22 março 2007

A importância teológica da imagem masculina

Mas a [teóloga] feminista poderia replicar aqui que desde que Deus não é literalmente macho, e a Escritura contêm algumas figuras femininas assim como figuras masculinas, seria aceitável falar livremente de Deus tanto em termos masculinos como femininos. Johnson pergunta “se não significa que Deus é macho quando uma figura masculina é usada, o por que da objeção, quando figuras femininas são apresentadas?”[1]

Esta réplica poderia ser irrefutável se a predominância de figuras masculinas na Bíblia fossem teologicamente insignificantes. As feministas argumentam enfaticamente que a Escritura coloca pouca importância sobre a masculinidade de Jesus, ou sobre a importância de falar de Deus em termos masculinos. A figura masculina, elas argumentam, é aceitável na concepção patriarcal da cultura antiga, mas ela não faz diferença na mensagem essencial da Escritura. Todavia, existe um número de razões para pensarmos que a predominância de usos de figuras masculinas tem alguma importância teológica:

1. Como temos visto, os nomes de Deus são de grande importância teológica. Eles revelam-no. Não existe razão para assumir que as proporções das figuras masculinas e femininas não são parte desta revelação da sua natureza. Embora Johnson e outras insistem, entendo que uma mudança na balança da figura sexual não é teologicamente neutra; isto mudaria o nosso conceito de Deus.[2] Por acaso temos o direito de mudar nosso conceito bíblico de Deus?

2. Para ressaltar o último ponto, é também importante reconhecer que na Escritura, Deus nomeia a si mesmo. Seus nomes, atributos e figuras não são o resultado da especulação ou imaginação humana, mas da revelação.[3] Ele não nos autorizou de nenhuma mudança de equilíbrio das figuras de macho e fêmea, e não podemos tencionar fazer tais mudanças baseados em nossa própria autoridade.[4]

3. Deidades femininas eram bem conhecidas pelos escritores bíblicos. Ashtoreth (Jz 10:6; 1 Sm 7:4; 12:10) foi adorada pelos cananitas como esposa de Baal. A junção de deidades masculinas e femininas foi um aspecto importante da adoração de fertilidade pagã. Assim, ao escrever sobre Yahweh, os escritores do Antigo Testamento não escolheram uma linguagem masculina irrefletidamente, inconscientes de outra alternativa. Eles não foram influenciados por um unânime consenso cultural. Antes, eles claramente rejeitaram qualquer adoração de uma deusa ou de uma junção divina.

4. Como dissemos no capítulo 15, a criação é um ato divino que produz uma realidade externa do próprio Deus, uma “outra criatura”. O mundo não é divino, nem uma emanação de sua essência. Deus não criou “formando ‘consigo’ para o não-divino.”[5] Como uma metáfora para esta concepção bíblica da criação, a função masculina na procriação é mais adequado do que o feminino.

5. Na Escritura o principal nome de Deus é Senhor, que indica sua liderança nas alianças, entre si e as suas criaturas. Na Escritura, a relação na comunidade da aliança é tipicamente uma prerrogativa masculina. Reis, sacerdotes e profetas são sempre homens. Autoridade na igreja concedida aos anciãos (1 Co 14:35; 1 Tm 2:11-15).[6] O marido é a cabeça da aliança formada pelo casamento.[7] Um desvio para a figura feminina de Deus poderia certamente diluir a sólida ênfase sobre a autoridade pactual que é centralizada na doutrina de Deus. Esta não seria a única razão, pois, como tenho indicado no capítulo 2, algumas teólogas feministas, incluindo Johnson, atualmente se opõe a idéia do senhorio de Deus.

6. Como tenho falado neste capítulo, Deus se relaciona com o seu povo, como um marido com a sua esposa. Certamente esta profunda figura pode ser obscurecida, se considerarmos Deus como feminina. Isto é importante, não apenas para a doutrina de Deus, mas também para a doutrina do homem (antropologia teológica). Ela é importante, tanto para homens como mulheres cristãs, saber e meditar profundamente sobre este fato, que na relação com Deus como sendo fêmea – esposas são chamadas para submeter-se em amor aos seus graciosos maridos. É a igreja, e não Deus, que é feminina em sua natureza espiritual.[8]

7. Uma freqüente sugestão de compromisso é que eliminamos toda sexualidade na distinção lingüística, entre macho e fêmea, ao nos referirmos a Deus. Em vez de chamar Deus de nosso Pai, poderíamos falar de nosso Parente ou Criador.[9] Uma linguagem unissex, todavia, sugere inevitavelmente que Deus é impessoal, o que é completamente inaceitável de um ponto de vista bíblico.[10] Certamente ao eliminar Pai em favor de termos mais abstratos eliminaria algo muito precioso aos Cristãos.[11]

8. O uso majoritário da figura masculina para Deus resulta numa opressão da mulher?[12] Existe uma precisa divisão entre feministas e não-feministas cristãs como aquelas que fazem parte da opressão. No Cristianismo tradicional, não é um rebaixamento para a mulher ser submissa ao seu marido e exclui-la dos ofícios de governo na igreja. Muitas vezes, na concepção de escritoras feministas, é um rebaixamento para alguém ser submisso a autoridade de outro, se são iguais diante de Deus. Mas, submissão à autoridade de outros é algo inevitável na vida humana, tanto para os homens quanto para as mulheres; esta é uma das mais difíceis lições que o ser humano caído tem que aprender. Muito mais pode ser declarado sobre este assunto. Certamente homens têm abusado das mulheres no decorrer da história. E certamente tanto homens, como mulheres têm, às vezes, justificado este abuso como sendo uma distorção da liderança masculina. Mas, dificilmente, argumentar que um melhor entendimento de Deus, ou que um benéfico relacionamento entre os sexos, poderia ser produzido por uma substituição da figura feminina ou impessoal de Deus.

Minha conclusão é que podemos seguir o modelo bíblico e uso predominante da figura masculina para Deus, com uma ocasional figura feminina. Posso não desaprovar que um pregador ocasionalmente diga que Deus é a “mãe” da igreja. Como em Deuteronômio 32:18, podemos observar que apesar de nosso nascimento físico vir de duas fontes, nosso nascimento espiritual procede apenas de uma: Yahweh, que é tanto nossa mãe como nosso pai. Nem mesmo, é errado o uso do parto, a ama, uma ave fêmea, e outras figuras extra-bíblicas femininas como figuras de Deus e ilustrações para as suas ações. Como observamos, penso que muito mais poderia ser aproveitado da submissão das pessoas da Trindade de uma com a outra, como um modelo da piedosa submissão da esposa para com o seu marido. Mas não existe uma justificação bíblica para se usar predominantemente a figura feminina para Deus, ou representa-lo com pronomes femininos.

Notas:
[1] Elizabeth A. Johnson, She Who Is (New York, Crossroad Publishing, 1996), p. 34. Este livro se encontra publicado em português: Elizabeth A. Johnson, Aquela que é (Petrópolis, Editora Vozes, 1995).
[2] Elas realmente não querem crer, ainda que às vezes reivindiquem, que a figura sexual a respeito de Deus é insignificante.
[3] A concepção de Johnson é diferente. Em seu entendimento, Deus é um grande mistério, e não há linguagem apropriada para descreve-lo (veja She Who Is, 6-7, 44-45, 104-112). Ele tem “muitos nomes” (117-120), de modo que, poderíamos livremente nomeá-lo com designações masculinas e femininas. Aqui percebo um conceito não-bíblico da transcendência ao qual me opus nos capítulos 7 e 11. Deus revelou-se em linguagem que é apropriada à sua natureza.
[4] Não estou sugerindo que precisamos reproduzir a ênfase da Escritura com precisão matemática. Teologia e pregação sempre mudam a ênfase da Escritura, pois elas aplicam a verdade bíblica ao povo, antes do que simplesmente ler a Bíblia. Mas pode não ser boa a aplicação do discursar sobre Deus como sendo “ela”, ou levantar o nível de figuras femininas por assim dizer, 80 por cento de nossas referências a Deus.
[5] Johnson, She Who Is, 234. Ela cita William Hill, The Three-Personal God (Whashington: Catholic University of America Press, 1982), 76, n.53. Este é um modelo panenteístico de Deus se relacionar com o mundo.
[6] Não posso, de fato, começar a entrar aqui na controvérsia envolvida neste ponto. Creio que há lugar para o debate, e em quais circunstâncias, uma mulher pode “falar na igreja”, ou se ela pode ser diaconisa. Mas isto parece-me óbvio daquelas passagens que as mulheres não são admitidas naqueles ofícios que fazem com que tenham decisões finais sobre os negócios da igreja. Veja Susan Foh, Women and the Word of God (Phillipsburg, N.J.: Presbyterian and Reformed, 1979); James B. Hurley, Man and Woman in Biblical Perspective (Grand Rapids: Zondervan, 1981); “Report of the Committee on Women in Office”, in Minutes of the Fifty-fifth General Assembly (Philidelphia: Orthodox Presbyterian Church, 1988), 310-373; John Piper and Wayne Grudem, eds., Recovering Manhood and Womanhood (Wheaton, Ill.: Crossway Books, 1991); Mil Am Yi, Women and the Church: A Biblical Perspective (Columbus, Ga.: Brentwood Christian Press, 1990), para idôneos debates destes assuntos.
[7] Casamento é uma aliança na Escritura (Ez 16:8, 59; Ml 2:14), uma forte analogia com a aliança entre Deus e o homem. No casamento, o marido é a cabeça da esposa (1 Co 11:3; Ef 5:23). Feministas às vezes argumentam que “cabeça” significa “fonte” e não possui uma conotação de autoridade. Mas veja Wayne Grudem argumentando solidamente ao contrário “The Meaning of Kephale” in Recovering biblical Manhood and Womanhood, ed. Piper and Grudem, 425-468. Em muitos casos, a Escritura atribui a autoridade do marido sobre a esposa em várias passagens, mesmo onde a palavra cabeça não é usada. Veja Nm 30:6-16; Ef 5:22; Cl 3:18; 1 Tm 3:12-13; Tt 2:5.
[8] Agradeço a Jim Jordan (em correspondência) por esta observação.
[9] Alguns têm sugerido para nos referirmos as pessoas da Trindade como Criador, Redentor e Santificador, ou conforme a preferência. Mas esta proposta reduz a Trindade ontológica (as eternas pessoas, o Pai, o Filho e o Espírito) para a Trindade econômica (as ações destas pessoas em, e pelo mundo). Também ignora o circumincessio, o envolvimento de cada pessoa em todo ato da outra.
[10] Mais óbvio é a impessoalidade que poderia resultar se substituíssemos o neutro no lugar de pronomes masculinos. Mas algo precisa ser feito com os pronomes se o nosso propósito é eliminar as distinções sexuais na linguagem usada para Deus. Ou podemos tentar a impossibilidade desajeitada de continuar a evitar todos os pronomes?
[11] Um autor (desculpe-me por não lembrar quem) comenta que não podemos, depois de tudo, discursar aos nossos próprios pais como sendo “parentes”. De fato, as conotações de tal discurso poderiam ser totalmente inapropriadas para o relacionamento.
[12] Johnson disse “engenhosamente, ou não, ela mina a dignidade humana da mulher como igualmente criada a imagem de Deus” (She Who Is, p. 5). Observe os seus exemplos na pp. 23-28, 34-38. Ela procura argumentar que o uso da linguagem feminina para Deus, de fato, é mais exata do que a alternativa, pois ela conduz a verdade bíblica que as mulheres não devem ser oprimidas. De fato, esta verdade é importante, mas ela poderia ser apresentada por textos bíblicos que possuem maior relevância para este assunto, mas, não por uma interpretação distorcida da figura bíblica de Deus.


Extraído de John M. Frame, The Doctrine of God (Phillipsburg, P&R Publishing, 2002), pp. 383-386.
Traduzido por Rev. Ewerton Barcelos Tokashiki

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