21 junho 2007

Implicações dos 5 Pontos do Calvinismo no Aconselhamento Cristão

De 13 de novembro de 1618 a maio de 1619, reuniu-se o Sínodo de Dort, na Holanda, com representantes de vários países europeus. Tal reunião teve por finalidade produzir um documento doutrinário que a histórica conhece por TULIP[1]. Esse Sínodo fez-se necessário porque alguns discípulos de Armínius[2] (1560 a 1600) produziram um documento enviado ao estado da Holanda. Tal documento, conhecido como Remonstrance (ou Protesto), tinha como teor algumas afirmações que destoavam do calvinismo, tendo mais proximidade com a doutrina pelagiana. O documento produzido nesse Sínodo se tornou o texto oficial do calvinismo desde então.

Esse trabalho tem como objetivo partir desses pontos do calvinismo e analisar sua aplicabilidade dentro do contexto do aconselhamento. É importante salientarmos que o aconselhamento bíblico e reformado leva em conta todos os aspectos do homem, espiritual, físico, moral, social e assim por diante. O Deus que regenera o homem é o mesmo que provê condições para que este se desenvolva na sua santificação. Cremos que é nessa direção que o aconselhamento caminha, sem abrirmos mão da nossa herança bíblica e reformada.

O DEUS SOBERANO
A soberania de Deus é um ponto de grande destaque dentro da tradição reformada. Na verdade, Calvino levanta toda a sua argumentação pautada nessa constatação absoluta. Não há como fugir do domínio soberano do Senhor. O salmista nos põe de frente com essa realidade, quando lança a pergunta: Para onde me ausentarei do teu Espírito? Para onde fugirei da tua face?[3] A partir de um claro conceito de um Deus soberano, é que os cinco pontos do calvinismo puderam surgir como uma conseqüência “lógica”, que parte de um Deus que tem todas as coisas diante dos seus olhos.

Elege (Eleição Incondicional)
A eleição incondicional nos remete ao pensamento de que não há bem nenhum em nós que possa “motivar” Deus a nos salvar. Não havia uma resposta positiva da nossa parte, que foi prevista por Deus, como argumentam os arminianos. Segundo Jay Adams, “a escolha foi incondicional; i. e., Deus livremente escolheu aqueles que Ele desejou salvar, não com base em alguma virtude, mérito, valor, fé prevista, ou algum outro fator neles... esta seleção de alguns para a vida eterna foi feita com base em elementos não reveláveis, conhecidos apenas por Deus (tradução própria).”[4] O conselheiro cristão não pode aconselhar concretamente nas virtudes de Cristo um não regenerado. Aí não seria aconselhamento e sim evangelização.

O próprio Jay Adams argumenta a não possibilidade de um aconselhamento completo sem a pessoa ter passado pela experiência da conversão. O Deus Trino que elege, é o mesmo que possibilita que este regenerado seja desenvolvido em santidade. O aconselhamento cristão leva em conta que somente a Palavra pode causar mudanças em nosso pensar e agir. Sendo assim, somente os eleitos podem, verdadeiramente e em todas as áreas de sua vida, serem moldados por ela.

Redime (Expiação Limitada)
O controverso ponto da expiação limitada está solidamente firmado sobre as Escrituras Sagradas. Não há nada mais verdadeiro do que a declaração do próprio Cristo a esse respeito em Mateus 22:14 : “Muitos serão chamados, mas poucos escolhidos.”

Aqueles escolhidos pelo PAI e dados ao FILHO tinham de ser redimidos para serem salvos. Para assegurar a redenção deles Jesus veio ao mundo e tomou sobre Si a natureza humana de tal maneira, que Ele pode identificar-se com o Seu povo e agiu como substituto legal da raça. Jesus, agindo em favor do Seu povo, perfeitamente guardou a Lei de Deus, executou uma justiça perfeita que é imputada ou creditada aos pecadores no momento em que eles são trazidos à fé a Ele.

Através daquilo que Ele fez, os pecadores são constituídos justos diante de Deus. Eles são livres de toda a culpa e condenação, como resultado daquilo que Cristo sofreu por eles. Através do Seu sacrifício substitutivo Ele suportou a penalidade de seus pecados, e assim removeu a culpa para sempre. Conseqüentemente, quando o Seu povo está unido a Ele por fé, eles são creditados com perfeita justiça e são livres de toda a culpa e condenação. Eles são salvos, não por aquilo que eles mesmos fizeram, ou farão, mas somente sobre a base da obra redentora de Cristo.

A doutrina da expiação limitada trás para o ambiente do aconselhamento a certeza de que o Deus que redime é o Deus que cuida ativamente de cada um de nós. Conselheiros e aconselhados podem firmemente crer que Deus é o maior interessado no bem estar de seus filhos, proporcionando-lhes todos os meios para que sejam consolados em suas tribulações e tristezas.

Chama (Graça Irresistível)
O evangelho é a voz de Deus que chama os pecadores ao arrependimento. O chamado externo pode e é resistido por muitos que ouvem. Entretanto, o chamado interno, que é a operação do Espírito Santo no coração do pecador, não pode, sob nenhuma circunstância, ser resistido pelo ser humano. O Espírito Santo graciosamente chama o pecador ao arrependimento. E este, voluntariamente, atende ao chamado da graça. É o que conhecemos por graça irresistível.

O evangelho de Cristo chama, irresistivelmente, pecadores ao arrependimento. Esse chamado da graça torna totalmente possíveis mudanças significativas na vida de um regenerado. Tais mudanças se estendem por toda sua vida. É o que Paulo denomina novidade de vida (Rm.6). É o chamado da escravidão para a liberdade, das trevas para a luz, tornando possível um aconselhamento pautado nas Escrituras, para que o indivíduo se guie por ela.
Por esse chamado irresistível é que o cristão pode desfrutar de um casamento abençoado por Deus, sendo aconselhado a como lidar com o cônjuge e filhos; que o jovem pode ter um namoro amadurecido pelos conceitos da Palavra; que o homem de negócios vise só aquilo que é justo e bom; que os relacionamentos interpessoais se desenvolvam com solidez e sem hipocrisia. Essa é a proposta do evangelho de Cristo, que pode ser desenvolvida dentro de um aconselhamento saudável.

Preserva (Perseverança dos santos)
Essa doutrina repousa sobre o sacrifício completo e absoluto de Cristo. Ele não somente derramou seu precioso sangue para nossa salvação, mas providenciou o meio para que perseveremos na fé até ao último dia. Assim como a salvação, também o perseverar na fé depende da graça de Cristo. Paulo nos esclarece em sua epístola aos Efésios, capítulo um, versículos treze e quatorze: “em quem também vós, depois que ouvistes a palavra da verdade, o evangelho da vossa salvação, tendo nele também crido, fostes selados com o Santo Espírito da promessa; o qual é o penhor da nossa herança, até ao resgate da sua propriedade, em louvor da sua glória”.

Na verdade a doutrina da perseverança dos santos tem profundas implicações dentro do aconselhamento cristão, pois ela infunde esperança àqueles que buscam ajuda para lutarem com seus problemas e erros. O conselheiro sábio trará para seu aconselhado as terríveis realidades de uma vida de pecado, mas lhe dará esperança de que em Cristo, não só podemos ser perdoados, mas que agora o pecado não nos separa eternamente de Deus. Lembrando, é claro, as recomendações de Paulo em Romanos 6.1, 2.

“O QUE É O HOMEM...”
Algumas teorias modernas definiram o homem longe daquilo que as Escrituras declaram a respeito da humanidade. Destacaremos aqui alguns nomes que acreditamos expressarem um conceito geral daquilo que é dito, em termos psicológicos e sociais, do que é o homem e como ele se relaciona com o seu ambiente.

O homem de Freud
Sigmund Freud foi altamente influenciado por uma visão iluminista e evolucionista. Para Freud, a única maneira de ver o homem e o mundo é através da ciência que, em sua concepção, era sinônimo de razão. Em sua maneira de pensar, a religião era apenas uma neurose e a idéia de um Deus soberano eram muletas que ajudavam no sentimento de segurança do homem. Tais coisas deveriam ser deixadas para trás pelo homem moderno. Eram apenas heranças pré-históricas que perderam seu sentido moderno.

Freud queria elaborar uma filosofia que pudesse ver o mundo e o homem que não fosse através do conceito religioso. Ele encontrou nas ciências e em certas filosofias, como por exemplo, o iluminismo, uma estrada que parecia a ele muito promissora. Na verdade, toda sua visão de mundo é antropocêntrica. Tudo que o homem necessita para sua auto-aceitação, liberdade e felicidade, está nele mesmo.

A razão é a única coisa que rege o homem. Sendo este, segundo Freud, um produto da evolução, um animal racional, não tem porque ficar preso a dogmas religiosos, que trazem perniciosos sentimentos de culpa. Uma vez entendido isso, o homem se torna livre para ser o que sua consciência quiser. Freud coloca a psicanálise como a alternativa racional para lidar com a culpa. Ele coloca a psicanálise como a ciência da alma, e seus terapeutas como seus pastores, eliminando qualquer necessidade ou utilidade do sobrenatural.

O homem de Skinner
Burrhus Frederic Skinner não foge ao padrão geral daqueles que trilham caminhos distintos do que propõe as Escrituras. Filho de presbiterianos, revolta-se contra a religião e tenta conceber o homem e o mundo sob uma ótica puramente racional. Passa, então, a ver o homem como máquina. O problema da humanidade é o seu ambiente que o impulsiona para o mal. O homem não é responsável pelos seus atos. É um ser manipulável por forças externas naturais.
Ele é puramente fruto de estímulos de recompensa e punição. Esse condicionamento humano é resultante de sua evolução biológica de sobrevivência. A máxima de Skinner é: “o homem é uma máquina”. Há pouco espaço na sua teoria para a consciência. Quase tudo é fruto do meio. Na sua visão não há nenhum espaço para o ser humano criado como um ser individual e único. Apesar de tal pensamento estar em desuso em seu estado natural, ele influenciou grandemente teorias comportamentalistas que vêem o homem apenas como o resultado do meio em que vivem.

O homem de Rogers
Carls Rogers acredita que o ser humano é essencialmente bom. O que torna o homem ruim é a influência exterior. Coloca o homem como o centro de todas as coisas. Na verdade Rogers exalta o valor do ego, o sentir-se bem consigo mesmo. Nisso ele exalta o homem, incentivando o hedonismo. Palavras como bem-estar pessoal, vida centrada no eu, definem bem as idéias de Rogers.

O método de aconselhamento rogeriano centrado no pragmatismo, leva em consideração que a pessoa é, essencialmente, boa. Tal pressuposto destoa da antropologia bíblica de que o homem é, essencialmente, mau, nascido em pecado. Com certeza Rogers tem elevado grau de otimismo quanto ao potencial humano de se auto-construir em direção a uma vida plena, sem qualquer ajuda extra, a não ser a si próprio.

Repensando o homem biblicamente (total depravação)
O pensamento bíblico que os calvinistas sustentam sobre a “Depravação Total” é “Incapacidade espiritual”. Significa que o pecador está espiritualmente falido e que ele não pode fazer nada concernente à sua salvação. E ainda, o reino do pecado é universal; todos os homens estão debaixo do seu poder (Jó 25:4-6; II Cr.6:36; Jó 15:14-16; Sl.143:2; Ec. 7:20, 29; Rm.3.9-18). A Confissão de Fé comentando sobre a queda de Adão e Eva, nos diz que “sendo eles o tronco de toda a humanidade, o delito dos seus pecados foi imputado a seus filhos; e a mesma morte em pecado, bem como a sua natureza corrompida, foram transmitidas a toda a sua posteridade, que deles procede por geração ordinária”[5].

Não é preciso fazer grandes comparações para perceber que o pensamento atual sobre o homem destoa completamente daquilo que a Bíblia nos diz. Na verdade a Bíblia não eleva e nem diminui o homem. Apenas o coloca em sua condição real: falido espiritualmente. É justamente essa a posição que a doutrina calvinista sustenta. O homem não é uma máquina, como sustenta Skinner, conduzido pela razão e impulsos biológicos como queria Freud, e nem é bom como afirmou Rogers.

A teologia reformada ensina, com base nas Escrituras Sagradas, que o homem está ligado à sua natureza pecaminosa de tal forma que é inapto para se desvencilhar dela. Ele não pode produzir qualquer bem por si só que o leve a uma regeneração de sua condição. Mesmo que ele produza obras boas, ele sempre é direcionado, por seus próprios impulsos, para o mal. Tais obras são ineficazes para cumprir o padrão de Deus.

Sendo assim, o homem não é um ser livre e capaz como querem os expoentes do pensamento humanista, mas um ser que não pode produzir bem permanente. Ele é dependente de Deus não só para sua própria existência, mas principalmente para sua salvação. Tal conceito bíblico não diminui o homem, mas o coloca intimamente dependente de Deus.

POR UM ACONSELHAMENTO INTEGRAL
Ao longo da gloriosa história da igreja cristã, encontramos grandes teólogos que também foram pastores de alma, e que viam suas ovelhas pela ótica do cuidado integral. O cuidado pastoral pelas pessoas deve ser dirigido pelas Escrituras e moldado pela oração. É sempre direcionado ao outro, seja individualmente ou em grupo. Seja em lugares de cultos ou informais.

Temos que nos lembrar que aconselhamento não é resolver problemas ou tornar pessoas mais felizes. O aconselhamento pastoral nada mais é do que ajudar as pessoas visualizarem a graça de Deus em suas vidas. É conduzi-las a perceberem que essa graça, na maioria das vezes, está nas coisas ordinárias da vida. Não há relevância fora de Deus. Qualquer projeto alienado de Deus está fadado à solidão existencial. Todo projeto só pode encontrar sua realização e relevância na relação íntima e profunda com o Pai.

Ao analisarmos os cinco pontos do calvinismo, sua extensão prática para todas as áreas do relacionamento humano, percebemos, como diz Jay Adams, que a prática do aconselhamento cristão deve ser considerado dentro do processo de santificação[6]. Ele não é um fim em si mesmo, mas uma prática proporcionada por Deus para moldar um novo homem, “criado segundo Deus, em justiça e retidão, procedentes da verdade”[7].

Jesus olhava para o homem como um ser integral, com necessidades que abrangiam todas as áreas do seu ser. Não há como cuidar das pessoas sem entender claramente o que a Palavra de Deus declara sobre elas. Os cristãos reformados crêem que os cinco pontos do calvinismo fazem jus aos ensinamentos bíblicos quando pontuam todos os aspectos do homem, desde sua incapacidade para o bem, até sua total dependência de Deus para todas as coisas. Ainda, é ponto de destaque que a soberania de Deus é o clímax de toda estrutura na qual repousam as conclusões calvinistas.

A crença calvinista é que a primeira necessidade do homem, como um ser caído em pecado e separado eternamente de Deus, é a salvação de sua alma. E essa só pode ser efetuada mediante os méritos de Cristo, pela cruz do calvário. Qualquer aconselhamento bíblico, que não leve em conta a redenção, não poderá produzir resultados para a santificação, visto que o homem não regenerado não pode entender as coisas do Espírito de Deus, pois ainda não nasceu de novo.

Portanto, para um aconselhamento integral se desenvolver plenamente na vida de uma pessoa, que mude seu modo de pensar e agir, esta deve ser regenerada por Cristo Jesus. Ao não regenerado o conselheiro cristão deve, primeiramente, apresentar o evangelho de Cristo Jesus, dando-lhe oportunidade para conhecer a graça de Cristo e ser alcançado por ela. A isso, muitos conselheiros dão o nome de “pré-aconselhamento”, o que nós conhecemos por evangelização.

Conclusão
Algumas vezes os calvinistas são acusados de serem pouco práticos em suas doutrinas e crenças. Tal acusação é infundável, visto que os cinco pontos do calvinismo, que fazem uma síntese do pensamento reformado, é parte do dia-a-dia do cristão e molda sua maneira de ver a vida e a morte. É notório que o homem tem ganhado um espaço muito além dos seus méritos dentro da presente sociedade. Aliás, nada novo quando se trata de exaltar a humanidade. Pensamentos de proeminentes estudiosos da área do comportamento humano, altamente influenciados por uma visão humanista e até mesmo, espiritualista, é que constroem o cenário onde o homem é tido no mais alto grau de importância. Não há espaço para Deus nesse altar da soberania humana.

Ao resgatar a aplicabilidade da TULIP, usando-a para designar quem é o homem, podemos ajudar mais efetivamente o ser humano criado à imagem e semelhança de Deus, direcionando-o para o seu Salvador, num processo de santificação contínua. “Habite, ricamente, em vós a palavra de Cristo; instruí-vos e aconselhai-vos mutuamente em toda a sabedoria, louvando a Deus, com salmos, e hinos, e cânticos espirituais, com gratidão, em vosso coração” Colossenses 3.16.


Bibliografia
1. ADAMS, Jay E. Counseling and the Five Points of Calvinism. Phillipsburg: Presbyterian and Reformed Publishing Co., 1981.

2. CLARK, R. Scott. Convenant, Justification, and Pastoral Ministry. Phillipsburg: Presbyterian and Reformed Publishing Co., 2007.

3. COLE, Steven J. How John Calvin Led me to repent of Christian Psycology. The Journal of biblical counseling, v.20, nº 2, dec.-feb. 2002.

4. CONFISSÃO DE FÉ E CATECISMO MAIOR. São Paulo: CEP, 1984.

5. HURDING, Roger F. A Árvore da Cura – Modelos de Aconselhamento e de Psicoterapia. São Paulo: Vida Nova, 1995.

6. LILLBACK, Peter A. The Pratical Calvinist: an Introduction to the Presbyterian & Reformed Heritage. Christian Focus Publications: Great Britain, 2002.


Notas:
[1] Total Depravity; Unconditional Election; Limited Atonement; Irresistible Grace; Perseverance of Saints
[2] Era professor de um seminário holandês. Chama-se Jacob Hermann, cujo sobrenome latino era Arminius. Viveu entre 1560 a 1600. Era seguidor das doutrinas de Pelágio e Erasmo, e questionava a tradição reformada no que se refere à livre vontade do homem.
[3] Salmo 139.7
[4] Adams, Counseling and the five points of calvinism.
[5] Confissão de Fé de Westminster, cap. VI, parágrafo III
[6] Adams, Biblical Counseling and Practical Calvinism.
[7] Efésios 4.24

Rev. Baltazar L. Fernandes

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