13 maio 2007

Uma introdução ao livro de Eclesiástes

1. Título
Qoheleth deriva de uma raiz hebraica que significa “chamar”, ou “reunir”. Vários significados tem sido sugeridos a Qoheleth. Uns dizem que significa “alguém que reúne uma audiência”. Outros, insinuam a idéia de um colecionador de verdades. Outros ainda, afirmam que significa aquele que debate ou discursa, ou seja, um pregador. Talvez, este último seja o melhor significado da palavra qoheleth, como adotam a maioria de nossas versões em português. A tradução da LXX deriva da palavra grega ekklesia.

2. Autoria
A tradição judaica Baba Bathra 15ª declara que “Ezequias e seus companheiros Eclesiastes”. Esta afirmação se refere apenas à compilação e redação dos livros escritos por Salomão. Em outros trechos a tradição judaica de forma explícita diz que Salomão foi o autor de Megilla 7ª e Shabbath 30).[1]

O erudito conservador Edward J. Young rejeita a autoria de Salomão e oferece algumas objeções:[2]
1. Por quê Salomão usaria tão estranho título (qoheleth)?
2. O nome de Salomão não aparece no livro, como ocorre em Cantares e Provérbios.
3. As condições históricas não parecem ser da época de Salomão. Em 1:16 o autor afirma que sobrepujou em sabedoria “a todos os que antes de mim em Jerusalém”. Salomão foi o segundo rei, no regime da teocracia de Israel, a morar em Jerusalém.
4. O livro supõe um contexto histórico de opressão (4:1-3,13; 5:8; 7:10; 8:2,9; 9:14-16; 10:6-7,16-17,20).
5. Foi autor desconhecido, que viveu num posterior pós-exílico, que colocou as suas palavras na boca de Salomão. A linguagem, o uso das palavras e o estilo contém muito do aramaico.

Argumentos em defesa da autoria salomônica:
1. Visto ser o livro de Eclesiástico um livro de refinada retórica, nada impediria Salomão referir a si mesmo como o título de “qoheleth”.
2. É fato que há a omissão do nome de Salomão, mas, ele se identifica de um modo inconfundível como sendo “filho de Davi, rei de Jerusalém”.
3. A afirmação “a todos os que antes de mim em Jerusalém” pode ser uma referência aos reis da cidade-estado de Jerusalém, no período que os jebuseus eram senhores sobre aquele lugar, ou, aos demais reis das nações pagãs (2 Cr 9:22).
4. Embora o autor fale de opressão, miséria, perversão da justiça, isso pode ser uma descrição daquilo que Salomão viu nos outros reinos antes dele, como também, em reinos pagãos. Todavia, não devemos cair no erro de pensar que o reinado de Salomão fora perfeito. Foi um reinado próspero, o melhor período da história de Israel, mas nunca poderia ser considerado um período de perfeição magisterial, ou isento de corrupções (1 Rs 12:4); Salomão não está preocupado em fazer propaganda positivista do seu reinado, mas mostrar a corrupção que o poder pode causar.
5. As possíveis ocorrências de palavras aramaicas, podem ser explicadas pelo contado comercial internacional (1 Rs 9:10-10:29), como também pelas esposas estrangeiras (1 Rs 11:1-2).
6. Se o autor não foi Salomão, então o escritor mentiu. As auto-identificações do autor indicam Salomão. “Caso Salomão não fosse seu autor, a falsa personificação do mais sábio de todos os homens sábios teria sido descoberta há muito tempo pelos rabinos de Israel, e esses não permitiriam a inclusão do livro no Cânon.”[3]

Note o seguinte:
a. O autor afirma “venho sendo rei em Jerusalém” (ARA).
b. A descrição de Eclesiastes 2:1-11 confere com as riquezas que Salomão possuiu e construiu (2 Cr 8:1-9:28).
c. O autor identifica-se como aquele que reuniu e organizou muitos provérbios (12:9).
d. Ninguém possuiu tanta sabedoria, prosperidade e expressão mundial no período monárquico, quanto Salomão, de fato, ele se tornou uma referência em muitos sentidos para seus posteriores.

3. Data
Aproximadamente 935 a.C. O livro é uma retrospectiva na velhice, da vida vazia em que ele viveu com o coração desviado do temor do Senhor (1 Rs 11:1-8). Ellisen observa que “o conteúdo e as conclusões certamente combinam bem com os anos de maturidade de Salomão.”[4] Esta tese é confirmada, pela tradição judaica na Midrash (Shir Hashirim Rabá 1,10), que afirma ter o rei Salomão escrito o livro de Cantares na sua juventude e o Eclesiastes na sua velhice.[5] O comentarista A.R. Fausset esclarece que Eclesiastes fica “como selo e testemunho de arrependimento de sua apostasia no período de intervenção (Sl 89:30,33) a prova de sua penitência.”[6]

4. Propósito
O propósito é descobrir qual o melhor bem da vida. Trata do prazer, sabedoria, da riqueza, mas considerando-os sem-sentido. O melhor bem da vida somente pode ser conseguido se alguém teme a Deus e guarda os seus mandamentos (12:13). A vida sem Deus, ou, fora da vontade de Deus é fútil. A busca pelo verdadeiro significado da vida é essencial para a existência humana. Longe de Deus a vida não é vida, pois só Deus lhe pode dar o verdadeiro significado. A cosmovisão teísta oferece a perspectiva correta do homem e sua relação com o mundo. “A única interpretação possível do mundo é considerá-lo, pois como criação de Deus e usá-lo e gozá-lo apenas para a Sua glória.”[7]

5. Estrutura do Livro
1. Prólogo: Tudo é vaidade........ 1:1-11
2. Monólogo: Vida sem sentido..... 1:12-12:1-8
3. Epílogo: Temor de Deus........... 12:9-14

6. Análise do Conteúdo
O lingüista Lyman Abbott faz uma análise do livro dizendo "assim, o livro de Eclesiastes é um monólogo dramático, apresentando as complicadas experiências da vida; essas vozes estão em conflito, porém apresentam ou relatam o conflito de uma simples alma em guerra consigo mesma. Nesse monólogo, o homem se apresenta monologando consigo mesmo, comparando as experiências da vida umas as outras. Assim, o livro de Eclesiastes é deliberadamente de uma confusa intenção, porque é o quadro de experiências confusas de uma alma dividida contra si mesma."[8]

7. Contribuição ao Cânon
Vários fragmentos de Eclesiastes foram encontrados na caverna 4 de Qumran, que datam, aproximadamente, da metade do século II a.C.. Disto pode-se concluir que na época ele já possuía reconhecido valor canônico.

8. Dificuldades de Interpretação
Devemos ter cuidado para que a nossa mentalidade existencialista (antropocêntrica) não seja um princípio regulador na aplicação da nossa hermenêutica neste livro. O livro deve ser interpretado como um todo. A chave para a interpretação do livro é o texto final 12:13-14.

9. Fatos Interessantes
1. Os argumentos do livro não são os argumentos de Deus, e sim os registros de Deus para os argumentos do homem.
2. O autor usa somente o nome “Elohim” (Deus), nunca o nome “Yahweh” (SENHOR), “assim o autor pode estar enfatizando o relacionamento do homem com Deus, à parte da experiência da redenção”.[9]
3. Os judeus lêem este livro na Festa dos Tabernáculos. O rabino David Gorodovits explica a razão desta prática entre os judeus “sendo Sucót considerado Zeman Simchatênu, ou seja, ‘época de nossa alegria’, quando, em Israel, os celeiros estão abarrotados com os frutos da colheita, seria fácil entregar-se a futilidades e lazer, esquecendo de onde veio a benção que resultou no sucesso do trabalho. É exatamente quando a leitura do Cohelét, com suas mensagens profundas, conscientiza-nos da bondade e da justiça do Eterno, sem as quais nenhum sucesso pode ser alcançado pelo ser humano.”[10]

Notas:
[1] Gleason L. Archer, Merece Confiança o Antigo Testamento? (São Paulo, Edições Vida Nova, 1993), pp. 436-437
[2] Edward J. Young, Introdução ao Antigo Testamento (São Paulo, Edições Vida Nova, 1963), pp. 362-363
[3] Stanley A. Ellisen, Conheça Melhor o Antigo Testamento (São Paulo, Editora Vida, 1995), p.191
[4] Stanley A. Ellisen, op. cit., p. 191
[5] Meir Matzliah Melamed, Torá a Lei de Moisés, p. 647
[6] Jamieson, Fausset, Brown, Commentary Old Testament, vol.2, pp.93-94 (Books for the Ages, 1997), CD-Master Library Christian 01/02, in loco.
[7] Edward J. Young, Introdução ao Antigo Testamento, p. 367
[8] Lyman Abbott, Life and Literature of the Ancient Hebrews (New York, Houghton Mifflin and Company, 1901), pp. 292-293
[9] David Merkh, Síntese do VT (Atibaia, Seminário Palavra da Vida, texto não publicado), p. 57
[10] Meir Matzliah Melamed, Torá a Lei de Moisés, p. 669

Rev. Ewerton B. Tokashiki

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