo, em si mesmos, a merecida punição do seu erro” (Rm 1.27).

“porque o salário do pecado é a morte, mas o dom gratuito de Deus é a vida eterna em Cristo Jesus, nosso Senhor” (Rm 6.23).

“E a vós outros, que sois atribulados, alívio juntamente conosco, quando do céu se manifestar o Senhor Jesus com os anjos do seu poder, em chama de fogo, tomando vingança contra os que não conhecem a Deus e contra os que não obedecem ao evangelho de nosso Senhor Jesus” (2 Ts 1.7, 8). Cristo morreu pelos nossos pecados (1Co 15.3).

6. O milagre da encarnação

O livro apresenta uma visão errada da encarnação de Jesus Cristo: “Quando nós três penetramos na existência humana sob a forma do Filho de Deus, nos tornamos totalmente humanos. Também optamos por abraçar todas as limitações que isso implicava. Mesmo que tenhamos estado sempre presentes nesse universo criado, então nos tornamos carne e sangue” (p. 89).

Resposta bíblica:

De acordo com a Bíblia, somente o verbo encarnou (Jo 1.14). Veja ainda Gl 4.4; Cl 2.9 e 1Tm 2.5.

7. Jesus, o melhor ou único caminho para o Pai?
No livro, Jesus é apresentado como o melhor e não o único caminho para Deus: “Eu sou o melhor modo que qualquer humano pode ter de se relacionar com Papai ou com Sarayu” (p. 101).

Resposta bíblica:

A Bíblia é muito clara ao afirmar que Cristo é o único que pode salvar: Is 43.11; Jo 6.68; Jo 14.6; At 4.12 e 1 Tm 2.5.

8. Patripassionismo

O livro promove uma antiga heresia denominada patripassionismo, que é o sofrimento do Pai na cruz: “O olhar de Mack seguiu o dela, e pela primeira vez ele notou as cicatrizes nos punhos da negra, como as que agora presumia que Jesus também tinha nos dele. Ela permitiu que ele tocasse com ternura as cicatrizes, marcas de furos fundos” (p. 86). “Olhou para cima e notou novamente as cicatrizes nos pulsos dela” (p. 92). “Você não viu os ferimento em Papai também”? (p. 151).

Resposta bíblica

A Bíblia mostra que foi Jesus quem sofreu na cruz e recebeu as marcas dos cravos e não o Pai ou o Espírito Santo. Veja João 20.20, 25, 28.

9. Universalismo

A Cabana promove o universalismo, isto é, que todas as pessoas serão salvas, não importa a sua religião ou sistema de crença. “Os que me amam estão em todos os sistemas que existem. São budistas ou mórmons, batistas ou muçulmanos, democratas, republicanos e muitos que não votam nem fazem parte de qualquer instituição religiosa. Tenho seguidores que foram assassinos e muitos que eram hipócritas. Há banqueiros, jogadores, americanos e iraquianos, judeus e palestinos” (p. 168, 169).

“Não tenho desejo de torná-los cristãos, mas quero me juntar a eles em seu processo para se transformarem em filhos e filhas do Papai, em irmãos e irmãs, em meus amados” (p. 169).
Jesus afirma: “A maioria das estradas não leva a lugar nenhum. O que isso significa é que eu viajarei por qualquer estrada para encontrar vocês” (p. 169).

Resposta bíblica

Não há base bíblica para tais afirmações. A Palavra de Deus ensina que não existe salvação fora de Jesus Cristo. Apesar de o universalismo ser uma doutrina agradável, popular e que reflete a política da boa vizinhança, a Bíblia afirma que nem todos serão salvos: Veja Mt 7. 13, 14; 25.31-46; 2 Ts 3.2.


Escrito por Dr. Paulo Romero

NOTAS

* Pastor presidente da ICT - Igreja Cristã da Trindade; Presidente da Agir - Agência de Informações Religiosas
¹ Brian McLaren, Uma ortodoxia generosa (Brasília, Editora Palavra, 2007). Este livro promove muitas das propostas denunciadas neste estudo.
² YOUNG, William P., A cabana (Rio de Janeiro, Editora Sextante, 2008).
³ Algumas idéias foram extraídas de um trabalho publicado por Norman Geisler: “Norm Geisler Takes “The Shack”to the Wood Shed. Acessado em 18 de dezembro de 2008. www.thechristianworldview.com

BIBLIOGRAFIA

EVANS, C. Stephen, Dicionário de apologética e filosofia da religião (São Paulo, Editora Vida, 2004).
NICODEMUS, Augustus, O que estão fazendo com a Igreja (São Paulo, Editora Mundo Cristão, 2008).
PIPER, John et alli, Teísmo aberto: uma teologia além dos limites bíblicos (São Paulo, Editora Vida, 2006.
WILSON, Douglas (org.), Eu não sei mais em quem eu tenho crido: confrontando a teologia relacional (São Paulo, Editora Cultura Cristã, 2006).
YOUNG, William P., A cabana (Rio de Janeiro, Editora Sextante, 2008).

15 setembro 2009

Línguas e profecias hoje? - algumas proposições

É possível concluir lendo os textos bíblicos que cessou o dom de línguas conforme o ensino do Novo Testamento. Pensemos nos seguintes motivos:

1. Em todas as ocorrências são idiomas ou dialétos inteligíveis que eram falados por algum grupo étnico.

2. O seu caráter sempre era homilético-revelacional ao lado do dom de profecia.

3. A natureza SOBRENATURAL do dom aponta para o fato de que os que usufruiam dele não haviam APRENDIDO, nem sido CONDICIONADOS, nem mesmo SUGESTIONADOS por comportamento ou, qualquer outro motivo artificial.

4. Como qualquer outro dom, todos têm a finalidade de edificar o CORPO e não somente o indivíduo. Na Escritura a edificação ordinariamente ocorre pelo ENTENDIMENTO inteligível da Palavra de Deus, e não pelo estímulo sensorial.

5. Dentro da Igreja de Corinto [a mais problemática do NT] haviam crentes que realmente tinham recebido o dom de línguas, e outros que imitavam por motivo de orgulho. Paulo nos capítulos 12-14 orienta os verdadeiros, ironiza o falso, e organiza a bagunça que se encontrava naquela comunidade.


CONCLUINDO:
1. Há uma diferença copérnica entre o verdadeiro dom de línguas como ocorria no NT e estas estranhas [e quase bizarras] manifestações ininteligíveis e emocionalistas que ocorrem contemporaneamente.

2. O que temos hoje, e isto pode ser verificado por qualquer lingüista, é que não existe mais o "dom de línguas" como no NT. Qualquer um pode chegar a esta conclusão mesmo sem um conhecimento técnico ou teórico de linguística. A moderna prática de "línguas" nas igrejas é a emissão de sons inarticulados, ininteligíveis, grunidos, rosnados, cacarecos, zunidos e toda sorte de sonorização que são qualquer coisa, menos que uma comunicação proposicional que é composta por pronomes, substantivos, verbos, adjetivos, sujeito e predicado e, etc.. É possível categorizar estes sons ininteligíveis de qualquer coisa menos do que uma língua.

3. Estes estranhos sons nada comunicam à alma, porque nada passa pela mente. As palavras nada mais são do que idéias vestidas de símbolos sonoros. A mente perfeita e infinitamente sábia do Espírito não produziria tão desordenada ação visando a edificação pela confusão de sons desarticulados. A Palavra de Deus comunica através de palavras humanas, produzindo no homem uma disposição divina, e isto em momento algum dispensa o uso do entendimento.

4. Em toda a história da redenção sabemos que a revelação, comunicada e inspirada pelo Espírito Santo, é normativamente chamada de PALAVRA DE DEUS. O dom de línguas no NT era um meio revelacional, de modo que, a sua manifestação se dava pela comunicação de palavras reveladas (falavam das grandesas de Deus) aos ouvintes que entendiam em sua própria língua materna. As línguas do NT não eram sons inarticulados, de modo que somente os sentimentos, ou uma forma generalizada de sensações santas eram comunicadas à percepção do indivíduo, deixando-o decifrar qual era a "intenção" do Espírito. De fato, neste dom "a Palavra de Deus" era revelada num idioma não aprendido, mas sobrenaturalmente dotado.

13 setembro 2009

Amigos

Tenho a alegria de trabalhar com dois colegas que são realmente meus amigos! O da esquerda é o Rev. Mauro Pereira da Silva, recém chegado aqui em Porto Velho, e está nos auxiliando como pastor da Congregação Presbiteriana de Eldorado. Homem de convicções firmes e transparente em suas opiniões. Um servo que veio somar conosco.

À direita está o Rev. Rogério Bernini Jr, saiu do Seminário Presbiteriano Brasil Central - extensão JiParaná, e foi convidado para ser pastor auxiliar na IP Central de Porto Velho. Um exímio músico e apreciador da boa liturgia reformada. O seu amadurecimento tem nos surpreendido e muito nos alegrado, e a sua dedicação pastoral é notória em nossa igreja.

Louvo ao nosso Senhor que nos uniu neste valoroso trabalho que é o ministério pastoral. Tenho vivido dias de alegria e edificação de ter colegas, pastores e verdadeiros amigos.

P.S.* Este do meio aí sou eu.

11 setembro 2009

Tradição e calvinistas

A palavra tradição procede do latim traditione que sob influência do vocábulo grego parádosis significa “entregar” ou “transmitir”. O Novo Testamento quando se refere à tradição cristã usando o verbo grego paradidômi consiste basicamente da “fé que uma vez por todas foi entregue aos santos” (Jd vs.3). O substantivo é usado pelo menos com significados diferentes:[1]
1. Ao reprovado o ensino dos mestres da Lei (Mt 15:2-3, 6; Mc 7:3, 5, 8-9, 13; Gl 1:14). Cristo julgava distorções, ou até mesmo contradições a interpretação que os rabinos faziam do Antigo Testamento.
2. Indica a permanente instrução dos apóstolos quanto à autoridade e ordem no culto (1 Co 11:2), a participação da Ceia do Senhor (1 Co 11:23), a doutrina em geral (2 Ts 2:15), em questões de conduta diária (2 Ts 3:6).


Repetir e transmitir são atos que exigem que o conteúdo esteja intacto, ou seja, que não seja uma mensagem mutatis mutantis. Por isso, as igrejas reformadas sustentam o lema ecclesia reformata semper reformanda est mas, não fides reformata et semper reformanda est. Alterar o conteúdo do ensino bíblico não é reforma, mas corrupção doutrinária (Veja a Confissão de Fé de Westminster I.6 e 10).

A tradição precisa ser ouvida e consultada como contexto e não como conteúdo. Noutro lugar G.J. Spykman defende a importância da tradição comentando que ela “é o canal histórico-cultural por meio do que os teólogos cristãos respondem aos requerimentos da Palavra de Deus em seus empreendimentos dogmáticos.”[2]O contexto histórico possibilita o nosso entendimento de como a doutrina teve progresso e como foi usada no decorrer dos séculos. Segundo a concepção reformada da tradição ela deve preservar a fidelidade aos ensinamentos da Escritura Sagrada contra qualquer inovação que corrompa ou distorça.


Notas:
[1] Walter Bauer, A Greek-English Lexicon of the New Testament and Other Early Christian Literature (Chicago, The University of Chicago Press, 2ªed., 1979), págs. 615-616.
[2] Gordon J. Spykman, Teologia Reformacional - un nuevo paradigma para hacer la Dogmatica(Grand Rapids, TELL, 1996), pág. 5.

09 setembro 2009

Carta aberta: línguas e profecias hoje?

Amados irmãos em Cristo

Como presbiterianos subscrevemos os Padrões de Westminster. Todos os membros ao serem recebidos, ou os oficiais da nossa denominação ao serem ordenados ou instalados em seu exercício de mandato, é requerido em seus votos de ordenação crêr na suficiência das Escrituras Sagradas [sola scriptura - única regra de fé e prática, ou seja, não submissão a tradição, à leis humanas ou qualquer espécie de novas revelações] e, subscrever os documentos doutrinários de Westminster. Todos verbalmente se comprometem, e publicamente assumem o solene compromisso de ensinar, defender e viver a nossa herança Reformada. Todavia, a ética é evidenciada com incoerência. Não poucos desdizem na prática, quando não pelo ensino cousas contrárias ao que cremos e confessamos. Isto é triste, vergonhoso e motivo de confusão em nosso arraial presbiteriano. Por isso, não vejo verdadeira paz neste contexto disseminado em várias regiões de nossa pátria.

Uma doutrina claramente ensinada na Confissão de Fé de Westminster é a da cessação dos "dons revelacionais", isto é, os dons de línguas e profecias. Cremos que os dons de serviço destinam-se à edificação da Igreja, e são para hoje. Todavia, os meios revelacionais cessaram com o fechamento do cânon das Escrituras. Ao consumar a escrita do livro de Apocalipse, Deus cessa a continuidade da comunicação da revelação verbal que iniciou a escrever em Moisés (Ap 22:18-19). Ele não mais concede outras revelações além daquela que se encontra na Escritura. Os meios revelacionais alcançam o seu propósito e findam a sua utilidade. Leiamos o que declara a Confissão de Fé de Westminster no capítulo I, no parágrafo 1 que

Ainda que a luz da natureza e as obras da criação e da providência de tal modo manifestem a bondade, a sabedoria e o poder de Deus, que os homens ficam inescusáveis, contudo não são suficientes para dar aquele conhecimento de Deus e da sua vontade necessário para a salvação; por isso foi o Senhor servido, em diversos tempos e diferentes modos, revelar-se e declarar à sua Igreja aquela sua vontade; e depois, para melhor preservação e propagação da verdade, para o mais seguro estabelecimento e conforto da Igreja contra a corrupção da carne e malícia de Satanás e do mundo, foi igualmente servido fazê-la escrever toda. Isto torna indispensável a Escritura Sagrada, tendo cessado aqueles antigos modos de Deus revelar a sua vontade ao seu povo (Ref. - Sl 19:1-4; Rm 1:32 e 2:1, e 1:19-20 e 2:14-15; 1 Co 1:21 e 2:13-14; Hb 1:1-2; Lc 1:3-4; Rm 15:4; Mt 4:4, 7, 10; Is 8:20; 1 Tm 3:I5; 2 Pe 1:19).


Temos a Escritura Sagrada e ela é suficiente para nos revelar, salvar, orientar, determinar, corrigir, educar segundo o santo propósito de Deus (2 Tm 3:16-17). Não necessitamos de nada além das Escrituras. Também não podemos submeter a nossa consciência a nada que além, contrário ou intencionando substituir a Escritura Sagrada, como inequívoca PALAVRA DE DEUS. Somente a Escritura é a Palavra de Deus. Isto significa sola scriptura!

Negar a obra do Espírito Santo é algo perigoso, mas atribuir à Ele o que não Lhe pertence é gravíssimo, porque é colocar mentira na boca do Senhor! (Jr 23:9-40; Ez 13:1-16; Gl 1:6-9). Por isso, temo e tremo agir contra o Senhor Deus. É fato que o falso não pode anular o que é verdadeiro, mas, o falso mesmo tendo aparência de verdade continuará sempre sendo mentira (2 Ts 2:7-12).

Esta carta não se dirige a um destinatário especifíco. Ela é uma carta aberta. Mas tenciona somente recordar o nosso compromisso, identidade e fidelidade aos votos realizados em nossa aceitação como membros, e duplamente por aqueles que se tornaram oficiais da IPB. Assim, não desejo provocar contenda, mas esclarecimento, paz e edificação contra toda confusão que seja causada em nosso arraial presbiteriano. Espero não errar em lembrar aos irmãos no que cremos.

Por isso, declaro sola scriptura, sola gratia, sola fide, solo christos, soli Deo gloria, aqui permaneço e firmo a minha consciência, levando-a cativa sob a autoridade exclusiva da Escritura Sagrada, a única revelação da Palavra de Deus preservada para o nosso conforto eterno.

Seu servo, em Cristo o Senhor da Igreja.
Rev. Ewerton B. Tokashiki,
Pastor da Igreja Presbiteriana de Porto Velho - Porto Velho/RO.
Professor de Teologia Sistemática do SPBC - Extensão Ji Paraná/RO.